Fonte:Eliana Maria Nigro Rocha é fonoaudióloga clínica (CRFa 2825/SP), fonoaudióloga-encarregada do Setor de Fonoaudiologia do Hospital do Servidor Público Estadual - SP, mestre em Lingüística pela Pontifícia Universidade Católica - SP e autora de capítulos de livros científicos.
www.e-gagueira.com
GAGUEIRA INFANTIL
AQUISIÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM
Quantas vezes nos deparamos, encantados, com o processo de aquisição de linguagem de uma criança!
Quando aquele bebê tão silencioso, que só se comunica com choro, começa a emitir seus sons iniciais, na fase do gorjeio, já é uma festa para os que acompanham seu crescimento. Na verdade, antes mesmo, seu olhar e seu sorriso já traziam para os adultos a percepção de que ele começava a se comunicar. Ao surgir a fase do balbucio então, é um deleite! Aquelas sílabas repetidas interminavelmente soam extremamente bem e as pessoas nem estão cientes da importância delas. Além de constituírem um treino lúdico e prazeroso da articulação, sinalizam que esta criança ouve a si mesma e assim pode verificar o efeito de sua emissão, repetindo-a e, aos poucos, podendo fazê-lo de forma cada vez mais aperfeiçoada. Logo surgem as primeiras palavras, em geral, mais interpretadas como tal do que efetivamente emitidas, mas que também seguem em aprimoramento e, lentamente, começam a ser utilizadas juntas, em um arremedo de frase. As frases não demoram a surgir e sem que percebamos quando isto ocorreu, uma criança que dizia "Dá nenê" em outro momento já fala "Por favor, me passa o arroz".
CARACTERÍSTICAS DA COMUNICAÇÃO INFANTIL Temos algumas outras peculiaridades na comunicação infantil. Como todo processo de aquisição, a fala iniciante também apresenta características específicas, passageiras, enquanto segue em direção ao modelo adulto. Observamos que os fonemas (os sons da fala ou as letras, como dizem popularmente) vão se adequando aos poucos ao modelo padrão. É natural nesse início, uma fala onde os fonemas são substituídos por outros mais simples. O adulto que ouve a criança dizer "O talu tá na dalazi", por conviver com ela e por captar outros dados da situação, traduz automaticamente por "O carro está na garagem". Claro que algumas crianças parecem nem passar por essa fase e os pais comentam que ela sempre falou perfeitamente desde pequena. Mas, até determinada idade isso é aceito, não constituindo um distúrbio. Outro fator que vai se modificando imperceptivelmente é a voz. Tanto que conseguimos distinguir a voz de uma criança bem pequena, daquela que é um pouco maior, a de um adolescente e do adulto. Além da voz, os termos utilizados, o vocabulário, a construção das frases, nos fornecem informações a respeito da faixa etária do falante.
A FLUÊNCIA INFANTIL A questão da fluência é também uma das peculiaridades da fala infantil. Seu curtíssimo tempo de contato com a linguagem não permite que ela tenha total desenvoltura com a mesma. Enfim, ela é aprendiz e tem dificuldades semelhantes, talvez maiores, do que a que tem um adulto que inicie o aprendizado de uma segunda língua. Ela está lidando com vocábulos novos que são colocados em frases e cada vez mais vai demonstrando que captou a noção de plural, de passado, de futuro, de sujeito que realiza determinada ação... e que está tentando utilizar tudo isso enquanto se expressa, dentro de um mundo do qual ela ainda conhece tão pouco. Hesitações na comunicação são naturais e esperadas e surgem inclusive na fala dos adultos considerados fluentes. Algumas crianças apresentarão hesitações muito frequentes e marcadas e, talvez também, repetições de sílabas ou de palavras. Outras terão momentos nos quais não conseguem falar nada, apesar de tentarem. Podemos pensar em um mundo de informações em conflito dentro de uma mente ainda tão pouco habilitada para tarefa tão complexa.
