sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Terapia para pessoas com transtorno bipolar

Terapia comportamental cognitiva para pessoas com transtorno bipolar
Cognitive behavioral therapy for bipolar disorders

Francisco Lotufo Netoa
aDepartamento de Psiquiatria da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo
Resumo
Descrição dos objetivos e principais técnicas da terapia comportamental cognitiva usadas para a psicoterapia das pessoas com
transtorno bipolar.
Descritores: Terapia cognitiva, Transtorno bipolar/terapia; Transtorno bipolar/psicologia; Transtorno do humor; Psicoterapia
Abstract
Objectives and main techniques of cognitive behavior therapy for the treatment of bipolar disorder patients are described.
Keywords: Cognitive therapy, Bipolar disorder/therapy; Bipolar disorder/psychology; Mood disorders; Psychotherapy
Rev Bras Psiquiatr 2004;26(Supl III):44-6
SIII 45
Terapia Comportamental Cognitiva / Neto FL
acontecimentos da vida e estresse no desencadear de novos episódios,
o uso da medicação pelo resto da vida, a questão da
hereditariedade (casar e ter filhos), gravidez e amamentação.
A aderência ao tratamento farmacológico deve ser trabalhada
em terapia, pois a regra é a não cooperação. Esta pode ocorrer
por preconceitos, conceitos errôneos, problemas na aliança terapêutica,
efeitos colaterais, erros na dosagem, esquecimento
de tomada, tomar mais que o prescrito, tomar medicação de
familiares e amigos, erros no horário, uso de álcool e drogas,
tomar outras medicações que interferem com os estabilizadores
do humor (diuréticos, antiinflamatórios) e falta de recursos para
o tratamento. Psicopatologia grave e transtorno de personalidade
predizem falta de aderência.3
Técnicas para monitorar os sintomas
Outro elemento importante da psicoterapia é a identificação precoce
do início de uma fase, para que uma intervenção efetiva a
coloque sob controle, prevenindo problemas e internação. Isto é
feito ensinando-se paciente e família a identificar e acompanhar
os sintomas da síndrome. Algumas técnicas que auxiliam são:
mapeamento da vida, identificação dos sintomas, gráfico do humor
e o afetivograma.3
O mapeamento da vida é uma técnica muito usada em
psicoterapia, na qual a pessoa traça uma linha em folha de papel,
identificando com os altos e baixos e cores o curso da sua vida e
doença. Pode assinalar o número, seqüência, intensidade e duração
das fases de mania e depressão, o impacto do tratamento e
de acontecimentos importantes. Auxilia a oferecer uma visão mais
ampla do curso da doença, dos fatores de estresse e da influência
do tratamento.
A identificação dos sintomas visa a ajudar a pessoa e a família a
identificar sintomas específicos das fases de depressão e mania,
diferenciar os estados de humor normais dos patológicos, tomar
consciência de sua situação clínica e lidar com conflitos familiares
onde o problema é atribuído à doença do paciente, saber o que
muda em sua vida durante a depressão ou a mania, o que muda no
modo como vê a si e aos outros, e o futuro. Os outros notam ou
percebem? O que as pessoas comentam? Faz-se revisão dos sintomas
de depressão e mania, identificando os que ocorrem no início
das fases. Pede-se ajuda à família (descrição da pessoa quando
está bem e quando esta começando a ficar doente).
São indicadores de humor normal a capacidade de sentar e
ler um livro ou jornal por um bom período de tempo sem sentirse
entediado, a capacidade de ouvir em uma conversa social,
não querer atingir os limites ou fazer algo arriscado, conseguir
completar tarefas com poucas distrações, sentir um pouco de
ansiedade e preocupação sobre as exigências do dia-a-dia (responsabilidades,
obrigações financeiras, etc.), experimentar e
ter prazer nos momentos de quietude e serenidade, ser capaz
de dormir bem à noite e ser capaz de aceitar críticas bem intencionadas
sem se irritar.
São sinais iniciais típicos de hipomania ou mania:4
1) Diminuição da necessidade de sono;
2) Diminuição acentuada da ansiedade;
3) Níveis elevados de otimismo, com pouco planejamento;
4) Grande vontade de se relacionar com pessoas, mas com
pouca capacidade de ouvir;
5) Concentração diminuída;
6) Aumento da libido com diminuição da crítica e da vergonha;
7) Aumento dos objetivos, mas com pouca sistematização
das tarefas.
