O desejo no neurótico obsessivo*
The Desire in Obsessive Neurotic
Alexandre Mendes de Almeida
Resumo
Buscou-se trabalhar a difícil relação do obsessivo com seu desejo. Inicialmente focou-se na leitura do desejo a partir de Freud e Lacan. Posteriormente buscamos trabalhar a neurose obsessiva na visão dos dois mestres, para finalmente concluir com a difícil, senão impossível, relação do obsessivo com o desejo
Palavras-chave: obsessivo, desejo, prazer.
Abstract
We sought to work the difficult relationship between the obsessive and his desire. Initially, we focused on the understanding of desire from Freud’s and Lacan’s perspectives. Later, we sought to work on the Obsessive Neurosis based on the point of view of these two masters, and then to conclude with the difficult, if not impossible, relationship between the obsessive and his desire.
Keywords: obsessive, desire, pleasure.
INTRODUÇÃO
Freud foi o primeiro a conferir conteúdo teórico à antiga clínica das obsessões, situando a doença no registro da neurose e também fazendo dela, frente à histeria, o segundo componente da estrutura neurótica humana.
* Artigo elaborado a partir de monografia apresentada como parte dos requisitos para o certificado de Especialização do curso de Pós Graduação Lato Senso “PSICANÁLISE E LINGUAGEM: UMA OUTRO PSICOPATOLOGIA” – COGEAE (Pontifícia Universidade Católica –
PUC-SP), ano de 2008. E-mail: alexandre.alex@terra.com.br
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Assim retirou-se a neurose obsessiva, do campo da psicose, subvertendo a perspectiva psiquiátrica. A idéia de Freud era como dar conta de uma loucura (mania) que não afetava o raciocínio? (Freud, S (1950), 1996)
Na neurose, mais especificamente na neurose obsessiva, temos o sujeito distante do desejo, distância esta relacionada à sensação de prazer que foi recalcada, que se tornou inconsciente. Esse distanciamento acaba transformando-se em impossibilidade de reconhecimento devido à força do afeto de desprazer que a sua presença acarreta. Assim, como em toda teoria psicanalítica, também na neurose obsessiva, o desejo é o centro de seu estudo e de sua prática.
O DESEJO EM FREUD
O desejo no projeto para uma psicologia científica
(Freud. S, (1950) 1996)
Freud utilizaria em trabalhos futuros muitos dos conceitos que, de alguma forma, já estavam dispostos no Projeto. O aparelho psíquico, na obra, se organiza em torno do que Freud denominava função primordial do sistema nervoso que seria manter o menor nível de excitação possível em seu “interior”.
A criança, no início de vida, seria incapaz de dar conta sozinha da descarga da energia e precisaria da ajuda de um adulto para fazê-lo. A intervenção de um adulto, quase sempre a mãe, ajudaria a realizar a descarga – na amamentação, por exemplo – e criaria um trilhamento (“bahnung”) que associaria nos registros neuronais do bebê o estado do incômodo sentido (excitação) e o objeto que auxiliou a descarga. Estaria inscrita no aparelho psíquico do indivíduo a experiência da satisfação.
O trilhamento, segundo Freud, serviria como uma via facilitadora da descarga de forças. Com a repetição da excitação, ou de desejo, a imagem do objeto seria reinvestida. Já que não há correspondência com o objeto externo o que teríamos, na realidade, é uma alucinação e um posterior desapontamento na tentativa da descarga. A experiência da satisfação inicial seria buscada e não mais encontrada, caracterizando o desejo.
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A via régia do desejo na interpretação dos sonhos
(Die Traumdeutung)
No trabalho de desenvolvimento da teoria psicanalítica, e mais especificamente do desejo, podemos considerar que a obra A Interpretação dos Sonhos (Freud, S. (1900) 1996) é herdeira do Projeto. Freud durante a obra falará em desejos pertencentes ao Sistema Consciente e desejos pertencentes ao Sistema Pré-Consciente na indução dos sonhos, afirmando, porém, que é necessário que haja um reforço de outro lugar, o inconsciente.
A teoria psicanalítica vê no Desejo o determinante da vida de cada um, quer o sujeito queira ou não. Cabe ressaltar que o mecanismo da formação dos sonhos se dá numa oposição entre o eu (consciente) e o recalcado (inconsciente), batalha que acompanhará o neurótico durante toda sua vida. Na vida do neurótico, o Desejo não aparecerá senão por vias de representação, de transferência, quase sempre não percebidos, ou identificados.
A representação do Desejo nos sonhos se dá por dois mecanismos descobertos por Freud: a condensação, que é o processo pelo qual várias idéias inconscientes se juntam, se condensam numa só; e o deslocamento, que é a forma pela qual o recalcado se transveste.
Na obra A Interpretação dos Sonhos, Freud, diferentemente da forma tratada no Projeto, não fala mais num aparelho psíquico com sistemas de neurônios diferenciados, mas de sistemas psíquicos diferenciados. Cabe salientar, tomando este ponto como referência, que Freud já iniciara o rompimento com o discurso médico, que já não era capaz de definir “a verdade” sobre o funcionamento da psique humana. Freud passa a falar de outro lugar.
No ponto, chamado por Freud de umbigo do sonho, talvez nos vejamos frente a algo que nos escapa, ou melhor, algo que escapa a ser representado, algo definitivamente perdido, algo comparado à coisa (das Ding) perdida, que se localizaria num ponto não alcançável, e aí Freud é fortemente influenciado por Kant, e esse ponto já está presente na obra de Freud desde o Projeto.
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Para ratificar e ao mesmo tempo esclarecer a idéia exposta no parágrafo anterior, citamos Garcia-Roza1:
“O que Freud nos diz, de uma maneira que lhe é própria, é que na relação mãe-filho, a mãe (a coisa-mãe) ocupa o lugar de das Ding. Não que ela seja das Ding, mas que ela ocupa o lugar de das Ding, na medida em que das Ding é o centro do qual gravitam as Sachevorstellungen. Desejar a mãe é, portanto, desejar das Ding... A mãe-Ding é interditada pela cultura e é esse interdito que nos constitui como humanos (e que constitui a própria cultura). Em termos psicanalíticos, podemos dizer que na medida em que o desejo de possuir das Ding fosse satisfeito, cessaria toda demanda, e é precisamente esta demanda que funda o inconsciente humano.2”
Aproveitando a remissão feita à filosofia, citamos aqui uma observação do autor anteriormente citado: “Enquanto na perspectiva filosófica clássica a relação do homem com o mundo é uma relação ser a ser, na perspectiva freudiana essa relação é do ser com a falta” Se Freud iniciara um distanciamento da postura médica, também não fora diferente seu posicionamento frente à filosofia clássica.
Concluímos que o núcleo do desejo retrocede a uma situação, digamos, mítica, vivida quando da infância e que os objetos do Desejo serão sempre substitutivos e como tais parciais, nunca podendo representar o absoluto, movendo, entretanto, o sujeito em constante e infindável busca.
O desejo no complexo de Édipo
É fato no pensamento freudiano que o Desejo busca satisfação - ou melhor dizendo, ele procura a realização através do reavivamento de uma imagem de satisfação – e o mesmo está diretamente direcionada por um norte, por um princípio que é o princípio do prazer.
Com o desenvolvimento da criança, e a frustração sentida com o fracasso da satisfação através do caminho da alucinação, esta precisa ser
1 (Garcia-Roza, L.A., (1990) 2004, pp. 87 e 88)
2 (Garcia-Roza, L.A., (1993) 2004, pg. 186.)
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abandonada e os objetos de satisfação precisam ser buscados no mundo externo. Estaria introduzido o outro princípio da atividade psíquica que é o da realidade, que garante a continuidade da busca pelo prazer.
Assim como outras idéias psicanalíticas, a teoria sobre o Complexo de Édipo foi forjada sob grande dificuldade. Freud trabalhou a partir de sua própria análise e dos trabalhos iniciais junto as suas pacientes histéricas.
A partir dos princípios psíquicos conceituados por Freud, do prazer e da realidade (Freud, S, (2004)), e da relação inicial da criança com os progenitores, o psicanalista austríaco apresentará uma visão diferente da relação entre os filhos e os pais. Freud enfatiza a presença do desejo sexual na infância, o que lhe causou severas críticas. Tinha fim, a partir da teoria freudiana, a visão inocente e dessexualizada da relação familiar. O contato da criança com os pais, principalmente com a mãe, marca sexualmente a criança.
A relação com os pais na fase edipiana é, conforme o termo utilizado, complexa, estando em jogo sensações ambivalentes, não só em relação ao pai, mas também à mãe. Freud não tem dúvida que é nas relações edipianas que se encontra o núcleo das neuroses (Freud. S, 2007).
Tomando como exemplo o caso simplificado de uma criança do sexo masculino, temos a mãe como objeto natural de desejo, por ser a pessoa vinculada à criança desde o nascimento. O pai tido, primeiramente, como objeto de identificação, acaba se tornando um obstáculo ao desejo sentido pela criança em relação à mãe, e se transforma num adversário. A partir desse momento, tem-se em relação ao pai uma identificação ambivalente, de carinho e de hostilidade, e em relação à mãe uma relação sexualmente objetal. Esse seria o complexo de Édipo simples e positivo.
Freud, porém, nos coloca que esta não é maneira mais freqüente que se desenrola a relação filho/mãe/pai. A forma descrita no parágrafo anterior seria uma simplificação de como o complexo de Édipo se mostra. A relação edipiana se faz a partir de um complexo duplo em relação aos pais.
Primeiro ponto colocado, no chamado por Freud complexo de Édipo mais completo, é que originalmente a criança é bissexual, no sentido que a mesma não tem definido, originalmente, a sua posição sexual, podendo fazer uma opção masculina ou feminina, ativa ou passiva. Assim, a posição
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ambivalente em relação ao pai se repete também com a mãe. Neste ponto fica claro a complexa situação em que está sujeita a criança na relação trina edipiana e o porquê de se destacar o complexo de Édipo como o núcleo nodal da neurose, ou da estrutura psíquica de forma mais geral.
O DESEJO EM LACAN
A releitura freudiana feita por Lacan é marcada pela influência da filosofia hegeliana, ou melhor, e principalmente, pela análise antropológica da filosofia de Hegel efetuada por Alexandre Kojéve. A partir da análise feita na obra Fenomenologia do Espírito, principalmente do capítulo que ficou conhecido como “Dialética do Senhor e do Escravo”, Lacan desenvolverá, além de outras coisas, a idéia de Desejo.
O desejo, que é um vazio, uma falta, só será humano quando se voltar para algo não natural e a única coisa que apresenta tal característica é o próprio desejo. O desejo se volta para outro desejo, um vazio a outro vazio, e assim vê-se o desejo superado na sua forma natural, como o surgimento do “desejo do desejo”. Dois desejos animais tornam-se humanos quando se dirigem um ao outro.
A citada influência de Hegel em Lacan, se por um lado se materializa na construção da teoria do imaginário, marcantemente na elaboração da teoria do estádio do espelho, por outro aponta seus limites, e por isso abre caminhos para a guinada do simbólico.
Na dialética do Senhor e do Escravo, uma das idéias compreendidas é que, na noção de sujeito, a rivalidade é inerente. A partir das lições de Kojéve, e da teoria psicanalítica, busca-se reinventar o sujeito cartesiano, autônomo e incondicionado, num sentido contrário: determinado e dependente, determinação adequada ao sujeito através da ordem social, o que na dialética hegeliana apareceria reduzida como “o outro”. O desejo humano respeita essa determinação, na medida em que sua origem é pensada como uma negação da sua condição natural, se constituindo como negatividade pura que preside a constituição do sujeito no discurso de Lacan (Lacan, J, (1966) 1998).
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O que não se deve buscar na análise hegeliana de Kojéve é o viés psicanalítico trabalhado por Lacan. Para o psicanalista francês o que está em contraste não é a servidão e a liberdade, autonomia e desautonomia, mas o reconhecimento da assujeitação aos outros imaginários, constitutivos e determinantes da sua existência. Na clínica, o sujeito passaria, ou deveria passar, por este caminho, do desconhecimento ao reconhecimento da condição de assujeitação. O sujeito reconhece que o seu desejo é, na realidade, o desejo de um pelo outro. Se esse desejo o impulsiona, sua ação ocorre em função de um outro. É na condição de escravo que ele se encontra.
