O
fanatismo religioso entre outros
Breve
Ensaio
"O diabo empalidece comparado a quem dispõe de uma única verdade" (Emil Cioran)
"...todos os crentes parecem escandalosos e indiscretos: procura evitá-los" (Nietzsche)
Em
nossa época, supostamente dominada pela ciência e
pela tecnologia, o fanatismo parece ser uma reação
made in
recalcado do inconsciente da humanidade. Fanatismo,
vem do latim
fanaticus, quer
dizer "o que pertence a um templo", fanum. O indivíduo fanático
ocupa o lugar de escravo diante do senhor absoluto,
que, pode ser uma divindade, um líder mundano, uma
causa suprema ou uma fé cega. O fanatismo é alimentado
por um sistema de crenças absolutas e irracionais
que visa
servir
[1] à
um ser poderoso empenhado na luta contra o Mal. Ou seja, o fanático acha que pode exorcizar pessoas e coisas supostamente
possuídas pelo demônio"
[2] , "combater as forças do Mal"
ou "salvar a humanidade" do caos.
Tendo
origem no dogma religioso, o fanatismo não se restringe
a esse campo único; existe fanatismo por uma raça,
um time de futebol, por um partido político, sobretudo
por ideologias revolucionárias quando extrapolam a
dimensão racional, sentindo-se guiada pela "fantasia
da escolha divina".
Foi fanatismo religioso que fez muitos seguirem
Jin Jones (Templo do Povo), Asahara (Verdade suprema),
David Koresh (Ramo davidiano), Jo Dimambro (Templo
Solar) e tantos outros místicos ou charlatães que
terminaram causando tragédias coletivas, noticiadas
no mundo todo. A história conheceu também os histerismos
coletivos da "caça as bruxas", a perseguição
aos negros, índios, comunistas, homossexuais, prostitutas.
O
movimento da Jihad islâmica contra os "infiéis
do ocidente" e a "guerra aos terroristas"
do ocidente cristão, demonstram que o fanatismo está
vivo e atuante em nossa época supostamente "científica"
e "tecnológica". Precisamos admitir
que, a história da humanidade é também a história
dos vários fanatismos dominando grupos humanos, sempre
com conseqüências trágicas. Esse pedaço da história
renegado nos causa vergonha, medo e sinalizam alertas
para possíveis efeitos negativos no rumo da civilização.
Como
dissemos, o fanatismo atua para além do efeito religioso,
mas não extrapola ao campo ideológico como um todo.
Há fanatismo entre crentes de todo o tipo, do menos
ao mais irracional. Mas, não existe fanatismo racional,
em que pese o fato de um certo tipo de razão (instrumental,
cínica, etc) também ter cometidos os seus desatinos
e crimes
[3] . Assim, para o fanático religioso,
não basta adorar um Deus visto como Senhor absoluto,
é necessário ser soldado dele na terra, lutar pela
causa superior, pregar, exorcizar, forçar os "infiéis"
ou "divergentes" à conversão absoluta, à
qualquer preço. O fanático está sempre disposto a
dar provas do quanto sua causa suprema vale mais do
que as próprias vidas: dele, de sua família ou mesmo
de toda a humanidade. Ele mata por uma idéia e igualmente
morre por ela.
Os
sintomas do fanatismo
Os
sintomas do fanatismo, em grupo, são: orações,
privações, peregrinações, jejum, discursos monológicos
e martírios que podem terminar com o sacrifício da própria vida visando
salvar o mundo das "trevas" ou do que ele
entende ser "o mal"
[4] .
O
fanático não fala, faz discursos; é portador
de discursos [5] prontos cujo efeito
é a pregação
de fundo religioso ou a inculcação
política de idéias que poderá vir a se tornar
ato agressivo ou violento, tomado sempre como revelação
da "ira de Deus" ou "a inevitável marcha
da história" ou, ainda, a suposta "superioridade
de uns sobre os demais". Faz discursos e não
fala, porque enquanto a fala
é assumida pelo sujeito disposto ao exercício
do diálogo, da dialética, do discernimento da verdade,
os discursos
- especialmente o discurso
fanático - fazem
sumir os sujeitos para que todos virem meros objetos
de um desejo divinizado; servir ao desejo divino e
à produção da repetição de algo já pronto, onde o
retorno do recalcado
do sujeito faz do Eu (ego) um porta-voz de um sistema
de crenças moralistas carregado de ódio em relação
ao suposto inimigo ou adversário que precisa ser destruído
para reinar o Bem.