ALTERAÇÕES NA FLUÊNCIA INFANTIL
A preocupação surge quando qualquer desses processos naturais à fase de aquisição não é passageiro, não desaparece com o desenvolvimento infantil. Ou então se ele é tão intenso que perturba a possibilidade de comunicação desta criança. Entre eles, a fluência, nosso tópico de interesse, pode não evoluir dentro do esperado. Caso a criança apresente em algum momento rupturas marcantes, podemos ter três possibilidades de evolução no decorrer do tempo (a) as rupturas de fala duram um período curto e não surgem mais, (b) as rupturas surgem e desaparecem em ciclos que se repetem, (c) as rupturas surgem e se mantém constantes. No primeiro caso, não há muito porque se preocupar, especialmente se o tempo de permanência da gagueira for efetivamente curto (alguns momentos delimitados no tempo) e a disfluência moderada, pois provavelmente se trata apenas de um desequilíbrio passageiro. Quando isso acontece, em geral é possível circunscrever o que deflagrou o ocorrido: cansaço, estresse, demanda de fala excessiva, situações assustadoras, inesperadas ou extremamente excitantes. No segundo caso, já temos que ficar mais atentos e a intervenção do fonoaudiólogo especializado em fluência é importante, para auxiliar no diagnóstico. Os pais podem tentar observar se existe algum fator externo que provoque os desequilíbrios de fala e levar suas hipóteses para discuti-las com o profissional. Este fará uma orientação específica para aquela criança e, juntos, observarão sua resposta às eventuais modificações ambientais propostas. Quanto mais próximas forem entre si as ocorrências destes ciclos de rupturas ou quanto mais intensas forem estas, maior será a necessidade de aprofundar a investigação, verificando a situação geral da vida da criança e fazendo uma avaliação específica da fala. Como temos tentado difundir sempre: a intervenção precoce propicia maiores possibilidades de remissão. Quando as rupturas se mantêm constantes é essencial a intervenção do fonoaudiólogo especializado em fluência. Esta se faz necessária, tanto orientando os pais sobre procedimentos que auxiliem a fluência como interferindo diretamente na aquisição de linguagem e/ou na aprendizagem de mecanismos que propiciem uma comunicação mais fluida. A dosagem dessas intervenções dependerá da severidade de cada caso. Fatores como hereditariedade (familiares que apresentam gagueira), criança do sexo masculino e a presença de outros distúrbios da área da fala e da linguagem favorecem o surgimento de quadros de gagueira. Isso não significa que quem não se enquadre nessa listagem esteja isento e nem que quem tem essas características fatalmente vá apresentar gagueira. Na realidade, para o surgimento de um quadro de gagueira vários fatores se associam de modo complexo e dinâmico.
ATITUDES QUE FAVORECEM A FLUÊNCIA INFANTIL Temos ciência de uma série de comportamentos que favorecem o surgimento e a manutenção da fluência da criança. Devemos lembrar que a maioria dessas atitudes favorece a fluência em qualquer faixa etária e, inclusive, são normas básicas em comunicação.1. Ouça com atenção o que é dito. Se possível, pare o que está fazendo, mantenha-se na altura da criança e olhe para ela, de modo natural, enquanto vocês conversam. Se a conversa se alongar, descontraia-se cada vez mais e tire prazer desses momentos de interação.2. Considere as rupturas ou erros que surgirem na fala da criança como mais um dado da comunicação que ela produz. Assim, se a fala está acelerada, levante a hipótese de que talvez ela esteja se sentindo pressionada a falar rápido. Se ela quebra muito sua fala, pense que talvez ela esteja relatando algo que a perturbou ou que a mobiliza de modo especial.3. Dê modelos de fala ao invés de conselhos. Se você tiver ensejo de dizer à criança para que fale com mais calma, não o diga: mostre na sua fala como é falar calmo. Ela vai absorver isso de um modo muito mais eficaz.4. Acostume-se a falar com a criança em frases curtas. Emita essas frases de modo lento e natural, em tom de voz tranquilo e bem articulado. Fale corretamente, mas evite vocabulário rebuscado e uma quantidade excessiva de fala. 5. Se a criança tem ciclos de fala fluente que se alternam com períodos de fala disfluente, utilize esse dado de modo vantajoso. Estimule conversação nos períodos fluentes e busque atividades mais silenciosas nos demais dias. Ficar em silêncio também pode ser muito gratificante tanto para você como para a criança.6. Dê o tempo que ela necessitar para falar. Espere que ela termine sua fala antes de iniciar a sua e ainda insira alguns segundos de silêncio antes de efetivamente falar. Oriente-a para que ela também aguarde você terminar sua fala.7. Respeite a criança como um pequeno falante. Releve seus erros, valorize suas percepções, leve-a a sério, considere o que ela lhe diz, mantenha esse canal de diálogo sempre aberto. 