sexta-feira, 15 de junho de 2012

A SEPARAÇÂO AMOROSA: UMA ABORDAGEM PSICANALITICA

                                  A SEPARAÇÃO AMOROSA: UMA ABORDAGEM PSICANALÍTICA
Elen de Paula Ferreira*
RESUMO:
Neste trabalho, abordamos o sofrimento decorrente da separação amorosa a partir do referencial teórico da psicanálise, mais especificamente Freudiano. Foram discutidos, inicialmente, os mecanismos que direcionam o indivíduo na escolha de um objeto amoroso enquanto escolha narcísica, além de apresentarmos algumas considerações sobre a paixão amorosa, enfatizando seu caráter de desmedida. Em seguida, tratamos da reação humana frente à perda de um objeto de amor. Por fim, abordamos as tentativas do Ego de superar o sofrimento desencadeado pela separação.
PALAVRAS-CHAVE: Psicanálise. Objeto de amor. Narcisismo. Separação. Sofrimento.
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* Elen de Paula Ferreira é Psicóloga, Psicanalista. Especialista em Clinica Psicanalítica PUC MG. Técnica Social do Programa Mediação de conflitos do Estado de Minas Gerais.
Endereço: Rua Abdênago Lisboa, 159 - Bairro Heliópolis - Belo Horizonte – MG. Tel: 9114-9963. Email:
epferreira84@gmail.com
A separação amorosa: uma abordagem psicanalítica
Psicanálise & Barroco em revista v.8, n.1: 56-97, jul.2010 57

INTRODUÇÃO

O tema da separação amorosa desperta na maioria das vezes grande interesse e curiosidade, uma vez que, a maioria dos seres humanos já sofreu a dor de uma perda amorosa.
Porém tal sofrimento repercute de maneira diferenciada na vida de cada indivíduo.
Pode-se dizer a partir das reflexões propostas por Freud que a paixão se encontra dentre as doenças narcísicas, pois o sujeito busca alcançar sua completude através de um objeto idealizado. Devemos considerar que as relações amorosas da vida adulta têm como modelo às experiências vivenciadas na infância, por isso, o indivíduo revive não só os amores e os cuidados obtidos, mas também o sofrimento e o sentimento de desamparo.
O amor é muitas vezes considerado, pelos seres humanos, como um dos caminhos a serem percorridos na busca pela felicidade, pois, é uma experiência na qual se pode obter a mais intensa experiência referente a uma transbordante sensação de prazer.
Por outro lado, a tentativa de encontrar a felicidade através do amor é fracassada,
uma vez que, justamente quando amamos é que nos achamos mais indefesos contra o sofrimento, e além do mais, quando perdemos o nosso objeto amado ou o seu amor nos sentimos desesperadamente infelizes.
Freud enfatiza que quando o homem escolhe a via do amor sexual como tentativa de encontrar a felicidade, ele se torna dependente de parte do mundo externo de uma maneira bastante perigosa, pois, a dependência do objeto amoroso escolhido, pode causar-lhe um sofrimento extremo caso perca seu objeto.
Considerando o grande número de pessoas que chegam à clínica buscando tratamento analítico em virtude de questões amorosas, podemos constatar que, para a psicanálise,
é de extrema relevância clínica pesquisar sobre o sofrimento humano decorrente da perda de um objeto amoroso.
O objetivo deste trabalho é, portanto, compreender a maneira pela qual os seres humanos vivenciam a separação amorosa e o que faz com que esta separação seja sentida de maneira tão sofrida e dolorosa por muitos. Para a discussão levaremos em consideração os mecanismos utilizados pelo indivíduo na escolha de seu objeto de amor, para que em seguida possamos compreender porque a perda desse objeto resulta em tamanho sofrimento.
Para que esta pesquisa se realizasse dividimo-la em três partes. Na primeira parte foi realizado um estudo, a partir das reflexões propostas por Freud sobre a escolha de um objeto de amor além de abordarmos o sofrimento humano decorrente de suas relações com o outro. Em seguida propusemos algumas discussões de diferentes teóricos a respeito da paixão amorosa.
No segundo tópico, abordamos a partir de Freud, algumas reações humanas diante
da perda de alguém a quem se ama, e também refletimos, tendo como referência o trabalho de Nasio (1997), sobre a dor da separação enquanto dor psíquica.
No terceiro e último item, tratamos de algumas saídas e mecanismos de defesa
adotados pelo Ego, a fim de sobreviver e superar o sofrimento ocasionado pela separação
amorosa. Para tal, enfatizamos a visão metapsicológica adotada pelo psicanalista Igor Caruso
(1981).

