sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Comentários a partir da leitura da coletânea de textos de Conrad Stein - o livro "O psicanalista e seu ofício

A generosidade de um convite ao insólito
Janete Frochtengarten

Comentários a partir da leitura da coletânea de textos de Conrad Stein - o livro "O psicanalista e seu ofício", Editora Escrita, 1988.



Janete Frochtengarten é psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.


Benvindos os pensadores, quaisquer que sejam as suas proveniências, quaisquer que sejam as eleições de seus lugares de pensar, que no próprio processo de pensamento fazem do insólito uma presença viva. Recém banhada no texto lido, assim comecei, para me dar conta que começo pelo que poderia ser o fecho (e de que efeito!) deste artigo. Penso que isto já tem a ver com o livro, tanto quanto o título do artigo. Desta forma: Stein, ao falar sobre o capítulo VII da "Interpretação dos Sonhos", detém-se num sonho relatado por Freud, que lhe foi por sua vez relatado por uma paciente, que ficou sabendo dele (sonho) durante uma conferência sobre sonhos... E diz Freud: "ele (o sonho) impressionou esta senhora em virtude do seu conteúdo, pois ela não deixou de "re-sonhá-lo", ou seja, de reproduzir elementos do sonho em seu próprio sonho, para expressar por meio desta transferência, uma concordância sobre determinado ponto". Bem, penso que eu fiz uma transferência sobre um determinado ponto do livro de Stein e o "re-sonhei". E ao fazê-lo, sem perceber, me identifiquei com coisas lidas, nas quais o que é o começo e o que é o fim é recolocado em termo que nada têm a ver com o começo e o fim daquilo que é convencionado a sê-lo. Quando Stein fala da própria análise (a auto-análise) de alguém, diz dela que já pode ter se iniciado antes da instalação da análise com um analista, que se mantém bem ou mal durante o processo desta análise e que perdura indefinidamente para além dele.
O começo e o fim de uma análise feita a dois significam algo, mas não são necessariamente começo e fim do processo de "estar em análise".
Eu, que na condição de intérprete, me apropriei, sem percebê-lo, desta revolução nos tempos oficiais, comecei como comecei, para depois, adiante na leitura do livro, me deparar com a palavra insólito que já, com anterioridade, tinha me surgido para o título do artigo...
Coisas da identificação, coisas da transferência, coisas do intérprete que "re-sonha"... do intérprete que sou eu, neste momento, sem dúvida identificada com Stein (que nem sequer conheço), numa transferência amorosa - que fiz transferencialmente comum a ambos, sobre a Psicanálise...
E nem apresentei ainda Conrad Stein ao leitor - é um psicanalista francês, pela primeira vez traduzido entre nós; é membro titular da Societé Psychanalytique de Paris, tendo publicado textos desde 1958 até a atualidade, onde seus pensamentos continuam a ser prodigamente oferecidos em seus escritos.
Quero me deter agora no "determinado ponto", no qual ancorei minha transferência.
É a meu ver um ponto que atravessa todos os textos coligidos, que se situam num intervalo de tempo de 25 anos, e que encontrei explicitado numa nota de rodapé.
É quando Stein (p.55), ao falar que Freud, na ausência de interesse pelas questões da filosofia das ciências, se "permitiu prosseguir a sua obra sob o domínio daquilo que, no fim de sua vida, ele denominará - nossa imperiosa necessidade de causalidade - sem ter de se perguntar muito se sua necessidade não era mais satisfeita pelo pensamento selvagem, criador de mitos de origem, do que pelo pensamento científico, formador de leis; assim pôde ele manter até o fim, sua nostalgia da ciência, sem cair na ingenuidade do dogmatismo pseudo-científico".
O livro, para mim, é percorrido por isto: a constante atenção para a dissolução do dogmático, através da irrupção do selvagem, do pensamento preguiçoso, do insólito, do que surpreende, embora hoje em dia seja inviável desconhecer a filosofia das ciências. E é mesmo assim, na sua presença, que o selvagem sobrevive. "ça n'empêche pas d'exister"...
Antinomias, paradoxos contradições, são olhados com carinho, como nós instigantes no s quais o pensamento se retorce, se dobre por sobre si mesmo e se revitaliza trabalhando.... trabalhando preguiçosamente (por paradoxal que isto pareça).
É por onde Stein trabalha: desdobrando os nós, com delicadeza, ora em duplicidades, ora em feixes de idéias, mas não desatando-os numa dura exigência pseudo-científica de linearidade.
Embora eu veja a presença constante desta motivação sob os vários textos, quero ressaltar ocasiões onde isto se faz manifestamente muito claro.
Quando Stein, no último artigo do livro, usa a expressão liberdade obrigatória, usa-a mantendo a antinomia e explicitando-a.
Assim: ao analisar uma seqüência da análise de uma paciente sua, fala da conseqüência escandalosa do pensamento freudiano sobre a transferência - "o tratamento supõe que o sujeito obedecerá à convocação que se lhe faz para usar da liberdade que o médico lhe outorga". O escandaloso: é o psicanalista que fascina o paciente por um logro, a sedução, que o leva a obedecer à convocação - ou seja, que o leva a ter suficiente complacência para respeitar as condições de existência do tratamento. O paciente se engaja, então, com mais ou menos ciência disto, num estado de liberdade obrigatória no qual o analista lhe impõe que use sua liberdade de repetir compulsivamente, ao mesmo tempo em que respeite as condições para que o tratamento possa existir (portanto, que não repita compulsivamente).
A própria escolha de título para o artigo que no livro é o XIV, é um enunciado antinômico: "Sobre um amor que obstruiria o amor".
Quando Stein aborda a questão da transferência não aceita uma "visão das coisas" que lhe parece "por demais fenomenológica para não mascarar o essencial". O essencial seria este nó: o termo transferência designa ao mesmo tempo, um mecanismo psíquico e certas manifestações de que este mecanismo pode dar conta. Sendo assim, isto se presta a pensar que há uma transferência sobre o psicanalista e uma transferência sobre a psicanálise. A primeira é a condição de existência do próprio tratamento e seu destino é ir perdendo a nitidez durante o mesmo. A segunda se instala mais ou menos progressivamente, vindo a fornecer o principal suporte do prosseguimento do trabalho no além das sessões. Mas aí, Stein introduz uma diferença tal que permite o desdobramento em "transferência" e "transferências". É a mobilidade das transferências que permite a continuidade do trabalho analítico por conta própria - capacidade esta que se exerce idealmente num palco infinito. Quanto à transferência (singular), ela designa uma disposição durável a operar de modo privilegiado e bastante manifesto, transferências sobre um suporte único, constituído pela pessoa do psicanalista.
Stein não driblou o nó que criava a dificuldade de pensar discriminadamente em duas realidades diferentes, pois isto levaria a uma dualidade fácil e falsa do tipo: há duas transferências. Ele se aproxima do nó e ao analisá-lo, faz um outro desdobramento do qual se produz uma dualidade: singular e plural; há transferência e transferências. Esta dualidade não é fenomenológica, não é operativa e mobiliza, para ser formulada, bem mais trabalho psíquico.
Stein falando sobre a "evidente" inveja do pênis, fala do sonho de uma paciente como sendo "demais evidente" - o caráter de evidência funcionando como defesa de um desdobramento outro. A evidência do sonho seria para que só haja reconhecimento do desejo de ter pênis e nenhum outro. Mas Stein não fica na evidência e se pergunta: porque queria ela ter um pênis, para fazer o quê? E, pela própria pergunta posta, vai se aproximando de que o desejo de ter um pênis era um substituto da busca da mãe e "esta relação de substituição pareceu-me mais essencial quanto à interpretação da inveja do pênis do que a relação de condição" (na qual há dois desejos unidos por um laço tal, que a realização de um é a condição da realização do outro; no caso - quero ter um pênis para ser amada pela minha mãe).
E lá vai o autor, com seu pensamento ágil, furtando-se a usar expressões que foram tão usadas e abusadas que ficaram esvaziadas (como a "neutralidade" do psicanalista) e para tanto inventando linguagem, furtando-se a tomar um símbolo onírico na sua associação simbólico única, lembrando que o símbolo em si é condensação e que, conseqüentemente, aponta para saídas múltiplas; furtando-se a entrar no universo do absoluto - "não se pode ser psicanalista submetido a um imperativo", "não podemos ser analistas de modo absoluto", uma vez que o analista também está imerso numa "atitude de pensamento que depende dos mesmos princípios que, do lado do paciente, são os da resistência - a resistência é uma exigência da vida - donde resulta que um pensamento puramente psicanalítico é um ser mítico"; lá vai o autor depondo, com a força do seu pensar, contra as ilusões cientificistas,, contra as formulações de regras, mesmo quando estas se encontrem no próprio texto de Freud (a regra relativa às falas nos sonhos), contra as auto evidências (o dever do supervisor é por suposto eliminar candidatos a analistas que são candidatos "perversos").
O autor que opta a favor de um enunciado de uma verdade antes que a favor da formulação de uma regra, que traz o insólito não só nas antinomias, mas também quebrando os "matter of fact" que se consolidam em determinadas instituições de formação de analistas, nas quais a representação da pertinência à Instituição deixa de ser equivalente de um produto de fabulação para ser um fato, que se cristaliza como fato, quando se pensa no próprio analista como membro do corpo constituído no qual se quer obter habilitação.
Lá vai Stein, navegando, através dos vários textos, desviando-se das explicações cômodas, frutos de leis de proporção, que surgem quando, por exemplo, ao falar dos benefícios secundários da neurose, se pensa numa ordem do mensurável: o benefício, comparativamente ao sofrimento causado pela neurose; desde aí, um fracasso terapêutico ficaria na coluna dos benefícios secundários, de um desejo inconsciente de não se curar.
Lá vai o autor, situando a Psicanálise, não numa coluna à margem da vida, mas na própria vida e recusando-se também a permitir que o psicanalista fique à margem das instituições, formais ou não, tomando as suas distorções como fatos incontestáveis; colocando o psicanalista no centro da questão, tendo certeza de que "um psicanalista pode melhorar sensivelmente suas condições de trabalho, se compreender as implicações da pertinência a uma comunidadade psicanalítica" e "melhorá-las também se compreender as implicações da pertinência, quer queira, quer não, a uma comunidade terapêutica".
Mas tudo isto consegue não ser pesado, por mais responsável e trabalhoso que seja, pois, de dentro de um pensar preguiçoso, o texto se abre em humor e em inesperados. A imagem que se forma para mim é a de um psicanalista que se declarando, com ironia, um bom menino, de bom comportamento - aponta justamente para o contrário; forma em mim uma figura de alguém que acolhe muito bem, até mesmo com volúpia, a sua criança sempre viva; as suas travessuras se mantém na sua escrita.
Uma escrita na qual vivi o prazer do texto, o prazer do chiste, fluidificando o que poderia ser árido e hermético. Uma leitura que foi suscitando em mim a curiosidade de seguir o autor no que parecia, em muitos momentos, um jogo de esconde-esconde - onde iria ela aparecer agora? - me divertindo e criando uma expectativa alvoroçada. Só que neste jogo de esconde-esconde quando eu o achava, na realidade o encontrava pois eu era guiada, imperceptivelmente pelas suas próprias mãos, tão leves, que me davam a ilusão de uma descoberta quando, em verdade, se tratava de um ir ao encontro. Neste jogo houve também momentos de frustração, de irritação de desencontro - eu não achei o autor, ou porque havia "pistas" que eu não vi, ou porque não vi a questão que instaurava o jogo. Quem sabe, um dia...
Uma leitura na qual houve ocasiões de risco escancarado. Quando Stein fala que ficou com um idiota, "indiferente", frente a uma paciente que ameaçava arremessar-lhe a almofada na cabeça, eu me vi, tantas vezes idiota... E ri o riso de quando se consegue rir de si mesmo. Ri solto , também na definição que Stein faz da escuta analítica (expressão que já está se transformando na ordem do mítico, na fala dos psicanalistas) como ouvido mesmo, que "mais freqüentemente do que o analista gostaria é um órgão simultaneamente ativo e seletivo, um ouvido que procura". A imagem de um ouvido por aí, procurando ouvir...
Momentos de prazer do riso, de riso de prazer de romper com um projeto de analista ideal que por vezes invisto em mim mesma... acreditando-o realidade.
Aplico ao livro o que o autor fala da psicanálise "mais longe, além do término do tratamento (do livro) não há fim, não há realização, somente uma obra que testemunha a virtualidade indefinida de uma realização".
É isto aí.
Mas o indefinido não justifica a absolutização do relativo, no qual caberiam com tranqüilidade jogos de palavras que, ao invés de apontarem para o mais além, se tornam circulares. O que "salva" o autor de cair no mito do eterno selvagem é a clínica. A clínica é soberana; ela detém, na concretude de seu próprio corpo, as cadeias associativas, a rigor infinitas; impedindo um desenvolvimento de abstrações sempre crescentes, carnalizando; ao mesmo tempo em que ela, sempre ela, é quem dispara as associações. O começo e o fim coincidem...
Portanto, leitor, volte, por favor à afirmação exclamativa que abre este artigo, para finalizá-lo por si mesmo, uma vez que minha verborragia amorosa parece não cessar...


