Um exame dos Paradoxos Pragmáticos e da fé
cristã
Induced Christian neurosis- An examination
of pragmatic paradoxes and the Christian faith.
Tradutor:
Adami A. Gabriel,Psicólogo Clínico
Psy.D Student at Texas School of Professional Psychology. Argosy
University/Dallas
Há atualmente um número substancial
de cristãos que se acham presos a uma luta frenética e neurótica a fim de
conseguirem se apropriar plenamente da graça e do poder de Deus para suas
vidas. Estes indivíduos tentam exaustivamente "entregar suas
vidas", "mortificar a carne" e "dar o controle total a
Cristo". Não questionando a sinceridade da fé destes crentes, pode-se
observar que estes cristãos freqüentemente ficam paralisados e imobilizados
em sua luta pragmática a fim de "morrer para que Cristo viva". Cada
decisão na vida real os lança numa dúvida infindável para saber se estão
dando voz a seus próprios desejos e tendências humanos. A ansiedade que
acompanha cada decisão pode ser medida em proporções clínicas. Os ministros
que são inundados por pedidos de conselho, por parte destas pessoas,
geralmente se sentem frustrados em seus esforços para reduzir o conflito
apresentado.
Este fenômeno não dever ser
desconhecido para a maioria dos cristãos. Quase todos os adeptos de uma fé
evangélica experimentam esta luta até certo ponto e conhecem outros que
parecem se encontrar aprisionados nesta situação, e sem esperança.
Freqüentemente há uma tendência para se julgar os cristãos que se encontram
nesta situação como inerentemente "nervosos",
"instáveis"ou, de alguma forma, "desequilibrados". A
proposição é que estes cristãos neuróticos são simplesmente indivíduos
neuróticos que calham de ser cristãos. A tendência da Igreja é encorajar
estas pessoas a orar mais, estudar mais as Escrituras, ou confiar na direção
divina como meio de resolver seus conflitos. Este conselho, entretanto, pode
servir para aumentar a ansiedade e a frustração destes crentes, desde que
muitos deles já estão envolvidos nesta questão, e a extremos neuróticos.
Uma das explicações que expõe a
etiologia desta condição da personalidade e da formação biológica do crente é
ver esta síndrome como resultado da exposição a certos conceitos e crenças
teológicas, que realmente induzem a este estado sintomático. A partir desta
perspectiva pode-se discutir (argumentar) que estes cristãos neuróticos são
neuróticos, antes em virtude de uma neurose induzida, do que por uma
disposição inerente para a instabilidade emocional. Este artigo propõe que a
indução a este estado neurótico pode ocorrer como resultado da clássica
situação de "duplo vínculo",
que é criada quando certas crenças teológicas se combinam dentro do contexto
da vida ou morte eternas em relação a Deus. Uma cuidadosa descrição da
situação a que chamamos de "duplo vínculo" será feita, para que se
possa estabelecer uma base teórica a fim de que se possa entender a
"neurose cristã induzida".
NEUROSE INDUZIDA
A indução de uma condição
"neurótica"em uma pessoa normal foi descrita primeiramente por
Pavlov (1932). Pavlov condicionou um cão a diferenciar entre um círculo e uma
elipse. Ele começou apresentando ao animal o estímulo do círculo e
imediatamente o alimentando. Quando esta resposta estava bem estabelecida,
Pavlov apresentou o segundo estímulo, que consistia numa elipse com
semi-eixos, na proporção de 2:1. A apresentação da elipse não era seguida por
nenhum reforço; de forma que o cão aprendeu rapidamente a diferenciar entre
os dois estímulos. Pavlov começou, então, a alterar a forma da elipse, de
maneira a torná-la progressivamente mais circular (a proporção dos semi-eixos
foi aumentada para 3:2, 4:3 e assim por diante). Quando a proporção chegou
finalmente a 9:8, o cão começou a ter extrema dificuldade em fazer a
distinção correta. O mais significativo nesta fase da experimentação,
entretanto, era a mudança de comportamento que acompanhava a inabilidade do
cão em responder corretamente.