A DIMENSÃO NARCÍSICA DO AMOR EM FREUD

Segundo Roudinesco em sua obra Dicionário de Psicanálise (1998), Freud
menciona pela primeira vez o termo narcisismo no ano de 1910 em seu texto Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Neste texto, o autor fala sobre os “invertidos”, termo utilizado pelo autor, uma vez que não usava a palavra “homossexual”.
Freud, no texto citado acima, trata da questão dos “invertidos” dizendo que eles“tomam a si mesmos como objetos sexuais” e a partir do narcisismo, procuram rapazes semelhantes a si próprios, “a quem querem amar tal como sua mãe os amou”.
De acordo com Roudinesco (1998), ainda no ano 1910, Freud em seu ensaio Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância e também em 1911 no estudo feito por ele no caso Schreber, avaliou o narcisismo como um estádio normal da evolução sexual.
Porém, o termo narcisismo adquiriu um valor de conceito em 1914, a partir do texto “Sobre o narcisismo: uma introdução”, onde passou a ocupar um lugar fundamental na teoria do desenvolvimento sexual no ser humano.
Para Roudinesco, foi a partir deste texto de 1914, que se pode falar de um narcisismo primário infantil, que diz respeito à escolha feita pela criança de sua pessoa como objeto de amor, numa etapa que precede a total capacidade de se voltar para objetos externos.
Segundo Freud em Sobre o narcisismo: uma introdução (1914), as escolhas amorosas da vida adulta são uma atualização da relação primária com as figuras parentais. Para o autor, a busca pelo objeto de amor representa uma tentativa do indivíduo de recuperar seu narcisismo infantil perdido a fim retornar à sensação ilusória de onipotência e completude vivenciada em sua relação primitiva com seu cuidador.

Freud aborda a questão da escolha amorosa, já na vida adulta, através da escolha de objeto. Para o autor, existem dois tipos ou duas possibilidades de escolha objetal as quais denominou como tipo anaclítico ou tipo narcisista.
A escolha objetal denominada anaclítica ou de ligação, corresponde ao tipo de escolha relacionada aos amores paternos e/ou maternos imaginários. Em outras palavras, a escolha está relacionada com a mulher que alimenta ao homem que protege e a seqüência de substitutos que ocupam seu lugar.
Para Freud, a escolha objetal anaclítica é característica de indivíduos do sexo masculino. Esse tipo de escolha apresenta uma supervalorização sexual que se origina do narcisismo original da criança e se transfere para o objeto.
Com relação à escolha objetal do tipo narcísica, esta prevalece nos indivíduos de sexo feminino, uma vez que com o amadurecimento dos órgãos na puberdade, o narcisismo primário é intensificado. No caso das mulheres mais belas, o narcisismo é aumentado, o que é desfavorável para estabelecer-se uma verdadeira escolha objetal acompanhada de uma supervalorização sexual do objeto. Freud ressalta que, a necessidade destas mulheres aponta não no sentido de amar, mas de serem amadas.
Entretanto, Freud enfatiza que a preferência por um tipo de escolha objetal não exclui a possibilidade de a outra se manifestar. Ambas podem se apresentar, embora possa haver uma predominância de um ou de outro tipo. Ou seja, não existe um tipo específico de escolha para cada indivíduo. Existem muitas mulheres que amam no modelo masculino, apresentando inclusive a supervalorização sexual do objeto (que se encontra facilmente nos homens). As mulheres são capazes de amar também de forma anaclítica quando são mães.