Reflexões sobre a interpretação psicanalítica e sua relação com a teoria e a clínica psicanalíticas

Reflexões sobre a interpretação psicanalítica e sua relação com a teoria e a clínica psicanalíticas

Reflections about the interpretation and its relations with the psychoanalytical theory and clinic

Reflexiones sobre la interpretación y sus relaciones con la teoría y la clínica psicoanalíticas


José Martins Canelas Neto*
Membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo
Endereço para correspondência



RESUMO
O autor desenvolve uma reflexão sobre a interpretação psicanalítica, considerando tanto a prática desta dentro da sessão, quanto seu valor de revelação de um sentido latente. Como a interpretação depende essencialmente da subjetividade do analista, sendo uma maneira de estar e pensar do analista, sua compreensão foi abordada recorrendo ao conceito de “pensamento clínico” de André Green. É desejável que a interpretação surja como uma emergência da latência onde ela se mantinha. Essa latência é próxima da idéia de vazio como vacuidade, isto é, um vazio potencialmente habitado por sentidos que estão a ponto de ser colocados em forma. O pensamento clínico opera favorecendo esse processo. Para isso é fundamental levarmos em conta a incerteza e o hiato entre teoria e clínica. O trabalho de pensamento clínico introduz um terceiro que permite ao analista sair de uma relação mal delimitada, simbiótica, com o analisando para introduzir palavras com valor interpretativo.
Palavras-chave: Interpretação, Pensamento clínico, Vazio.

ABSTRACT
The author develops his ideas about the psychoanalytic interpretation considering its clinical practice as well as its value as a revelation of a latent sense. The interpretation depends essentially on the subjectivity of the analyst — i.e., the analyst’s way of being and thinking while working with the patient. Because of that, the interpretation is approached in the article based on André Green’s concept of “clinical thought”. It is desirable that the interpretation emerges from the latency where it was. This latent state is close to the idea of emptiness and vacuity, i.e., an emptiness that is potentially inhabited by meanings that are ready to be expressed. The clinical thought operates collaborating to this process. Therefore, it is essential to take into account the uncertainty and the gap between theory and clinic. The clinical thought work introduces a third element that allows the analyst to leave from a symbiotic and weak delimited relationship with the patient and to introduce words of interpretative value.
Keywords: Interpretation, Clinical thought, Emptiness.

RESUMEN
El autor desarrolla una reflexión sobre la interpretación psicoanalítica, considerando tanto la práctica de la misma dentro de la sesión, como su valor de revelación de un sentido latente. Como la interpretación depende esencialmente de la subjetividad del analista, siendo una manera de estar y pensar del analista, su comprensión fue abordada recurriendo al concepto de “pensamiento clínico” de André Green. Es deseable que la interpretación surja como una manifestación de la latencia en la cual ella se encontraba. Esta latencia se aproxima de la idea de vacío como vacuidad, o sea, un vacío potencialmente habitado por sentidos que están próximos al “mise en forme”. El pensamiento clínico opera favoreciendo este proceso. Para ello es fundamental que consideremos la incertidumbre y el hiato entre teoría y clínica. El trabajo de pensamiento clínico introduce un tercer elemento que le permite al analista salir de una relación mal delimitada, simbiótica, con el analizando para introducir palabras con valor interpretativo.
Palabras clave: Interpretación, Pensamiento clínico, Vacuidad.