O cão, até então, quieto,
começou a ladrar, mexia-se sem parar, mordeu e dilacerou os instrumentos para
a estimulação mecânica da pele, e avançou nos canos que faziam a ligação entre
o quarto do animal e o lugar do observador - um comportamento não observado
antes. Tendo sido levado para dentro do quarto de experiência o cão latia
violentamente. (Pavlov, 1927 - págs. 290-291).
Pavlov usou o termo
"neurose experimental" para descrever o comportamento que ele
próprio induzira. Este importantíssimo estudo demonstra dramaticamente que
uma condição neurótica pode ser estabelecida numa pessoa "normal",
quando essa pessoa é colocada numa situação altamente ambígua, na qual a
descriminação apropriada se torna impossível. A neurose experimental foi
realmente uma resposta aprendida e, como tal, sugeriu uma explicação
alternativa à teoria psicanalítica da neurose, que precedeu a pesquisa de
Pavlov.
Desde este estudo inicial,
muitos pesquisadores demonstraram que as neuroses podem ser produzidas
artificialmente, em animais ou seres humanos, por procedimentos
experimentais. Russell (1950) apresentou uma revisão detalhada destes estudos
e Wolpe (1952) deu continuidade à discussão de algumas conseqüências das
neuroses induzidas experimentalmente. Do0is pontos chaves emergem do conjunto
de pesquisas que são essenciais ao propósito deste artigo: (a) É claro que
uma condição neurótica ou padrão de comportamento podem ser induzidos num ser
normal através da manipulação ambiental; e (b) uma das maneiras pelas quais
uma neurose experimental pode ser induzida é colocar o paciente numa situação
tão ambígua que a discriminação de uma resposta correta ou apropriada se
torna impossível. O cão de Pavlov imobilizou-se por sua inabilidade em
responder corretamente, baseado num conceito ambiental altamente confuso. Os
seres humanos não são imunes a um padrão de ansiedade semelhante e quando são
expostos a situações de igual ambigüidade e opções impossíveis para
responder.
O DUPLO-VÍNCULO COMO FONTE DE CONTRIBUIÇÃO PARA A
NEUROSE INDUZIDA
Bateson, Jakson, Haley e
Weakland (1956) propuseram que os níveis extremos da psicopatologia poderiam
resultar de contextos relacionais específicos e comunicações paradoxais
dentro destes contextos. Eles apresentaram o termo "duplo-vínculo" e
descreveram padrões de constelações e comunicações relacionais que podem
funcionar para induzir a um conjunto de respostas patológicas. Estes autores
definiram cuidadosamente três exigências essenciais do "duplo-vínculo" que são
extremamente importantes para nossa discussão.
O primeiro ingrediente
essencial do "duplo-vínculo"
envolve o contexto relacional. Para que uma verdadeira situação "duplo-vínculo" exista,
deverá haver um relacionamento intenso entre duas ou mais pessoas, nas quais
existe, em alto grau, o valor de sobrevivência física e/ou psicológica para
um ou mais envolvidos. Exemplos comuns deste relacionamento são casamentos,
relações familiares, amizades, situação de prisioneiros ou hóspedes,
relacionamentos que envolvam uma hierarquia de poder (relações empregatícias,
militares, etc,...) e situações terápicas. A alta intensidade do
relacionamento, uma mensagem ou um imperativo é dado, de natureza paradoxal.
Tal imperativo será considerado paradoxal se somente puder ser obedecido por
desobediência ou vice-versa. Isto ficará claro quando a natureza dos
paradoxos pragmáticos for investigada.