8. Tenha tempo para que uma conversação tranquila possa acontecer. Separe ao menos quinze minutos do seu dia só para conversar com sua criança.9. Uma conversação não é um interrogatório. Algumas perguntas até podem ser estimulantes. O excesso delas bloqueia o ritmo natural do pensamento infantil. Experimente fazer pequenos comentários seguidos de sllêncio: em geral, isso possibilita que a criança se sinta mais estimulada a conversar e o faça de modo mais descontraído.10. Forneça experiências novas para a criança, mas evite o excesso de estimulações quando perceber que extrapolam seu interesse imediato. Ela geralmente busca o novo e lhe dará muitas pistas do que seria mais gratificante em cada momento.11. Respeite os horários básicos de alimentação e sono. Não estamos falando de rigidez, mas de rotina saudável. Uma criança cansada ou mal alimentada não tem as condições naturais para se sentir tranquila. Estimule uma alimentação saudável.12. Fique atenta às suas normas de disciplina. Excessos em qualquer sentido fazem mal. Uma criança muito reprimida ou totalmente sem limites é uma criança que dificilmente se sentirá bem.13. Avalie a que sua criança responde. Geralmente falas sérias, curtas, lentas e em voz baixa têm repercussão muito maior do que gritos e castigos. 14. Um estudioso de gagueira, Starkweather [1], nos fala de demandas e capacidades. Avalie se suas demandas (solicitações, exigências, cobranças) estão dentro das capacidades desta criança em questão, seja no que se refere à fala ou aos comportamentos de modo geral. Caso necessário, reveja seus conceitos.
LIVRETOS SOBRE GAGUEIRA DIRECIONADOS ÁS CRIANÇASEm português:
- Para as crianças que gaguejam - Eliana Maria Nigro Rocha. Ilustrações: Carolina Dutra Sarti. Acesse aqui.
Em inglês:
- Stuttering Stan Takes a Stand - Artie Knapp. Ilustração: Barbara Leonard Gibson. Acesse aqui.
[1] Starkweather, C.W. Therapy for younger children.pg 257-279 in Curlee, RF & Siegel, GM. Nature and treatment of stuttering. New Directions. 1997. Boston. Allyn and Bacon
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GAGUEIRA - ADOLESCENTE
A adolescência, de
um modo geral, é vista como uma fase turbulenta, de grandes desacertos entre um
corpo praticamente adulto e uma mente ainda não totalmente amadurecida. Aquela
criança de pouco tempo atrás vai deixando de existir, ou melhor, vai sendo
absorvida por um novo modo de ser, repleto de novidades e possibilidades.
Muitas modificações surgem na adolescência, grande parte delas arrebatadoras,
difíceis de lidar devido à inexperiência de conviver com as mesmas. Se, normalmente,
na infância o indivíduo conta com a presença de um adulto por perto para lhe
dar diretrizes, na adolescência, por suas características intrínsecas, ele
começará sua tentativa de seguir sozinho. Afinal, esta fase é um treino inicial
de independência. A gagueira, para estes jovens, pode ser mais uma questão
complexa ou então uma velha - e em geral, não muito querida - companheira.
Pela sua própria definição, a gagueira do desenvolvimento surge na primeira
infância e para cerca de um quarto desta população continuará presente no
decorrer da vida, a menos que já tenha sido trabalhada anteriormente. É
comum que a gagueira que se manifesta na adolescência seja na
realidade a evidenciação de uma dificuldade anterior, que irrompe mais visível
em uma época em que o mundo precisa refazer seu sentido aos olhos do
adolescente. Importantes modificações hormonais e cerebrais estão ocorrendo
neste período [1] e algumas delas poderão afetar ainda mais desfavoravelmente o
ritmo da fala.
No que se refere à terapia de fala, o adolescente era visto como um grande
problema, uma vez que as técnicas de trabalho que existiam
eram direcionadas apenas às crianças ou aos adultos. Os novos estudos, com
abordagens específicas para esta faixa etária, vieram desmitificar a ideia de
que a adolescência seria uma fase na qual tantas questões vêm tomar espaço na
mente do indivíduo que a terapia de gagueira ficaria em segundo plano, sem
possibilidades de ser efetuada a contento.