Outra técnica é o gráfico do humor. Permite acompanhar
mudanças diárias do humor, do pensamento e comportamento,
identificar flutuações de humor ou atividade e identificar
sintomas subsindrômicos para solicitar ajuda e orientação quando
apropriado. Deve-se adaptar o gráfico às peculiaridades do quadro
clínico da pessoa.
Problemas nas fases de mania
Alguns problemas são freqüentes na fase de mania e a pessoa
pode se beneficiar de algumas técnicas para melhor lidar com
eles.3-4 Por exemplo, para o aumento dos interesses, idéias e atividades,
pode-se observar o gráfico do humor para detectar o início
da fase antes que ela saia do controle, orientar a pessoa a escolher
atividade com chance de sucesso (o objetivo pode ser também
o limitar as atividades), estabelecer uma agenda de atividades
incluindo sono e alimentação, determinar prioridades e avaliar
o gasto de energia. Outro problema de importância crucial é o
prejuízo do sono. Sabe-se que uma noite mal dormida pode facilitar
o início de uma fase de mania. Deve-se criar um programa de
higiene do sono, estimular hábitos adequados, evitar estímulos
excessivos (exercício, cafeína, etc.), ensinar relaxamento, administrar
as preocupações (por exemplo: lista e horário para percorrêla).
Outro problema é a irritabilidade que pode se transformar em
agressividade. Deve-se ensinar a ser reconhecida como sintoma
de mania ou depressão, ajudar a pessoa a desenvolver respostas
alternativas ao invés de reagir. Por exemplo, ensinar a não responder
e a sair do local por algum tempo, expressar empatia pelos
sentimentos do outro e pedir desculpa, assinalar a presença
de irritação antes que esta aumente.
A hipersensibilidade à rejeição e à crítica consiste em outro problema.
Deve-se ensinar a família a perceber quando o paciente
está irritado e reagir levando em conta a perspectiva do paciente.
Diante de extravagância nos gastos é preciso examinar a sua natureza
e se o paciente consegue controlá-los, e verificar se outros
sintomas de mania estão presentes.
Durante a mania, ocorre uma série de mudanças cognitivas.
Por exemplo: otimismo exagerado e idéias de grandeza, idéias
paranóides, pressão sobre o discurso, pensamento acelerado e
desorganizado, alterações quantitativas da percepção, ressentimento
pela desconfiança do terapeuta e familiares sobre seu bem
estar. Outras distorções cognitivas são freqüentes e levam a comportamentos
inadequados:
1) Aumento do interesse sexual e idéia que isto é correspondido
pelas outras pessoas;
2) Achar que os outros estão muito devagar;
3) Ir prematuramente ao topo da cadeia de comando;
4) Humor sarcástico e inadequado;
5) Supervalorizar a apreciação de suas idéias pelos outros;
6) A não aceitação de suas idéias é vista como sinal de burrice
ou desinteresse;
7) Por se sentirem bem, acham que não precisam de remédio;
8) Achar que só ele está certo e não levar em consideração a
opinião dos outros, fazendo exigências despropositadas;
9) Viva o presente, pois o amanhã será ainda melhor.
Estas distorções cognitivas na mania levam a pessoa a subestimar
riscos, exagerar possibilidades de ganhos ou acertos, achar
que está com mais sorte, superestimar capacidades, minimizar
problemas da vida e valorizar gratificação imediata.
Lidando com fatores de estresse
Um elemento importante é ensinar o paciente a manejar melhor
os acontecimentos de sua vida que são estressantes. Muitos
desses problemas são bem descritos pela terapia interpessoal,
principalmente luto pela perda de alguém, conflitos com pessoas
próximas, mudanças de papel existencial, déficits de habilidades
sociais, perda da noção do si mesmo saudável e problemas de
relacionamento entre adolescentes de pais separados com as
novas famílias constituídas pelos pais. Estes problemas podem
contribuir para piora e manutenção da depressão e, não raro,
Rev Bras Psiquiatr 2004;26(Supl III):44-6
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estão presentes no desencadear das fases de mania ou são piorados
por esta. Ajuda aprender a definir e avaliar prioridades,
pensar em como solucionou o problema no passado, sugerir
intervenções não experimentadas. Deve-se respeitar inteligência
e recursos do paciente e analisar obstáculos à mudança. As
técnicas de solução de problema podem ser ensinadas e são
bastante úteis. O treino de habilidades sociais é um importante
instrumento, ensinando auto-afirmação e comportamentos básicos
para os pacientes com quadros mais graves e grande comprometimento
da vida social.