A exigência final da situação
de "duplo-vínculo"
é o que o recipiente da mensagem paradoxal seja impedido de se colocar fora
do contexto do relacionamento e da mensagem. Isto é, o recipiente não pode
nem fugir à situação nem metacomunicar (isto é, comunicar a respeito da
comunicação), de forma que se tornaria evidente o absurdo da situação de
armadilha e da mensagem paradoxal. A intensidade do relacionamento e a
injunção paradoxal oferecida criam um dilema no qual nenhuma resposta é
possível. Bateson et. Al (1956) argumentam que indivíduos que são apanhados
em situações de "duplo-vínculo"
por prolongados períodos de tempo, mostrarão patologia significativa. Eles
argumentam que esta patologia é realmente induzida pela situação "duplo-vínculo".
TRÊS NÍVEIS DE PARADOXOS
Para compreender inteiramente a
situação "duplo vínculo"
é necessário compreender o conceito de paradoxo e especificamente a natureza
dos paradoxos pragmáticos. São basicamente três os níveis de paradoxos que
podem ser descritos: a) Contraditórios (paradoxos lógico-matemáticos); b)
Semânticos e c) Pragmáticos (Berin, Jackson e Watzlavisck, 1967).
Contraditórios
São paradoxos encontradiços em
sistemas formalizados, tais como os lógicos e os matemáticos. Consistem em
contradições que seguem a dedução correta de premissas consistentes. Tem
sido, por séculos, de grande interesse para filósofos, lógicos e matemáticos
mas, para nosso propósito, servem apenas para formalizar uma definição do
paradoxo como contradição, de arrazoado de arrazoado são postulados
consistentes.
Paradoxos Semânticos
Os paradoxos semânticos
consistem em comunicações que envolvem mensagens conflitantes. Um exemplo do
paradoxo semântico é a afirmação: "Estou mentindo". No plano
objetivo a afirmação comunica que a pessoa que fala está mentindo. Num nível meta,
entretanto, deve-se concluir que se a pessoa está realmente mentindo, sendo a
afirmação feita no nível objetivo, deverá ser também uma mentira, portanto,
uma afirmação falsa. A pessoa que faz a afirmação pode estar mentindo apenas
se falar a verdade e somente falará a verdade se estiver mentindo. Isto é uma
contradição insolúvel ou um paradoxo. Outro exemplo de paradoxo semântico é
um aviso que diz: "Ignore este aviso". Neste caso o aviso só poderá
ser obedecido ou observado se não for ignorado. Ler o aviso, entretanto,
viola a injunção para ignorá-lo e assim o leitor se acha preso numa
armadilha. Há inúmeros outros exemplos destes paradoxos semânticos, mas
apenas outro exemplo será examinado, já que prevê um veículo conveniente para
a explicação do paradoxo pragmático.
Watzlavisck et. Al. (1967),
citam o famoso paradoxo semântico que assim se apresenta: "Numa cidade
pequena há um barbeiro que barbeia todos os homens que não se barbeiam",
(pg. 194). Ã primeira vista esta estória soa suficientemente razoável, até
que hesitamos em considerar o "status" do barbeiro. Se faz a
própria barba, ele viola a estória. Ele barbeia um homem que se barbeia.
Entretanto, se ele não se barbeia, ainda assim, viola a estória. Sob rigorosa
dedução deve-se concluir que não existe tal barbeiro. Não pode existir um
barbeiro que se barbeia e não se barbeia. Isto seria uma contradição e um
absurdo.
Paradoxos Pragmáticos
Se a estória do barbeiro for
levemente alterada, o salto ou transiçào de um paradoxo pragmático pode ser
demonstrado(a). Suponhamos que haja uma situação em que aparecam um oficial
comandante e um soldado comum, e que o oficial ordene ao soldado que barbeie
todos os soldados que não se barbeiam na companhia. O paradoxo agora torna-se
pragmático, desde que o soldado que deve cumprir esta ordem não tem como
proceder. Já se demonstrou que não pode haver um barbeiro que se barbeie e
não se barbeie, mas certamente haverá uma situação em que um soldado receba
uma ordem paradoxal. Não adianta, do ponto de vista do soldado discutir a
ordem paradoxal, é impossível ser cumprida. O soldado é impedido, neste
exemplo, de discutir com o oficial comandante, pois isto constitui
insubordinação e poderá trazer severas conseqüências. Esta situação
caracteriza todas as exigências de uma verdadeira situação "duplo-vínculo". Primeiro,
há uma relação intensa entre soldado e o oficial comandante e esta relação
tem alto valor de sobrevivência para o soldado. Em segundo lugar, o soldado
recebe uma ordem paradoxal: barbear todos os soldados que não se barbeiam, o
que só pode ser obedecido pela desobediência e vice-versa. Em terceiro lugar,
o soldado é impedido de retirar-se desta situação ou metacomunicar a respeito
da ordem que lhe foi dada. Se nada for feito, o soldado receberá punição por
recusar-se a obedecer a uma ordem superior, e se houver uma tentativa de
argumentação acerca do absurdo da ordem haverá o risco de o soldado ser
acusado de insubordinação.