Segundo Freud, mesmo as mulheres que apresentam uma predominância da escolha narcísica, existe uma outra via que as leva ao amor objetal completo, elas também são capazes de amar de forma anaclítica quando são mães. Neste caso, elas investem libidinalmente em seus filhos como se eles fossem uma extensão de seu próprio corpo.
Apesar de Freud distinguir as escolhas de objeto em anaclítica e narcísica, podemos perceber um paradoxo, uma vez que, as duas escolhas são marcadas pelo narcisismo infantil, além do que em ambas existe uma idealização do objeto a fim de recuperar o narcisismo perdido.
De acordo com Freud, o ser humano tem originalmente dois objetos sexuais: ele próprio e a mulher que cuida dele. Com isso, ele postula a existência de um narcisismo primário em todos os indivíduos, mesmo que em alguns casos ele se manifeste de maneira predominante.
Podemos dizer que, o outro é um objeto que funciona como um complemento ao narcisismo de cada indivíduo, pois sustenta sua onipotência narcísica, seja através dos cuidados e da proteção ou por refletir e sustentar sua imagem narcísica.
Tratando-se da paternidade, esta projeção narcísica também ocorre. A criança é supervalorizada pelos pais que atribuem a ela todas as perfeições, como uma tentativa de compensar as suas próprias deficiências.
O amor dos pais, tão comovedor e no fundo tão infantil, nada mais é senão o narcisismo dos pais renascido, o qual transformado em amor objetal, inequivocadamente, revela sua natureza maior. (Freud, Ibid., p. 98)

Assim, é a partir da idealização dos pais, que são transmitidas ao sujeito através de
seu discurso, juntamente com as influências de pessoas de seu convívio como educadores e a
sociedade ao qual está inserido é que se desenvolve o que Freud denominou de “ideal do eu”.
Para Freud, o “Ideal do Eu” pode ser compreendido como uma instância psíquica de origem narcísica e é constituído não somente por influências paternas, mas também da sociedade, servindo de referência ao eu para admirar as suas realizações efetivas. Podemos dizer que o Ideal do Eu funciona como um mediador da relação entre o Eu e o Eu Ideal.
O “Eu Ideal” por sua vez, é uma formação essencialmente narcísica, constituída a partir da relação especular entre a criança e a mãe. Apesar de ser um ideal impossível de ser alcançado, a busca pelo Eu Ideal se faz através dos Ideais do Eu. Mas também, para que o ego se desenvolva, é necessário que ocorra um afastamento do narcisismo primário.
Na tentativa deste afastamento, o Eu se desenvolve e a libido se desloca em direção ao ideal do eu, que tem influência externa e oferece condições possíveis de realização.
Desse modo, o indivíduo encontra para si um lugar onde passa a se enxergar como um sujeito passível de ser amado, na medida em que satisfação determinadas exigências impostas pela sociedade.
Segundo Freud, a idealização é um processo psíquico que diz respeito ao engrandecimento das qualidades e valores do objeto. Em determinados casos, pode ocorrer até mesmo uma elevação à condição de perfeição.
Pode-se dizer que é essa supervalorização do objeto é que dá origem a paixão.
Esta por sua vez, implica em um fluir da libido do Eu em direção ao objeto, acarretando com isto um empobrecimento libidinal do eu em detrimento do predomínio da libido objetal.

O estar apaixonado consiste num fluir da libido do ego em direção ao objeto. Tem o poder de remover as repressões e de reinstalar as perversões. Exalta o objeto sexual transformando-o num ideal sexual. Visto que com o tipo objetal (ou tipo de ligação), o estar apaixonado ocorre em virtude da realização das condições infantis para amar, podemos dizer que qualquer coisa que satisfaça essa condição é idealizada. (Freud, Ibid., p. 107)
De acordo com Freud, a paixão se encontra dentre as doenças narcísicas, pois o
sujeito busca alcançar sua completude através de um objeto idealizado. Considerando que as
relações passionais têm como modelo às experiências vivenciadas na infância, o sujeito revive
em suas relações amorosas, não só os amores e os cuidados obtidos na infância mas, também, as dores, o fracasso e o sentimento de desamparo. Freud (1930) em seu texto O mal-estar na civilização, volta a tratar a questão sobre o amor considerando-o como um dos caminhos trilhados pelos seres humanos na busca pela felicidade.