Gostaria de agradecer o convite feito a mim pela comissão organizadora da Jornada da Teoria dos Campos realizada em São Paulo em 2007. Considerei esse encontro como o desenvolvimento vivo da força do pensamento e da presença de Fabio Herrmann, que foi sem dúvida um dos mais importantes e originais pensadores da psicanálise contemporânea.
No Vocabulário de psicanálise de Laplanche e Pontalis, o termo “interpretação” é definido em duas direções diferentes e mais ou menos paralelas: a primeira, ligada à noção de sentido, “fazer emergir (ou liberar, desembaraçar) pela investigação analítica o sentido latente na fala e nas condutas de um sujeito” (Laplanche & Pontalis, 1981); a segunda direção se refere àquilo que comunica o analista ao paciente e que faz com que este tenha acesso ao sentido latente. Esta última direção parte de um ponto de vista centrado na prática clínica do analista, durante a sessão. Penso que seria interessante aprofundar a questão da interpretação levando em conta esses dois eixos de reflexão.
Segundo a concepção freudiana, a interpretação visa essa liberação do sentido latente que estaria presente na fala do paciente durante a sessão analítica, explicitando o conflito defensivo ligado ao desejo inconsciente. Este modelo é teorizado na Interpretação do sonho (Freud, 1900/2004). Em seguida, o modelo é expandido para as diversas formações do inconsciente (os atos falhos, os lapsos, os esquecimentos, os chistes, o cômico, etc.). Por fim, salienta Freud que para completar esse modelo não se pode esquecer que esse sentido só é alcançado a partir da fala associativa do paciente. Assim, podemos notar que toda a teorização de Freud quanto ao papel mutativo da interpretação se fundamenta na possibilidade de que uma fala e uma escuta associativa possam ocorrer na sessão. Aparece aqui a questão da prática clínica da psicanálise. Essa importância essencial da prática clínica está presente de maneira muito rica e cristalina nos textos anteriores à Interpretação do sonho, sobretudo nos “Estudos sobre a histeria” (1895), texto que Freud escreve a partir de mais de dez anos de prática clínica de psicoterapia. Com suas pacientes histéricas, Freud descobre que há, nessas formações do inconsciente, um trabalho psíquico completo com objetivo próprio, como uma manifestação que tem seu conteúdo e significado próprios.
O segundo eixo de direção da definição do Vocabulário de psicanálise concerne ao que se passa entre analista e analisando dentro da situação na sessão analítica. Referência à importância do processo analítico, enquanto prática clínica da análise. Tocamos aqui na noção de técnica analítica. Entendo técnica mais no sentido do fazer analítico do que de um conjunto de regras e normas da ação do analista.
Laplanche e Pontalis notam que a palavra usada por Freud — “Deutung” — ao ser traduzida (traída?) para nossa língua não pode deixar de dar ênfase ao aspecto “subjetivo”, “forçado”, “arbitrário” da interpretação, isto é, salientando o papel da subjetividade imposta do analista. No entanto, em alemão o termo não tem essa conotação e sim o sentido de esclarecimento, de acréscimo de sentido. Por isso, quando incorremos no erro de colocar a teoria como fundamento da prática clínica, estamos forçando a importância do sentido pejorativo de pura imposição da subjetividade do analista em detrimento dessa abertura para novos sentidos que parece ser a função central da interpretação. É essa abertura para um sentido novo do ser do analisando que buscamos ao interpretarmos a partir da fala associativa do paciente. Se o analista recobre essa fala associativa com sua teoria, o resultado é um fechamento e não uma abertura. Isso me faz salientar que a interpretação não engloba o conjunto das intervenções do analista, como por exemplo assegurar o paciente, dar uma explicação, fazer uma construção quanto ao passado deste, encorajá-lo a falar, reconfortá-lo, etc. O que não impede que em determinados momentos da análise essas intervenções possam ter valor interpretativo.
Mas, se não é uma teoria explicativa que o analista imagina, nem uma explicação causal de seus sintomas, nem de suas faltas, nem de seu funcionamento psíquico atual em geral, que por esse fato não tem um estatuto de objeto de conhecimento, o que seria interpretar? Sinto-me muito próximo da concepção de René Diatkine, para quem a interpretação é uma maneira particular de estar no decorrer de uma sessão, o modo de funcionamento mental do analista. Trata-se então de uma certa disposição psíquica do analista (consciente e inconsciente). As intervenções e os silêncios do analista não são codificáveis e sua descrição objetiva não faria avançar nosso conhecimento sobre o processo psicanalítico.
Essa disposição psíquica do analista tem uma semelhança com a disposição mental da mãe diante do bebê nos primeiros meses, embora para o analista o seu conteúdo, sua orientação e seus objetivos gerais sejam totalmente diferentes dos da mãe. Tanto essa mãe como o analista, por meio da organização de suas fantasias, podem desempenhar um papel estimulante ou de retorno à calma, sem passar por uma análise sistemática do comportamento.
A interpretação surge da relação íntima que se estabelece para o analista entre o que diz o paciente e a apreensão de sua contratransferência. Além disso, essa interpretação deve levar em conta, a meu ver, a globalidade daquilo que o analista compreende quando se pergunta: “Por que ele me diz isso, nesse momento e para mim?”.
Só é possível ao analista responder pelo seu próprio jogo associativo porque ele dispõe de uma representação global daquilo que se passa com seu paciente, interpretação que serve como trama a suas reações contratransferenciais, materiais de base de suas cadeias associativas (Diatkine, 1994, p. 69).
Tocamos aqui no que André Green chamou de “pensamento clínico”, que deve ser distinguido da teoria psicanalítica. Esse autor defende a idéia de que há não somente uma teoria da clínica, mas também um pensamento clínico, isto é, “um modo original e específico de racionalidade proveniente da experiência prática” (Green, 2002, p. 11). Trata-se então de uma disposição singular do psiquismo do analista que incluiria o trabalho de pensamento operando dentro da relação do encontro com o analisando. Nessa maneira de conceber, devemos considerar a clínica como o olhar não somente direcionado àquele que sofre, mas também àquele que está encarregado de escutar esse sofrimento, graças a uma sensibilidade particular, isto é, o analista.
Dessa maneira introduzimos como centrais as questões da transferência e da contratransferência e o papel das trocas entre o analisando e o analista. O “pensamento clínico” depende das características do campo no qual o analista deve trabalhar. Green mostra o paralelo entre o “enquadre” psicanalítico e o modelo do sonho, aquele criando uma situação analógica com o sonho. Essa situação seria a forma ideal para o trabalho do pensamento clínico. Mas Green lembra que atualmente é freqüente que o analista tenha de fazer modificações nesse modelo.
Numa tentativa para melhor caracterizar o que seria o cerne analítico do enquadre, Green propôs a divisão do enquadre em duas partes. A primeira seria uma “matriz ativa”, constituída pela associação livre do paciente e pela escuta flutuante e a neutralidade do analista, que constitui o coração da ação analítica, quaisquer que sejam as modalidades em que o analista seja levado a trabalhar. A segunda parte, que chamou de “fração variável”, seria formada pelos elementos variáveis e convencionais do enquadre (o analista estar visível ou não, pagamento ou não, freqüência das sessões, duração delas, convenção sobre as sessões em que o paciente falta, etc.).
O pensamento clínico resulta de um trabalho mútuo de observação e de auto-observação dos processos mentais utilizando o canal da palavra. Lembro aqui a formulação de Green: “A psicanálise transforma o aparelho psíquico em aparelho de linguagem”. Na atividade analítica ocorre um retorno a si, por meio de um desvio pelo outro.
O trabalho de pensamento clínico coloca em relação, por meio da linguagem, duas formas que essa última mantém com o psiquismo. Uma primeira que é constituída pelas relações entre pensamento consciente e pensamento pré-consciente, ambos indissociáveis da linguagem. E uma segunda forma, que buscaria estabelecer relações entre pensamento consciente e pré-consciente de um lado e “as conjecturas sobre o pensamento inconsciente, o qual não tem a mesma relação de dependência às representações de palavra, mas se apóia nas representações de coisa” (Green, 2002, p. 30).
Essa noção de pensamento clínico se caracteriza pelos diferentes processos de relação entre os diversos regimes de funcionamento das instâncias psíquicas. O autor já havia avançado essa concepção, com o nome de processos terciários, os quais se caracterizam essencialmente pelo estabelecimento de ligações, num vai-e-vem permanente entre os dados do processo primário e os do processo secundário. Na obra de 2002, reflete sobre a relação desses processos terciários com o virtual. Este é uma das formas do trabalho do negativo, conceito desenvolvido há bastante tempo pelo autor. O virtual se inscreve dentro da ordem de possibilidades oferecidas pelas ligações que trabalham subterraneamente e só emergem como uma eventualidade.
Para que o pensamento clínico possa ocorrer é preciso haver uma confiança na associação livre, a qual necessita que haja o que Bion chamou, emprestando o termo de Keats, de “capacidade negativa”. Trata-se de uma tolerância necessária ao negativo, e sobretudo o do não-saber. Por isso, devemos estar atentos ao risco para o processo analítico causado pelo estabelecimento em nossa mente de um pensamento que seria como uma tradução simultânea interpretativa do que o paciente fala ou faz. Daí a importância que vejo no conceito de perlaboração, que funciona como atividade que retarda essa tendência a uma precipitação interpretativa. A análise passa pela colocação em palavras e percorre seu caminho por uma via lenta.
Levando em conta essas considerações, podemos dizer que é desejável que a interpretação surja como uma emergência da latência onde ela se mantinha. Essa latência na qual estava a interpretação é próxima da idéia de vazio como vacuidade que desenvolvi em um trabalho sobre esse tema. A vacuidade é um vazio que é potencialmente habitado por sentidos que estão a ponto de serem colocados em forma. Green fala, sobre esse movimento, em positivação do negativo ou colocação em forma da virtualidade.
Dentro desse movimento [de positivação do negativo], o pensamento não articulado do inconsciente, ao se enunciar, se articula e, por esse fato, se limita. Limitando-se ele se torna apreensível; ele talvez tenha perdido uma parte de seu dinamismo, mas adquiriu uma precisão que o tornou comunicável e manipulável pelo pensamento, em suma, ele acedeu a um estatuto de linguagem (Green, 2002, p. 31).
A escuta do analista tem forçosamente uma relação com suas idéias sobre a natureza do inconsciente ou do Id, por exemplo; enfim, com suas concepções teóricas, metapsicológicas. Não há escuta neutra e despojada de influência teórica. Por outro lado, devemos lembrar que há um intervalo entre teoria e prática clínica que é impossível de preencher e que deve ser mantido assim. Penso que nunca a teoria poderá se sobrepor completamente à clínica, nem cobrir toda a extensão de seu campo, assim como também nunca a clínica poderá ser uma aplicação sem restos da teoria, totalmente esclarecida por esta. É essa incerteza e esse hiato entre teoria e clínica que permitem o pensamento clínico.
A disposição particular da escuta do analista e a possibilidade de o pensamento clínico se desenrolar na análise levam a uma abordagem indireta do psiquismo, o qual dá somente sinais para o analista. Em sua escuta, dentro de uma reserva de silêncio, o analista abre seu inconsciente às ressonâncias do inconsciente do analisando. Mas essa comunicação “direta”, em vaso comunicante, só pode se tornar pensamento (pensamento clínico) se houver um terceiro que escuta o que os dois outros se dizem e entendem entre eles.
Penso ser muito importante que se mantenha durante a análise essa tensão entre esses dois pólos, o da ressonância entre os dois inconscientes e o do pensamento clínico. Esse pólo da ressonância entre os dois inconscientes implica que o analista “entre” no chamado “terreno de jogo da transferência”, como citado por Mannoni sobre Freud (Mannoni, 1982), onde há “suspensão da realidade, como no teatro”. Foi Winnicott quem se aproximou mais de Freud nesse sentido, com sua concepção do brincar e do espaço transicional.
A idéia de um trabalho de pensamento clínico introduz um terceiro que permite ao analista sair dessa relação mal delimitada, simbiótica, com o analisando para introduzir palavras com valor interpretativo. Por vezes, isso se faz por abordagens discretas, nas quais o analista dá toques do que apreende, os quais podem evoluir num crescendo repetitivo até que o paciente tenha uma percepção de um novo campo de significações cobrindo o que é vivido por ele na experiência analítica. Outras vezes, o analista faz ligações entre duas seqüências diferentes do dito manifesto do paciente, o que também pode favorecer a abertura para novos sentidos.
Algumas características me parecem poder ser explicitadas quanto às condições idealmente esperadas para a interpretação. Em primeiro lugar, sabemos que a interpretação não deve ser considerada como verdade absoluta sobre o inconsciente do analisando; ela deve então poder ser revisada a todo momento, a cada vez que descobrimos novos aspectos do funcionamento psíquico do paciente.
Utilizamos com freqüência as palavras do paciente quando aproximamos dois aspectos ditos em momentos diferentes da sessão, criando assim uma nova maneira de arranjar esses elementos da fala do analisando. Esse rearranjo novo cria um movimento interno no analisando, seja de denegação, seja repúdio ou de aceitação. Muitas vezes, esse tipo de intervenção recai sobre o pré-consciente e tem como efeito desencadear novas associações que estavam potencialmente presentes na fala do paciente.
Considerando a elaboração secundária do sonho como uma primeira tentativa de interpretação do sonho, diz Freud: “Certos sonhos sofreram uma profunda elaboração realizada por uma função psíquica análoga ao pensamento em vigília; eles parecem ter um sentido, mas esse sentido é o que há de mais afastado da significação (Bedeutung) do sonho...” (Freud, 1900, citado por Laplanche & Pontalis, 1981, p. 208)
Qual tipo de significação é veiculado pela interpretação? Um dos objetos da interpretação para Diatkine é a articulação das diferentes fases da libido e sobretudo
como a genitalidade e a bissexualidade integram a pré-genitalidade... isso deve ser compreendido da seguinte maneira: assim que pegamos um ser humano em análise... a identidade do sujeito repousa na integração dentro do sistema genital da oralidade e da analidade, as quais só se exprimem em referência aos termos narcísicos fálicos (Diatkine, 1994, p. 72).
A pré-genitalidade supõe em geral uma relação de possessão total e de insuportável aniquilamento do outro, enquanto a genitalidade se liga à constância do desejo e à conservação do objeto. Seria então um dos objetos da interpretação psicanalítica a articulação entre esses modos de funcionar da psique.
A situação analítica, com seu convite ao paciente para não criticar seus próprios pensamentos, leva-o a reencontrar uma descontinuidade, que podemos relacionar à descontinuidade psíquica do bebê que passa, no primeiro ano de vida, de uma descontinuidade de estados psíquicos (agradáveis ou desagradáveis) a uma continuidade trazida na tensão psíquica em direção do objeto. O trabalho do analista com suas aproximações e associações permite ao paciente vislumbrar uma nova trama de sua continuidade.
Há uma questão, às vezes referida como timing de uma interpretação, que é a busca do momento ideal em que ela deve ser dita. Nesse sentido penso que o analista deve ser prudente e cuidadoso, evitando interpretações imediatas do processo defensivo colocado em jogo, sobretudo no início de uma análise.
A interpretação pode ter dois tipos de efeito: um primeiro, pelo fato de mostrar ao paciente, se for pertinente, que um outro sistema, diferente daquele que ele conhece, pode organizar sua atividade mental; um segundo efeito é que o paciente possa descobrir em seguida novas ligações, isto é, as palavras do analista possam se articular de forma mediata com as representações de palavra e de coisa do analisando. Como disse Diatkine: “Mostrar que um outro arranjo é possível só pode ser entendido pelo paciente se essa demonstração permitir-lhe encontrar em seu próprio funcionamento, com suas próprias representações próprias, um sistema de ligações diferente” (Diatkine, 1994, p. 79).
Enfim, as palavras do analista são elementos constituintes da situação analítica e poderíamos considerar muitas vezes que a interpretação ideal só se fará quando os processos inconscientes já tiverem perdido sua imperiosa necessidade. A interpretação seria então como formulou Diatkine: “A conclusão desse trabalho a dois que é a perlaboração, muito mais do que o veículo de uma verdade que acabaria por ser convincente” (Diatkine, 1994, p. 82).
Gostaria agora de levantar algumas considerações sobre a relação entre interpretação e construção, tal como essa noção aparece no texto de Freud de 1937, “Construções em análise”: “A interpretação define uma maneira de tratar um elemento singular do material, tal como uma associação ou um lapso. Mas é uma construção que fazemos quando expomos ao sujeito um fragmento de sua pré-história...” (Freud, 1937/1985, p. 273).
Penso que não devemos colocar em oposição os termos interpretação e construção, pois ambos são o produto de um trabalho interpretativo. Piera Aulagnier, num interessante texto sobre as construções em análise hoje, salienta que a interpretação está do lado do esclarecimento do funcionamento da psique e que a construção estaria do lado do deciframento de sua estrutura. A construção questiona uma mise-em-scène da fantasia que é efeito da estrutura do desejo inconsciente e caracteriza a história libidinal do sujeito. “A interpretação do elemento singular coloca à luz do dia a singularidade de uma escolha que nos remete a uma história que não tem mais nada de universal” (Aulagnier, 1986, p. 88).
Para essa autora, há uma permanente inter-relação entre interpretação e construção na análise. A construção permite ao analisando interpretar certos elementos ou processos de sua história atual como repetição de uma história passada. “A interpretação é o que vai lhe permitir remodelar segundo uma nova arquitetura uma parte das construções com as quais ele conta para si mesmo a história de sua infância” (Aulagnier, 1986, p. 88).
Infelizmente não podemos aprofundar aqui essas questões relativas à história e à memória do sujeito em análise. Simplesmente, como nos lembra Aulagnier, diria que o sujeito é totalmente tributário da memória e do saber materno na reconstrução que se faz de sua história quando essa toca a sua primeira infância. Ele não tem o poder de se rememorar algo desse período. Só pode saber essa parte de sua história retirando-a do discurso familiar. Esse branco de sua história seria preenchido por essa fala que vem reconstruir après-coup, num segundo tempo, a hipótese desse primeiro tempo, a qual será construída a partir do que se revela no sujeito como efeitos ou cicatrizes da primeira experiência.
A questão da convicção, ou crença, trazida por essa construção apóia-se naquilo que é reativado na repetição induzida da transferência. Daí, o grande risco da repetição que faria o paciente aceitar como parte de sua história toda fala do analista, investido na transferência de uma memória onisciente, criando a ilusão no sujeito de que nada será perdido de sua história e de seu desejo. Enfim, se nos é possível reconstruir com um sujeito sua história, não é mais possível dizer que podemos construir a história do sujeito.
Após apresentar essas idéias alinhavadas a partir de alguns dos autores que considero importantes na minha formação como analista, para tentar pensar a questão da interpretação em sua dupla dimensão, teórica e clínica, gostaria de terminar levantando algumas reflexões sobre o lugar de cada uma dessas dimensões — a da teoria e a da prática clínica — em psicanálise.
Num texto em que critica a visão de Habermas (num capítulo de seu livro Conhecimento e interesse, consagrado a Freud), o filósofo Bento Prado Jr. defende a tese de que a teoria do aparelho psíquico, desenvolvida no capítulo VII da Interpretação do sonho, estaria fundada na prática da interpretação, em lugar de fundar essa prática original.
A interpretação freudiana busca, nos textos que defronta (sonhos, sintomas, discursos truncados), a deformação como lei interna da construção do sistema simbólico. Noutros termos, o sentido buscado coincide com a necessidade do truncamento do sentido (Prado Jr., 2000, p. 16).
Concordo com essa posição de Bento Prado Jr. que não assimila a psicanálise a uma hermenêutica. Esse autor mostra a grande mudança que se opera no pensamento de Freud ao passar da teoria do aparelho psíquico do Projeto para a da Interpretação do sonho. Nesta última, a teoria não é mais uma axiomática donde se pretende deduzir o material clínico e o mecanismo do sonho, mas, ao contrário, a teoria é extraída de uma prática original de interpretação do sentido dos sonhos. Esse “olhar que deslinda o emaranhado de significações do sonho” é um olhar “desarmado teoricamente”, diz-nos Bento. “A interpretação dos sonhos precede e fundamenta a arquitetura teórica” (Prado Jr., 2000, p. 35).
Enfim, pensar assim, invertendo a relação entre a prática e a teoria, como diz Prado Jr., equivale a dizer que “a teoria não tem fundamento objetivo”. Em psicanálise a teoria vem depois da aplicação do método interpretativo. No entanto, penso que a teoria, enquanto atividade teorizante do psicanalista, é imprescindível pela necessidade, que, antes de ser privilégio dos analistas, é necessidade do ser humano, a necessidade de criar um universo simbólico que possa dar sentido e acrescer nosso conhecimento da alma humana.