Esta consideração de paradoxo
moveu-se de um exame de sistemas lógicos e problemas semânticos para situações
da vida real, que podem colocar um indivíduo numa situação insustentável,
onde não será possível nenhum procedimento razoável.
Paradoxos pragmáticos, tais
quais este ilustrado pelo caso do soldado, são mais freqüentes na vida diária
do que a maioria imagina. Tais situações são muito semelhantes à situação que
Pavlov criou experimentalmente com o seu cão. Quando as pessoas enfrentam
situações para as quais não há resposta correta, as pessoas são também
susceptíveis a ansiedades semelhantes e à sintomatologia da neurose
experimental descrita por Pavlov. Vários exemplos de paradoxos pragmáticos
serão apresentados para ilustrar sua natureza e freqüência. Um dos mais
humorísticos é oferecido por Dan Greenburg (1964) em seu livro Como ser
uma mãe judia. Ele escreve: "De a seu filho Marvin duas camisas
esportivas de presente. A primeira vez que ele vista uma delas, encare-o
tristemente e diga, em seu Tom Básico de Voz: 'O que, não gostaste da
outra?'" (p. 16). Marvin naturalmente se sentirá encurralado, porque não
faz diferença o usar uma ou outra camisa. Ele não tem saída. A dura realidade
desta anedota é que muitos filhos(as) experimentam armadilhas semelhantes com
seus próprios pais. Geralmente estes paradoxos pragmáticos são muito mais
sutis.
Talvez, o paradoxo mais comum é
o "seja espontâneo". Isto envolve um imperativo ou ordem que exige
que a pessoa produza um sentimento ou comportamento que envolva inerentemente
um acerta porção de espontaneidade. Um bom exemplo disso é o marido que diz à
esposa: "Eu quero que você queira fazer amor comigo, não apenas realiza
movimentos". Se a esposa tenta "querer" fazer amor, ela assim
o faz porque isso lhe foi exigido e será recebido pelo marido simplesmente
como realizar movimentos. É-lhe impossível manufaturar espontaneidade. Ela
está "perdida se tentar, e perdida se não tentar", e esta é a marca
do paradoxo pragmático. Exemplos do paradoxo "seja espontâneo" se
encontram na vida diária de quase todas as pessoas. "Não fique triste",
"Não fique deprimido", Seja feliz", Não se zangue"- e
afirmações que ditam o que uma pessoa "deve querer" (por exemplo:
"Você deve querer ser bem sucedido") são todos exemplos comuns do
paradoxo pragmático "seja espontâneo". O problema real surge quando
este tipo de comunicação ocorre numa relação intensa, onde aparece a situação
"duplo-vínculo".
SITUAÇÃO "DUPLO-VÍNCULO" E
NEUROSE CRISTÃ INDUZIDA
Espero que haja base suficiente
para que se possa descrever uma situação "duplo-vínculo" potencial. A situação que será sugerida
pode ser entendida melhor pelo exame das exigências que ela apresenta.