Os
textos sagrados, tomados literalmente, fornecem a
sustentação "teórica" do discurso fundamentalista
religioso; com ele, o indivíduo acredita, a priori, estar de posse de toda a verdade e por isso não se dá ao
trabalho de levantar possíveis dúvidas, como confrontar
com outro ponto de vista, ou desvelar outro sentido
de interpretação, ou ainda, contextualizá-lo, etc.
O fanático tem certeza e isso lhe basta. Creio
porque é absurdo, já dizia Tertuliano. Certeza para ele é igual a verdade.
(Segundo Popper, no campo científico, a certeza nada
vale porque é
"raramente objetiva: geralmente não passa de
um forte sentimento de confiança, ou convicção, embora
baseada em conhecimento insuficiente", já
a verdade tem estatuto de objetividade, na medida
em que "consiste
na correspondência aos factos", na possibilidade
da discussão racional com sentido de comprovação.
(Popper, 1988, p. 48).
O
problema da religião não é a paixão "fé",
mas a inquestionalidade de seu método. O método de
qualquer religião traz uma certeza divulgada em
forma de monólogo, jamais de diálogo ou debate de idéias. O pastor, padre, rabino, ou qualquer pregador
de rua, vivem o circuito repetitivo do monólogo da
pregação; acreditam que "vale tudo" para
difundir a "verdade única" que o tocou e
o transformou para sempre! O estilo fanático usa e
abusa do discurso monológico delirante, declarações,
comunicados, que jamais se voltam para
escuta ou o diálogo, exercício esse que faria emergir a verdade - não a "certeza"
[6] .
Psicopatologia
do fanatismo
Do
ponto de vista psicopatológico, todo fanatismo parece
ter relação com a fuga da realidade.
A crença cega ou irracional parece loucura
quando se manifesta em momentos ou situações específicas,
porém se sua inteligência não está afetada, o fanático
aparentemente é um sujeito normal. No entanto, torna-se
um ser potencialmente explosivo, sobretudo se o fanatismo
se combinar com uma inteligência
tecnologicamente preparada. Fanático inteligente
é um perigo para a civilização. O terrorismo, por
exemplo, que atua com a única meta de destruir inimigos
[7] aleatórios é realizado por indivíduos
fanáticos cuja inteligência é instrumentada apenas
para essa finalidade. No terrorismo é uma das expressões
do fanatismo combinado com uma inteligência tecnológico,
mas totalmente incapaz de exercitá-la por meios mais
racionais, políticos e legais. Para o terrorismo sustentado
no fanatismo, os inocentes devem pagar pelos inimigos;
a destruição deve ser a única linguagem possível e
a construção de um novo projeto político-econômico,
não está em questão, porque a realidade no seu todo
é forcluída
[8] .
O
fanatismo parece surgir de uma estrutura
psicótica. O fato do sujeito se ver como o único
que está no lugar de certeza absoluta, de "ter
sido escolhido por Deus para uma missão "x",
já constitui sintoma suficiente para muitos psiquiatras
diagnosticarem aí uma loucura ou psicose. Mas, seguindo
o raciocínio de Freud, vemos que "aquilo
que o psicótico paranóico vivencia na própria pele,
o parafrênico
experiência na pele do outro"
[9] , ou seja, somos levados a supor que
o
fanatismo está mais para a parafrenia que para a paranóia.