Ponto fundamental no estruturalismo lacaniano, estruturalismo no qual Lacan será um dos vértices na França, é que não há estrutura significante sem sujeito. Na teoria de sujeito lacaniana o ser do sujeito é o Desejo, donde se conclui que o Desejo é quem anima a cadeia significante, impulsionando a passagem de um significante a outro.
Na constituição do sujeito, porém, salientará Freud que algo escapa à identificação e ao significante, que é o objeto a na teoria de Lacan. O objeto a deteria a metonímia e a frearia num ponto em que ela não alcança. Este objeto a é colocado na teoria lacaniana não como um agente do discurso analítico, mas como um dos pilares “onde o sujeito sustenta o seu pseudo-ser, sendo a cadeia significante seu outro pilar”3. O objeto a é um resto do sujeito e do Outro, não podendo se definir a quem pertence.
A releitura do desejo do complexo de Édipo em Lacan
Com relação ao complexo de Édipo, Lacan o trabalhou em três tempos distintos e complementares (Lacan, J, (1957-58) 1999). Lacan estrutura os três tempos do Édipo, trabalhando-o com o móbil do complexo da castração. Se for verdade que o ser humano muito cedo vive o peso da falta, da mesma forma desde muito cedo ele busca cobri-la tentando driblá-la e mantê-la o mais distante possível. Essa busca de tapamento da falta é o Desejo.
3 (Rabinovich, D, (1995) 2005), pg. 25)
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O Desejo, indestrutível, busca algo, busca um objeto. Neste sentido, torna-se necessário tratarmos do objeto do Desejo que é o falo. O falo é o significante da incompletude fundamental do ser humano e ao mesmo tempo do preenchimento do vazio que ela produz.
O curso do Édipo é regulado pela função fálica e neste sentido existem quatro protagonistas participantes na história encenada por todos: a mãe, o pai, a criança e o falo. Em torno deste último é que gravita o desejo dos outros três.
Ao entrarmos no primeiro tempo do Édipo, para criança, dentro da idéia já exposta de um vazio – tanto dela quanto da mãe – ela se coloca, imaginariamente, como objeto de completude deste vazio. Ela se coloca como o objeto fálico da mãe e neste primeiro tempo não pode ainda ser vista como sujeito, mas como falta, como o complemento da falta da mãe. Ela é o falo da mãe.
Esta posição do filho em relação à mãe tem importância fundamental na sua constituição porque, neste momento, ele se isola nesta posição, estando desprovido de qualquer outra coisa que não seja o desejo deste primeiro e grande Outro, que estará presente ou ausente. A manutenção do pequeno ser nesta posição ou as dificuldades de sair dela lhe trará conseqüências que o acompanharão durante sua vida, sendo determinante na estrutura psíquica na qual se constituirá. É tão importante para a criança estar na posição alienante de falo do Outro, de sentir como objeto de desejo da mãe, quanto conseguir sair dela e se fazer sujeito.
A referência ao pai, neste tempo, é apenas velada: ela aparece envolta no significante metafórico paterno. Trata-se de um significante presente na estrutura da linguagem, e com peso no universo simbólico da mãe, que ao se colocar em relação ao filho começa a introduzi-lo neste universo.
Na relação com a mãe, a criança, na posição de objeto fálico, perceberá que existe, ainda, carência no outro materno e este se mostrará faltante. Neste momento o Outro primeiro se mostrará incompleto, também barrado. Essa carência será sentida pela criança, envolta na situação de presença e ausência do outro materno, e restará a dúvida: sou ou não sou o falo?
O segundo tempo do Édipo é marcado pela intervenção do nome do pai sobre a mãe, mediando a relação desta com a criança. Este tempo
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é marcado pelo advento do simbólico e pela intervenção da figura paterna como elemento privador da mãe. É de um modo menos velado do que no primeiro tempo, mas não completamente revelado, que o pai aparece através do discurso da mãe, que o reconhece como homem e como aquele que lhe faz a lei. A demanda do filho endereçada à mãe, até então o seu Outro, estará agora sujeita a um “pronunciamento” do pai.
A ruptura citada resultará num movimento da criança em direção ao Nome do Pai, que é correlativo ao recalque originário freudiano. O Nome do Pai passa a representar a lei e com a linguagem, que nomeia o desejo, produz também a clivagem da subjetividade em formação em consciente e inconsciente.
Neste tempo, ocorre a castração simbólica que incide sobre um objeto imaginário, deixando a criança de ser o falo e a mãe de ocupar o lugar do grande Outro. Para a criança, o pai passa a ser o falo, o onipotente e a própria lei, e desloca o desejo da mãe, cabendo ressaltar que ainda estamos na dialética do ser.
No terceiro tempo do Édipo, o pai aparece desvelado para a criança e se mostra não mais como a lei, mas como seu representante. O pai aqui perde sua onipotência e se mostra também castrado.
Neste tempo, Lacan acrescenta ao pai freudiano a figura do doador. O pai é o ser que tem o falo e tem a função de mostrar que o falo circula, podendo doá-lo ao filho ou mostrar à filha onde encontrá-lo. A criança sairá da dialética do ser para a dialética do ter. O ser não pode ser doado, o ter, sim. Ter ou não ter – essa a problemática a partir de então, pois o significante fálico, assim como a pessoa da mãe no primeiro tempo, se fará presença e ausência na vida do sujeito.
A participação do pai nesta fase é tão importante quanto na segunda quando rompe a célula fálico-narcisista, pois é desta fase que depende a saída do complexo de Édipo. O pai, potente, possuidor do falo pode produzir a ponte que recoloca o falo como objeto desejado pela mãe e não apenas como objeto do qual ela pode ser privada.
Podemos dizer que a criança, capturada pelo desejo da mãe, é liberta pelo pai real, enquanto representante do pai simbólico.
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A NEUROSE OBSESSIVA EM FREUD
Considerando que o sujeito se estrutura a partir do recalque de um trauma sexual ocorrido durante a infância, no caso dos neuróticos, pode se considerar que a neurose se instala no fracasso deste recalque, no fracasso da defesa do eu contra o trauma.
Como importante diferença da neurose obsessiva em relação à histeria, apontamos que seus sintomas não se manifestam primordialmente no corpo. O obsessivo sofre de pensamentos.
A etiologia sexual, ou o trauma recalcado, foram experiências primeiramente acompanhadas de prazer e a sua primeira resignificação, através da lembrança, também é acompanhada de prazer, só que traz consigo a autocensura contra o gozo instaurado. Aqui estamos tratando ainda de algo que se passa no Consciente. Num momento posterior, tanto a lembrança prazerosa quanto a autocensura são recalcadas e “transferidas” ao Inconsciente, se formando assim um sintoma antitético. Os sintomas antitéticos, as idéias ambivalentes, acompanharão o neurótico obsessivo durante sua existência.
Embora atacada pela lógica racional, pois são consideradas e combatidas pelo eu como estranhas, o sentimento e as idéias obsessivas a ele relacionadas muitas vezes subjugam o eu e este é o momento em que o obsessivo se vê frente à força inabalável da idéia obsessiva, que é também uma nuance da autocensura, e o vai-e-vem do pensamento que tornam a vida do sujeito obsessivo penosa.
Freud (Freud. S, (1950) 1996) estabelece uma relação clara entre o inconsciente e a linguagem e é através da neurose obsessiva que ele consegue encontrar o inconsciente se manifestando claramente de maneira verbal. A clínica do neurótico obsessivo possibilitou a análise do paciente a partir de seu discurso, sendo que este passa, então, a ocupar a mesma posição ocupada pelo sonho. Com a diferença, porém, que no discurso do obsessivo não se trata de representações, mas de registros sob a forma verbal. A alucinação dos sonhos se faz presente nos pensamentos do obsessivo.
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A NEUROSE OBSESSIVA DO HOMEM DOS RATOS
Na introdução da análise de Ernest, o homem dos ratos, Freud (Freud, S., (1909) 1996) relata que procurou estruturar a neurose obsessiva, salientando a dificuldade maior de compreensão em relação à neurose histérica, e o fato da linguagem da neurose obsessiva ser um dialeto da linguagem da histeria.
O medo que incomodava o paciente, a causa principal que o levou até o psicanalista vienense, era que algo pudesse acontecer a duas pessoas de quem ele gostava muito: seu pai e a dama a quem admirava. Esse algo era, principalmente e no fundo, a morte destas pessoas.
De acordo com a indicação de Freud, a ambivalência está presente na vida do paciente ainda quando criança. A um desejo erótico se contrapunha, compulsivamente, um medo, um afeto aflitivo. O desejo deveria, assim, ser evitado.
A análise do caso de Ernst demonstra que ele se colocou na posição do pai: ao mesmo tempo devedor e sem condição de saldar sua dívida. Adiantando a importância da palavra rato na linguagem, ou melhor, no dialeto do obsessivo paciente, ele se identificara a um homem, seu pai, que se portara como um rato, seja quando roubou o dinheiro do pelotão ao qual pertencia e era responsável por sua guarda, seja quando optou pelo dinheiro, no momento de seu casamento, em detrimento de seu desejo erótico. Se a questão da dívida fica clara no caso de Ernest, a partir da identificação com o pai, nem sempre essa dívida parece mostrar ao obsessivo sua origem nem a quem pagar, ainda que a mesma se faça presente e o incomode.
No paciente, o antagonismo entre o carinho consciente e o ódio inconsciente em relação ao pai, e o desejo em relação à mulher amada em remissão à mãe apresentam-se demonstrados na narração da história. Um desejo inconsciente, indestrutível, que coloca o neurótico obsessivo entre o amor e o ódio pelo pai.
O obsessivo, e isso aparece também na análise de Ernst, vive uma fantasia de onipotência; ele tem o “dom” de supervalorizar seus pensamentos e sentimentos, sejam eles bons ou maus. Na sua vida psíquica, isso
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lhe é possível ao mesmo tempo em que ele desconfia dessa possibilidade. O antagonismo no pensar e essa supervalorização de si, ao mesmo tempo em que dificulta suas relações, o mantém longe da realidade de seu Desejo.
Finalizando o caso clínico obsessivo, Freud busca destacar a origem da neurose obsessiva no Complexo de Édipo. Neste sentido destaca o conflito de sentimentos de amor e ódio em relação ao pai e à dama, seja quando opostos pai e dama, seja quando opostos os sentimentos em relação a cada um.
O primeiro conflito remonta a situação da escolha de objeto de amor. E como escolha coloca-se a posição ‘ou isso ou aquilo’, ou a mãe ou o pai.
O segundo conflito é de uma estranheza maior. O amor inicial, antes da escolha objetal citada no parágrafo anterior, passa a ser percebido como ódio, da mesma forma que esse mesmo amor, e porque não desejo, uma vez insatisfeitos converte-se, em parte, em ódio. O amor e o ódio, no caso do obsessivo, num grau elevado de intensidade, mantém-se em relação a uma mesma pessoa. Uma luta de titãs em que não há vencedor... Resta o cansaço do obsessivo em buscar equilibrar esses sentimentos opostos. O ódio, recalcado no inconsciente, está protegido e não pode ser vencido. O amor por sua vez, busca manter o ódio suficientemente recalcado.
Essa oposição de sentimentos de forças equivalentes desemboca nas conseqüências imediatas na vida do obsessivo, numa paralisia parcial da vontade e incapacidade para decisões em que estão envolvidos objetos de amor e desejo. Essa indecisão, ou melhor, “incapacidade” para decidir vai abarcar quase toda a vida do obsessivo. O conhecido mecanismo de deslocamento fará seu trabalho e a paralisia da vontade se apoderará do sujeito obsessivo.
Nesta linha, torna-se claro o porque da necessidade dos sintomas da dúvida e da compulsão na vida psíquica do neurótico. A busca de um constante regramento e de uma vida ortodoxa a partir de medidas protetoras é o reverso de sua constante condição de dúvida, dúvida esta que remonta ao que deveria ser mais certo: seu próprio amor.
O obsessivo pensa muito mais do que age. O pensar do obsessivo substitui o agir e o processo que inicialmente parece satisfatório acaba voltando-se contra ele e seu pensar, pois a vida passa, e o obsessivo imerso
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no seu mundo de dúvida sabe que o agir é necessário; o mundo externo a sua volta precisa, pouco ou muito, ser modificado e o seu pensamento onipotente torna-se impotente quanto a isso.
O obsessivo, no seu caminho de tornar o desejo impossível, goza na sua complicada forma de pensar.