O Relacionamento
Primeiramente, parece claro que
uma das mais intensas (senão a mais intensa) relação de sobrevivência é o
relacionamento entre o crente e Deus. Este relacionamento é definido
teologicamente como o mais crucial e o mais importante na vida de qualquer
ser humano. O valor de sobrevivência deste relacionamento vai além dos
componentes físicos e emocionais. A salvação ou a perdição eternas são
conseqüências deste relacionamento do cristão com Deus. Ele preenche
completamente a primeira exigência da situação "duplo-vínculo".
A Mensagem
A segunda exigência é que,
dentro do contexto de um relacionamento intenso, uma ordem paradoxal seja
dada de tal forma, que pode ser obedecida apenas quando desobedecida e
vice-versa. É claro que muitos cristãos percebem ou crêem que Deus os está
mandando fazer coisas que são realmente paradoxais. Isto não significa que
Deus chame os crentes para fazer o que é impossível, mas significa que muitos
crentes sentem que Deus os está instruindo para seguir certos imperativos que
os colocam em paradoxos pragmáticos. Talvez o melhor exemplo disso seja a
noção de dar a Deus o controle da vida. Para que um indivíduo entregue o
controle, ele deve exercer controle e conseqüentemente estar no controle. Os
cristãos que exercem controle para dar a Deus o controle estão presos num
paradoxo pragmático onde estão perdidos (literalmente danados) se obedecerem
(estar no controle para entregarem o controle) e perdidos (danados) se não
obedecerem (estar no controle para não dar a Deus o controle). Isto será
semelhante a um marido dominante que diz à sua esposa passiva que ele deseja
que ela seja mais dominante. Enquanto ele dita a ela o que ela deve ser, ele
continua a dominar. Os esforços dela para ser mais dominante são realmente
uma resposta passiva, se ela assim age apenas para obedecer ao marido.
A Comunicação
A noção de dar o controle da
vida a Deus é um exemplo de muitos paradoxos pragmáticos que podem encurralar
os crentes. Se um cristão é apanhado em tal paradoxo pragmático, crendo que
Deus está ordenando o impossível, a situação torna-se completa se o crente é
incapaz de recuar ou metacomunicar a respeito de tal situação. Isto,
naturalmente, acontece com freqüência por causa da intensidade e do valor de
sobrevivência do relacionamento do individuo com Deus, é completamente
proibitivo desistir e não agir de acordo com a ordem estabelecida. É também
proibitivo questionar as ordens de Deus (metacomunicar). Este é o dilema de
uma verdadeira situação "duplo-vínculo".
No caso dos cristãos que crêem que Deus deseja que eles lhe concedam o
controle pode-se notar o potencial de uma situação impossível. Se tentam
obedecer à ordem estarão fatalmente desobedecendo, por força do paradoxo
pragmático envolvido. Se tentam sair da situação estarão diretamente
desobedecendo a uma ordem que lhes foi dada. Finalmente, se questionam a
legitimidade da ordem questionam realmente a Palavra de Deus, o que constitui
uma audácia, além de uma apostasia. Novamente estarão "perdidos" se
obedecerem, "perdidos" se desobedecerem e "perdidos" se
tentarem comentar a natureza do paradoxo.
NEUROSE CRISTÃ INDUZIDA
Há numerosas percepções
teológicas que resultam em cristãos fiéis e sinceros se acharem presos num
relacionamento "duplo-vínculo"
com Deus. Muitos destes paradoxos consistem no paradoxo "seja
espontâneo" já mencionado. Os cristãos que acreditam que "devem ser
felizes", "nunca devem se zangar", "nunca devem se sentir
deprimidos", "devem amar (num nível de sentimento) Deus e o
próximo", "devem gostar de orar, de estudar a Bíblia, do culto,
etc", e "devem desejar não pecar" (e a lista
continua) estão todos encurralados por paradoxos, muito sutis, do tipo
"seja espontâneo". São forçados a produzir sentimentos de natureza
inerentemente espontânea. O problema é que as pessoas que procuram sentir-se
melhor geralmente ficam mais deprimidas. Quanto mais se esforçam para
produzir sentimentos opostos, mais frustradas e deprimidas se tornam. Quando
são aconselhados a "procure se alegrar ou se sentir melhor" o
paradoxo pragmático é reforçado e elas não apenas sentirão deprimidas, mais
ainda, provavelmente se sentirão culpadas por não serem capazes de produzir
sentimentos diferentes.