Hitler, antes considerado um paranóico, hoje é mais
aceito enquanto parafrênico
[10] , pois seus atos indicam sua idéia
fixa pela supremacia da raça ariana e a eliminação
dos "impuros"; mais ainda, o gozo psíquico
do parafrênico não se limita "ser olhado"
ou "ser perseguido", tal como acontece com
paranóicos, mas sim se desenvolve "uma ação inteligente de perseguição
e extermínio de milhares de seres humanos",
donde extrai um quantum
de gozo sádico. Portanto, deve existir membros de
um grupo de fanáticos paranóicos, mas certamente o
pior fanático é o determinado pela parafrenia, pois
visa de fato destruir em atos calculados "os
impuros", "os infiéis", enfim, todos
os que não concordam com ele.
Hitler
e seus comparsas usaram de inteligência para inventar
e administrar a chamada "solução final"
contra os judeus, porém, antes de ser este um fato
criminoso era uma exigência interna de seu próprio
psiquismo. Na parafrenia vigora a compulsão de observar
e atuar o ser do Outro como alimentador de seu delírio
interno. O parafrênico "faz acting
out em nome de..." e jamais assume seu
ato criminoso, pondo a responsabilidade em alguém
que para ele encarna o "mal". Para sua "lógica",
as vítimas são os únicos responsáveis. É curioso observar
que ontem os judeus se agarravam ao sacrifício do
holocausto
[11] como modo de explicação da tragédia
em que eram vítimas, mas hoje a ultra direita israelense,
no poder, parece resgatar dos nazistas essa terrível
idéia da "solução final" contra os palestinos.
"Quem lutou muito contra dragão, também vira dragão", diz um antigo
provérbio chinês.
Os
fanáticos pela "solução final" dos judeus,
no Julgamento de Nuremberg, não se consideravam culpados
ou com remorsos pelo extermínio coletivo. Goering,
considerado o segundo homem depois de Hitler, tentou
se defender segundo o princípio de sua lealdade e
fidelidade para com o Führer; "cumprira ordens"
e "nenhuma vez ele se considerou um criminoso"
[12] . Eis a "razão cínica": a
culpa pelo genocídio era dos próprios judeus gananciosos
por dinheiro, não de seus carrascos nazistas. Os israelenses
da "era Sharon" também não se responsabilizam
pelos atos criminosos de Israel contra os palestinos
generalizados como terroristas.
Se
no fanatismo o sujeito inexiste para dar lugar ao
Senhor absoluto e maravilhoso, então faz sentido não
assumir a sua própria responsabilidade, porque ela
é "obra do Senhor" [Werk
de herrn.] [13] , "o
Senhor quer que eu faça", "foi
a mão de Allah"
[14] , etc. São mais do que frases, são
efeitos de uma poderosa "fantasia da eleição
divina" [sic!]
onde o sujeito é nadificado para dar lugar ao discurso
delirante da salvação messiânica [15] . O mundo fanático foi
dividido entre "os eleitos" e os que continuam
nas trevas e que precisam ser salvos ou serem combatidos
por todos os meios, pois "são forças do mal".
O
famoso caso Schreber, analisado por Freud
[16] , que acreditava ter recebido um chamado
de Deus para salvar o mundo, que lhe era transmitido
por uma linguagem particular - só entre ele e Deus
- , tornou-se o modelo psicanalítico para se pensar
a relação loucura e fanatismo. Como já dissemos, o
fanatismo é sustentado por sistema de crença delirante,
psicótico, dominado por uma autoridade absoluta e
invisível (Deus ou a causa da "supremacia da
raça ariana", ou a "missão do povo judeu",
ou "a Jihad islâmica", "ou salvar o
mundo do diabo", enfim, um significante posto
no lugar "absoluto" que comanda a ação do
grupo fanático [17] ,etc). Segundo a psicanálise,
isso poderia apontar para a hipótese de um "complexo
paterno" de origem.
A
leitura lacaniana fala de "um
buraco no Nome-do-Pai, que produz no sujeito um buraco
correspondente, no lugar da significação fálica, o
que provoca nele, quando é confrontado com essa significação
fálica, a mais completa confusão. É
isso que desencadeia a psicose de Schreber,
no momento em que ele próprio é chamado a ocupar uma
função simbólica de autoridade, situação à qual só
teria podido reagir com manifestações alucinatórias
agudas, às quais a construção de seu delírio iria
pouco a pouco fornecer uma solução, constituindo,
no lugar da metáfora paterna fracassada, uma "metáfora
delirante", destinada a dar um sentido àquilo
que, para ele, era totalmente desprovido de sentido"
[18] .