A NEUROSE OBSESSIVA EM LACAN
Se é certo que o caso “O homem dos ratos” é marcante e imprescindível no estudo da neurose aqui estudada, também não foi diferente com o psicanalista francês, que, no início de seu ensino, proferiu uma conferência intitulada “O mito individual do neurótico”4 em que abordou o caso estudado por Freud.
O mito seria a forma de descrever o que existe de essencial no seio da experiência analítica, aquilo que não pode ser apreendido pelo discurso. Se Freud buscou trazer o complexo de Édipo ao real, Lacan trabalhou o complexo como um mito. A palavra em si não é capaz de apreender nela mesma a verdade objetiva, ela apenas a exprime, e o faz de forma mítica.
Lacan destaca que a audição do caso de tortura narrado pelo tenente provocou no paciente de Freud um horror fascinado, e longe de desencadear a neurose, apenas atualizou os temas e fez aparecer ao sujeito a angústia que o levou até a clínica. Essa constante atualização que resulta na angústia será utilizada por Lacan para constatar a estrutura neurótica e o entrelaçamento das questões relativas ao pai, a dívida e ao gozo, fundamentais quando tratamos da neurose obsessiva, enquanto estrutura.
Aquilo chamado por Lacan de “constelação” precederia a vida do sujeito e determinaria o seu destino. A forma como ocorrera a união de seus pais, e principalmente a forma como seu pai se posicionara na vida conjugal seria determinante e contingencial na forma como o obsessivo (Ernest) desenvolvera suas relações e a forma como procurava em cenários imaginários, como num filme, saídas para solução das angústias desencadeadas por crises.
4 (Lacan, J., (1953) 2007).
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A organização psíquica, nas estruturas possíveis, se constitui a partir das variáveis dos desejos da mãe, do pai e da criança em relação ao objeto fálico. A partir dessa relação quaternária falo/criança/mãe/pai, já discutida quando estudamos o Édipo, estabelecem-se os fantasmas que serão determinantes na relação do sujeito com o Desejo.
Neste instante, talvez pareça verdadeiro definir que relações originais são aquelas vividas com a mãe e com o pai, também a partir da observação da relação entre eles. Posteriormente, o que ocorre são repetições.
É na posição ocupada pelo pai no desejo da mãe, que o sujeito telescopia a função fálica e negocia a sua inscrição numa determinada estrutura, ou, conforme pensava Freud, escolhe sua neurose como defesa de uma posição gozante em relação à mãe.
O pai de Ernst foi um homem faltante falicamente em relação à mãe desde a formalização da união conjugal. Ele, conforme a mãe descrevera ao filho, casou-se por conveniência, preferindo a boa situação financeira em detrimento ao sentimento que teria por uma outra mulher. Ele optou pelo gozo em detrimento do desejo. A união que resultou no nascimento do paciente, tinha como progenitor um homem, na origem, devedor. Na mitologia do paciente estudado, conforme descrito, a posição do pai devedor foi determinante, assim como na estória de Sófocles em que o homem de pés inchados (Édipo), foi precedido por um homem manco (Laio), seu pai. O “homem dos ratos”, por origem e destino, tornara-se herdeiro das dívidas paternas, e, como o pai, de uma dívida impossível de ser quitada pela via em que se deveria. Em sua função fálica, o pai de Ernst, esteve em débito com a mãe e a criança.
Lacan, então, a partir do histórico do pai e da influência que tivera na vida de Ernst, das elocubrações mentais a partir da oitiva da narração do suplício dos ratos, da situação criada para a não quitação da dívida, que embora não mencionada deveria ser ínfima, da fuga em comparecer na presença da moça do correio, conclui ser este o cenário fantasmático no qual o paciente estava envolto e que este drama resume seu mito individual.
No tocante a dívida, e lembrando a difícil situação criada por Ernest para o pagamento ao Tenente – quando na realidade a credora era a mulher do correio – apontamos, na situação, uma característica do obsessivo, não
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colocada por Freud, que é a motivação a partir de desafios. No obsessivo, manifesta-se uma verdadeira compulsão ao engajamento às diferentes formas de competição. E como explicar esta necessidade de desafio?
Primeiramente, tem-se que o obsessivo, e isso fica bem claro no caso do exemplo do “Homem dos ratos”, cria para si uma situação imaginária para se engajar num desafio, desafio que está estritamente ligado a uma adversidade. O combate ao qual se sujeita o obsessivo está circunscrito a regras determinadas às quais ele não pode desobedecer. Essa circunscrição à legalidade esconde, na realidade, o desejo do obsessivo. Ele se lança no desafio na busca impossível por seu Desejo.
O obsessivo busca o que consegue o perverso, o gozo, mas a Lei é nele radicalmente marcada, o que lhe impossibilita. No desafio, o obsessivo revive a possibilidade de rivalizar-se com o Outro que lhe dita a Lei e que lhe demonstra a castração. Esse desafio deve ser lido a partir da rivalidade primeira criada a partir do que nos foi colocado “Não dormirás com tua mãe”. O obsessivo, mesmo num fracasso determinado, vê no desafio a possibilidade de responder ao Outro, presumido imaginariamente na figura paterna: “Este é teu desejo, quanto a mim, recuso esta limitação do meu”5.
Na linha de sua proposta, se Lacan, assim como Freud, privilegiou a análise do sintoma no obsessivo na sua relação com o desejo, ele foi além ao mostrar a função da causa do desejo no objeto a (Lacan, J., (1962-63) 2004). Na clínica não basta apontar-se, ou melhor, “...não basta que o paciente formule seu sintoma, é necessário que o sujeito seja tocado, pelo fato de que existe uma causa a esse sintoma”.6
Se o objeto a é vinculante do desejo, ele, como resto do surgimento do sujeito no Outro, está excluído do mundo dos significantes, não é simbolizável. Neste sentido, Lacan estabelecerá a relação do objeto a com o gozo (Lacan, J., (1962-63) 2004). O obsessivo, na sua posição de dúvida permanente, mostra que seu sintoma de compulsão busca evitar aquilo que
5 (Safouan, M, (1974) 1979, pg. 64.)
6 (Peres, U, (2005), pg. 385.)
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lhe é seu, como resto de sua sujeição ao Outro, afastando-se, ou impossibilitando o desejo, ao mesmo tempo em que procura não despertar a angústia da posição de objeto de gozo.
No obsessivo, cuja fantasia está presa à fase anal, o objeto causa do desejo é o excremento que no momento em que é expelido, ou melhor, cedido à mãe, simboliza para ele a castração. A criança se reconhece no objeto em torno do qual se dirige a complexidade da demanda que se apresenta. Este objeto, porém, ao mesmo tempo em que se apresenta como uma dádiva a ser concedida, tem a forma que lhe é anterior, de dejeto, de algo ligado à necessidade de ser expelido. O excremento, objeto causa de desejo no obsessivo, então é visto como parte sua – castrada – mas oferecida à pessoa amada, sendo que por outro lado não seria parte sua uma vez que se trata de algo ruim que é preciso ser expelido.
Lacan aponta o objeto a delineando a estrutura obsessiva (Lacan, J, (1962-63) 2004), onde predomina a ambivalência desse sim e não, é de mim – sintoma, mas, todavia, não é de mim. O sujeito se constitui como dividido em relação à demanda do Outro, divisão esta que permite ao objeto em questão simbolizar o falo na fase fálica.
A partir do objeto excremento, constitui-se a fantasia do obsessivo. Na identificação fálica em relação à mãe, imperiosa no caso do obsessivo, ela se faz a partir do valor do excremento e de sua imagem. Aqui, podemos apontar a característica do obsessivo de sempre preocupar-se com sua imagem, pois é partir desta que ele conseguirá se posicionar de forma a atender a demanda do Outro. O obsessivo, mais do que ninguém, preocupa-se com sua imagem e com o que podem estar pensando dele, sendo que esta preocupação está relacionada ao fantasma no qual se constituiu.
Se no momento em que Lacan proferiu a conferência “O mito individual do neurótico”, sua preocupação central era introduzir o complexo de Édipo e a psicanálise numa leitura estruturalista - a partir da visão do Édipo como um mito - cabe mencionarmos a colocação, naquele momento, de um quarto elemento, além da mãe e do pai, que seria a morte. Morte que estaria presente na constituição do eu a partir de uma imagem antecipada pelo Outro, imagem esta que realiza, ao mesmo tempo em que se demonstra insuficiente em demonstrar quem o sujeito é.
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Morte que na vida psíquica, na estrutura do neurótico obsessivo lhe remete à principal questão: “Estou vivo ou estou morto”. Se muitos pontos foram destacados por Lacan com relação à estrutura aqui trabalhada, destacamos o que neste trabalho é o principal: a forma como ele evita o seu desejo e o dos outros com o quais se relaciona, por considerá-los duplos de si. A partir desta “evitação” do desejo, o sujeito se posiciona numa dimensão de ator que lhe permite desempenhar, no drama de sua vida, alguns papéis como personagem, como se estivesse morto (Lacan, J, (1956-57) 1995).
O obsessivo tem a tendência de procrastinar, de renunciar à vida, de se fazer de morto, ad eternum, pois a figura do pai, ou melhor, sua morte não se concretiza, mesmo após o seu desaparecimento real – morte física. Isso aparece expressamente na história do “Homem dos ratos”. O obsessivo aguarda o momento em que ocupará a posição do senhor, momento este que nunca chegará.
O obsessivo anseia e aguarda a morte do mestre, sem perceber que na realidade ela já ocorreu – o pai que age e fissura a relação una mãe/criança é simbólico e como tal é morto. Nessa posição de escravo de um senhor morto, o obsessivo se imobiliza.
A fala do obsessivo, eivada de objetivação – como se falasse de um outro, reflete o movimento de afastamento do próprio desejo, desejo desse outro que é ele mesmo. Nesse jogo, a agressividade e o ímpeto de destruição revertem-se ao próprio sujeito.
Lembrando o que fora mencionado por Freud, quando ligou a autocensura a uma recriminação a partir de um gozo sentido em relação à mãe, para Lacan, a relação mortal do obsessivo consigo reflete a angústia diante do Outro (Lacan, J., (1962-63) 2004); face a isso ele se faz de morto diante do objeto de seu gozo para fugir a uma suposta cólera do Senhor. Neste sentido, nada do que acontece tem verdadeira importância para o obsessivo.
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O OBSESSIVO E O DESEJO IMPOSSÍVEL
O fato de sentir-se demasiadamente amado pela mãe direciona a abordagem a ser seguida na determinação da função fálica na estrutura obsessiva. O sujeito obsessivo foi particularmente investido como objeto de desejo da mãe, foi privilegiado em seu investimento fálico.
No obsessivo – e estamos falando de uma neurose – nem será preciso pontuar que a função do significante Nome-do-Pai cumpriu seu papel. Porém, na lógica fálica, o privilégio maternal é “lido” pela criança de uma forma em que ela se posiciona como o objeto que supre o desejo da mãe, naquilo em que o pai “não dá conta”. A criança, imersa no jogo de desejo-fantasia em que se encontra, gravitando em torno do objeto fálico e do desejo da mãe e do pai em relação a este objeto, se vê na posição de que “...a mãe seria suscetível de encontrar aquilo que é suposto esperar do pai”.7
Se fossemos localizar este momento, estaríamos na passagem do primeiro para o segundo tempo do Édipo, em que a criança se vê frente ao significante nome-do-pai a partir do discurso da mãe. É o momento em que a criança, na dialética edipiana, para se constituir como sujeito – e como tal desejante – precisa iniciar a passagem do ser ao ter e, é a partir do discurso da mãe, que isso fica determinado, significado, que o desejo dela (mãe) se volta para a figura paterna. Em decorrência da ambigüidade mínima que possa existir neste discurso, a criança pode, imaginariamente, se colocar como suplente da satisfação do desejo materno.
No processo de identificação à figura paterna - como tal, detentor do falo – o sujeito obsessivo se vê fortemente preso à identificação de ser o falo da mãe. O sujeito obsessivo, na sua condição de detentor do falo, pode ser encarado como um nostálgico: os obsessivos são os nostálgicos do ser.
Esta nostalgia, que deve ser entendida como a falta de algo que só existiu na fantasia, coloca o obsessivo num impasse que se vê representado sintomaticamente em sua posição de dúvida permanente. O desejo da mãe, a partir do qual ele constitui o seu, se mostra ambíguo, da mesma forma que o reconhecimento da figura simbólica do pai.