Cristãos que se obrigam a orar
quando não o desejam ou que laboriosamente lêem um certo número de páginas da
Bíblia ou tentam gostar de um culto que não é agradável podem entender a
frustração que o paradoxo "seja espontâneo" causa. Quanto mais se tenta,
mais difícil se torna sentir o que não se sente. O dilema é que muitos
crentes simplesmente tentam com maior afinco, por que parte da situação
"duplo-vínculo"
a ameaça de "perdição" para os que abandonam a tentativa.
Muitos crentes conseguem chegar
a um sistema teológico prático de pensamento e comportamento que os faz viver
bem, mesmo dentro da tensão de ordens aparentemente paradoxais. Muito da
teologia cristã é claramente exposto como paradoxal e todos os fieis devem
lutar com os mistérios e contradições aparentes de sua fé. Os cristãos
aprendem que Deus é completamente soberano e ainda assim a humanidade exerce
livre-arbítrio e é um agente de responsabilidade moral. São doutrinados que a
salvação é pela graça de Deus apenas, e ainda que a graça é apropriada pela
fé e pelas obras (comportamento moral e religioso). O crente deve
"morrer para viver", "ser o último para ser o primeiro".
"levar uma vida sem pecado enquanto revestidos da imperfeição da
humanidade" e seguir a Cristo que era "completamente Deus e
completamente homem". Todos os que professam a fé cristã devem
conviver com estes e outros tópicos semelhantes e chegar a um sistema de
pensamento e comportamento que lhes permita operar dentro destas tensões
teológicas. O problema é que qualquer dilema, contradição ou paradoxo
teológicos, seja real ou pressentido, tem potencial para se tornar um
paradoxo pragmático sério, que poderá contribuir para uma situação "duplo-vínculo" muito
problemática. Enquanto muitos cristãos evitam isto por força de sua
perspectiva teológica, a habilidade de viver dentro da tensão dos paradoxos,
o desejo de questionar o significado e o desígnio dos imperativos teológicos
ou a liderança de outros, muitos cristãos ficam enredados numa situação
"duplo-vínculo"
e podem se encontrar irremediavelmente encurralados. Eles exibirão
prolongados períodos de uma neurose cristã induzida. Os
sintomas manifestados podem variar desde depressão, ansiedade, senso de culpa
excessivo, estresse relacionados com problemas somáticos (extrema tensão
muscular, dores de cabeça constante, pressão sangüínea elevada, etc.), até
desorientações mais sérias e reações psicóticas. Estes sintomas podem ser o
resultado direto do crente estar imobilizado pela posição indefensável da
situação "duplo-vínculo".
Aqui, o importante é que os sintomas são produzidos pela situação e não são
característica inerente ou falha de caráter do crente. Certos indivíduos
podem ter uma predisposição a padrões de sintomas específicos e cada
indivíduo terá tolerância diferente para a quantidade de estresse necessária
para os tornar sintomáticos, mas a própria condição neurótica é induzida pela
situação "duplo-vínculo".
Desde que o conceito de neurose
cristã induzida não foi ainda formalizado aé a publicação deste
artigo, nenhum estudo pode ser citado a respeito da prevalência dessa
síndrome. Até agora, apenas se pode apelar para a armação teórica compilada,
combinada com os dados observados por uma variedade de ministros e
conselheiros cristãos. É crença do autor que a incidência das situações
teológicas e da neurose cristã induzida é muito alta, mas que os sintomas
neuróticos são atribuídos a outras causas (geralmente à personalidade
neurótica do crente) e por isso nunca são interpretadas como resultado direto
do contexto teológico.