Os primeiros sintomas
de fanatismo e suas estratégias de sedução
O
início de qualquer fanatismo consiste, em primeiro,
reconhecermos um sujeito ou grupo estarem convictos,
quando julgam de posse de uma certeza que recusa o
teste da realidade. Nietzsche dizia que "as convicções são piores
inimigas da verdade do que as mentiras",
porque quem mente sabe que está mentindo, mas quem
está convicto
não se dá conta do seu engano. "O
convicto
sempre pensa que sua bobeira é sabedoria"
[19] . Até no campo científico, há cientistas
correndo o perigo de tornar-se convictos
de suas teses. Edgar Morin analisa que quando algumas
idéias se tornam supervalorizadas e adquirem um caráter
de grandiosidade e absolutismo tendem a levar os seus
sujeitos a abdicarem de seu raciocínio crítico e se
tornarem meros objetos dessas idéias. Indivíduos assim
submetidos a tão grandes idéias, fazem qualquer coisa
para "salva-las" de um possível furo de
morte; elas funcionam como muleta existencial. Isso
acontece principalmente no meio religioso, mas também
pode ocorrer nos meios político, filosófico
e científico.
O segundo sinal
do fanatismo é quando alguém quer impor a todos de
modo tirânico a "verdade" única extraída
de sua inspiração ou crença absoluta. Pretende assim
a uniformização via linguagem, através de aparência
física, rituais e slogans
do tipo: "O
único Deus é Allah", "só Cristo salva",
"Jesus Cristo é o Senhor", "somos o
Bem contra o Mal", "Em nome do Senhor Jesus
eu ordeno..." São expressões de caráter
estereotipado, sustentado por uma "estrutura
de alienação do saber"
[20] , onde o discurso passa a falar sozinho,
é uma resposta que está no gatilho, pronta para qualquer
emergência que o sujeito não quer pensar.
Observem o caráter tirânico, narcisista e
excludente dessas afirmativas. Todos possuem uma visão
que nega outros modos de crer e pensar. O mesmo acontece
nos auto-elogios das pessoas de raça branca e o desprezo
pelas outras como proclamam os fanáticos da extrema
direita, nas ações violentas de uma torcida sobre
a outra, todos, sinalizam que o indivíduo se rende
ao grupo e este "a causa". Os recém convertidos
de qualquer seita religiosa ou política estão sempre
convictos
que, finalmente, contemplam a verdade e essa tem que
ser imposta a todos, custe o que custar.
O
terceiro indicativo de fanatismo, já dissemos, é
quando uma pessoa passa a colocar uma causa suprema
(podendo esta ser justa ou delirante) acima da vida
dela e dos outros.
Quarto,
quando um indivíduo e/ou grupo se isolam da convivência
familiar e social e adotam um modo de vida narcísico
[21] (no igual modo de vestir, de cortar
ou não cortar o cabelo, no jeito de falar, nas regras
de comer, na ritualística, etc), enfim, quando uniformizam
seu discurso, gestos, postura, atitudes em geral e
punem os que se recusam a seguir as regras impostas.
Entrar para um grupo de fanáticos implica em renunciar:
pai, mãe, os filhos, os amigos, o lugar onde viveu,
o trabalho, enfim, os membros são persuadidos a matarem
os vestígios simbólicos da vida anterior para fazer
renascer a vida em outra base moral e de fé.
Quinto,
quando o indivíduo e/ou grupo perdem o bom-senso na
lógica da comunicação e nas ações do cotidiano. O
discurso passa a ser repetitivo e estranho à vida
comum.
O sexto indício
de fanatismo é quando se perde o sentido de respeito
e humanidade para com os diferentes, em nome de uma
causa transcendente.
O psicólogo
francês, J-M.
Abgrael, resume o método de doutrinação fanática em
3 etapas: 1o) sedução das pessoas para a "causa";
2o) destruição
da antiga personalidade, eliminação dos elos familiares,
sociais e profissionais e 3o) construção
de uma nova personalidade "renascida" ou
"renovada", de acordo com o modelo e as
regras da seita.