Referências
Aulagnier, P. (1986). Un problème actuel: Les constructions psychanalytiques. In P. Aulagnier, Un interprète en quête de sens (pp. 83-115). Paris: Ramsay.
Diatkine, R. (1994). Introduction à une discussion sur l’interprétation. In R. Diatkine, L’enfant dans l’adulte ou l’éternelle capacite de rêverie (pp. 65-82). Lausanne: Delachaux et Niestlé.
Freud, S. (2004). L’interprétation du rêve. In S. Freud, Oeuvres complètes (Vol. 4). Paris: PUF (Trabalho original publicado em 1900.)
Freud, S. (1985). Constructions en analyse. In S. Freud, Résultats, idées et problèmes (Vol. 2, pp. 269-281). Paris: PUF (Trabalho original publicado em 1937.)
Green, A. (2002). Pour introduire la pensée clinique. In A. Green, La pensée clinique (pp. 9-34). Paris: Odile Jacob.
Laplanche, J., & Pontalis, J.-B. (1981). Interprétation. In J. Laplanche & J.-B. Pontalis, Vocabulaire de psychanalyse (pp. 206-209). Paris: PUF.
Mannoni, O. (1982). L’amour de transfert et le réel. Études Freudiennes, (19/20), 7-14.
Prado Jr., B. (2002). Auto-reflexão ou interpretação sem sujeito?: Habermas intérprete de Freud. In B. Prado Jr., Alguns ensaios (pp. 11-28). São Paulo: Paz e Terra.


Endereço para correspondência
JJosé Martins Canelas Neto
R. Baltazar da Veiga, 24 — Vila Nova Conceição
04510-000 São Paulo, SP
Fone: (11) 3842-4769
E-mail: josecanelas@uol.com.br

Recebido em: 20/11/2007
Aceito em: 04/12/2007



* Membro Efetivo da SBPSP.
 

Elementos para uma metapsicologia da interpretação em análise


Elementos para uma metapsicologia da interpretação em análise

Anna Carolina Lo Bianco 1, 2
Universidade Federal do Rio de Janeiro



Resumo
Examinando a base conceitual da obra freudiana sobre a interpretação-sonho (Traumdeutung), o trabalho procura caracterizar alguns elementos para uma metapsicologia da interpretação psicanalítica. Conclui que da mesma maneira que o sonho, a interpretação aponta para as vicissitudes do manejo da angústia, no sentido de facilitar as vias de expressão e mobilidade do desejo.
Palavras-chave: Interpretação; interpretação-sonho; angústia; desejo.
Elements for a Metapsychology of Analytical Interpretation
Abstract
This paper examined the conceptual basis of Freudian thinking concerning dream-interpretation (Traumdeutung) to devise elements for the metapsychology of analytic interpretation. It is argued that dreams as much as interpretation point to the vicissitudes of dealing with anxiety to provide new ways to the expression and mobility of desire.
Keywords: Interpretation; dream-interpretation; anxiety; desire.



Esse texto procura levantar uma questão no amplo tema da interpretação que se atualiza na cena psicanalítica: tomando os desenvolvimentos de Freud acerca da metapsicologia dos sonhos, examina a função da interpretação com o objetivo de lhe dar uma formulação que precise o seu lugar nessa cena. Como veremos, pretende indicar que esse lugar está entre o analista e o analisando, deslocando-o, portanto, de sua coincidência com o lugar do analista. A presença do analista é, sem dúvida, como sempre foi em Freud, o que torna possível que a interpretação ocorra na cena analítica, é só por relação à transferência, na qual o analista é implicado, que qualquer peça pode ser mexida no jogo psicanalítico. No entanto, tentaremos indicar que, se é pela implicação do analista que se pode pensar em interpretação analítica, não é pela intenção desse mesmo analista, que de sua boca sai uma palavra interpretativa.
A idéia de uma intenção que governa a interpretação, está quase sempre de acordo com uma tradição que remete a um momento anterior à psicanálise: trata-se de "ajuizar a intenção" ou "explicar, explanar, aclarar o sentido" (Ferreira, 1975) de um texto. Essa acepção foi guardada, durante muito tempo, na prática psicanalítica. A partir daí o analista passa, então, a desenvolver a complexa arte de interpretar. A partir dela, como o próprio uso linguístico aponta, ele dá a interpretação.
Esse movimento, no entanto, sofre uma modificação a partir da revalorização da tese freudiana de que os sonhos são resultados de um trabalho que partindo dos desejos inconscientes interpretam os restos diurnos, isto é, as coisas ouvidas, vistas etc. durante o dia, num processo que, como tentaremos detalhar, é complexo e envolve as várias instâncias do aparato psíquico, tais como os sistemas inconsciente e pré-consciente/ consciente.
Tomamos essa tese no presente trabalho com o objetivo de caracterizar alguns elementos para uma metapsicologia da interpretação psicanalítica, pensada a partir do ponto de vista do que denominamos "interpretação-sonho" (Traumdeutung) 3 . Seguindo esse ponto de vista, colocaremos sob exame a afirmação de que o sonho é uma interpretação do desejo, das vicissitudes do desejo no sujeito, o que implica um desenvolvimento metapsicológico que já se encontra presente no Projeto de uma Psicologia para Neurólogos (Freud,1895/1996), e que, posteriormente, vai-se completar na obra principal de 1900. Recorremos aqui a essa metapsicologia, desenvolvida nas primeiras concepções psicanalíticas do aparato psíquico, para auxiliar no exame de um aspecto fundamental da interpretação: sua relação com o desejo inconsciente. Essa aproximação, entre o sonho e a interpretação, vale dizer, foi proposta pelo próprio Freud (1925/1996).
Não nos deteremos nas questões colocadas ao conceito de interpretação pelas considerações feitas a partir da concepção dos sonhos traumáticos. Elas indicam uma dimensão que, ainda que interpretativa, está fora do que procuramos problematizar na interpretação psicanalítica.
Nosso objetivo, ao tentarmos desenvolver esses elementos para uma metapsicologia da interpretação, é tentar livrá-la, por um lado, das formulações intuitivas que procuram se justificar na aparente inefabilidade dessa interpretação e, por outro, das implicações normativas que perpassam a preocupação com as instruções técnicas no que seria uma conduta interpretativa.

Os Sonhos e a Função Interpretante do Aparato Psíquico
Em Análise dos Sonhos, Freud (1895/1996) fala que o caráter alucinatório das representações oníricas é a característica mais essencial do dormir. Enquanto na vida de vigília pensamos com palavras, durante o sono pensamos com imagens, isto é, alucinamos. O sonho é, assim, "um pensamento como qualquer outro" (Freud, 1925/1996, p.114), que se transforma em "imagens sensíveis" (Freud, 1900/1996, p.528). Uma outra característica que se junta a essa é a de que tais representações oníricas são acompanhadas de crença. Essa peculiaridade dos sonhos, esses pensamentos que se tornam imagens, aos quais se dá crédito e aos quais se crê vivenciar, guardam forte semelhança, segundo Freud, com as alucinações da psicose, as visões e certos sintomas, uma vez que todos são resultantes da mesma maneira de funcionamento do aparelho anímico. Tendo em vista nosso objetivo, podemos então conceber todas essas modalidades, como diferentes dimensões do que chamaremos a função interpretante do aparato psíquico (confrontar com Miller, 1996).
Ressaltar uma função interpretante no aparato é, desde já, deixar de atribuí-la a um sujeito da consciência, identificado como o inspirador de seu comando, de sua aplicação e de seus efeitos, os quais se seguiriam como conseqüência das atividades que lhe seriam confiadas.
Podemos então referir essa função à explicação metapsicológica que gira principalmente em torno das noções de sistemas psíquicos envolvidos nos processos oníricos. Ainda não tendo desenvolvido completamente tais noções, Freud, em 1895, explica a característica principal do sonho — esse caráter alucinatório —, em primeiro lugar pela paralisia da extremidade motora do aparato psíquico durante o sono, que receberia então investimentos de y ao invés de descarregar a corrente de investimento para a motilidade. É exatamente efeito de um investimento no "sentido retroativo", o qual garante a qualidade vinda de y em direção a j, impedido de ter seu investimento efetuado pela extremidade motora. Em segundo lugar, para falar do caráter alucinatório dos sonhos, Freud recorre à explicação de que a "lembrança primária de uma percepção é sempre uma alucinação" (Freud, 1895/1996, p.385) e que só a inibição por parte do eu é que impede que se invista tal percepção. Na ausência dessa inibição, como comenta Garcia-Roza (1991), "nada impede que o investimento se transfira retroativamente para j" (p.185).
Nesse ponto, Freud (1895/1996) faz ainda uma outra afirmação que da perspectiva da metapsicologia da interpretação que tentamos acompanhar é de enorme interesse. Diz ele que essa segunda explicação sobre o investimento da imagem-percepção se sustenta também pela circunstância de que "no sonho a vividez da alucinação está em relação direta com a significação (Bedeutung, valor psíquico), ou seja, com o investimento (Besetzung) quantitativo da representação de que se trata" (p.385).
Essa passagem chama atenção porque faz a Bedeutung e a Besetzung das representações oníricas se tornarem praticamente sinônimas. Se tomarmos a tradição da palavra Bedeutung, vamos nos deparar com a questão da significação, do valor psíquico, na língua alemã, sendo posta em tela ao mesmo tempo que o investimento das representações. É bem verdade que o conceito de Besetzung — que veio a ser conceito fundamental da psicanálise — já havia sido transposto para o plano psicológico e já estava menos ligado à ocupação dos neurônios por uma "quantidade", do que ao investimento das representações por um "fator intensivo" (Garcia-Roza, 1991, p.184). Trata-se no sonho, portanto, de um valor psíquico ou de um investimento, que Freud irá retomar posteriormente na Traumdeutung, ao desenvolver um aparato composto de diferentes sistemas psíquicos.
No Capítulo VII desse livro, Freud (1900/1996) concebe a existência desses sistemas no funcionamento do aparato psíquico por onde se propagam as excitações vindas das percepções. Há um sistema que as recebe e deve permanecer livre delas para poder estar sempre apto a receber novas impressões. Ao entrar em contacto com as percepções ele as transmite por associação de simultaneidade ao primeiro sistema mnemônico que então irá passá-la a outros sistemas mnemônicos por relações de semelhança e neles a excitação propagada experimentará uma fixação. Freud conceitua aí também "gradações de resistência de condução para esses elementos". Eles não têm uma passagem livre entre si, mas são ligados em determinados pontos, de forma que não escoam sem barreiras.
Não precisaríamos mencionar o conhecido esquema proposto por Freud (1900/1996), se não fosse pela presença novamente, aqui, — no momento em que trata da propagação da excitação pelos sistemas —, da referência ao valor psíquico, à Bedeutung desses sistemas. Freud acrescenta, ainda, que seria "inútil empenhar-se em indicar com palavras" esse valor psíquico (Freud, 1900/1996, p.533). O tradutor do texto freudiano para o espanhol comenta, então, que Freud poderia ter dito, ao em vez de "palavras", "representações-palavra" (Etcheverry, 1996, p.533n). Com esse comentário propõe que Freud esteja colocando o sonho, ou antes, as imagens que constituem o sonho, do lado das "representações-coisa", conceito que, com as "representações-palavra", irá servir a um certo refinamento do conceito de representação e que só será desenvolvido em Freud (1915). Com sua observação, sobre a inutilidade das palavras nos sonhos, Freud aponta para a questão da significação que é posta em pauta simultaneamente à questão do investimento (ou da ocupação) na concepção de representações-coisa, portanto, nas próprias representações oníricas.
Estamos nesse momento aptos a formular a idéia de que a interpretação-sonho nos remete, portanto, a representações-coisa que são resultado de investimentos, isto é, valores psíquicos, que lhes constituem, lhes dando um caráter alucinatório que se crê vivenciar. Tais representações — sendo semelhantes às que prevalecem nas alucinações, nas visões e em certos tipos de sintomas psiconeuróticos —, podem também ser entendidas como aquelas que vão constituir as representações da interpretação que se exerce na cena psicanalítica. Certamente, essa difere das outras representações por ser expressa em palavras, ou seja, pelo uso de representações-palavra. Como acentua Freud (1900/1996), só nisto diferem das representações nos sonhos. Nos valendo dessa proximidade, ou antes, dessa coincidência entre a interpretação-sonho e a interpretação analítica, no registro das representações, é que nos acreditamos autorizados a pensar numa metapsicologia da interpretação analítica.