RESOLUÇÕES POTENCIAIS
A questão central é como os
crentes que são apanhados nas situações de "duplo-vínculo" por força dos paradoxos teológicos,
podem se libertar dessa armadilha. A resposta parece estar na dissolução da
situação "duplo-vínculo".
Já se demonstrou que uma situação "duplo-vínculo" envolve três condições essenciais: a)
uma relação intensa de sobrevivência; b) uma mensagem ou ordem paradoxal; c)
inabilidade de recuar ou metacomunicar por parte da pessoa apanhada na
situação "duplo-vínculo".
Se esta situação existir realmente, uma intervenção que anule uma ou mais
destas condições resultará na quebra da situação, pois se uma ou mais destas
condições não forem cumpridas, não haverá situação "duplo-vínculo". Por isso as
intervenções poderão ser: a) entendimento do relacionamento da pessoa
com Deus; b) análise das ordens paradoxais ou das mensagens envolvidas; c)
achar a maneira da pessoa recuar, refletir sobre o assunto e comunicar sobre
a própria situação.
O primeiro nível de intervenção
apresenta alguns problemas sérios. Pode ser verdade que a situação "duplo-vínculo" possa ser
quebrada pela redução do nível de relacionamento com Deus, mas isto, a longo
prazo, poderá causar mais mal que bem. Toda intervenção neste nível deverá
ter como alvo ajudar a pessoa a chegar a um relacionamento mais realístico e
pleno com Deus. Freqüentemente o cristão apanhado numa situação "duplo-vínculo" tem uma
concepção de Deus que enfatiza em excesso a sua ira e julgamento. Deus é
visto como juiz que pune, que não tem tolerância para com a imperfeição. Se
este é o caso, pode-se ajudar o cristão a reavaliar sua compreensão do que
Deus é e como se relacionar com Ele.
O segundo nível de intervenção
envolve uma avaliação dos imperativos paradoxais ou mensagens envolvidas na
situação "duplo-vínculo".
Muitos crentes nunca param para questionar a natureza, significado ou
intenção das ordens que recebem. A reflexão e discussão teológicas servirão
aqui a dois propósitos: primeiro, permitirão uma avaliação das próprias
ordens que são parte da armadilha (aprisionamento). Em segundo lugar,
fornecerão uma oportunidade para o crente sair do relacionamento "duplo-vínculo" a fim de
ganhar nova perspectiva. Não é intenção de Deus mandar os crentes fazerem o
impossível. Os cristãos precisam lutar com a realidade das expectativas de
Deus à luz de seu entendimento e limitações humanos, e esta habilidade para
avaliar e refletir pode servir como saída da situação "duplo-vínculo".
O nível final de intervenção é
focalizado na habilidade do crente de recuar da situação e metacomunicar
sobre a própria situação "duplo-vínculo".
Os cristãos que forem apanhados nesta situação podem entender que existe um
problema, mas conservam-se ignorantes dos mecanismos que agem dentro desse
constrangimento. Revelando a armadilha como ela é na realidade, pode ser, com
freqüência, uma solução em si própria, desde que o crente deve sair da
situação "duplo-vínculo"
em algum nível, para poder observá-la. A identificação da situação "duplo-vínculo" pode
resultar na redução dos sintomas e da culpa associada a esta condição e pode
também ajudar a reexaminar a ordem paradoxal envolvida.
O tratamento da neurose
cristã induzida deve começar com o entendimento da dinâmica da
situação "duplo-vínculo"
que foi delineada aqui. Deve-se reconhecer o fato de que a neurose está
enraizada na situação teológica de "duplo-vínculo", à qual todos os crentes são
susceptíveis e da qual muitos crentes são vítimas.
Espero que este artigo sirva de
ponto de partida para entender a complexidade da dinâmica envolvida. O
reconhecimento e o entendimento desta síndrome será a chave para seu
tratamento.
Induced
Christian neurosis- An examination of pragmatic paradoxes and the Christian
faith.
By: Watson, P.J.; Cohen, E.J.; Folbrecht, J.
|
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domingo, 9 de setembro de 2012
Neurose Cristã
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