Geralmente essa passagem da vida normal para
a vida "renovada", há um ritual, algum tipo
de batismo, onde se inicia a adoção de um novo nome,
novos hábitos, apresentação de novas "famílias".
Sentir-se incluso num grupo "de irmãos"
ou "de luta pela causa" "é
como estar apaixonado; surge uma sensação maravilhosa,
tudo passa a fazer sentido na vida, a pessoa se sente
acolhida e imensamente alegre". O indivíduo
passa a se ver se modo especial, diferente dos demais
para realizar a missão elevada; se vê inundado por
um sentimento grandioso que Freud chama de "sentimento
oceânico". Imagine um indivíduo desesperado,
desgarrado de seu grupo social, sem uma forte identidade
psicossocial cuja vida perdeu o sentido, ao ser acolhido em um grupo fanático, recebe mensagens confortadoras,
do tipo: "nós amamos você", "você é
muito importante para o projeto de Deus", "você
faz parte de nossa vida", "Deus te ama",
etc Diz P. Demo (2001) "o sentimento de ser amado,
move o entusiasmo mais do de qualquer coisa".
Faz
parte da estratégia para atrair pessoas para novas
seitas e igrejas, investir em programas produzidos
para solitários que sofrem insônia e depressão nas
madrugadas. Os desesperados sentem-se acolhidos com
tais palavras mágicas e facilmente se sentem inclusos
e maravilhados pela ilusão de nova vida e sentimento
extremo de felicidade,
numa igreja em que o fanatismo é o seu ponto
cego.
Todo fanático é intolerante.
O fanatismo
é a intolerância extrema para com os diferentes. Um evangélico fanático
é incapaz de diálogo e respeito para com um católico
ou um budista. Um fanático de direita não quer diálogo
com os de esquerda. Organizações como a Ku Klux Klan
são intolerantes igualmente com negros adultos, mulheres
e crianças. Por isso se diz que há em cada fanático um fascista camuflado, pronto para emergir em atos
de exclusão e eliminação.
O semiólogo
e filósofo italiano, Umberto Eco, reconhece que o
protofascismo está presente nos movimentos fanáticos [22] . No campo político, não
importa auto denominar-se de "esquerda"
ou de "direita" pode existir um protofascismo.
No fundo os atos terroristas são produzidos e sustentados
por fanatismos de inspiração místico-fascista
[23] incapazes de diálogo ou argumento
racional que esclarece sua causa objetiva. Não é sem
sentido que os atos terroristas deixaram de dizer
algo pela palavra e passaram a ser apenas o ato, o
acting out.
S. P. Rouanet diz que "os terroristas
são agentes de uma ideologia religiosa extrema direita
... que funciona como ópio do povo..." (A coroa
e a estrela, FSP, Mais!, 18/11/01)
O
fascismo, tanto o de Estado dos fundamentalistas religiosos,
como o que está pulverizado nos atos do cotidiano
das relações humanas, é fanático porque desrespeita,
desconsidera, é intolerante quanto ao modo de ser,
pensar e agir do outro
[24] , é tradicionalista-fundamentalista.
Enquanto o fascista "quer o poder pelo
poder", há o fanático "autêntico" que
anseia dominar o mundo com sua crença, e o "fanático
terrorista" que "deseja apenas destruir
a estrutura de sustentação do inimigo". Mas,
ambos, o fascismo e o fanatismo não são compatíveis
com a democracia. Ambos pregam intolerância multirreligiosa,
a intolerância multicultural e multirracial e usam
o espaço de liberdade democrática para espalhar o
seu ódio e sua crença.
O sentimento
que no fundo sustenta o
fanatismo e o fascismo não é a fé, nem o amor
[Eros], mas o ódio [Thanatos] e a intolerância. O
desejo do fanático "autêntico" é dominar
o mundo com seu sistema de crença cheio de certeza.