A Interpretação-Sonho: Paradigma da Interpretação Psicanalítica
Ora, o argumento central introduzido por Freud acerca das representações oníricas, pode-se dizer, é serem elas representações do desejo. Pensar a interpretação, a interpretação que é o sonho, é pensar a incidência do desejo no aparato psíquico, em toda sua complexidade: de sua constituição aos obstáculos que enfrenta em sua expressão. De início, entramos em contacto com um desejo que pode ser localizado no sistema pré-consciente, ou pode ter sido forçado a se retirar desse sistema para o sistema inconsciente. No entanto, esse desejo pré-consciente, do qual se tomou conhecimento e por uma razão ou outra não se realizou, dificilmente terá força suficiente para criar um sonho. Poderá, no máximo, incitá-lo. Há que estar presente um "outro desejo paralelo, inconsciente" que venha reforçá-lo para que ele encontre expressão (Freud, 1900/1996, p.545). Esse outro desejo, um "poderoso auxiliar" na formação do sonho, vem do sistema inconsciente, onde estão os desejos sempre alertas, "imortais", que Freud identifica aos desejos infantis recalcados. São esses a verdadeira força impulsora dos sonhos.
Ao contrário, quando concebemos o funcionamento do pré-consciente é necessário supor uma série de alterações ocorridas nele durante o sono. Esse mesmo estado, no entanto, ao permitir que se tornem mais claras e precisas as conceituações acerca do funcionamento inconsciente, faz ressaltar exatamente a inalterabilidade de seu caráter durante o sono. Se ao pré-consciente é vedada a expressão de excitações em sua busca por tornarem-se conscientes e é paralizado o seu investimento da motilidade, o inconsciente não parece sofrer qualquer mudança em seu funcionamento. Já os pensamentos diurnos ou as excitações pré-conscientes, no entanto, precisam achar algum meio de se incluírem no sonho através de uma relação com o desejo infantil suprimido para que ganhem a possibilidade de expressão.
Isto faz supor uma prevalência do sistema inconsciente no que diz respeito, em particular, aos caminhos que tomam as moções de desejo que nele se originam. Essa referência ao sistema inconsciente e especialmente ao desejo inconsciente nessa característica de indestrutibilidade, no quadro do estudo sobre os sonhos, ganha uma qualidade interessante para nossas considerações sobre a interpretação. É na Traumdeutung que se tem, em toda a sua extensão, a predicação mais vigorosa do papel do inconsciente no funcionamento psíquico. E é exatamente na sua consideração que podemos desenvolver a concepção da interpretação nesse funcionamento.
Poder pensar a interpretação-sonho como paradigma da interpretação psicanalítica é ressituar a importância do papel que nela desempenha o desejo inconsciente, e, também, reconhecer nela a presença inelutável da força impulsora que motiva seu exercício e que possibilita uma melhor definição de seus contornos. É, então, situando seu ponto de partida no sistema inconsciente, tirá-la do lugar da vontade, da decisão ou da escolha puramente conscientes feitas pelo analista e, ao mesmo tempo, afastá-la de um âmbito mais ou menos impreciso que a prende à intervenção ad hoc que ele realiza.
Freud (1900/1996), ao dar conta de todo o processo — desde a emergência do desejo inconsciente até a expressão consciente apresentada com certa coerência e inteligibilidade —, afirma que a seqüência que propõe tem fins estritamente descritivos. Não é que realmente surja um desejo onírico que de início se transfira a um desejo atual pré-consciente que, em seguida, encontre a censura e regrida até chamar a atenção das marcas mnêmicas das percepções etc. Trata-se "em realidade, antes, da tentativa simultânea de um ou outro caminho, de uma flutuação da excitação de um lado a outro, até que ao final permanece um dado agrupamento por ser a acumulação mais adequada dessa excitação" (Freud, 1900/1996, p.567). Diz ainda que isto leva mais de um dia e uma noite, até que se alcance o resultado de um sonho.
O sonho é resultado de uma oferta feita ao desejo inconsciente para que encontre uma via de realização. O sonho oferece possibilidades para que o desejo inconsciente se atualize, se expresse — ou seja, põe em disponibilidade os meios através dos quais se abrirá o espaço de mobilidade do desejo. Irá, portanto, facilitar essa mobilidade, velando para que ela possa vir a ocorrer sem percalços ou com o mínimo de obstáculos possíveis.
Ao seguir as vias através das quais o sonho facilita a realização do desejo, Freud mostra que todo o "caráter assombroso" da construção do sonho, como uma arte extraordinária, se perde (Freud, 1900/1996, p.568). Exatamente, podemos acrescentar, como se perde toda a indefinição e a impenetrabilidade do que se passa numa sessão de análise, quando ocorre uma interpretação. Não se trata, pois, de um enunciado intuitivo, que vem de uma experiência supostamente inefável, irracional e, portanto, inexplicável, que colocaria a interpretação num lugar a que só os mais experientes chegariam. É claro, que ao mencionarmos a inteligibilidade do processo de interpretação, nem por isso estamos nos referindo a uma interpretação de caráter conclusivo (ver Balint, 1968); as referências de Freud ao "umbigo do sonho" (Freud,1990/1996, p.519), à sobredeterminação da interpretação e à impossibilidade de um dito definitivo sobre o material onírico apontam todos para o caráter rigorosamente inesgotável do sonho. Que ele seja inesgotável, no entanto, não faz dele um processo menos apreensível.