Podemos considerar que o adolescente que gagueja - pessoa em trajeto da
infância para a vida adulta - apresenta características que constituem
uma mescla das que encontramos nas demais categorias de idade citadas.
Em parte, isto é verdade. O adolescente que gagueja tem ainda uma boa dose de
labilidade, de flexibilidade da infância, enquanto o adulto já mostra maior dificuldade
de efetuar modificações. Ao mesmo tempo, o adolescente tem uma motivação que
lhe permite um empenho diverso daquele que, de modo geral, uma criança
apresentaria. Quando estas duas características benignas estão presentes, o
trabalho costuma surtir um efeito muito positivo. Assim, temos em nossa
experiência clínica a constatação de que adolescentes que efetivamente se
sentem motivados a trabalhar sua fluência, desabrocham em inúmeros sentidos, de
modo aparentemente simples quando comparados com as demais faixas etárias. Eles
aprendem a se colocar melhor ante os demais, a enfrentar suas limitações, a
encontrar a segurança dentro de sua fragilidade, a perceber de modo mais realista
a comunicação com seus companheiros e familiares. Se a adolescência é a
fase de se definir, a terapia fonoaudiológica tem instrumental para contribuir
com este processo.
Por outro lado, é essencial valorizar o adolescente com suas características
específicas, tão diversas daquelas da infância e da idade adulta. É vital buscar
estar atualizado para poder conversar com ele de modo efetivo, inclusive
reconhecendo os inúmeros aspectos nos quais ele nos supera. Através de
uma interação honesta e plena podemos atingi-lo mais facilmente, entendendo a
razão de suas defesas e deixando que ele se exponha na medida das suas
possibilidades. O respeito mútuo fornece as bases de um trabalho terapêutico
amplo e de qualidade.
PARA OS PAIS
Boa parte das orientações fornecidas no final do texto “Gagueira Infantil”
também são válidas para o adolescente, com os ajustes adequados à sua idade.
Entre estas adequações temos que os pais podem sugerir ao adolescente que faça
um tratamento, mas devem ter sua permissão antes de procurar um profissional. O
real interesse dele em fazer uma terapia é que permitirá um bom resultado.
Seja qual for a decisão dele, facilite sua comunicação com algumas outras
diretrizes como: não completar suas palavras ou frases e não dar conselhos a
respeito de sua fala. Fique atento à questão das zombarias e provocações dos
outros irmãos ou adolescentes em geral, passíveis de acontecer nesta faixa etária. Isto pode
trazer perturbações emocionais e até mesmo físicas ao seu filho, quando consideramos o bullying.[2]
Estimule-o a desenvolver outras habilidades, sejam esportivas, musicais,
sociais ou culturais. Forneça a ele oportunidade de participar de outras
atividades além das escolares, de modo a ampliar suas possibilidades de
contato. Olhe-o com olhos generosos, que leva em consideração o fato de que ele
ainda está se construindo como pessoa e fortaleça sua auto-estima com
comentários honestos a respeito de suas características positivas e com
ponderações verdadeiramente maduras sobre comportamentos que deixam a
desejar.
As orientações voltadas aos pais quando se trata de crianças pequenas podem ser
resumidas na palavra “cuidados” que devem ser tomados para evitar prejudicar e
também para favorecer a evolução benigna de sua fala. Quando se
trata do adolescente, a palavra em questão é “respeito”. Poucos conseguem
atinar a miríade de sentimentos que podem povoar o mundo de uma pessoa que
gagueja. É difícil captar quantos entraves encontra um jovem que tem rupturas
em sua fala e se depara constantemente com situações novas e
desafiadoras. Respeite! Seu
filho está dando seus primeiros passos em direção à vida adulta e a
aceitação por parte de seus pais é muito significativa para ele,
especialmente neste momento.
PARA OS PROFESSORES
Na página TEXTOS, temos, como um dos subtítulos de acesso: Professor. Nesse
Power Point focamos todas as faixas etárias. Aqui, vamos frisar e
complementar algumas sugestões mais diretamente voltadas para o adolescente.