No plano psíquico, o lugar do recalque torna-se depósito
de ódio e desejo de eliminar todos os que atrapalham
o seu ideal de sociedade. Certa dose de paciência
doutrinada o faz esperar-agindo para que a "idade
de ouro puro" possa um dia acontecer.
São
tão fanáticos os terroristas-suicidas muçulmanos como
os fundamentalistas cristãos norte-americanos que
atacam clínicas de abortos, perseguem homossexuais,
proíbem o ensino da teoria evolucionista de Darwin,
obrigando aos professores ensinarem a doutrina criacionista
tal como está na Bíblia, ou ainda, os protestantes
da Irlanda do Norte que atacam crianças católicas
ou os bascos que querem ser um país independente a
qualquer preço, por meio do terror.
Alguns
personagens "messiânicos" de nosso tempo,
como Hitler, Idi Amin, Reagan, G. W. Bush, Sharon,
os grupos dos martírios suicidas do Oriente Médio,
entre outros, tem algo em comum: cada um se sente
o escolhido para cumprir uma especial missão
[25] . Hitler discursou que "as lágrimas
da guerra preparariam as colheitas do mundo futuro".
G. Bush, na sua ânsia de guerra contra o ditador S.
Hussein, não estaria delirando no mesma linha ? Não
é sem sentido que os EUA, tem sido o solo fértil de
seitas cristãs fanáticas. Uma delas, A Casa dos Filhos
de Jeová, torce para o mundo se acabar logo, porque
seus membros acreditam que depois surgirá uma nova
civilização do Bem.
Fanáticos e suicidas
carecem de humor
O fanatismo
parece ser uma doença contagiosa, pois tem o poder
de atrair adeptos geralmente em crise profunda de
vida pessoal. Fanáticos e suicidas tem em comum a
falta de humor e o desapego pela própria vida. A certeza
cega tira-lhes o humor e os colocam no caminho do
sacrifício místico.
O escritor
e pacifista israelense, Amós Oz, numa carta ao escritor
japonês Kenzaburo Oe, Prêmio Nobel de 1994, escreve
ter encontrado a "cura para o fanatismo":
o bom humor. Diz que:
"nunca vi um fanático bem-humorado, nem alguém
bem-humorado se tornar fanático". Oz
imagina uma forma mágica de prevenir o fanatismo:
um
novo tipo de messias que "chegará rindo e contando
piadas".
Emil
Cioran, um filósofo amargo e pessimista, vê nas atitudes
dos céticos,
dos preguiçosos
e dos estetas,
os únicos que verdadeiramente estão a salvo do fanatismo.
Já os religiosos estreitos, os políticos sectários,
os dogmáticos que habitam em todas as áreas do conhecimento,
tendem ao fanatismo com seus instrumentos próprios.
O fanática jamais se pensa ser fanático
[26] .
Enfim,
é preciso estarmos atentos e preparados para resistir
os apelos do fanatismo que como erva daninha não escolhe
lugar para germinar e se alastrar. Os grupos fanáticos
exercem um atrativo para os indivíduos que possuem
uma estrutura psíquica vulnerável, os desesperados,
os desgarrados, os avessos ao espírito crítico ou
predispostos à crendice, ao desejo de encontrar uma
certeza e a se "contentar-se com pouco"
na terra, porque ele tem certeza de que ganhará na
suposta vida após a morte. Tanto o fanatismo como
a guerra estão entre as situações que se encontram
na contramão da sabedoria.
Para
prevenção do fanatismo
Freud, como pensador evolucionista, pensava que só quando a
civilização ascendesse à maturidade psíquica é que
descartaria os mecanismos infantis ou alienantes cuja
matriz é a religião. Segundo o fundador da psicanálise,
a religião infantiliza as pessoas e as arrasta ao
delírio de massa. O homem não poderia viver nesse
estado de infantilismo para sempre, daí a urgente
necessidade de um projeto de uma "educação para a realidade"
[27] , que fortaleceria a vida intelectual,
facilitando o acesso de todos ao conhecimento científico,
por ser este verdadeiro. Ademais, a religião não fez
e nem faz as pessoas felizes, mas, dá-lhes uma ilusão
de felicidade; sem dúvida, ela tem o poder de controla
os impulsos primitivos psicossexuais e proporciona
alguma direção moral, que costuma ir além do necessário,
ou seja, reprimindo o potencial criativo ou de prazer
genuíno das pessoas.