O Manejo do Desejo Feito pela Interpretação-Sonho
Mantendo a imagem linear que, em verdade, é apenas uma imagem exemplar para se considerar as vicissitudes do desejo durante o sonho, trata-se de uma seqüência de passos cujo objetivo podemos determinar como sendo o manejo do desejo feito pelo sonho.
Necessariamente, o manejo do desejo envolve um compromisso entre o desejo inconsciente — que quer se realizar — e o desejo pré-consciente, atual, que usa o reforço daquele para se expressar. No entanto, o desejo dominante no pré-consciente é o desejo de dormir. É importante, pois, que o sonho, ao permitir ao desejo inconsciente sua descarga, não quebre o compromisso com esse desejo do pré-consciente de permanecer adormecido. Essa a melindrosa operação do sonho ao manejar o desejo inconsciente: manter o desejo móvel e, ao mesmo tempo, usando o estímulo do pré-consciente, manter o sono sem perturbá-lo. Ora, se a realização desse desejo implica numa intensidade que agita o pré-consciente a ponto de impedi-lo de manter seu estado de repouso, haverá uma quebra do compromisso que o sonho deveria respeitar. Esse é o caso do sonho em que surge abruptamente a angústia e leva ao despertar. Ou seja, "a função do sonho termina em um fracasso" (Freud, 1900/1996, p.571).
No entanto, não foi por culpa do sonho que ocorreu um tal fracasso. Houve uma mudança nas "condições de sua produção" (Freud, 1900/1996, p.571). Passa, em seguida, a considerar o papel das "fontes de afeto inconscientes" responsáveis pelas alterações ocorridas no sonho (Freud, 1900/1996, p.572). Por vezes, as representações do inconsciente liberam um afeto que em sua origem foi prazeroso; no entanto, quando o recalque incide sobre elas surge o desprazer. Então, a supressão da representação inconsciente é necessária para que o desprazer seja evitado. Ao mesmo tempo, dado o governo que exerce o pré-consciente sobre as representações, essas também são inibidas por ele para que não sejam enviados impulsos que desenvolveriam afeto. "O perigo, comenta Freud, se cessa o investimento por parte do pré-consciente, consiste em que as excitações inconscientes desprendam o afeto" até aqui suprimido ou inibido (Freud, 1900/1996, p.573). Vale lembrar, nesse ponto, que é característico do sonho justamente essa retirada do investimento do pré-consciente que deseja dormir. Ou seja, o "perigo" é sempre iminente.
Esse processo, a rigor, não seria resultado do trabalho do sonho. No entanto, não é possível que o sonho não tenha participação nele. Na verdade, trata-se aqui, do compromisso resultante de um conflito entre dois poderes psíquicos, com interesses opostos, que o sonho procura manejar, tornando os afetos indiferentes. Portanto, além de manejar o desejo, o sonho maneja também o afeto — a angústia — no sentido de não deixá-lo irromper na cena onírica, isto é, no sentido de afastar o perigo.
O exame dessa função de manejo do desejo e da angústia — exercida pelo sonho — é, então, particularmente fértil para pensarmos o que acontece na interpretação psicanalítica. Em relação a ela, também podemos reconhecer a função do manejo do desejo inconsciente, enquanto, ao mesmo tempo, como aponta Lacan (1962/1963), reconhecer o quanto o paciente pode ou não suportar a angústia, faz com que o "manejo da angústia"(p.23) na sessão psicanalítica seja o que põe à prova o analista a todo instante.
Trata-se, então, na interpretação, como no sonho, do preciso "manejo da angústia", para repetir a fórmula cara a Lacan (1962/1963), em seu Seminário, que trata desse afeto que considera o "afeto por excelência" (p.33). Então, se consideramos a angústia como o afeto por excelência, que ele situa num ponto anterior ao ponto da emergência do desejo no sujeito, trata-se de fazer desse afeto o guia da interpretação, na medida em que ele irá conduzir aos momentos privilegiados da incidência do desejo.
Apesar das mudanças que o afeto sofre na formação do sonho, para que, também em vista de tal afeto, o sono continue, esse mesmo afeto tem uma resistência muito maior à censura, do que a mostrada pelas representações. Essas se submetem a toda série de deslocamentos e substituições e são alteradas pelas desfigurações ao esbarrarem com a censura, enquanto o afeto, quando aparece no sonho, permanece sempre intacto. Nesse sentido, quando na cena onírica encontramos uma determinada representação acompanhada de um afeto, ainda que a representação seja imaginária, isto é, não corresponda à experiência da realidade, o afeto que emerge na cena é real. Freud (1900/1996), dá o exemplo de um sonho em que aparece o medo de uns ladrões; "os ladrões, diz ele, são decerto imaginários, mas o medo é real" (p.458).
É esse afeto "real" que Lacan vai enfatizar que "não mente" (1962/1963, pp.127 e 138, respectivamente), isto é, não joga com a mesma equivocação que as representações oníricas. Na medida em que não é tão suscetível de sofrer a ação da censura, não se prestando tanto a deslocamentos e condensações, o afeto, diferentemente das representações, não se presta ao engano como essas. Por isso Freud afirma que "é por seu conteúdo afetivo que o sonho sustenta, mais energicamente que por seu conteúdo de representação, a reivindicação de que se o conte entre as vivências reais de nossa alma" (1900/1996, p.458).
O sonho como vivência real de nossa alma é, pois, o sonho que maneja a angústia, no sentido de dar os trilhamentos da expressão do desejo inconsciente, no sentido de permitir essa mobilidade do desejo a que visa a interpretação na cena analítica.
Não podemos, no âmbito desse trabalho, desenvolver em toda a extensão as implicações que essas formulações terão para a teoria da clínica psicanalítica. Todavia, é importante, para finalizar, enfatizarmos como a operação realizada pelo sonho nos fornece elementos para considerarmos a interpretação metapsicologicamente.
A experiência analítica, sustentada pela relação transferencial, se articula ao sonho como se articula à interpretação. O modo de conceber o funcionamento dos sistemas psíquicos traz implícita a possibilidade de que o sonho integre em sua formação a relação transferencial vivida, em toda intensidade (Freud, 1923/1996). Não que "o trabalho do sonho propriamente dito" possa vir a sofrer qualquer influência dos pensamentos pré-conscientes: "todo sonho genuíno contém referências às moções de desejo recalcadas a que deve a possibilidade de sua formação" (Freud, 1923/1996, p.116). Vale lembrar que o lugar reservado ao que se chama de "moções de desejo" na interpretação-sonho, como na interpretação analítica, é, poderíamos dizer, indestrutível. Nada termina, nem nada é passado ou esquecido. É, pois, com essas moções que se conta primordialmente para que continuem as interpretações da vida psíquica.
No entanto, na medida em que as experiências da vida de vigília têm a função de incitar as representações oníricas, seguramente as impressões da cena analítica podem se expressar na cena onírica. Tomando a transferência em seu valor de relação marcante e fundante da cena analítica, é claro que o que se passa na relação transferencial não pode deixar de ser figurado no sonho. Os efeitos do desejo do analista, da presença do analista, as intensas vivências transferenciais engendradas em análise, ao tomarem parte no sonho que emerge nessa análise, trazem uma marca cuja característica nos interessa particularmente: a possibilidade da emergência do sonho entre o analista e o analisando.
Da mesma maneira, podemos pensar a interpretação no seu laço com a transferência. Considerando-a um sonho que se expressa com palavras, podemos conceber claramente sua constituição como devedora das moções inconscientes incitadas pelos conteúdos pré-conscientes da vida de vigília. Pode-se, pois, reivindicar para a interpretação que surge em análise, a mesma localização que atribuímos ao sonho: ela também se apresenta entre o analista e o analisando. Ela emerge no momento da análise em seu "sentido forte", isto é, no momento da transferência, no qual está em jogo a presença do analista frente ao analisando.
Considerá-la nesse lugar nos permite, então, pensar as alterações que sofre o curso da interpretação de acordo com o trabalho de transferência durante o tratamento. É, pois, a transferência, que determinará esse curso da interpretação. Não se trata, mais uma vez, de uma interpretação dada por uma "correta avaliação" ou mesmo por uma posição contratransferencial assumida pelo analista, mas, ao contrário, da sua inserção no que podemos considerar como o modo de funcionamento inconsciente operado em uma análise.
Muitas vezes, frente a uma "nova fase da transferência, penosa (para o paciente)" (Freud, 1923/1996, p.114), o sonho procura se expressar de uma maneira que exatamente "declara" que a análise não é mais necessária. Estamos em presença de "sonhos de cura", que podem ser categorizados sob os "sonhos de comodidade", como Freud os denomina em1990/1996 (p.562) e continua a fazê-lo, bem mais tarde, em 1923/1996 (p.114). É exatamente de comodidade que podemos falar quando estamos diante da interpretação analítica que evade os momentos de emergência da angústia, se confundindo com uma prédica confortante que se prolonga por anos a fio em um tratamento.
O exame da interpretação, sob a égide da metapsicologia dos sonhos, nos mostra, em suma, como o sonho, tem que encontrar o ponto médio entre duas posições que exatamente se trata de evitar. De um lado a palavra cômoda e apaziguadora que, ao servir de via para o desejo, o impede de se realizar, parando a meio caminho a fim de não deixar emergir a angústia sob qualquer forma possível. De outro lado, a palavra que a deixa irromper e termina igualmente por impossibilitar a expressão do que é o objetivo primordial da interpretação — a mobilidade do desejo, a emergência do sujeito desejante.
 1 Endereço para Correspondência: Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica - Instituto de Psicologia UFRJ, Av. Pasteur,250 fundos, 22290-240, Rio de Janeiro, RJ. Fone/Fax:(21) 2948403. E-mail: aclobianco@gbl.com.br
2 O processo editorial deste artigo foi realizado pela Editora Responsável da revista Profª. Drª. Sílvia Helena Koller.
3 Usamos aqui uma tradução diferente da que tradicionalmente se faz na Língua Portuguesa que é "Interpretação dos Sonhos". A Língua Alemã faculta, sem dúvida, essa possibilidade. Mas menos voltados para as questões de tradução (em francês Traumdeutung se transformou na Science des Rêves!) e de exatidão de seus termos, estamos interessados em valorizar uma dimensão que, como veremos, está presente no texto freudiano: a de que o sonho fornece um valor psíquico (Bedeutung) ao desejo inconsciente.

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Recebido em 08.03.99
Revisado em 03.05.99
Aceito em 27.08.99


Sobre a autora:
Anna Carolina Lo Bianco é PhD em Psicologia pela Universidade de Londres, psicanalista, professora do Instituto de Psicologia da UFRJ e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica do mesmo Instituto.
 

O corpo do psicanalista.......


O corpo do psicanalista: possíveis impactos da clínica no corpo do analista

The psychoanalyst’s body: possible impacts of clinical pratice on the psychoanalyst’s body


Rodrigo Mendes Ferreira
Endereço para correspondência



RESUMO
Este artigo reflete sobre um tema pouco explorado: o corpo do analista. O autor discute os possíveis impactos da clínica no corpo do psicanalista. Analisa como o corpo pode ser afetado, a longo prazo, pelo contato com fortes projeções de angústia e hostilidade dos pacientes. Conclui que os restos e pontos cegos da análise do próprio psicanalista, somados à face inconsciente da contratransferência, podem ter um efeito danoso para o seu corpo.
Palavras-chave: Psicanalista, Clínica, Contratransferência, Angústia, Corpo.

ABSTRACT
This article discusses a rarely explored theme: the psychoanalyst’s body. The author considers the possible impacts of  clinical pratice on the psychoanalyst’s body. He analyses how the body can be affected, within a long period of time, by the contact with massive projections of anxiety and hostility coming from the patients. The article concludes that the remains and the blind points from the  psychoanalyst’s own analysis, together with the unconscious face of counter-transference, can bring a harmful effect to his body.
Keywords: Psychoanalyst, Clinical pratice, Counter-transference, Anxiety, Body.