RECONHEÇA O ALUNO QUE GAGUEJA:
1. Muitos alunos que gaguejam se esmeram em estudar e
tirar boas notas para poder fugir de questionamentos e dos temidos seminários.
É mais fácil para eles dizerem “"não sei”", até para questões básicas, do
que se expor falando, correndo o risco de gaguejar em frente à classe.
2. Grande parte deles se mantém isolada ou apenas
acompanham algum grupo, quase sem conversar com os colegas. Outros
assumem um papel oposto, são barulhentos e falam imitando algum personagem (uma vez que assim
fazendo conseguem falar fluentemente).
3. As dificuldades relacionadas à
situação de fala variam entre as pessoas que gaguejam. Alguns têm mais
dificuldade em ler, outros em responder questões. Verifique como é isto
para seu aluno em questão.
ATUE DE MODO A FACILITAR A COMUNICAÇÃO DO ALUNO QUE GAGUEJA:
4. Mantenha sua naturalidade ao
falar com o adolescente que gagueja. Sabendo da seriedade deste quadro,
brincadeiras estão totalmente fora de cogitação.
5. Evite completar o que ele está
tentando dizer, a menos que ele tenha lhe solicitado algo diferente.
6. Ouça atentamente, mantendo o
contato de olhar.
7. Se sentir que sua empatia com
este aluno lhe permite se aproximar mais, fale com ele em particular e pergunte
se há algo que pode fazer para facilitar sua comunicação.
8. Podendo conversar com ele, encaminhe-o
a um fonoaudiólogo especializado em fluência, caso exista esta possibilidade.
9. A chamada de presença costuma ser
o terror para a maioria deles ou então as apresentações em início de ano letivo
quando precisam dizer seu nome. São situações de fala curta, mas extremamente
constrangedoras para quem gagueja. Se puder, crie alternativas.
10. Precisando fazer chamada oral, questione em segundo
ou terceiro lugar seu aluno que gagueja, a espera aumenta muito a ansiedade e
torna sua fala mais difícil.
11. Se for possível fazer os seminários para pequenos
grupos, isto pode facilitar a fala do aluno que gagueja e lhe dar mais
confiança para se expor para a classe toda futuramente.
12. Leitura em duplas ou leitura coral facilita a fala
de quem gagueja e é um ótimo treino para a classe.
TRABALHE A QUESTÃO COM A CLASSE:
13. A atitude do professor transmite aos alunos a importância de respeitar
as dificuldades específicas de cada um.
14. Oriente a classe como um todo sobre as boas
maneiras da comunicação: falar devagar, em tom natural, olhar para quem fala,
esperar o outro terminar sua fala antes de iniciar a sua, procurar ser sucinto
e direto.
15. Oriente a classe toda para que respondam calmamente. Faça a este seu
aluno que gagueja perguntas que possam ser respondidas com menor quantidade de
fala. De preferência, formule as questões para todos, antes de solicitar que
alguém responda. Isto fará com que toda a classe pense na resposta e que tenham
tempo de elaborar algo.
16. Se a fala do aluno que gagueja não é compreendida pelo restante da
turma, repita o que ele disse, concordando com o que ele falou ou mesmo
corrigindo com suavidade o que foi dito.
17. Mantenha-se atento para as ocorrências de bullying [2], de modo geral, e
mais especificamente quando relacionados ao aluno que gagueja, uma vez que 59%
das crianças que gaguejam referem ser ridicularizadas e 56% referem que isto
ocorre uma vez por semana[3]. Este aluno precisará de alguém que
norteie o comportamento do grupo, caso contrário os efeitos podem ser
desastrosos.
18. Obviamente
nem tudo depende
do professor, mas se este tiver oportunidade de auxiliar, poderá ajudar a
transformar um período de vida conturbado em uma experiência muito
positiva
para o adolescente.
LIVRETO SOBRE GAGUEIRA DIRECIONADO AOS ADOLESCENTES
Ensaio sobre a gagueira - Eliana Maria Nigro Rocha e Paulo Amaro Martins. Ilustrações: Andrea Marquezi Odri
[1] Herculano-Houzel, Suzana. O cérebro em transformação. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.