7 (Dor, J. (1989) 1991, pg. 63.)
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Cabe agora, enfatizarmos os traços estruturais presentes no obsessivo e a relação deles com o desejo e o gozo, relação esta em que a busca obsedante pelo prazer é margeado pela necessidade e pelo dever.
A relação dual intensa com a mãe, e os investimentos eróticos a ela relacionados, dá-se para a criança a partir da satisfação imediata de suas necessidades, de cuidados que acontecem no contexto do acesso ao corpo da criança pela mãe. Esses acessos favorecem o gozo. Enfatizando novamente a dialética edipiana, temos uma mãe com o desejo não plenamente satisfeito, uma relação dual desta com a criança e o posicionamento desta numa posição de objeto de gozo, iniciada, facilitada e conduzida no processo de sedução maternal.
A ação sedutora da mãe, e a intensidade do amor como esta ação é lida pela criança, induz a uma passividade sexual, testemunhada, mais tarde, pela intensa produção fantasmática na vida do obsessivo. Temos, então, um gozo, ou a busca pelo gozo materno, a passividade sexual do filho, e a partir daí, instaura-se a dificuldade de um gozo próprio pela via do desejo, notificada pela passividade presente, muitas vezes, nas mínimas relações na vida do obsessivo. O gozo do obsessivo estará ligado a um fazer gozar ao outro.
Esta busca pelo fazer gozar ao outro está relacionada, então, a uma evocação do sujeito, nostálgica como dita, ligada a uma identificação fálica vivenciada. O obsessivo ingressa, na dialética do ter, com esse passivo fálico. Por este motivo a assunção da criança ao universo do desejo se vê dificultada, assim como o acesso à lei, o que justifica a relação particular e problemática com o pai e as pessoas que ocupam qualquer posição de autoridade a ele referida. Novamente aqui, o caso do “Homem dos ratos” ilustra fielmente este traço na neurose, essa dificuldade em se relacionar com a figura paterna, desdobrada nas autoridades.
O processo de subjetivação do obsessivo acontece de uma forma especialmente problemática. A passagem do ser ao ter, condicionante da “genética” da subjetivação, vivida nas experiências de insatisfação a partir da intrusão paterna e a negação da identificação fálica, se torna ainda mais difícil no obsessivo, pois onde deveria haver insatisfação, o que ocorre, na realidade da criança, é um tornar-se refém de uma situação de satisfação,
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na qual acredita ocupar o lugar de objeto que satisfaça plenamente o desejo da mãe. A criança não conseguindo mediatizar o seu desejo, fica aprisionada ao desejo insatisfeito da mãe.
O desejo no obsessivo se articulará em suas relações, assim como ocorrera da mãe em relação a ele, em função de um suprimento de necessidade. Num mundo de significantes, parece agora começar a esclarecer-se o porquê do desejo do obsessivo ser impossível: como içá-lo à existência? A relação do obsessivo com o desejo, uma vez que articulado só a partir da necessidade, apresenta um caráter paradoxal: ele é absoluto e como tal implica na destruição do Outro: a uma necessidade cabe um objeto. Por outro lado, ele é impossível, pois o Outro é imprescindível ao próprio desejo, na medida em que é inerente ao desejo necessitá-lo. Conclusão, a destruição do Outro implica a destruição do desejo.
Na dificuldade, ou impossibilidade, de articular o desejo com a demanda, o obsessivo “...esforça-se em fazer adivinhar e articular pelo outro o que deseja e não consegue ele próprio demandar”.8 Em seu pensamento, parece-lhe natural que o outro saiba o que ele deseja, sem que ele precise exprimi-lo em palavras.
A impossibilidade de demandar está inclusa na situação de servidão em que o obsessivo se encerra. Isso o leva a uma posição de tudo aceitar: o obsessivo tudo suporta, ou acredita que suporta, pois a atitude de se colocar no lugar de objeto do gozo do outro lhe causa um conflito que se mostra inconciliável com seu bem estar.
Cabe aqui uma observação: essa dificuldade em demandar, e a disposição em fazer concretizar a demanda do outro, parecem indicar que atrás de líderes apontados como psicóticos, existem milhares de obsessivos tornando as próprias idéias, demandas possíveis. A história parece não desmentir tal fato.
Já foi tratada neste trabalho a necessidade que o obsessivo tem em se colocar desafios. Somado a isso, e dentro da forma como eles são negociados, só é possível um resultado: a vitória. O obsessivo não pode perder. Na sua disposição em ser tudo para o outro, nada lhe pode escapar, sendo certo que
8 (Dor, J. (1994), pg. 104.)
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a perda de algo no ou do objeto lhe remeterá diretamente àquilo de que ele foge: a castração. O confronto com sua imagem narcísica é falho. Ele tem que ter contato com um Sujeito barrado e falho, que é ele mesmo.
Novamente remetendo ao desejo impossível do obsessivo, ele busca ultrapassar, no sentido de não enxergar sua situação de castrado, e manter seu status fálico, mas a lei do Pai permanece onipresente no horizonte de seu desejo: daí, sua culpa irrenunciável e inegociável. A morte do pai, na leitura da dialética do senhor e do escravo, é esperada e impossível, porque o pai que é onipresente é o pai simbólico e como tal já é morto. Ele não conseguirá nunca ocupar o lugar do mestre e estará fadado a se manter em sua posição servil. A morte do Outro não se mostra possível, embora esperada.
Na sua luta interminável na busca de prestígio e destaque, o obsessivo acaba tendo de reafirmar o que já existe, sempre existiu e não deixará de existir, a despeito de ele tentar não querer ver: a existência da castração. Porque a lei do pai lhe mostra a impossibilidade do absoluto. O obsessivo ao mesmo tempo em que busca negativizar o Senhor, paradoxalmente, busca que esse Senhor não deixe de ocupar sua posição, e até o fim. Caso contrário, juntamente com o desaparecimento do Senhor, seu desejo se dissipa. Sem a figura paterna, sem o significante Nome-do-Pai, o obsessivo não existiria como sujeito.
A busca do obsessivo em tudo controlar e dominar faz dele um potencial conquistador. Nessa luta, nessa mobilização na busca do domínio fantasmático, os resultados ou conquistas para ele simplesmente não têm importância. A busca do obsessivo remete sempre a novas buscas, a novas conquistas. A atração pela coisa conquistada remeteria o obsessivo à fronteira da ilusão da possibilidade de atingir o absoluto. É nisso que ele emperra. O obsessivo é tentado a abrir os caminhos mais difíceis e complicados e ainda assim sua conquista nunca será por ele valorizada. O absoluto é sempre a caricatura de um desejo que, na maioria das vezes, se revela perverso, mesmo quando se demonstra místico.
Na luta do obsessivo está latente a busca da transgressão da norma do pai e todas as normas a ela vinculadas. O obsessivo é sempre um pobre neurótico tentando ser perverso. Mas só tentando! Embora isso dificilmente ocorra, em sua encenação fantasmática ele flerta com a transgressão.
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A transgressão se realiza normalmente à luz do seu contrário. A escrupulosidade e a honestidade, de maneira alguma, conseguem mostrar ao mesmo tempo em que afirmam, o desejo inconsciente de transgressão. Na cruzada em que se engaja pela proteção da moral e da lei, o obsessivo pensa estar protegendo algo que lhe é externo, a família, por exemplo, quando na realidade busca se proteger de algo que lhe é constituinte: justamente, o desejo de ser como o perverso. O obsessivo neste engajamento dissocia-se de algo que o outro, amoral, deseja, sem perceber que o “imoral” é ele mesmo. Com essa atitude, na verdade, o que ele procura é nunca perder o controle de permanecer senhor de si.
A necessidade de domínio é marcante na clínica do obsessivo. Porque ele resiste em “obedecer” a regra fundamental do processo analítico: a associação livre. Dificilmente ele se propõe a perder o controle de seus pensamentos e o domínio de seu dizer. O obsessivo resiste. O obsessivo se cala. Somado ao processo de controle de si, tem-se a preocupação constante com sua imagem narcísica, que nem na presença do psicanalista, ou, sobretudo, justamente, por estar presença dele, não pode ser quebrada. O obsessivo fala de si a partir de um outro lugar, um lugar neutro, de onde ele não se envolva naquilo que relata.
Por fim, não poderíamos terminar este trabalho sem destacar a relação do obsessivo com seus objetos de amor. Aqui, conforme já disposto na via do obsessivo com seu desejo, embora de forma geral, seu espaço de investimento é calcado numa forma de relacionamento paradoxal. O obsessivo não admite perder, ao mesmo tempo que não tem limites na relação com seu objeto de amor. Conforme observa Joel Dor (Dor, J. (1994)), o obsessivo é capaz de tudo dar, sem nada dar, no sentido que não admite perder o controle na relação amorosa.
Na verdade, o que ele busca é que o outro também não se veja em condições de desejar. Assim, ele tem que ser tudo para o ser amado. Ele não pode perder a posição, fantasmática, de que complementa o Outro. Para tanto, o desejo do outro tem que permanecer morto.
Na relação com o ser amado, o obsessivo se propõe a oferecer, de todas as formas, as condições para que nada lhe falte. A experiência da falta
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no outro amado remeterá a pessoa do obsessivo à questão da sua própria inaudível falta. O obsessivo, assim como no seu fantasma, procura reduzir o desejo à necessidade.
O obsessivo masculino, para citar um caso, coloca a mulher amada num pedestal único de veneração, buscando transformá-la totalmente em objeto e como tal não desejante: ela deve se fazer de morta. Assim, seu desejo não encontra inquietação, pois uma vez que o desejo é sempre o desejo do desejo do outro, ao desejar, o objeto amado desalojará o obsessivo da sua posição controlada em relação ao desejo. A máxima do obsessivo no relacionamento amoroso é que a amada não deva demandar nada. Se demanda é porque deseja. Se deseja, quem corre perigo é ele.
O obsessivo ao mesmo tempo em que se afasta de seu impossível desejo, se engendra na tentativa de anular a pessoa da mulher amada, e como já mencionado, ele não mede esforços para fazê-lo, embora em vão.
Num determinado momento não será mais possível à mulher suportar o ônus de se manter apenas como sombra do homem obsessivo. No momento em que ela se colocar como ser desejante, o relacionamento perde, totalmente, o seu valor. Nesse momento, o obsessivo deixa de ser “feliz” e procura um novo relacionamento. Dessa forma, a mulher, embora estejamos tratando de objetos de amor, não ocupa no imaginário da relação objetal do obsessivo uma posição de mais valia do que um carro esporte, por exemplo.
Concluo, afirmando que muitos neuróticos obsessivos se tornaram expoentes, na filosofia, na medicina, na busca da verdade e do real. Para finalizar, faço um reconhecimento, humildemente junto a Lacan (Lacan, J., (1966) 1998, pg. 648 e 649), de alguém que esteve em busca de seu Desejo: Freud.
“Quem soube melhor que ele, declarando seus sonhos, desfiar a corda em que desliza o anel que nos une ao ser, e fazer luzir entre as mãos fechadas que o passam de uma às outras, no jogo-do-anel da paixão humana, seu breve fulgor?
Quem trovejou como esse homem de gabinete contra o açambarcamento do gozo por aqueles que amontoam sobre os ombros dos outros os fardos da necessidade?
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Quem, tão intrepidamente quanto esse clínico apegado ao terra-a-terra do sofrimento, interrogou a vida em seu sentido, e não para dizer que ela não o tem – maneira cômoda de lavar as mãos – mas para dizer que tem apenas um, onde o desejo é carregado pela morte?
Homem de desejo, de um desejo que ele acompanhou a contragosto pelos caminhos onde ele se mira no sentir, no dominar e no saber, mas no qual soube desvendar, somente ele, qual um iniciado nos antigos mistérios, o significante ímpar: esse falo o qual recebê-lo e dá-lo são igualmente impossíveis para o neurótico, quer ele saiba que o Outro não o tem ou que o tem, pois em ambos os caos, seu desejo está alhures – em sê-lo -, e porque é preciso que o homem, macho ou fêmea, aceite tê-lo e não tê-lo, a partir da descoberta de que não o é.
Aqui se inscreve a Spaltung derradeira pela qual o sujeito se articula com o Logos, e sobre a qual Freud começando a escrever nos ia dando, na última aurora de uma obra com as dimensões do ser, a solução da análise “infinita”, quando sua morte ali veio apor a palavra Nada.”