Segundo Freud (1930), a vida proporciona muitos sofrimentos e decepções ao ser humano e como tentativa de suportar ou amenizar tal sofrimento criam-se algumas medidas paliativas, que são: “derivativos poderosos, satisfações substitutivas e substâncias tóxicas”.
Ainda segundo Freud, nós seres humanos somos ameaçados pelo sofrimento a partir de três aspectos. O primeiro deles relaciona-se ao fato de o nosso corpo ser condenado à decadência e a dissolução; o segundo diz respeito às forças de destruições esmagadoras e impiedosas do mundo externo que podem voltar-se contra nós; e o terceiro, que talvez seja a fonte de mais intenso sofrimento, corresponde aos nossos relacionamentos com os outros homens.

De acordo com Freud, o comportamento do homem não deixa dúvidas de que o propósito de sua vida é obter a felicidade e permanecer neste estado. Para que isso ocorra, existem duas metas a serem cumpridas. A primeira meta, que pode ser considerada como sendo negativa, diz respeito ao fato de evitar qualquer sofrimento e desprazer. A meta positiva, por sua vez, corresponde à obtenção de intensos sentimentos de prazer.
Dessa maneira, podemos dizer que nossas possibilidades de felicidade são bem mais remotas que as de infelicidade, uma vez que esta é experimentada com muito mais facilidade.
Segundo Freud, existe uma técnica de viver na qual os seres humanos persistem com o objetivo de buscar a felicidade do modo como a encontraram pela primeira vez. Estamos falando aqui do modo de vida que coloca o amor como o centro de tudo, que visa a satisfação em amar e ser amado.
A mais intensa experiência referente a uma transbordante sensação de prazer vivida pelos seres humanos, refere-se a uma das formas na qual o amor se manifesta, o amor sexual.
Porém, a tentativa ilusória de encontrar a felicidade através do amor é fracassada, uma vez que, justamente quando amamos é que nos achamos mais indefesos contra o sofrimento, e além do mais, quando perdemos o nosso objeto amado ou o seu amor nos sentimos desesperadamente infelizes.
Para Freud o Ego pode ser considerado como sendo autônomo, único e
aparentemente mantém suas linhas demarcadoras bem nítidas, até mesmo por ter uma função de mediador entre as exigências instituais do organismo e as condições do ambiente externo.
Porém, devemos considerar que existe um estado em que ele não se apresenta dessa maneira.

Quando o sentimento de amor está em seu auge, a separação entre o Ego e o objeto ameaça desaparecer. Neste caso, um homem que se encontre apaixonado é capaz de afirmar que ele e o objeto amado são um só e agir como se isso fosse um fato.
Freud enfatiza que quando o homem escolhe a via do amor sexual como tentativa de encontrar a felicidade, ele se torna dependente de parte do mundo externo de uma maneira bastante perigosa, pois, a dependência do objeto amoroso escolhido, pode causar-lhe um sofrimento extremo, caso seja rejeitado ou perca seu objeto seja pela infidelidade ou pela morte.