[2] http://www.bullying.com.br/BConceituacao21.htm. Acessado em 28.08.10
[3] Langevin, Bortnick, Hammer & Wiebe, 1998 e Langevim, 2000 citados em Bullying and Teasing: helping children who stutter. USA:
National Stuttering
Association, 2004
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GAGUEIRA - ADULTO
Quando o objetivo é aprimorar a fluência,
a percepção inicial é a de que o trabalho fonoaudiológico com adultos é menos
promissor do que o efetuado com as crianças.
Isto em geral é um fato e temos várias razões para tal. O adulto que gagueja,
obviamente já passou da fase de remissão espontânea, ou seja, já não tem em
mãos a possibilidade de deixar de gaguejar devido a uma recuperação natural.
Além disto, toda uma existência de comunicação com fala rompida, já criou
automatismos mais rígidos e mais difíceis de serem modificados.
Precisamos ainda levar em conta que anos de vivência com esta dificuldade
sem dúvida trouxe consequências no modo de percepção de suas habilidades e
possibilidades de falar e, em muitos casos, esta percepção contaminou o modo
como a pessoa se avalia, muitas vezes sentindo-se incapaz de realizar qualquer
atividade que necessite de comunicação oral. Pode também ter surgido a noção de
ser incapacitado para inúmeras outras frentes de atuação, mesmo as que não
dependem da fala. Alguns, em decorrência disto tudo, reduziram muito seus
contatos, evitando correr o risco de precisarem utilizar sua fala e se
frustrarem com os resultados. Outros, embora mantenham seus relacionamentos, se
torturam na busca da palavra que sentem que conseguirão falar, enquanto evitam
outras que se tornam verdadeiras ameaças de desestruturação de fala.
Toda esta autoproteção, embora compreensível, tem como efeito uma complicação a
mais: sem este treino rotineiro de utilização de fala ou de determinadas
palavras, de enfrentamento de situações, tudo se torna ainda menos familiar,
ainda mais difícil e embaraçoso.
O desconhecimento da sociedade em geral sobre a questão da gagueira só complica
mais a situação de quem gagueja. O fato de que muitas pessoas considerem
gagueira como algo engraçado - embora apenas denote ignorância a respeito desta
dificuldade - perturba extremamente seu portador. A pouca experiência de muitos
fonoaudiólogos com a terapia de gagueira foi um dos fatores que prejudicaram a
pessoa que gagueja, no sentido de não fornecer o que o indivíduo realmente
necessita e, deste modo, aumentando a eventual descrença em sua possibilidade de
melhora. É preciso ainda acrescentar a questão de que os conhecimentos mais
fundamentados sobre gagueira são recentes, dependeram de avanços que só
se tornaram viáveis com o desenvolver da tecnologia e datam de poucas décadas.
Deste modo, é frequente recebermos pessoas que buscam terapia e que, além de
terem uma dificuldade constatada de fluência, apresentam restrição
significativa de sua liberdade pessoal, limitações em suas possibilidades de
buscar por seus objetivos, tanto no campo profissional, como afetivo, familiar
ou até mesmo de lazer. Encontram-se reclusos, presos por barreiras intangíveis.
Cada um tem seu momento de despertar e definir para si mesmo que necessita ampliar seu espaço de vida, que já não aceita mais para si esta submissão a um transtorno que o amordaça.
É preciso um impulso de coragem para decidir quebrar esta prisão. Buscar
terapia é um processo difícil para a maioria, seja por tentativa de evitar
tocar na ferida que tanto dói, seja por preocupação com o investimento
financeiro, seja por descrédito em sua própria possibilidade de superação ou
mesmo negação do distúrbio que apresenta, o que acomoda o indivíduo à situação
atual, que embora incômoda, é familiar e não exige os esforços implícitos a
qualquer mudança. Tudo isto, sem contar, que a
ideia de uma cura milagrosa, que haverá de surgir inesperadamente, sempre
costuma perseguir o ser humano e o deixa à deriva, à mercê de tratamentos pouco
éticos que prometem resolução imediata de suas dificuldades.