No ano de 2005, quando participei da X Jornada do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, que tinha como tema central as discussões sobre o corpo em psicanálise, constatei, juntamente com minhas colegas psicanalistas1, que, apesar dos diversos e interessantes trabalhos que foram apresentados, nenhum deles falava sobre o corpo do analista. Achei isso no mínimo sintomático e me parece que, ainda hoje, existe certo tabu, por parte de muitos psicanalistas, em tratar de questões que possam refletir os furos, os pontos cegos e as limitações próprias de um profissional que, afinal de contas, chegou ao seu final de análise.
Após cursar a disciplina “O corpo imaginário na literatura, no teatro e na psicanálise” (2007), do programa de pós-graduação em Letras da UFMG, defrontei-me com o desejo de aprofundar o estudo sobre esse tema do corpo do psicanalista. Resolvi então olhar para o espelho e desvelar situações em que o meu corpo poderia ser afetado no trabalho. Lembrei de algumas, dentre elas, uma reação de susto, seguida de preocupação com um paciente, na noite em que recebi um telefonema inesperado às 22 horas, de seu familiar, que me comunicou, desesperadamente, que ele estava desaparecido desde a noite anterior e que seus documentos foram encontrados na rua2. Com certeza isso atrapalhou bastante o meu sono. Penso no impacto que situações dessa natureza poderiam ter no meu corpo, a longo prazo. Vários colegas me relataram que já tiveram o sono prejudicado em função de atendimentos pesados que fizeram durante o dia. Além e a partir disso, outra questão surgiu: será que o corpo do psicanalista clínico3 é afetado pelo confronto com o excesso de conteúdos que carregam dor, sofrimento e angústia dos pacientes, ou seja, pelo contato que ele tem com fortes projeções de pulsões de morte no trabalho?
A hipótese que me veio, inicialmente, é a de que se o corpo é o lugar onde se originam as sensações relacionadas aos sentidos e é atingido pelos afetos, tais como raiva, tristeza, alegria, culpa, dentre outros, então existe alguma probabilidade de que o contato com a raiva, a dor, a angústia de nossos pacientes, durante horas, semanas, meses e anos, pode trazer algum tipo de impacto para o nosso corpo, principalmente a longo prazo.
Para pensar nos impactos da clínica sobre o corpo do analista é preciso refletir, num primeiro momento, sobre a realidade que afeta esse profissional. Freud sempre foi atento à influência da cultura nos indivíduos. Nos dias atuais, tem-se um enfraquecimento das tradições, das referências, da função paterna, o que certamente traz conseqüências para o psiquismo dos indivíduos, os quais recorrem a ‘saídas’ cada vez mais frenéticas e apelam ao hedonismo, ao narcisismo e ao consumismo, em todos os níveis e classes sociais. A violência cresce em escala mundial e influencia analisandos e analistas. A crise ecológica, com um significativo aumento da temperatura global, também está na ordem do dia. Os relacionamentos estão cada vez mais descartáveis. A precariedade dos vínculos afetivos reflete a fragmentação da civilização atual. Paradoxalmente, nessa sociedade do espetáculo tem-se o imperativo da felicidade, onde produtos, gadgets, amores e drogas são consumidos rapidamente. Ao mesmo tempo, a criação de novas tecnologias que mudam a forma de percepção da realidade e melhoram o conforto dos indivíduos não consegue acabar com o mal-estar. No mundo atual, predomina a anomia, o vazio existencial e a solidão.
Em decorrência desse cenário, acredito que temos uma clínica mais complicada. A extensão da psicanálise a novos campos, tais como a análise de psicóticos, casais, famílias e grupos, pode fazer com que as reações inconscientes do analista sejam mais mobilizadas. No casal em crise, por exemplo, o jogo destrutivo, o ressentimento, a agressividade, ou seja, as projeções de pulsões de morte são muito intensas para o psicanalista4. O analista que atende clientes que atuam muito, como nos casos de neuróticos graves, deprimidos crônicos, psicóticos, toxicômanos, recebe uma carga de hostilidade muito forte.
Mesmo com essa situação externa problemática, não podemos esquecer-nos de nosso compromisso ético com a saúde dos pacientes, e é interessante que o psicanalista tenha uma práxis comprometida com a complexidade de seu mundo.
É certamente difícil quantificar o impacto de tudo isso no corpo do analista. Uma pesquisa sobre o perfil e a saúde mental do psicanalista, de Dora Pimentel e Maria Jésia Vieira (2005), entretanto, pode ajudar a esclarecer alguns pontos.
A pesquisa teve o objetivo de identificar condições de trabalho capazes de influenciar a vida mental dos analistas. Para tal, foi utilizado um questionário com 69 perguntas que foi respondido por psicanalistas que atuam em quatro regiões do Brasil: 2% na região Norte, 4% na Centro-Oeste, 12% na Nordeste, 74% na Sudeste. Verificou-se, entre outros dados, predominância de mulheres de 41 a 50 anos, satisfeitas com suas conquistas. Contudo, foram detectados casos de sobrecarga de trabalho, exaustão física, stress, insônia, cefaléias freqüentes e uso regular de medicação (analgésicos, principalmente). Constatou-se que 65% dos psicanalistas são autônomos e trabalham de 8 a 12 horas por dia. Concluiu-se que esses profis-sionais devem estar atentos para os problemas que afetam sua qualidade de vida, uma vez que a condição de psicanalistas não os protege da dor e do sofrimento.
Os indícios de sofrimento físico e psíquico de um profissional que supostamente chegou ao seu final de análise mostram a possibilidade de existir pontos cegos, misturados a outros elementos, representáveis ou não, que podem desencadear certas doenças e abalos no corpo do psicanalista.
Os restos cegos inconscientes e as intensas projeções de angústia e hostilidade em relação ao analista remetem ao polêmico tema da contratransferência. Apesar de não ter desenvolvido muito a noção de contratransferência, Freud, ao falar sobre as perspectivas futuras da psicanálise, diz que ela “surge como resultado da influência do paciente sobre os sentimentos inconscientes do médico” e que “nenhum psicanalista avança além do que os seus próprios complexos e resistências internas lhe permitem” (1910, p.150). Recomenda uma auto-análise profunda para que o psicanalista possa reconhecer e sobrepujar a contratransferência.
Num texto posterior, ele enfatiza a idéia de que o analista “não pode tolerar quaisquer resistências em si próprio que ocultem de sua consciência o que foi percebido pelo inconsciente” (1912, p.129), e insiste em que, para evitar deformações ou pontos cegos em sua percepção, o psicanalista tem que “passar por uma purificação psicanalítica” e ficar “ciente daqueles complexos seus que poderiam interferir na compreensão do que o paciente lhe diz” (1912, p.129).
Freud sabia que o sucesso do processo analítico também dependia do domínio da contratransferência: “Em minha opinião, portanto, não devemos abandonar a neutralidade para com a paciente, que adquirimos por manter controlada a contratransferência” (1915, p.182). Assim, dever-se-iam reduzir os efeitos negativos da contratransferência pela análise pessoal, o que beneficiaria as análises dos pacientes.
Do ponto de vista da delimitação do conceito, Laplanche e Pontalis pontuam que “certos autores entendem por contratransferência tudo o que, da personalidade do analista, pode intervir no tratamento, e outros limitam a contratransferência aos processos inconscientes que a transferência do analisando provoca no analista”5. Nesse mesmo sentido, Roudinesco e Plon definem a contratransferência como o “conjunto das manifestações do inconsciente do analista relacionadas com as da transferência de seu paciente” (1998, p.334).
Em seu Diário Clínico (1932), Ferenczi também se interessou pelos processos psíquicos que ocorrem no psicanalista ao longo das sessões, sobretudo pelas dificuldades e resistências, o que nomeou de “metapsicologia do analista”. Ele analisou o modo como era afetado por seus pacientes durante e após as sessões, criticou a hipocrisia por parte de analistas que se recusam a tratar dos afetos de amor e de ódio suscitados nas análises.
Conforme Kupermann, para Ferenczi, “a libido do psicanalista está efetivamente implicada no processo analítico, sem álibis” (2003, p.48). Ele afirma que, em Ferenczi,
“a contratransferência abrangeria tanto a expressão dos afetos oriundos dos próprios investimentos transferenciais do psicanalista, quanto as resistências e os pontos cegos nele suscitados pelo impacto dos afetos a ele endereçados; mas além disso, abrangeria também a expressão de afetos inéditos suscitados no encontro analítco”6.
Também nesse sentido, Veiderman fala sobre a mancha cega da contratransferência e o forte investimento narcísico da ‘situação analítica’ pelo psicanalista. Para ele
“Não existe contratransferência que não seja governada também por alguma mancha cega. É por causa da contratransferência que as coisas nos escapam; é graças à contratransferência que percebemos todas as outras. O forte investimento narcísico da situação pelo analista (e igualmente pelo analisado) torna possível a análise”7.
Ao mesmo tempo, é impossível controlar todos os pontos cegos da contratransferência, ou seja, sua face inconsciente.
O diálogo de inconscientes que supostamente ocorre durante o processo psicanalítico, e que está na base da contratransferência, foi identificado por Freud: “todos possuem no seu próprio inconsciente um instrumento com que podem interpretar as expressões do inconsciente dos outros” (1913, p. 337).
Ele afirma que, para identificar o material inconsciente oculto dos analisandos, o analista
“deve ajustar-se ao paciente como um receptor telefônico se ajusta ao microfone transmissor. Assim como o receptor transforma de novo em ondas sonoras as oscilações elétricas na linha telefônica, que foram criadas por ondas sonoras, da mesma maneira o inconsciente do psicanalista é capaz, a partir dos derivados do inconsciente que lhe são comunicados, de reconstruir esse inconsciente, que determinou as associações livres do paciente”8.
Freud reconhecia e enfatizava a autenticidade da comunicação de inconsciente para inconsciente, que ocorre durante o processo psicanalítico.
Lacan defende outra concepção de inconsciente. Para ele, o analista entra como objeto na cena analítica e não é exterior ao inconsciente do analisando. Miller9 endossa essa tese lacaniana de que o analista é uma formação do inconsciente.
De acordo com essa teoria, o corpo do analista entra em cena como objeto, alvo das pulsões dos analisandos. Isso pressupõe que o corpo do analista é imprescindível para que o processo analítico aconteça e que não pode existir uma ‘análise virtual’. O analista também trabalha com seu corpo, com sua presença10. Ele empresta seu próprio corpo na direção da cura.
Sobre a contratransferência, inicialmente Lacan articula esse conceito com as críticas que faz à psicologia do ego. Ele diz: “a contratransferência nada mais é do que a função do ego do analista, o que chamei a soma dos preconceitos do analista” (1983, p.33). Num momento posterior, concebe a contratransferência como um fenômeno da situação de transferência:
“Segue-se que aquilo que se nos apresenta nessa ocasião como contratransferência, normal ou não, não tem, realmente, qualquer razão de ser especialmente qualificada como tal. Trata-se aí apenas de um efeito irredutível da situação de transferência, simplesmente, por si mesma”11.
Mais adiante reitera a impropriedade do termo contratransferência:
“Entendo por contratransferência a implicação necessária do analista na situação de transferência, e é isso, precisamente, que faz com que devamos desconfiar deste termo impróprio. Trata-se, na verdade, pura e simplesmente, de conse-qüências necessárias do próprio fenômeno da transferência, se o analisarmos corretamente”12.
Também afirma que é possível o analista desviar-se da contratransferência e não ser afetado pelas projeções dos pacientes13. Entretanto, a questão persiste: como não ser afetado pela face inconsciente da contratransferência, por suas sobras, até porque são imperceptíveis, invisíveis e silenciosas.
Quando Lacan menciona o desejo do analista, diz que
“A transferência é um fenômeno em que estão incluídos, juntos, o sujeito e o psicanalista. Dividi-la em termos de transferência e contratransferência, qualquer que seja a sagacidade, a desenvoltura das proposições que a gente se permita sobre este tema, nunca é mais que um modo de eludir o de que se trata”14.
Critica a simetria que se estabelece entre o analista e seu cliente, uma vez que ambos não estão engajados no processo como pessoas. O analista não é um sujeito no tratamento, mas, antes, uma função. Ele tem, em princípio, a função de objeto a, ou seja, de ser causa do desejo do analisante. Lacan busca afastar-se da problemática da contratransferência, na medida em que “a questão não é saber o que, como sujeito, ele sente, mas situar aquilo que, como analista, pode – ou deve – desejar: questão ética, pode-se ver, antes do que psicológica” (CHEMAMA, 1995, p. 37).
Contudo, tendo em vista essas diferenças entre as concepções freudianas e lacanianas no que se refere à contratransferência, mesmo que o analista não opere como sujeito no processo analítico, mesmo que se comporte como um morto15 no processo, acredito que fica difícil negar a existência de algum tipo de impacto invisível, não representável e silencioso, suscitado nos analistas, em seus contatos com os pacientes, ou seja, o que chamo de resto e ou ponto cego da contratransferência.
Posta a questão em termos da sublimação que ocorre durante as sessões psicanalíticas, do ponto de vista do analista, pode-se pensar que, ao entrar em contato com os textos de seus pacientes, é possível que essa escuta tenha algum impacto ou efeito inconsciente. Dentro do campo da literatura e psicanálise, Carvalho pesquisou os limites da sublimação na criação literária e procurou enfatizar o papel da pulsão de morte no processo criativo: “para alguns, a criatividade constitui uma via de transformação e prazer onde antes havia sofrimento, enquanto para outros essa mesma via não só liquida o sofrimento como também parece alimentá-lo” (CARVALHO, 2006, p. 15-16).
Ela nos lembra que Freud (1923), no texto O Ego e o Id, já dizia que a sublimação pode ter um efeito diferente do de apaziguamento do sofrimento psíquico, ou seja, um destino mais destrutivo e devastador para algumas pessoas. De acordo com suas formulações, nos casos dos suicídios de Sylvia Plath e Virgínia Woolf a ‘escrita de contenção’ não funcionou e deu lugar à ‘escrita do excesso’, caracterizada por um “transbordamento dos elementos destrutivos que agem em silêncio, no sentido do desligamento e da não representação” (CARVALHO, 2006, p.19).
Será que podemos pensar em elementos destrutivos, silenciosos, que agem no corpo do analista, ao longo do tempo, como resto do contato com seus pacientes?
Se a psicanálise surge através da relação que Freud descobre entre as palavras e o corpo, façamos uma inversão e pensemos qual seria o impacto da palavra do paciente no corpo do psicanalista, uma vez que este aparece como leitor da narração do texto do analisando, recheado de afetos, principalmente os de dor, angústia e raiva.
É bem provável que o contato com o Real dos pacientes, via escuta do excesso de conteúdos dolorosos, desagradáveis e angustiantes que carregam, possa ter um efeito traumático, inconsciente, com impactos no corpo do analista.
Como o encontro com a língua é um ponto central para todo ser humano16, conforme Mandil (2007), a hipótese lacaniana a partir de Freud é a de que o encontro com a língua tem efeito traumático, uma vez que é um encontro com o outro, com o diferente, com o distinto, e por isso reflete uma ruptura.
Nesse sentido, a escuta dos textos dos pacientes pode ter um efeito traumático para o analista, pois o encontro inconsciente com o Real de cada um deles pode operar diferentes impressões no corpo do psicanalista.
O contato com esse excesso de conteúdos recheados de pulsão de morte remete ao desagradável, ao estranho17.
Se o encontro com nossa própria imagem pode ter um efeito estranho sobre o eu18, o que se pode pensar do contato do analista com conteúdos estranhos de seus pacientes, durante anos seguidos?
O encontro com o Real, com algo da ordem do irrepresentável por meio de uma imagem pode levar ao horror. No sonho da injeção de Irma, Lacan fala que, para Freud, ver os cornetos nasais recobertos de pus foi um espetáculo medonho. “Eis aí uma descoberta horrível, a carne que jamais se vê, o fundo das coisas, o avesso da face, do rosto, os secretados por excelência, a carne da qual tudo sai, até mesmo o íntimo do mistério, a carne, dado que é sofredora, informe, que sua própria forma é algo que provoca angústia. Visão de angústia, identificação de angústia...”19.
Freud se assustou com a imagem que viu porque algo da ordem do Real emergiu. Nessa linha de raciocínio, a visão do estranho, do horrível, da carne disforme, ou seja, do Real provoca angústia e pode levar ao horror.
No texto A cabeça da medusa (1940), Freud fala também da angústia ligada à visão de alguma coisa. Ver a cabeça da medusa causa um efeito de petrificação. Muitas vezes o sujeito responde ao Real com a petrificação de seu corpo.
Em Um distúrbio de memória na acrópole, Freud menciona fenômenos de falhas do funcionamento mental que ocorrem em pessoas sadias, principalmente em momentos em que algo da ordem do excessivo, do Real, emerge. Nessas situações, tanto o excesso de prazer quanto de desprazer podem fazer com que a pessoa sinta “que uma parte da realidade, ou que uma parte de seu próprio eu, lhe é estranha” (1936/1996, p.299). Ele diz que o fenômeno do estranho pode ser experimentado no nível do corpo e que isso pode levar a uma despersonalização. Outra resposta para o insuportável pode ser a experiência de desintegração, de dissolução, de despedaçamento corporal. Freud conclui que os excessos devem ser retirados do campo da realidade para que ela seja experimentada como algo estável, e que as defesas do eu constituem um “método normal de afastar o que é aflitivo ou insuportável” (1936/1996, p.301).
O encontro com o Real dos pacientes, a escuta desses excessos estranhos que carregam mazelas e angústias podem gerar algum tipo de efeito traumático inconsciente para o analista, com implicações no seu corpo.
Por ser de certa forma ‘familiar’, esse efeito patológico que sobra do contato com o estranho de nossos pacientes talvez não seja levado muito em conta, principalmente em termos de pesquisas sobre doenças, suicídios e mortes de psicanalistas.
Penso que Real da contratransferência é um nome adequado para esses restos, na maioria não representáveis, oriundos da escuta e das imagens de conteúdos angustiantes e dolorosos em nossa práxis psicanalítica.
Em outra perspectiva, Aulagnier nos lembra da dimensão do prazer em nosso trabalho. Ela considera que o sucesso do projeto analítico está relacionado com a possibilidade de o analista criar pensamentos novos, pensar o inesperado, o imprevisto e a possibilidade de sentir prazer com isso. Fala que o analista tem que estar investido na sua função e no processo para que possa atravessar os momentos difíceis de sua práxis, sessões mais duras ou, ao contrário, particularmente gratificantes. Ela aponta a “necessidade, para o analista, de aceitar esta parte de desprazer que sua função vai lhe impor, mas também de poder encontrar as fontes de prazer” (1995, p.28). Diz também que o surgimento de situações conflitivas pode colocar em perigo o equilíbrio prazer-desprazer, o qual o analista tem a obrigação de preservar, se quiser proteger e manter a presença de sua escuta.
É interessante e importante que o psicanalista exerça sua profissão sem contaminar ou deixar-se contaminar por seus analisandos. Entretanto existem os pontos cegos, o impossível de ser representado, os restos inconscientes, o Real da contratransferência.
Freud, ao falar da transferência, diz que “o psicanalista sabe que está lidando com forças altamente explosivas” (1915, p.187) e, por isso, deve avançar com a cautela de um químico. O mesmo vale para a contratransferência. O analista tem que ficar atento para que o remédio20 para seus clientes não vire veneno para ele mesmo.
Nosso trabalho é aquele que, a todo o momento, nos convida a pensar nos furos, no inconcluso, no instável, nas entrelinhas, no estranho, no desagradável, na angústia, no invisível, na doença, no sintoma, no intangível, no irrepresentável, no sem-sentido...
Fica difícil negar que afetos e sensações psíquico-corporais são suscitados nos analistas em seus contatos com os pacientes, mesmo que inconscientemente.
Sem querer esgotar todos os possíveis comentários e interpretações a respeito desse tema tão complexo, e apesar das dificuldades que o seu estudo apresenta, certamente pode-se pensar que no contexto pós-moderno atual, com os problemas, imprevistos e peculiaridades da clínica psicanalítica, por mais satisfatório que tenha sido o final da análise, por melhor que tenha sido a formação psicanalítica, existe uma boa probabilidade de que seja fértil essa hipótese de que sempre fica alguma coisa desse encontro com a ‘overdose’ de angústias, sofrimentos, dores, desequilí-brios e patologias de nossos clientes. Essa espécie de resto ou ponto cego inconsciente que sobra de nossa práxis.
Freud pontuou que a auto-análise se mantém pelo resto da vida e o processo de análise também pode ser considerado interminável21, uma vez que continuamos nossa análise através da análise de nossos pacientes e de nossa produção teórica. O analista deve ficar atento à conjunção desses fatores que podem afetar seu corpo de forma patológica: conjunturas sociais e ambientais estressantes, somadas a restos e pontos cegos de sua própria análise, unidas à escuta e às imagens do Real de seus clientes, que misturadas à face inconsciente da contratransferência, podem ter um efeito danoso, principalmente a longo prazo.
A suposta “boa análise” do analista não é garantia de saúde eterna. Certa ‘blindagem’, tal como Ulisses fez no encontro com as sereias, pode ser benéfica. Isto inclui estar muito atento a sua clínica de um modo geral, à dimensão cômica da vida, ao prazer e ao constante investimento no cuidado consigo22.
O analista deve estar sempre alerta ao Real da contratransferência, o que não é uma tarefa fácil, pois estamos lidando com forças invisíveis e irrepresentáveis, dentro do nosso psiquismo e do nosso corpo.
Mais pesquisas sobre a saúde física e psíquica dos psicanalistas podem ajudar a esclarecer certos pontos obscuros, a diminuir doenças e até mesmo evitar possíveis casos de suicídio23 em nossa profissão.