Segundo Freud (1930) cada ser humano tem de descobrir por si mesmo qual o caminho a ser seguido em busca da felicidade. Isso é uma questão de quanta satisfação real ele deve esperar do mundo externo, de até onde pode ser levado a fim de tornar-se independente dele, e, por fim, da quantidade de força disponível para alterar o mundo e adaptá-lo a seus desejos.
O autor ressalta que, qualquer escolha que seja levada a um extremo pode expor o sujeito a perigos, uma vez que, uma técnica de viver escolhida como exclusiva pode-se mostrar como sendo inadequada.
Como foi visto até o momento, as escolhas objetais da vida adulta representam uma atualização das experiências amorosas parentais vivenciadas na infância. Portanto, o redimensionamento dessas experiências infantis, exercerão um papel extremamente importante no que diz respeito às relações amorosas que serão estabelecidas ao longo da vida do sujeito.
Podemos observar que, na tentativa infindável de busca pela felicidade, muitos seres humanos escolhem a via do amor. Por outro lado, esta opção, não atende as expectativas de felicidade daquele que a escolheu, uma vez que é justamente, como nos lembra Freud, quando se encontra apaixonado é que o homem se sente mais frágil e inseguro devido à possibilidade de perda de “seu” objeto de amor.
Assim, a partir das idéias propostas até o momento traremos agora algumas reflexões mais específicas sobre a paixão amorosa, a fim de compreendermos melhor este estado no qual muitos indivíduos acreditam, equivocadamente, ser o caminho onde encontrarão a felicidade.

REFLEXÕES SOBRE A PAIXÃO

Traremos neste tópico algumas reflexões de diferentes teóricos sobre a “paixão”, a fim de compreendermos melhor porque esse caminho promissor de felicidade é causador de vários sofrimentos.
Primeiramente descreveremos algumas concepções que tratam mais especificamente dos significados da palavra “paixão” para em seguida refletirmos sobre as repercussões deste estado de apaixonamento na vida humana.
De acordo com Manoel T. Berlinck (1997) em O que é psicopatologia fundamental, podemos dizer que a dimensão psicopatológica da paixão se sobressai na medida em que revela o laço passional com o sentimento de desamparo, próprio da condição humana. No que diz respeito a essa dimensão, a palavra paixão, vem do termo grego pathos e deste termo, originam-se também as palavras “passividade” e “sofrimento”. Por outro lado, “patologia” corresponde ao estudo (logos) das paixões (pathos).

Tendo Berlinck como referência podemos dizer que, a paixão consiste em um estado de passividade que se converge a uma abertura devido ao sofrimento, que por sua vez, mobiliza para uma mudança do sofrer para o agir.
Para Pereira (2000), em seu trabalho A paixão nos tempos do DSM: sobre o recorte operacional do campo da psicopatologia, tendo como referência as raízes gregas, a palavra psicopatologia refere-se a um discurso racional sobre os padecimentos ou paixões que são próprios da alma.
Segundo o autor, o termo grego pathos, pode ser analisado a partir de duas dimensões. Na primeira delas pode-se considerar o termo como a condição de estar passivamente afetado por algo da ordem da paixão, que movimenta o sujeito em uma busca. Na segunda dimensão, pathos é um estado de sofrimento, de padecimento que dá sentido e orienta as ações humanas. O objetivo de relacionar a paixão à concepção de pathos não tem como finalidade defini-la com uma doença, mas sim, a partir de seu caráter de excesso, desmedida e transbordamento, o que facilitará o nosso entendimento a respeito da repercussão desse estado na vida do indivíduo.
Tendo como referência as reflexões propostas por Gori (2004) em sua obra Lógica das paixões, podemos dizer que quando alguém se diz apaixonado automaticamente está assumindo, mesmo sem saber, a disposição para o sofrimento. De acordo com Gori (2004), o sofrimento denominado pela palavra paixão dizia respeito ao sofrimento corporal, atualmente, a palavra descreve o sofrimento moral no qual a alma é acometida. Desse modo, etimologicamente, a paixão é sinônima de sofrimento e suas conseqüências são evidentes.