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The Desire in Obsessive Neurotic
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Resumo
Buscou-se trabalhar a difícil relação do obsessivo com seu desejo. Inicialmente focou-se na leitura do desejo a partir de Freud e Lacan. Posteriormente buscamos trabalhar a neurose obsessiva na visão dos dois mestres, para finalmente concluir com a difícil, senão impossível, relação do obsessivo com o desejo
Palavras-chave: obsessivo, desejo, prazer.
Abstract
We sought to work the difficult relationship between the obsessive and his desire. Initially, we focused on the understanding of desire from Freud’s and Lacan’s perspectives. Later, we sought to work on the Obsessive Neurosis based on the point of view of these two masters, and then to conclude with the difficult, if not impossible, relationship between the obsessive and his desire.
Keywords: obsessive, desire, pleasure.
INTRODUÇÃO
Freud foi o primeiro a conferir conteúdo teórico à antiga clínica das obsessões, situando a doença no registro da neurose e também fazendo dela, frente à histeria, o segundo componente da estrutura neurótica humana.
* Artigo elaborado a partir de monografia apresentada como parte dos requisitos para o certificado de Especialização do curso de Pós Graduação Lato Senso “PSICANÁLISE E LINGUAGEM: UMA OUTRO PSICOPATOLOGIA” – COGEAE (Pontifícia Universidade Católica –
PUC-SP), ano de 2008. E-mail: alexandre.alex@terra.com.br
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Assim retirou-se a neurose obsessiva, do campo da psicose, subvertendo a perspectiva psiquiátrica. A idéia de Freud era como dar conta de uma loucura (mania) que não afetava o raciocínio? (Freud, S (1950), 1996)
Na neurose, mais especificamente na neurose obsessiva, temos o sujeito distante do desejo, distância esta relacionada à sensação de prazer que foi recalcada, que se tornou inconsciente. Esse distanciamento acaba transformando-se em impossibilidade de reconhecimento devido à força do afeto de desprazer que a sua presença acarreta. Assim, como em toda teoria psicanalítica, também na neurose obsessiva, o desejo é o centro de seu estudo e de sua prática.
O DESEJO EM FREUD
O desejo no projeto para uma psicologia científica
(Freud. S, (1950) 1996)
Freud utilizaria em trabalhos futuros muitos dos conceitos que, de alguma forma, já estavam dispostos no Projeto. O aparelho psíquico, na obra, se organiza em torno do que Freud denominava função primordial do sistema nervoso que seria manter o menor nível de excitação possível em seu “interior”.
A criança, no início de vida, seria incapaz de dar conta sozinha da descarga da energia e precisaria da ajuda de um adulto para fazê-lo. A intervenção de um adulto, quase sempre a mãe, ajudaria a realizar a descarga – na amamentação, por exemplo – e criaria um trilhamento (“bahnung”) que associaria nos registros neuronais do bebê o estado do incômodo sentido (excitação) e o objeto que auxiliou a descarga. Estaria inscrita no aparelho psíquico do indivíduo a experiência da satisfação.
O trilhamento, segundo Freud, serviria como uma via facilitadora da descarga de forças. Com a repetição da excitação, ou de desejo, a imagem do objeto seria reinvestida. Já que não há correspondência com o objeto externo o que teríamos, na realidade, é uma alucinação e um posterior desapontamento na tentativa da descarga. A experiência da satisfação inicial seria buscada e não mais encontrada, caracterizando o desejo.
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A via régia do desejo na interpretação dos sonhos
(Die Traumdeutung)
No trabalho de desenvolvimento da teoria psicanalítica, e mais especificamente do desejo, podemos considerar que a obra A Interpretação dos Sonhos (Freud, S. (1900) 1996) é herdeira do Projeto. Freud durante a obra falará em desejos pertencentes ao Sistema Consciente e desejos pertencentes ao Sistema Pré-Consciente na indução dos sonhos, afirmando, porém, que é necessário que haja um reforço de outro lugar, o inconsciente.
A teoria psicanalítica vê no Desejo o determinante da vida de cada um, quer o sujeito queira ou não. Cabe ressaltar que o mecanismo da formação dos sonhos se dá numa oposição entre o eu (consciente) e o recalcado (inconsciente), batalha que acompanhará o neurótico durante toda sua vida. Na vida do neurótico, o Desejo não aparecerá senão por vias de representação, de transferência, quase sempre não percebidos, ou identificados.
A representação do Desejo nos sonhos se dá por dois mecanismos descobertos por Freud: a condensação, que é o processo pelo qual várias idéias inconscientes se juntam, se condensam numa só; e o deslocamento, que é a forma pela qual o recalcado se transveste.
Na obra A Interpretação dos Sonhos, Freud, diferentemente da forma tratada no Projeto, não fala mais num aparelho psíquico com sistemas de neurônios diferenciados, mas de sistemas psíquicos diferenciados. Cabe salientar, tomando este ponto como referência, que Freud já iniciara o rompimento com o discurso médico, que já não era capaz de definir “a verdade” sobre o funcionamento da psique humana. Freud passa a falar de outro lugar.
No ponto, chamado por Freud de umbigo do sonho, talvez nos vejamos frente a algo que nos escapa, ou melhor, algo que escapa a ser representado, algo definitivamente perdido, algo comparado à coisa (das Ding) perdida, que se localizaria num ponto não alcançável, e aí Freud é fortemente influenciado por Kant, e esse ponto já está presente na obra de Freud desde o Projeto.
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Para ratificar e ao mesmo tempo esclarecer a idéia exposta no parágrafo anterior, citamos Garcia-Roza1:
“O que Freud nos diz, de uma maneira que lhe é própria, é que na relação mãe-filho, a mãe (a coisa-mãe) ocupa o lugar de das Ding. Não que ela seja das Ding, mas que ela ocupa o lugar de das Ding, na medida em que das Ding é o centro do qual gravitam as Sachevorstellungen. Desejar a mãe é, portanto, desejar das Ding... A mãe-Ding é interditada pela cultura e é esse interdito que nos constitui como humanos (e que constitui a própria cultura). Em termos psicanalíticos, podemos dizer que na medida em que o desejo de possuir das Ding fosse satisfeito, cessaria toda demanda, e é precisamente esta demanda que funda o inconsciente humano.2”
Aproveitando a remissão feita à filosofia, citamos aqui uma observação do autor anteriormente citado: “Enquanto na perspectiva filosófica clássica a relação do homem com o mundo é uma relação ser a ser, na perspectiva freudiana essa relação é do ser com a falta” Se Freud iniciara um distanciamento da postura médica, também não fora diferente seu posicionamento frente à filosofia clássica.
Concluímos que o núcleo do desejo retrocede a uma situação, digamos, mítica, vivida quando da infância e que os objetos do Desejo serão sempre substitutivos e como tais parciais, nunca podendo representar o absoluto, movendo, entretanto, o sujeito em constante e infindável busca.
O desejo no complexo de Édipo
É fato no pensamento freudiano que o Desejo busca satisfação - ou melhor dizendo, ele procura a realização através do reavivamento de uma imagem de satisfação – e o mesmo está diretamente direcionada por um norte, por um princípio que é o princípio do prazer.
Com o desenvolvimento da criança, e a frustração sentida com o fracasso da satisfação através do caminho da alucinação, esta precisa ser
1 (Garcia-Roza, L.A., (1990) 2004, pp. 87 e 88)
2 (Garcia-Roza, L.A., (1993) 2004, pg. 186.)
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abandonada e os objetos de satisfação precisam ser buscados no mundo externo. Estaria introduzido o outro princípio da atividade psíquica que é o da realidade, que garante a continuidade da busca pelo prazer.
Assim como outras idéias psicanalíticas, a teoria sobre o Complexo de Édipo foi forjada sob grande dificuldade. Freud trabalhou a partir de sua própria análise e dos trabalhos iniciais junto as suas pacientes histéricas.
A partir dos princípios psíquicos conceituados por Freud, do prazer e da realidade (Freud, S, (2004)), e da relação inicial da criança com os progenitores, o psicanalista austríaco apresentará uma visão diferente da relação entre os filhos e os pais. Freud enfatiza a presença do desejo sexual na infância, o que lhe causou severas críticas. Tinha fim, a partir da teoria freudiana, a visão inocente e dessexualizada da relação familiar. O contato da criança com os pais, principalmente com a mãe, marca sexualmente a criança.
A relação com os pais na fase edipiana é, conforme o termo utilizado, complexa, estando em jogo sensações ambivalentes, não só em relação ao pai, mas também à mãe. Freud não tem dúvida que é nas relações edipianas que se encontra o núcleo das neuroses (Freud. S, 2007).
Tomando como exemplo o caso simplificado de uma criança do sexo masculino, temos a mãe como objeto natural de desejo, por ser a pessoa vinculada à criança desde o nascimento. O pai tido, primeiramente, como objeto de identificação, acaba se tornando um obstáculo ao desejo sentido pela criança em relação à mãe, e se transforma num adversário. A partir desse momento, tem-se em relação ao pai uma identificação ambivalente, de carinho e de hostilidade, e em relação à mãe uma relação sexualmente objetal. Esse seria o complexo de Édipo simples e positivo.
Freud, porém, nos coloca que esta não é maneira mais freqüente que se desenrola a relação filho/mãe/pai. A forma descrita no parágrafo anterior seria uma simplificação de como o complexo de Édipo se mostra. A relação edipiana se faz a partir de um complexo duplo em relação aos pais.
Primeiro ponto colocado, no chamado por Freud complexo de Édipo mais completo, é que originalmente a criança é bissexual, no sentido que a mesma não tem definido, originalmente, a sua posição sexual, podendo fazer uma opção masculina ou feminina, ativa ou passiva. Assim, a posição
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ambivalente em relação ao pai se repete também com a mãe. Neste ponto fica claro a complexa situação em que está sujeita a criança na relação trina edipiana e o porquê de se destacar o complexo de Édipo como o núcleo nodal da neurose, ou da estrutura psíquica de forma mais geral.
O DESEJO EM LACAN
A releitura freudiana feita por Lacan é marcada pela influência da filosofia hegeliana, ou melhor, e principalmente, pela análise antropológica da filosofia de Hegel efetuada por Alexandre Kojéve. A partir da análise feita na obra Fenomenologia do Espírito, principalmente do capítulo que ficou conhecido como “Dialética do Senhor e do Escravo”, Lacan desenvolverá, além de outras coisas, a idéia de Desejo.
O desejo, que é um vazio, uma falta, só será humano quando se voltar para algo não natural e a única coisa que apresenta tal característica é o próprio desejo. O desejo se volta para outro desejo, um vazio a outro vazio, e assim vê-se o desejo superado na sua forma natural, como o surgimento do “desejo do desejo”. Dois desejos animais tornam-se humanos quando se dirigem um ao outro.
A citada influência de Hegel em Lacan, se por um lado se materializa na construção da teoria do imaginário, marcantemente na elaboração da teoria do estádio do espelho, por outro aponta seus limites, e por isso abre caminhos para a guinada do simbólico.
Na dialética do Senhor e do Escravo, uma das idéias compreendidas é que, na noção de sujeito, a rivalidade é inerente. A partir das lições de Kojéve, e da teoria psicanalítica, busca-se reinventar o sujeito cartesiano, autônomo e incondicionado, num sentido contrário: determinado e dependente, determinação adequada ao sujeito através da ordem social, o que na dialética hegeliana apareceria reduzida como “o outro”. O desejo humano respeita essa determinação, na medida em que sua origem é pensada como uma negação da sua condição natural, se constituindo como negatividade pura que preside a constituição do sujeito no discurso de Lacan (Lacan, J, (1966) 1998).
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O que não se deve buscar na análise hegeliana de Kojéve é o viés psicanalítico trabalhado por Lacan. Para o psicanalista francês o que está em contraste não é a servidão e a liberdade, autonomia e desautonomia, mas o reconhecimento da assujeitação aos outros imaginários, constitutivos e determinantes da sua existência. Na clínica, o sujeito passaria, ou deveria passar, por este caminho, do desconhecimento ao reconhecimento da condição de assujeitação. O sujeito reconhece que o seu desejo é, na realidade, o desejo de um pelo outro. Se esse desejo o impulsiona, sua ação ocorre em função de um outro. É na condição de escravo que ele se encontra.