Amós
Oz
[28] , o escritor pacifista, sugere a criação
de escolas em todo o mundo da disciplina "fanatismo
comparado". Tal disciplina não apenas serviria
para entender os fanatismos: religioso, nacionalista,
racial, político, desportivo, mas também outros que
passam desapercebidos, como o "antitabagista"
que poderia queimar os que fumam, o "vegetariano"
que comeria vivo quem come carne, "o ecologista"
que prefere salvar as baleias às pessoas famintas,
etc. Uma disciplina como essa, teria uma função mais
que educativa, teria uma preocupação
preventiva quanto a possibilidade de "contágio" social
do fanatismo, já que pode-se pegá-lo ao tentar curar
alguém desse mal. "Conheço o perigo de se tornar um fanático antifanatismo",
alerta o escritor.
Concluindo,
resumimos que, previne-se o fanatismo com uma educação
de boa qualidade, que saiba promover a cultura
geral -
mais do que a fé - e o sentido de grupo,
de criatividade
e humor.
_______________
* Psicanalista,
docente na UEM e doutorando na Universidade de São
Paulo
[1]
Geralmente
os fanáticos que se tornam assassinos o fazem
"em nome de Deus", ou em nome de um
Outro qualquer. Ele é apenas um comandado. Já
os assassinatos múltiplos disparados por um franco
atirador anônimo, nos EUA,
parecem não ser movidos por um Outro, ou
"Grande ser", isto porque o assassino
se diz que é o próprio "Deus".
[2]
Basta
ir a um templo evangélico ou, nas madrugadas,
assistir pela televisão um show de exorcismo
[3]
Nesse
sentido, o Prof. Hilton Japiassu, costuma citar
F. Jacob, que diz: "Não é somente o interesse
que leva os homens a se matarem. Também é o dogmatismo.
Nada é tão perigoso quanto a certeza
de ter razão. Nada causa tanta destruição
quanto a obsessão de uma verdade considerada como
absoluta. Todos os crimes da História são consequência
de algum fanatismo. Todos os massacres foram realizados
por virtude: em nome da religião verdadeira, do racionalismo legítimo, da política idônea, da ideologia justa; em
suma, em nome do combater contra a verdade do
outro, do combate contra Satã" . Cf.: Crise
da razão no ocidente. In: Japiassu, H. Desistir
de penar? Nem pensar, 2001.
[4]
Zusman,
W. 2001.
[5]
Para
uma melhor compreensão dessa distinção, ver Juranville,
A. Lacan
e a filosofia. Rio: Jorge Zahar, 1987, principalmente
a segunda parte.
[6]
Ossama
Bin Laden é um bom exemplo de um fanático tecnológico
que faz comunicados, monólogos, declarações ou
discursos, jamais se oferece para um diálogo franco
e aberto para confrontar com outros pontos de
vista.
[7]
"O
terrorismo é uma das expressões do fanatismo fundamentalista".
[8]
Cf.: Chemama, R.1995, p. 79-81.
[9]
Cf.:
conforme análise de Becker, S., 1999.
[10]
Essa
é a tese de S. Becker, 1999.
[11]
Originariamente
o holocausto [gr. Holókauston]
era o "sacrifício em que a vítima era queimada
inteira". Entre os hebreus, o holocausto
era também o sacrifício em que se queimavam inteiramente
as vítimas, tendo assim um sentido de imolação
ou expiação. No período nazista, entre 1935 e
1945, os judeus se viram diante de um novo holocausto,
sendo obrigados a perda da cidadania, a trabalhos
forçados, a serem fuzilados em massa, serem transportados
pela força para os campos de concentração onde
terminavam sendo exterminados coletivamente em
câmaras de gás. Durante esse holocausto, cerca
de 6 milhões de judeus pereceram.
[12]
Cf.:
Manvell, R, e Fraenkel, H. 1962, p. 262. Conferir
pelo menos todo o capítulo final "Nuremberg".