Atualmente a palavra “paixão” não representa somente o sofrimento mas principalmente a idéia de que, o individuo que se encontra imerso neste estado de apaixonamento está tomado, contra sua vontade, por um objeto que afirma não poder se privar.
Ainda segundo Gori (2004) o indivíduo que é fisgado pela paixão perde o controle de seus próprios pensamentos e atitudes, fazendo com que, aos olhos dos outros e aos seus próprios olhos pareça perder o controle sob si mesmo. Tanto para o apaixonado, quanto para as pessoas de seu convívio as causas desse drama em que se encontram são desconhecidas e na maioria das vezes o máximo que podem fazer é sofrer as conseqüências dessa tragédia psíquica ou tentar reduzir seus danos e destruições. O individuo que é acometido pela paixão e a ela se entrega, fica exposto ao risco do abandono. Porém, esse sentimento de abandono não é novo e a terrível sensação de desamparo vivenciada pelos apaixonados que se denominam abandonados não são conseqüência da paixão, mas sim de uma “paixão originária” da qual o individuo não se recorda.
Dessa forma, o estado de desamparo, no qual o apaixonado se encontra após a separação, deve ser considerado como originário, precedente ao surgimento da paixão amorosa, por isso, “a se-paração não resulta da paixão, ela a convoca”. (Ibid., p. 37)
Sendo assim, podemos dizer que a paixão na vida adulta nasce a partir de uma perda. Esta, tratada anteriormente neste capítulo, diz respeito à perda do narcisismo infantil.
Dessa maneira, [...]este “estado da paixão amorosa”, tal como observa Freud, como o ressurgimento de um sentimento anteriormente vivido, que, contrariamente àquilo de que testemunha energicamente o interessado, evidentemente não é novo para ele. (Ibid., p.31)

Podemos dizer que a paixão se relaciona com o sofrimento. Deste modo, o indivíduo que se encontra enamorado deve se preparar para o sofrimento e a dor que o espera caso se separe de seu objeto de amor. Este acontecimento deve-se ao fato de que a separação amorosa adulta nos remete a perda do narcisismo da infância que, apesar de não nos recordarmos,
foi bastante doloroso, mas por outro lado, funcionou como condição fundamental ao
desenvolvimento de nosso psiquismo.
Vimos também que a paixão é marcada pelo seu aspecto de intensidade, desmedida, fato que nos leva a constatar que esse caráter de excesso é um dos fatores que faz com que a perda do objeto amoroso provoca nos seres humanos um sofrimento também muito intenso.
A partir das reflexões realizadas até o momento, referentes à maneira como se dão as escolhas objetais amorosas da vida adulta, propomos que no próximo item seja abordada a reação humana frente a perda de seu objeto de amor.