Ponto fundamental no estruturalismo lacaniano, estruturalismo no qual Lacan será um dos vértices na França, é que não há estrutura significante sem sujeito. Na teoria de sujeito lacaniana o ser do sujeito é o Desejo, donde se conclui que o Desejo é quem anima a cadeia significante, impulsionando a passagem de um significante a outro.
Na constituição do sujeito, porém, salientará Freud que algo escapa à identificação e ao significante, que é o objeto a na teoria de Lacan. O objeto a deteria a metonímia e a frearia num ponto em que ela não alcança. Este objeto a é colocado na teoria lacaniana não como um agente do discurso analítico, mas como um dos pilares “onde o sujeito sustenta o seu pseudo-ser, sendo a cadeia significante seu outro pilar”3. O objeto a é um resto do sujeito e do Outro, não podendo se definir a quem pertence.
A releitura do desejo do complexo de Édipo em Lacan
Com relação ao complexo de Édipo, Lacan o trabalhou em três tempos distintos e complementares (Lacan, J, (1957-58) 1999). Lacan estrutura os três tempos do Édipo, trabalhando-o com o móbil do complexo da castração. Se for verdade que o ser humano muito cedo vive o peso da falta, da mesma forma desde muito cedo ele busca cobri-la tentando driblá-la e mantê-la o mais distante possível. Essa busca de tapamento da falta é o Desejo.
3 (Rabinovich, D, (1995) 2005), pg. 25)
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O Desejo, indestrutível, busca algo, busca um objeto. Neste sentido, torna-se necessário tratarmos do objeto do Desejo que é o falo. O falo é o significante da incompletude fundamental do ser humano e ao mesmo tempo do preenchimento do vazio que ela produz.
O curso do Édipo é regulado pela função fálica e neste sentido existem quatro protagonistas participantes na história encenada por todos: a mãe, o pai, a criança e o falo. Em torno deste último é que gravita o desejo dos outros três.
Ao entrarmos no primeiro tempo do Édipo, para criança, dentro da idéia já exposta de um vazio – tanto dela quanto da mãe – ela se coloca, imaginariamente, como objeto de completude deste vazio. Ela se coloca como o objeto fálico da mãe e neste primeiro tempo não pode ainda ser vista como sujeito, mas como falta, como o complemento da falta da mãe. Ela é o falo da mãe.
Esta posição do filho em relação à mãe tem importância fundamental na sua constituição porque, neste momento, ele se isola nesta posição, estando desprovido de qualquer outra coisa que não seja o desejo deste primeiro e grande Outro, que estará presente ou ausente. A manutenção do pequeno ser nesta posição ou as dificuldades de sair dela lhe trará conseqüências que o acompanharão durante sua vida, sendo determinante na estrutura psíquica na qual se constituirá. É tão importante para a criança estar na posição alienante de falo do Outro, de sentir como objeto de desejo da mãe, quanto conseguir sair dela e se fazer sujeito.
A referência ao pai, neste tempo, é apenas velada: ela aparece envolta no significante metafórico paterno. Trata-se de um significante presente na estrutura da linguagem, e com peso no universo simbólico da mãe, que ao se colocar em relação ao filho começa a introduzi-lo neste universo.
Na relação com a mãe, a criança, na posição de objeto fálico, perceberá que existe, ainda, carência no outro materno e este se mostrará faltante. Neste momento o Outro primeiro se mostrará incompleto, também barrado. Essa carência será sentida pela criança, envolta na situação de presença e ausência do outro materno, e restará a dúvida: sou ou não sou o falo?
O segundo tempo do Édipo é marcado pela intervenção do nome do pai sobre a mãe, mediando a relação desta com a criança. Este tempo
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é marcado pelo advento do simbólico e pela intervenção da figura paterna como elemento privador da mãe. É de um modo menos velado do que no primeiro tempo, mas não completamente revelado, que o pai aparece através do discurso da mãe, que o reconhece como homem e como aquele que lhe faz a lei. A demanda do filho endereçada à mãe, até então o seu Outro, estará agora sujeita a um “pronunciamento” do pai.
A ruptura citada resultará num movimento da criança em direção ao Nome do Pai, que é correlativo ao recalque originário freudiano. O Nome do Pai passa a representar a lei e com a linguagem, que nomeia o desejo, produz também a clivagem da subjetividade em formação em consciente e inconsciente.
Neste tempo, ocorre a castração simbólica que incide sobre um objeto imaginário, deixando a criança de ser o falo e a mãe de ocupar o lugar do grande Outro. Para a criança, o pai passa a ser o falo, o onipotente e a própria lei, e desloca o desejo da mãe, cabendo ressaltar que ainda estamos na dialética do ser.
No terceiro tempo do Édipo, o pai aparece desvelado para a criança e se mostra não mais como a lei, mas como seu representante. O pai aqui perde sua onipotência e se mostra também castrado.
Neste tempo, Lacan acrescenta ao pai freudiano a figura do doador. O pai é o ser que tem o falo e tem a função de mostrar que o falo circula, podendo doá-lo ao filho ou mostrar à filha onde encontrá-lo. A criança sairá da dialética do ser para a dialética do ter. O ser não pode ser doado, o ter, sim. Ter ou não ter – essa a problemática a partir de então, pois o significante fálico, assim como a pessoa da mãe no primeiro tempo, se fará presença e ausência na vida do sujeito.
A participação do pai nesta fase é tão importante quanto na segunda quando rompe a célula fálico-narcisista, pois é desta fase que depende a saída do complexo de Édipo. O pai, potente, possuidor do falo pode produzir a ponte que recoloca o falo como objeto desejado pela mãe e não apenas como objeto do qual ela pode ser privada.
Podemos dizer que a criança, capturada pelo desejo da mãe, é liberta pelo pai real, enquanto representante do pai simbólico.
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A NEUROSE OBSESSIVA EM FREUD
Considerando que o sujeito se estrutura a partir do recalque de um trauma sexual ocorrido durante a infância, no caso dos neuróticos, pode se considerar que a neurose se instala no fracasso deste recalque, no fracasso da defesa do eu contra o trauma.
Como importante diferença da neurose obsessiva em relação à histeria, apontamos que seus sintomas não se manifestam primordialmente no corpo. O obsessivo sofre de pensamentos.
A etiologia sexual, ou o trauma recalcado, foram experiências primeiramente acompanhadas de prazer e a sua primeira resignificação, através da lembrança, também é acompanhada de prazer, só que traz consigo a autocensura contra o gozo instaurado. Aqui estamos tratando ainda de algo que se passa no Consciente. Num momento posterior, tanto a lembrança prazerosa quanto a autocensura são recalcadas e “transferidas” ao Inconsciente, se formando assim um sintoma antitético. Os sintomas antitéticos, as idéias ambivalentes, acompanharão o neurótico obsessivo durante sua existência.
Embora atacada pela lógica racional, pois são consideradas e combatidas pelo eu como estranhas, o sentimento e as idéias obsessivas a ele relacionadas muitas vezes subjugam o eu e este é o momento em que o obsessivo se vê frente à força inabalável da idéia obsessiva, que é também uma nuance da autocensura, e o vai-e-vem do pensamento que tornam a vida do sujeito obsessivo penosa.
Freud (Freud. S, (1950) 1996) estabelece uma relação clara entre o inconsciente e a linguagem e é através da neurose obsessiva que ele consegue encontrar o inconsciente se manifestando claramente de maneira verbal. A clínica do neurótico obsessivo possibilitou a análise do paciente a partir de seu discurso, sendo que este passa, então, a ocupar a mesma posição ocupada pelo sonho. Com a diferença, porém, que no discurso do obsessivo não se trata de representações, mas de registros sob a forma verbal. A alucinação dos sonhos se faz presente nos pensamentos do obsessivo.
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A NEUROSE OBSESSIVA DO HOMEM DOS RATOS
Na introdução da análise de Ernest, o homem dos ratos, Freud (Freud, S., (1909) 1996) relata que procurou estruturar a neurose obsessiva, salientando a dificuldade maior de compreensão em relação à neurose histérica, e o fato da linguagem da neurose obsessiva ser um dialeto da linguagem da histeria.
O medo que incomodava o paciente, a causa principal que o levou até o psicanalista vienense, era que algo pudesse acontecer a duas pessoas de quem ele gostava muito: seu pai e a dama a quem admirava. Esse algo era, principalmente e no fundo, a morte destas pessoas.
De acordo com a indicação de Freud, a ambivalência está presente na vida do paciente ainda quando criança. A um desejo erótico se contrapunha, compulsivamente, um medo, um afeto aflitivo. O desejo deveria, assim, ser evitado.
A análise do caso de Ernst demonstra que ele se colocou na posição do pai: ao mesmo tempo devedor e sem condição de saldar sua dívida. Adiantando a importância da palavra rato na linguagem, ou melhor, no dialeto do obsessivo paciente, ele se identificara a um homem, seu pai, que se portara como um rato, seja quando roubou o dinheiro do pelotão ao qual pertencia e era responsável por sua guarda, seja quando optou pelo dinheiro, no momento de seu casamento, em detrimento de seu desejo erótico. Se a questão da dívida fica clara no caso de Ernest, a partir da identificação com o pai, nem sempre essa dívida parece mostrar ao obsessivo sua origem nem a quem pagar, ainda que a mesma se faça presente e o incomode.
No paciente, o antagonismo entre o carinho consciente e o ódio inconsciente em relação ao pai, e o desejo em relação à mulher amada em remissão à mãe apresentam-se demonstrados na narração da história. Um desejo inconsciente, indestrutível, que coloca o neurótico obsessivo entre o amor e o ódio pelo pai.
O obsessivo, e isso aparece também na análise de Ernst, vive uma fantasia de onipotência; ele tem o “dom” de supervalorizar seus pensamentos e sentimentos, sejam eles bons ou maus. Na sua vida psíquica, isso
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lhe é possível ao mesmo tempo em que ele desconfia dessa possibilidade. O antagonismo no pensar e essa supervalorização de si, ao mesmo tempo em que dificulta suas relações, o mantém longe da realidade de seu Desejo.
Finalizando o caso clínico obsessivo, Freud busca destacar a origem da neurose obsessiva no Complexo de Édipo. Neste sentido destaca o conflito de sentimentos de amor e ódio em relação ao pai e à dama, seja quando opostos pai e dama, seja quando opostos os sentimentos em relação a cada um.
O primeiro conflito remonta a situação da escolha de objeto de amor. E como escolha coloca-se a posição ‘ou isso ou aquilo’, ou a mãe ou o pai.
O segundo conflito é de uma estranheza maior. O amor inicial, antes da escolha objetal citada no parágrafo anterior, passa a ser percebido como ódio, da mesma forma que esse mesmo amor, e porque não desejo, uma vez insatisfeitos converte-se, em parte, em ódio. O amor e o ódio, no caso do obsessivo, num grau elevado de intensidade, mantém-se em relação a uma mesma pessoa. Uma luta de titãs em que não há vencedor... Resta o cansaço do obsessivo em buscar equilibrar esses sentimentos opostos. O ódio, recalcado no inconsciente, está protegido e não pode ser vencido. O amor por sua vez, busca manter o ódio suficientemente recalcado.
Essa oposição de sentimentos de forças equivalentes desemboca nas conseqüências imediatas na vida do obsessivo, numa paralisia parcial da vontade e incapacidade para decisões em que estão envolvidos objetos de amor e desejo. Essa indecisão, ou melhor, “incapacidade” para decidir vai abarcar quase toda a vida do obsessivo. O conhecido mecanismo de deslocamento fará seu trabalho e a paralisia da vontade se apoderará do sujeito obsessivo.
Nesta linha, torna-se claro o porque da necessidade dos sintomas da dúvida e da compulsão na vida psíquica do neurótico. A busca de um constante regramento e de uma vida ortodoxa a partir de medidas protetoras é o reverso de sua constante condição de dúvida, dúvida esta que remonta ao que deveria ser mais certo: seu próprio amor.
O obsessivo pensa muito mais do que age. O pensar do obsessivo substitui o agir e o processo que inicialmente parece satisfatório acaba voltando-se contra ele e seu pensar, pois a vida passa, e o obsessivo imerso
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no seu mundo de dúvida sabe que o agir é necessário; o mundo externo a sua volta precisa, pouco ou muito, ser modificado e o seu pensamento onipotente torna-se impotente quanto a isso.
O obsessivo, no seu caminho de tornar o desejo impossível, goza na sua complicada forma de pensar.