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LAPLANCHE, Jean e PONTALIS, J-B. Dicionário da psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
MANDIL, Ram. Anotações de aula. O corpo imaginário na literatura, no teatro e na psicanálise. Pós-graduação em Letras, UFMG, 2º sem.2007.
MILLER, Jacques-Alain. Percurso de Lacan: uma introdução. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
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ROUDINESCO, Elisabeth e PLON, Michel. Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
VEIDERMAN, Serge. A construção do espaço analítico. São Paulo: Escuta, 1990.


Endereço para correspondência
Rua Viçosa, 43/602 - São Pedro
30330-160 - BELO HORIZONTE/MG
Tel.: (31)3281-6321
E-mail: rodrigomendes_ferreira@hotmail.com

Recebido em: 04/08/2008
Aprovado em: 11/08/2008



Sobre o Autor
Rodrigo Mendes Ferreira
Psicólogo. Psicanalista. Mestre em Filosofia e autor dos livros Individuação e socialização em Jürgen Habermas (SP: Annablume, 2000) e O casal no divã (BH: Ophicina Arte & Prosa, 2005).

1 Eliana Rodrigues Pereira Mendes, Marisa de Lima Rodrigues, Nina Rosa Artuzo Sanches, Olímpia Helena Costa Couto, Rosa Maria Gouvêa Abras e Sílvia Regina Gomes Foscarini.
2 Esse paciente estava passando por um momento muito delicado de sua vida. Felizmente, no dia seguinte, por volta das 12 horas, fiquei sabendo que ele foi encontrado e passava bem.
3 Penso no psicanalista clínico ou naquele que tem uma clínica intensa.
4 CF. FERREIRA, Rodrigo M. O Casal no Divã. Belo Horizonte: Ophicina Arte & Prosa, 2005.
5 LAPLANCHE, J. e PONTALIS, J-B. Dicionário da psicanálise, 1992, p.102. Grifos meus.
6 KUPERMANN, D. A libido e o álibi do psicanalista, 2003, p. 50. Grifos meus.
7 VEIDERMAN, S. A construção do espaço analítico, 1990, p.48.
8 FREUD, S. Recomendações aos medicos, 1996, p.129.
9 MILLER, J.A. Percurso de Lacan: uma introdução, 2002, p.61.
10 CF. LACAN, J. O seminário, livro 11, 1998, p.119-129.
11 LACAN, J. O seminário, livro 8,1992, p.194.
12 LACAN, J. O seminário, livro 8, 1992, p.197.
13 Cf. LACAN, J. O seminário, livro 8, 1992, p.192-93.
14 LACAN, J. O seminário, livro 11, 1998, p.219.
15 Cf. LACAN, J. O seminário, livro 8, 1992, p.189.
16 Cf. MILLER, J.A. Lacan com Joyce. 1997, p.18.
17 É interessante lembrar que a psicanálise considera fundamental a vivência do estranhamento na constituição do psiquismo. De acordo com o pensamento lacaniano, na chamada fase do espelho, num primeiro momento, ao olhar-se no espelho, a criança não percebe que é ela que está diante de si. Num segundo momento, percebe que algo ou alguém se mexe diante dela e começa a procurar esse outro atrás do espelho. Ela só vê esse outro; não percebe que é ela mesma quem está ali. Num momento posterior, após certo estranhamento com a imagem que vê, passa a perceber que se trata dela mesma. Esse estranhamento e essa descoberta do próprio corpo diante do espelho levam ao aprimoramento dos contornos entre o interno e o externo, entre o eu e o outro, e ao uso dos pronomes possessivos meu e minha para se referir ao próprio corpo.
Nesse sentido, sabemos que temos um corpo, sobretudo a partir da imagem desse corpo. O eu é uma instância imaginária, sendo a imagem especular e a imagem do outro fundamentais para a construção da imagem corporal e do psiquismo do sujeito. Entretanto podemos pensar que nunca nossa identidade vai estar totalmente harmonizada com o nosso corpo. O ego é sempre instável, estranho, de certa forma. Todos nós temos uma relação desarmônica com o corpo, em maior ou em menor grau. É com essa estranheza que se vive: acoplar o corpo com o eu.
18 Freud (1919, p.265) relata o efeito estranho de defrontar-se com a própria imagem, espontânea e inesperadamente. Após um solavanco no trem em que viajava, a porta do toalete se abriu e refletiu a imagem de “um senhor de idade, de roupão e boné de viagem”. Nesse primeiro momento, ele não reconheceu como sendo sua a imagem vista. Posteriormente compreendeu com espanto e assustado que o intruso visto no reflexo do espelho da porta aberta era ele mesmo. Ele confessou que achou estranha a sua aparência duplicada no espelho. Por um instante, ficou em dúvida sobre quem ele era, entre o seu eu e o outro.
19 LACAN, J. O seminário, livro 2, 1998, p.197-198.
20 Pharmacon em grego pode significar tanto o remédio quanto o veneno.
21 Cf. FREUD, S. Análise terminável e interminável, 1937/1996.
22 Espera-se que isso possa ser um efeito da própria análise do analista.
23 Cabe lembrar do suicídio da importante psicanalista argentina, Arminda Aberastury, aos 62 anos.