[13]
Dito
por Hitler, em Mein Kampf. Apud Becker, S. 1999, p. 157.
[14]
Dito
por Ossama Bin Laden, por ocasião do ataque aos
EUA.
[15]
"É
o saber instituído no discurso universitário,
quando o S1 vem no lugar da verdade. Com a extinção
desse lugar ético, acontece a forclusão do Nome-do-Pai
e a formação da holófrase parafrênica".
(Becker, S., 1999, p. 158).
[16]
Cf.: S. Freud. [1911]
Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico
de um caso de paranóia (dementia
paranoides), v. XII, p. 15 -105.
[17]
Raciocínio
parecido fez o ensaista, poeta e dramaturgo alemão,
Hans Magnus Enzensberger, onde escreve: "Não importa saber de qual alucinação se trata. Qualquer
instância superior serve - uma
missão divina, uma pátria sagrada, a uma revolução
qualquer. Em caso de emergência, no entanto,
o suicida assassino [refere-se aos kamisazes de
11 de setembro, entre outros atos suicídas]pode
se arranjar até com uma justificativa qualquer
de segunda mão. Seu triunfo consiste no fato de
que não poderá ser atacado nem punido; disso ele
mesmo se encarrega. E também o mandante à distância
aguarda em seu "bunker " o
momento da própria extinção; deleita-se
- como Elias Canetti já há meio século
formulava - só com a idéia de que antes dele possivelmente
todos os outros, inclusive seus correligionários,
serão mortos" (grifo meu). Enzensberger,
H. M. Paranóia da autodestruição. Folha de S. Paulo - Mais, 11/11/2001.
[19]
Cf.:
R. Alves. 2001,
p. 105-10.
[20]
Trata-se
de uma conceito de R. Barthes, trabalhado por
L. Mrech 1999) . As "estruturas de alienação
do saber" são formas estereotipadas de saber,
mas que perderam o contato real
com a realidade entre os sujeitos. É uma
estrutura
programada para filtrar o que o sujeito
deve escutar, o que dizer e o que fazer em um
determinado momento. Não incorpora nada novo,
apenas repete.
[21]
Observamos
que o narcisismo visa um resultado de gozo místico
que implica, sobretudo, "amar a si mesmo",
tal como o Mito de Narciso, que morre diante de
sua imagem refletida na água, ignorante que era
sua própria imagem. O êxtase do místico, que faz
um ato de terror, ou de suicídio ou, ainda, de
ambos, é a intenção de "ultrapassagem do
limiar do gozo-Outro" (Nasio, 1993) ; de
um gozar que implicam o corpo e o psíquico, na
crença suposta de uma vida após a morte.
[22]
Cf.: Nebulosa fascista. FSP, 1995.
[23]
O
fascista não é necessariamente nazista. Esclarece
Eco que enquanto o nazista é obcecado pela raça
pura, o fascista é pelo comando total das pessoas,
que perdem suas liberdades.
[24]
Estamos
nos baseando nas teses de U. Eco, escritas no
artigo ensaio "Nebulosa fascista", que
aproveitamos em nosso artigo "Tolerância
zero ao profofascismo", publicado na revista
virtual www.espacoacademico.com.br , ano 1, n.
4, set. 2001.
[25]
O
tamanho do cinismo de Hitler está na frase: "pela
graça de Deus, eu sempre evitei oprimir meus inimigos"
(apud
Chalita, M., s.d., p. 186). Tem sido frequente,
ditadores se verem os eleitos de Deus para cumprir
uma missão na terra. Idi Amim Dada, o ditador-açougueiro
de Uganda, certa vez declarou: "Eu só atuo
conforme as instruções de Deus". (apud Chalita, M., s. d., p. 186).
[26]
Segundo
pesquisa de P. Demo (20000) 3/4 dos crentes da
Igreja Universal do Reino de Deus negam com veemência
que a religião fosse uma forma de fuga. Também
é frenética a exacerbação do nome de Jesus, que
é visto como única solução de todos os problemas.
[27]
Freud,
S. Futuro
de uma ilusão, p. 64.
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