A NEUROSE OBSESSIVA EM LACAN
Se é certo que o caso “O homem dos ratos” é marcante e imprescindível no estudo da neurose aqui estudada, também não foi diferente com o psicanalista francês, que, no início de seu ensino, proferiu uma conferência intitulada “O mito individual do neurótico”4 em que abordou o caso estudado por Freud.
O mito seria a forma de descrever o que existe de essencial no seio da experiência analítica, aquilo que não pode ser apreendido pelo discurso. Se Freud buscou trazer o complexo de Édipo ao real, Lacan trabalhou o complexo como um mito. A palavra em si não é capaz de apreender nela mesma a verdade objetiva, ela apenas a exprime, e o faz de forma mítica.
Lacan destaca que a audição do caso de tortura narrado pelo tenente provocou no paciente de Freud um horror fascinado, e longe de desencadear a neurose, apenas atualizou os temas e fez aparecer ao sujeito a angústia que o levou até a clínica. Essa constante atualização que resulta na angústia será utilizada por Lacan para constatar a estrutura neurótica e o entrelaçamento das questões relativas ao pai, a dívida e ao gozo, fundamentais quando tratamos da neurose obsessiva, enquanto estrutura.
Aquilo chamado por Lacan de “constelação” precederia a vida do sujeito e determinaria o seu destino. A forma como ocorrera a união de seus pais, e principalmente a forma como seu pai se posicionara na vida conjugal seria determinante e contingencial na forma como o obsessivo (Ernest) desenvolvera suas relações e a forma como procurava em cenários imaginários, como num filme, saídas para solução das angústias desencadeadas por crises.
4 (Lacan, J., (1953) 2007).
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A organização psíquica, nas estruturas possíveis, se constitui a partir das variáveis dos desejos da mãe, do pai e da criança em relação ao objeto fálico. A partir dessa relação quaternária falo/criança/mãe/pai, já discutida quando estudamos o Édipo, estabelecem-se os fantasmas que serão determinantes na relação do sujeito com o Desejo.
Neste instante, talvez pareça verdadeiro definir que relações originais são aquelas vividas com a mãe e com o pai, também a partir da observação da relação entre eles. Posteriormente, o que ocorre são repetições.
É na posição ocupada pelo pai no desejo da mãe, que o sujeito telescopia a função fálica e negocia a sua inscrição numa determinada estrutura, ou, conforme pensava Freud, escolhe sua neurose como defesa de uma posição gozante em relação à mãe.
O pai de Ernst foi um homem faltante falicamente em relação à mãe desde a formalização da união conjugal. Ele, conforme a mãe descrevera ao filho, casou-se por conveniência, preferindo a boa situação financeira em detrimento ao sentimento que teria por uma outra mulher. Ele optou pelo gozo em detrimento do desejo. A união que resultou no nascimento do paciente, tinha como progenitor um homem, na origem, devedor. Na mitologia do paciente estudado, conforme descrito, a posição do pai devedor foi determinante, assim como na estória de Sófocles em que o homem de pés inchados (Édipo), foi precedido por um homem manco (Laio), seu pai. O “homem dos ratos”, por origem e destino, tornara-se herdeiro das dívidas paternas, e, como o pai, de uma dívida impossível de ser quitada pela via em que se deveria. Em sua função fálica, o pai de Ernst, esteve em débito com a mãe e a criança.
Lacan, então, a partir do histórico do pai e da influência que tivera na vida de Ernst, das elocubrações mentais a partir da oitiva da narração do suplício dos ratos, da situação criada para a não quitação da dívida, que embora não mencionada deveria ser ínfima, da fuga em comparecer na presença da moça do correio, conclui ser este o cenário fantasmático no qual o paciente estava envolto e que este drama resume seu mito individual.
No tocante a dívida, e lembrando a difícil situação criada por Ernest para o pagamento ao Tenente – quando na realidade a credora era a mulher do correio – apontamos, na situação, uma característica do obsessivo, não
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colocada por Freud, que é a motivação a partir de desafios. No obsessivo, manifesta-se uma verdadeira compulsão ao engajamento às diferentes formas de competição. E como explicar esta necessidade de desafio?
Primeiramente, tem-se que o obsessivo, e isso fica bem claro no caso do exemplo do “Homem dos ratos”, cria para si uma situação imaginária para se engajar num desafio, desafio que está estritamente ligado a uma adversidade. O combate ao qual se sujeita o obsessivo está circunscrito a regras determinadas às quais ele não pode desobedecer. Essa circunscrição à legalidade esconde, na realidade, o desejo do obsessivo. Ele se lança no desafio na busca impossível por seu Desejo.
O obsessivo busca o que consegue o perverso, o gozo, mas a Lei é nele radicalmente marcada, o que lhe impossibilita. No desafio, o obsessivo revive a possibilidade de rivalizar-se com o Outro que lhe dita a Lei e que lhe demonstra a castração. Esse desafio deve ser lido a partir da rivalidade primeira criada a partir do que nos foi colocado “Não dormirás com tua mãe”. O obsessivo, mesmo num fracasso determinado, vê no desafio a possibilidade de responder ao Outro, presumido imaginariamente na figura paterna: “Este é teu desejo, quanto a mim, recuso esta limitação do meu”5.
Na linha de sua proposta, se Lacan, assim como Freud, privilegiou a análise do sintoma no obsessivo na sua relação com o desejo, ele foi além ao mostrar a função da causa do desejo no objeto a (Lacan, J., (1962-63) 2004). Na clínica não basta apontar-se, ou melhor, “...não basta que o paciente formule seu sintoma, é necessário que o sujeito seja tocado, pelo fato de que existe uma causa a esse sintoma”.6
Se o objeto a é vinculante do desejo, ele, como resto do surgimento do sujeito no Outro, está excluído do mundo dos significantes, não é simbolizável. Neste sentido, Lacan estabelecerá a relação do objeto a com o gozo (Lacan, J., (1962-63) 2004). O obsessivo, na sua posição de dúvida permanente, mostra que seu sintoma de compulsão busca evitar aquilo que
5 (Safouan, M, (1974) 1979, pg. 64.)
6 (Peres, U, (2005), pg. 385.)
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lhe é seu, como resto de sua sujeição ao Outro, afastando-se, ou impossibilitando o desejo, ao mesmo tempo em que procura não despertar a angústia da posição de objeto de gozo.
No obsessivo, cuja fantasia está presa à fase anal, o objeto causa do desejo é o excremento que no momento em que é expelido, ou melhor, cedido à mãe, simboliza para ele a castração. A criança se reconhece no objeto em torno do qual se dirige a complexidade da demanda que se apresenta. Este objeto, porém, ao mesmo tempo em que se apresenta como uma dádiva a ser concedida, tem a forma que lhe é anterior, de dejeto, de algo ligado à necessidade de ser expelido. O excremento, objeto causa de desejo no obsessivo, então é visto como parte sua – castrada – mas oferecida à pessoa amada, sendo que por outro lado não seria parte sua uma vez que se trata de algo ruim que é preciso ser expelido.
Lacan aponta o objeto a delineando a estrutura obsessiva (Lacan, J, (1962-63) 2004), onde predomina a ambivalência desse sim e não, é de mim – sintoma, mas, todavia, não é de mim. O sujeito se constitui como dividido em relação à demanda do Outro, divisão esta que permite ao objeto em questão simbolizar o falo na fase fálica.
A partir do objeto excremento, constitui-se a fantasia do obsessivo. Na identificação fálica em relação à mãe, imperiosa no caso do obsessivo, ela se faz a partir do valor do excremento e de sua imagem. Aqui, podemos apontar a característica do obsessivo de sempre preocupar-se com sua imagem, pois é partir desta que ele conseguirá se posicionar de forma a atender a demanda do Outro. O obsessivo, mais do que ninguém, preocupa-se com sua imagem e com o que podem estar pensando dele, sendo que esta preocupação está relacionada ao fantasma no qual se constituiu.
Se no momento em que Lacan proferiu a conferência “O mito individual do neurótico”, sua preocupação central era introduzir o complexo de Édipo e a psicanálise numa leitura estruturalista - a partir da visão do Édipo como um mito - cabe mencionarmos a colocação, naquele momento, de um quarto elemento, além da mãe e do pai, que seria a morte. Morte que estaria presente na constituição do eu a partir de uma imagem antecipada pelo Outro, imagem esta que realiza, ao mesmo tempo em que se demonstra insuficiente em demonstrar quem o sujeito é.
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Morte que na vida psíquica, na estrutura do neurótico obsessivo lhe remete à principal questão: “Estou vivo ou estou morto”. Se muitos pontos foram destacados por Lacan com relação à estrutura aqui trabalhada, destacamos o que neste trabalho é o principal: a forma como ele evita o seu desejo e o dos outros com o quais se relaciona, por considerá-los duplos de si. A partir desta “evitação” do desejo, o sujeito se posiciona numa dimensão de ator que lhe permite desempenhar, no drama de sua vida, alguns papéis como personagem, como se estivesse morto (Lacan, J, (1956-57) 1995).
O obsessivo tem a tendência de procrastinar, de renunciar à vida, de se fazer de morto, ad eternum, pois a figura do pai, ou melhor, sua morte não se concretiza, mesmo após o seu desaparecimento real – morte física. Isso aparece expressamente na história do “Homem dos ratos”. O obsessivo aguarda o momento em que ocupará a posição do senhor, momento este que nunca chegará.
O obsessivo anseia e aguarda a morte do mestre, sem perceber que na realidade ela já ocorreu – o pai que age e fissura a relação una mãe/criança é simbólico e como tal é morto. Nessa posição de escravo de um senhor morto, o obsessivo se imobiliza.
A fala do obsessivo, eivada de objetivação – como se falasse de um outro, reflete o movimento de afastamento do próprio desejo, desejo desse outro que é ele mesmo. Nesse jogo, a agressividade e o ímpeto de destruição revertem-se ao próprio sujeito.
Lembrando o que fora mencionado por Freud, quando ligou a autocensura a uma recriminação a partir de um gozo sentido em relação à mãe, para Lacan, a relação mortal do obsessivo consigo reflete a angústia diante do Outro (Lacan, J., (1962-63) 2004); face a isso ele se faz de morto diante do objeto de seu gozo para fugir a uma suposta cólera do Senhor. Neste sentido, nada do que acontece tem verdadeira importância para o obsessivo.
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O OBSESSIVO E O DESEJO IMPOSSÍVEL
O fato de sentir-se demasiadamente amado pela mãe direciona a abordagem a ser seguida na determinação da função fálica na estrutura obsessiva. O sujeito obsessivo foi particularmente investido como objeto de desejo da mãe, foi privilegiado em seu investimento fálico.
No obsessivo – e estamos falando de uma neurose – nem será preciso pontuar que a função do significante Nome-do-Pai cumpriu seu papel. Porém, na lógica fálica, o privilégio maternal é “lido” pela criança de uma forma em que ela se posiciona como o objeto que supre o desejo da mãe, naquilo em que o pai “não dá conta”. A criança, imersa no jogo de desejo-fantasia em que se encontra, gravitando em torno do objeto fálico e do desejo da mãe e do pai em relação a este objeto, se vê na posição de que “...a mãe seria suscetível de encontrar aquilo que é suposto esperar do pai”.7
Se fossemos localizar este momento, estaríamos na passagem do primeiro para o segundo tempo do Édipo, em que a criança se vê frente ao significante nome-do-pai a partir do discurso da mãe. É o momento em que a criança, na dialética edipiana, para se constituir como sujeito – e como tal desejante – precisa iniciar a passagem do ser ao ter e, é a partir do discurso da mãe, que isso fica determinado, significado, que o desejo dela (mãe) se volta para a figura paterna. Em decorrência da ambigüidade mínima que possa existir neste discurso, a criança pode, imaginariamente, se colocar como suplente da satisfação do desejo materno.
No processo de identificação à figura paterna - como tal, detentor do falo – o sujeito obsessivo se vê fortemente preso à identificação de ser o falo da mãe. O sujeito obsessivo, na sua condição de detentor do falo, pode ser encarado como um nostálgico: os obsessivos são os nostálgicos do ser.
Esta nostalgia, que deve ser entendida como a falta de algo que só existiu na fantasia, coloca o obsessivo num impasse que se vê representado sintomaticamente em sua posição de dúvida permanente. O desejo da mãe, a partir do qual ele constitui o seu, se mostra ambíguo, da mesma forma que o reconhecimento da figura simbólica do pai.