Problemas nas fases de depressão
As fases de depressão apresentam também problemas característicos.
4-5 Para a culpa associada à inércia e à letargia é importante
analisar explicações pessoais distorcidas para a inércia, vêla
como sintoma e não falha de caráter e direcionar a energia
disponível para o possível ou o prioritário.
Algumas técnicas auxiliam: diário de atividades, foco nas tarefas
essenciais (contas, limpeza de casa, telefonemas importantes,
etc), dividir as tarefas em pequenos passos e iniciar as que
têm maior chance de sucesso, estabelecer alvos razoáveis, fazer
lista de atividades prazerosas e as incluir e iniciar.
Alguns pacientes com depressão estabelecem alvos irrealistas.
Podem se beneficiar de uma avaliação do padrão estabelecido
para si mesmo, avaliação do tempo necessário para cumprir uma
tarefa, planejar tarefas realistas, analisar esquemas cognitivos de
perfeccionismo e incompetência.
Muitos pacientes perderam a capacidade de sentir prazer e não
têm atividades de lazer. A atividade aumenta a probabilidade de
reforço positivo e para isto deve-se prescrever divertimento, fazer
lista de atividades agradáveis, aprender a lidar com pensamentos
negativos que impedem a percepção de aspectos positivos e aprender
a administrar experiências de rejeição, ansiedade ou fracasso.
Muitos têm dificuldade para se concentrar ou tomar decisões.
Em geral, algumas das seguintes situações estão presentes: a
pessoa possui muitas opções e não consegue organizá-las mentalmente;
incapacidade de gerar idéias (branco); remoer sobre as
vantagens e conseqüências de cada opção sem conseguir concluir.
Para os casos mais graves, ajuda pedir para alguém fazer a
escolha, ou fazê-la previamente. Pode ser útil relaxar e reduzir
distrações no ambiente, fazer apenas parte da tarefa, aprender a
fazer análise das vantagens e desvantagens e a analisar as antecipações
catastróficas das escolhas.
Os pacientes com depressão apresentam os pensamentos automáticos,
regras e crenças distorcidas, que geram desesperança e
ideação suicida. Alguns exemplos:4
1) Meus problemas são enormes, o jeito de resolvê-los é acabar
com a minha vida.
2) Sou um peso para todos, é melhor que eu me vá.
3) Me odeio, mereço morrer.
4) Só a morte pode aliviar minha dor.
5) Tenho tanta raiva de todos, que vou me matar para ensinálos
uma lição.
A ideação suicida é sempre uma prioridade no tratamento. Devese
perguntar por ela, avaliar a sua letalidade e ajudar o paciente a
reconstruir seus pensamentos, auxiliando-o a avaliar suas possibilidades
de modo específico e não radicalmente negativo.
A pessoa com transtorno bipolar pode ter diversos problemas
de comunicação. Um deles é provocado por hipersensibilidade.
Assim, sentimentos são facilmente feridos, antecipam crítica e
rejeição e têm reação desproporcional (tristeza, culpa, vergonha,
raiva) quando pressentem rejeição. Ajuda ensinar estratégias para
lidar com a raiva e para avaliar a validade de seus pensamentos
e pressupostos. Importante ensinar familiares a não reagir, mas
entender o problema da perspectiva do paciente.
Procedimentos simples como ensinar a ouvir, repetir o que
entendeu, pedir confirmação, falar claramente e de modo específico
podem ser valiosos.
Referências
1. Juruena MF. Terapia cognitiva: abordagem para o transtorno afetivo
bipolar. Rev Psiquiatr Clín (São Paulo). 2001;28(6):322-30.
2. Hawton K, Kirk J. Solução de problemas. In: Hawton K, Salkovikis PM,
Kirk J, Clark DM. Terapia comportamental cognitiva para transtornos psiquiátricos:
um guia prático. São Paulo: Martins Fontes; 1997.
3. Basco M, Rush AJ. Cognitive-behavioral therapy for bipolar disorder.
New York: Guilford; 1996.
4. Newman CF, Leahy RL, Beck AT, Harrington NR, Gyulai L; American
Psychological Association. Bipolar disorder: a cognitive approach. Washington
(DC): American Psychological Association; 2002.
5. Greenberger D, Padesky CA. A mente vencendo o humor. Porto Alegre:
Artmed; 1999.
Correspondência
Francisco Lotufo Neto
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Departamento de Psiquiatria
Rua Dr. Ovídio Pires de Campos 785
05403-010 São Paulo, SP
Terapia Comportamental Cognitiva / Neto FL

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