Com frequência, recebemos solicitações de "exercícios para gagueira". Isto porque existe
na imaginação das pessoas a ideia de que alguns poucos exercícios podem
resolver definitivamente a questão. Ou então temos a busca por "tratamento
para gagueira". Este termo demonstra que persiste uma visão médica a
respeito da maneira que se processa a resolução da gagueira e que para que tal
aconteça, haverá de ter um "tratamento", de modo que ocorra a
"cura". Estas ideias eram aceitas até
alguns anos atrás. Hoje, com a evolução dos
conhecimentos a respeito, falar em "cura" beira o charlatanismo e tem
sido vividamente combatido, inclusive por entidades internacionais como a
British Stammering Association (Associação Britânica de Gagueira) [1]
A terapia fonoaudiológica, não sendo mágica e nem se propondo a isto, é um
caminho de descobertas pessoais que, muitas vezes, extrapola em muito a fala
propriamente dita: descobrir como é o processo de comunicação, como lidar com
os mecanismos de fala de um modo mais efetivo e como se fortalecer para estar
inteiro, resgatando, usufruindo e deixando transparecer seu valor pessoal. Este
é o propósito de um processo terapêutico fonoaudiológico, mais fácil para
alguns, mais espinhoso para outros, mas sempre recompensador, desde que o
indivíduo consiga perceber cada vez mais claramente o que busca, constatando
que o verdadeiro trabalho que ocorre está muito além dos exercícios e
atividades propostas para que aflorem as possibilidades de fala distensa.
É importante complementar que, se por um lado o adulto já não tem a
flexibilidade de uma criança, que lhe permita uma superação mais rápida, mais
natural de suas limitações, por outro lado pode ter o firme propósito de
buscar pelo que representará uma melhora em sua comunicação. Provavelmente ele
já aprendeu, em muitas outras situações de sua vida, a utilizar sua
inteligência, persistência e força de vontade para vencer suas dificuldades.
Estes fatores podem fazer toda a diferença em um trabalho que se direciona ao
alcance de um objetivo e à aceitação de eventuais limitações na possibilidade
de atingir os resultados desejados.
UMA VISÃO INTERESSANTE SOBRE GAGUEIRA
Mark Irwin, com formação em Odontologia e especialização em Psicologia,
é uma pessoa que gagueja e que esteve por muitos anos em cargo de direção na
International Stuttering Association. Escreveu vários artigos sobre gagueira,
entre eles "What is stuttering? - defining stuttering from the speaker's
viewpoint" [2] (O que é gagueira? Definindo
gagueira a partir do ponto de vista do falante). Ou seja, ele busca uma
classificação de gagueira do ponto de vista de quem gagueja.
Neste artigo de 2008, Irwin
procura clarear algumas peculiaridades encontradas nas diferentes pessoas que
gaguejam e faz a distinção entre gagueira - que pode ser manifesta ou encoberta
- e a "síndrome da fala gaguejada", termo proposto por ele.
Assim, define que a gagueira pode se manifestar abertamente através das
rupturas evidenciáveis na fala do indivíduo, caracterizada por repetições,
prolongamentos e bloqueios. Na gagueira encoberta teríamos a incidência de
tentativas de ocultar estas rupturas, através de evitação, substituição e
circunlóquios. Já na Síndrome da Fala Gaguejada existiriam os sintomas
resultantes "da coexistência de gagueira e distúrbio de ansiedade social
(fobia social)": comportamentos de gagueira com sensação de pânico e perda
de controle, evitação de situações, atitudes de baixa autoconfiança e baixa
autoestima e sentimentos de frustração e ansiedade.
Irwin exemplifica os diferentes quadros com uma fala de cada destes
tipos e para tal, imagina uma conversa em um barzinho:
- gagueira manifesta: "Eu gggaguejo. Quando eu
saio, ddddemora mmmuito para eu pedir uma cccerveja."
- gagueira encoberta: "Eu gggaguejo. Eu peço uísque
porque eu não consigo dizer ccerveja."
- síndrome da fala gaguejada: "Eu gggaguejo. Eu
fico extremamente envergonhado e frustrado com isto. Eu raramente saio e evito
relacionamentos."
Desta maneira, Irwin explica
de uma maneira peculiar as marcadas diferenças que encontramos entre as pessoas
que gaguejam, como quando constatamos que uma pessoa com gagueira manifesta
muito severa pode se perturbar menos com sua fala do que outra com gagueira
manifesta levíssima, mas que apresente um extremado nível de controle sobre sua
fala.
Na prática terapêutica encontraremos muitas variáveis dentro desta
classificação simplificadora, no entanto ela nos parece útil para clarear
algumas questões básicas.
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