7 (Dor, J. (1989) 1991, pg. 63.)
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Cabe agora, enfatizarmos os traços estruturais presentes no obsessivo e a relação deles com o desejo e o gozo, relação esta em que a busca obsedante pelo prazer é margeado pela necessidade e pelo dever.
A relação dual intensa com a mãe, e os investimentos eróticos a ela relacionados, dá-se para a criança a partir da satisfação imediata de suas necessidades, de cuidados que acontecem no contexto do acesso ao corpo da criança pela mãe. Esses acessos favorecem o gozo. Enfatizando novamente a dialética edipiana, temos uma mãe com o desejo não plenamente satisfeito, uma relação dual desta com a criança e o posicionamento desta numa posição de objeto de gozo, iniciada, facilitada e conduzida no processo de sedução maternal.
A ação sedutora da mãe, e a intensidade do amor como esta ação é lida pela criança, induz a uma passividade sexual, testemunhada, mais tarde, pela intensa produção fantasmática na vida do obsessivo. Temos, então, um gozo, ou a busca pelo gozo materno, a passividade sexual do filho, e a partir daí, instaura-se a dificuldade de um gozo próprio pela via do desejo, notificada pela passividade presente, muitas vezes, nas mínimas relações na vida do obsessivo. O gozo do obsessivo estará ligado a um fazer gozar ao outro.
Esta busca pelo fazer gozar ao outro está relacionada, então, a uma evocação do sujeito, nostálgica como dita, ligada a uma identificação fálica vivenciada. O obsessivo ingressa, na dialética do ter, com esse passivo fálico. Por este motivo a assunção da criança ao universo do desejo se vê dificultada, assim como o acesso à lei, o que justifica a relação particular e problemática com o pai e as pessoas que ocupam qualquer posição de autoridade a ele referida. Novamente aqui, o caso do “Homem dos ratos” ilustra fielmente este traço na neurose, essa dificuldade em se relacionar com a figura paterna, desdobrada nas autoridades.
O processo de subjetivação do obsessivo acontece de uma forma especialmente problemática. A passagem do ser ao ter, condicionante da “genética” da subjetivação, vivida nas experiências de insatisfação a partir da intrusão paterna e a negação da identificação fálica, se torna ainda mais difícil no obsessivo, pois onde deveria haver insatisfação, o que ocorre, na realidade da criança, é um tornar-se refém de uma situação de satisfação,
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na qual acredita ocupar o lugar de objeto que satisfaça plenamente o desejo da mãe. A criança não conseguindo mediatizar o seu desejo, fica aprisionada ao desejo insatisfeito da mãe.
O desejo no obsessivo se articulará em suas relações, assim como ocorrera da mãe em relação a ele, em função de um suprimento de necessidade. Num mundo de significantes, parece agora começar a esclarecer-se o porquê do desejo do obsessivo ser impossível: como içá-lo à existência? A relação do obsessivo com o desejo, uma vez que articulado só a partir da necessidade, apresenta um caráter paradoxal: ele é absoluto e como tal implica na destruição do Outro: a uma necessidade cabe um objeto. Por outro lado, ele é impossível, pois o Outro é imprescindível ao próprio desejo, na medida em que é inerente ao desejo necessitá-lo. Conclusão, a destruição do Outro implica a destruição do desejo.
Na dificuldade, ou impossibilidade, de articular o desejo com a demanda, o obsessivo “...esforça-se em fazer adivinhar e articular pelo outro o que deseja e não consegue ele próprio demandar”.8 Em seu pensamento, parece-lhe natural que o outro saiba o que ele deseja, sem que ele precise exprimi-lo em palavras.
A impossibilidade de demandar está inclusa na situação de servidão em que o obsessivo se encerra. Isso o leva a uma posição de tudo aceitar: o obsessivo tudo suporta, ou acredita que suporta, pois a atitude de se colocar no lugar de objeto do gozo do outro lhe causa um conflito que se mostra inconciliável com seu bem estar.
Cabe aqui uma observação: essa dificuldade em demandar, e a disposição em fazer concretizar a demanda do outro, parecem indicar que atrás de líderes apontados como psicóticos, existem milhares de obsessivos tornando as próprias idéias, demandas possíveis. A história parece não desmentir tal fato.
Já foi tratada neste trabalho a necessidade que o obsessivo tem em se colocar desafios. Somado a isso, e dentro da forma como eles são negociados, só é possível um resultado: a vitória. O obsessivo não pode perder. Na sua disposição em ser tudo para o outro, nada lhe pode escapar, sendo certo que
8 (Dor, J. (1994), pg. 104.)
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a perda de algo no ou do objeto lhe remeterá diretamente àquilo de que ele foge: a castração. O confronto com sua imagem narcísica é falho. Ele tem que ter contato com um Sujeito barrado e falho, que é ele mesmo.
Novamente remetendo ao desejo impossível do obsessivo, ele busca ultrapassar, no sentido de não enxergar sua situação de castrado, e manter seu status fálico, mas a lei do Pai permanece onipresente no horizonte de seu desejo: daí, sua culpa irrenunciável e inegociável. A morte do pai, na leitura da dialética do senhor e do escravo, é esperada e impossível, porque o pai que é onipresente é o pai simbólico e como tal já é morto. Ele não conseguirá nunca ocupar o lugar do mestre e estará fadado a se manter em sua posição servil. A morte do Outro não se mostra possível, embora esperada.
Na sua luta interminável na busca de prestígio e destaque, o obsessivo acaba tendo de reafirmar o que já existe, sempre existiu e não deixará de existir, a despeito de ele tentar não querer ver: a existência da castração. Porque a lei do pai lhe mostra a impossibilidade do absoluto. O obsessivo ao mesmo tempo em que busca negativizar o Senhor, paradoxalmente, busca que esse Senhor não deixe de ocupar sua posição, e até o fim. Caso contrário, juntamente com o desaparecimento do Senhor, seu desejo se dissipa. Sem a figura paterna, sem o significante Nome-do-Pai, o obsessivo não existiria como sujeito.
A busca do obsessivo em tudo controlar e dominar faz dele um potencial conquistador. Nessa luta, nessa mobilização na busca do domínio fantasmático, os resultados ou conquistas para ele simplesmente não têm importância. A busca do obsessivo remete sempre a novas buscas, a novas conquistas. A atração pela coisa conquistada remeteria o obsessivo à fronteira da ilusão da possibilidade de atingir o absoluto. É nisso que ele emperra. O obsessivo é tentado a abrir os caminhos mais difíceis e complicados e ainda assim sua conquista nunca será por ele valorizada. O absoluto é sempre a caricatura de um desejo que, na maioria das vezes, se revela perverso, mesmo quando se demonstra místico.
Na luta do obsessivo está latente a busca da transgressão da norma do pai e todas as normas a ela vinculadas. O obsessivo é sempre um pobre neurótico tentando ser perverso. Mas só tentando! Embora isso dificilmente ocorra, em sua encenação fantasmática ele flerta com a transgressão.
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A transgressão se realiza normalmente à luz do seu contrário. A escrupulosidade e a honestidade, de maneira alguma, conseguem mostrar ao mesmo tempo em que afirmam, o desejo inconsciente de transgressão. Na cruzada em que se engaja pela proteção da moral e da lei, o obsessivo pensa estar protegendo algo que lhe é externo, a família, por exemplo, quando na realidade busca se proteger de algo que lhe é constituinte: justamente, o desejo de ser como o perverso. O obsessivo neste engajamento dissocia-se de algo que o outro, amoral, deseja, sem perceber que o “imoral” é ele mesmo. Com essa atitude, na verdade, o que ele procura é nunca perder o controle de permanecer senhor de si.
A necessidade de domínio é marcante na clínica do obsessivo. Porque ele resiste em “obedecer” a regra fundamental do processo analítico: a associação livre. Dificilmente ele se propõe a perder o controle de seus pensamentos e o domínio de seu dizer. O obsessivo resiste. O obsessivo se cala. Somado ao processo de controle de si, tem-se a preocupação constante com sua imagem narcísica, que nem na presença do psicanalista, ou, sobretudo, justamente, por estar presença dele, não pode ser quebrada. O obsessivo fala de si a partir de um outro lugar, um lugar neutro, de onde ele não se envolva naquilo que relata.
Por fim, não poderíamos terminar este trabalho sem destacar a relação do obsessivo com seus objetos de amor. Aqui, conforme já disposto na via do obsessivo com seu desejo, embora de forma geral, seu espaço de investimento é calcado numa forma de relacionamento paradoxal. O obsessivo não admite perder, ao mesmo tempo que não tem limites na relação com seu objeto de amor. Conforme observa Joel Dor (Dor, J. (1994)), o obsessivo é capaz de tudo dar, sem nada dar, no sentido que não admite perder o controle na relação amorosa.
Na verdade, o que ele busca é que o outro também não se veja em condições de desejar. Assim, ele tem que ser tudo para o ser amado. Ele não pode perder a posição, fantasmática, de que complementa o Outro. Para tanto, o desejo do outro tem que permanecer morto.
Na relação com o ser amado, o obsessivo se propõe a oferecer, de todas as formas, as condições para que nada lhe falte. A experiência da falta
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no outro amado remeterá a pessoa do obsessivo à questão da sua própria inaudível falta. O obsessivo, assim como no seu fantasma, procura reduzir o desejo à necessidade.
O obsessivo masculino, para citar um caso, coloca a mulher amada num pedestal único de veneração, buscando transformá-la totalmente em objeto e como tal não desejante: ela deve se fazer de morta. Assim, seu desejo não encontra inquietação, pois uma vez que o desejo é sempre o desejo do desejo do outro, ao desejar, o objeto amado desalojará o obsessivo da sua posição controlada em relação ao desejo. A máxima do obsessivo no relacionamento amoroso é que a amada não deva demandar nada. Se demanda é porque deseja. Se deseja, quem corre perigo é ele.
O obsessivo ao mesmo tempo em que se afasta de seu impossível desejo, se engendra na tentativa de anular a pessoa da mulher amada, e como já mencionado, ele não mede esforços para fazê-lo, embora em vão.
Num determinado momento não será mais possível à mulher suportar o ônus de se manter apenas como sombra do homem obsessivo. No momento em que ela se colocar como ser desejante, o relacionamento perde, totalmente, o seu valor. Nesse momento, o obsessivo deixa de ser “feliz” e procura um novo relacionamento. Dessa forma, a mulher, embora estejamos tratando de objetos de amor, não ocupa no imaginário da relação objetal do obsessivo uma posição de mais valia do que um carro esporte, por exemplo.
Concluo, afirmando que muitos neuróticos obsessivos se tornaram expoentes, na filosofia, na medicina, na busca da verdade e do real. Para finalizar, faço um reconhecimento, humildemente junto a Lacan (Lacan, J., (1966) 1998, pg. 648 e 649), de alguém que esteve em busca de seu Desejo: Freud.
“Quem soube melhor que ele, declarando seus sonhos, desfiar a corda em que desliza o anel que nos une ao ser, e fazer luzir entre as mãos fechadas que o passam de uma às outras, no jogo-do-anel da paixão humana, seu breve fulgor?
Quem trovejou como esse homem de gabinete contra o açambarcamento do gozo por aqueles que amontoam sobre os ombros dos outros os fardos da necessidade?
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Quem, tão intrepidamente quanto esse clínico apegado ao terra-a-terra do sofrimento, interrogou a vida em seu sentido, e não para dizer que ela não o tem – maneira cômoda de lavar as mãos – mas para dizer que tem apenas um, onde o desejo é carregado pela morte?
Homem de desejo, de um desejo que ele acompanhou a contragosto pelos caminhos onde ele se mira no sentir, no dominar e no saber, mas no qual soube desvendar, somente ele, qual um iniciado nos antigos mistérios, o significante ímpar: esse falo o qual recebê-lo e dá-lo são igualmente impossíveis para o neurótico, quer ele saiba que o Outro não o tem ou que o tem, pois em ambos os caos, seu desejo está alhures – em sê-lo -, e porque é preciso que o homem, macho ou fêmea, aceite tê-lo e não tê-lo, a partir da descoberta de que não o é.
Aqui se inscreve a Spaltung derradeira pela qual o sujeito se articula com o Logos, e sobre a qual Freud começando a escrever nos ia dando, na última aurora de uma obra com as dimensões do ser, a solução da análise “infinita”, quando sua morte ali veio apor a palavra Nada.”
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