A PERDA DO OBJETO DE AMOR E SUAS REPERCUSSÕES

No tópico anterior abordamos a questão da escolha objetal amorosa enquanto uma escolha narcísica, uma atualização dos amores infantis. Uma outra discussão proposta foi com relação ao sofrimento vivenciado pelos seres humanos, decorrente dos relacionamentos com outras pessoas e principalmente no que diz respeito às relações amorosas. Foi tratada também a questão da paixão, abordando o seu caráter de excesso e causa de sofrimento.
Neste item discutiremos, inicialmente a partir das reflexões propostas por Freud e depois com a contribuição de outros teóricos, a reação humana frente à perda e/ou separação de seu objeto amoroso.
De acordo com Freud (1917) em Luto e melancolia, o luto se refere à reação a perda de um ente querido ou a perda que de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido como o país, a liberdade ou o ideal de alguém. Já a melancolia, tem como traços mentais marcantes o desânimo profundamente penoso, a cessação de interesse pelo mundo externo, perda da capacidade de amar, inibição de toda e qualquer atividade, e uma diminuição considerável da auto-estima que resulta numa expectativa delirante de punição. Em algumas pessoas, os mesmos acontecimentos podem produzir melancolia ao invés de luto, porém, existe uma suspeita de que essas pessoas possuem uma disposição patológica.
Freud ressalta que embora o luto acarrete vários afastamentos daquilo que é considerado como uma atitude normal diante da vida, jamais deve ser considerado como sendo uma condição patológica. Acredita-se que o luto seja superado depois de determinado tempo, e considera-se prejudicial qualquer interferência em relação a ele.
A reação à perda de uma pessoa amada (luto), constitui um mesmo estado de espírito com relação à melancolia. Perda de interesse pelo mundo externo, incapacidade de adotar um novo objeto de amor, afastamento de toda e qualquer atividade que não esteja ligada a pensamentos sobre o objeto perdido. Porém, a única característica que é inexistente no processo do luto, mas que é encontrada na melancolia é a perturbação da auto-estima.
Freud descreve em seu texto o trabalho realizado pelo luto. Para ele, o teste de realidade, revela que o objeto amado não existe mais, exigindo assim que toda libido seja retirada de suas ligações com tal objeto. É de se esperar que a posição libidinal em questão não será abandonada tão facilmente. Esta dificuldade em deixar tal posição libidinal pode ser tão intensa, a ponto de dar lugar a um desvio de realidade e a um apego ao objeto por intermédio de uma psicose alucinatória. Deve-se ressaltar que normalmente prevalece o respeito pela realidade, além de que quando o trabalho do luto se conclui, o ego fica novamente livre.
Na melancolia, ao contrário do luto, existe uma perda objetal retirada da consciência. “O sujeito melancólico sabe quem ele perdeu, mas não o que perdeu nesse alguém”. (p. 251) Uma outra diferença marcante entre os dois conceitos é que no luto o mundo externo torna-se pobre e vazio, já na melancolia o próprio ego é apresentado como sendo algo que se tornou vazio, desprovido de valor, incapaz de qualquer realização e moralmente desprezível.
Constata-se também um quadro de delírio de inferioridade no qual o sujeito se degrada perante todos esperando ser punido, além de insônia e recusa a se alimentar.
De acordo com Freud (1917), ao considerarmos o quadro clínico da melancolia, podemos constatar uma insatisfação com o Ego. Este fato, acarreta uma auto-depreciação por parte do sujeito. É importante neste caso observar que as auto-acusações feitas por um melancólico se encaixam realmente a outra pessoa, alguém que ele ama ou amou. Assim, pode-se dizer que as auto-recriminações são na verdade recriminações feitas a um objeto amado, que foram deslocadas para o próprio ego do indivíduo melancólico.
A auto-depreciação por parte do melancólico pode ser explicada da seguinte maneira: o individuo realiza uma escolha objetal, liga sua libido a determinada pessoa. Em um dado momento surge um desapontamento, a relação objetal é despedaçada e daí surge à necessidade de que a libido investida nesse objeto se desloque para outro. Porém, em alguns casos, a libido livre não é deslocada para outro objeto, mas sim retirada para o Ego, resultando em uma identificação deste com o objeto abandonado. Para Freud, [...]uma perda objetal se transformou numa perda do ego, e o conflito entre o ego e a pessoa amada, numa separação entre a atividade crítica do ego e o ego enquanto alterado pela identificação. (Ibid., p. 255)
Freud (1917) aponta para duas inferências com relação às precondições e aos efeitos do processo descrito acima. Por um lado, pode ter ocorrido uma forte fixação no objeto amado, a outra inferência, em contradição à primeira, é que a catexia objetal deve ter tido pouco poder de resistência.
A melancolia é como o luto, com relação à perda real de um objeto amado, porém, é marcada por um determinante que transforma esse luto em algo patológico. Considerando a perda do objeto de amor devido a sua morte física, na melancolia, as situações que ocasionam a doença extrapolam um caso nítido de perda por morte, abarcando situações de desconsideração, desapontamento e desprezo, que podem gerar sentimentos opostos de amor e ódio, ou reforçar alguma ambivalência que já existia.
A partir das reflexões de Freud, podemos considerar que o objeto pode ser renunciado, mas o amor por ele não, quando esse amor se refugia na identificação narcisista, o ódio entra em cena degradando esse objeto substitutivo e satisfazendo-se sadicamente de seu sofrimento. Esse sadismo pode justificar a tendência ao suicídio por parte do melancólico. O amor do Ego por si é tão grande que se pode reconhecer aí o estado primeiro de onde provém à vida instintual. A quantidade de libido narcisista liberada em uma situação de ameaça a vida é tão grande que se torna inconcebível o fato desse ego consentir seu próprio aniquilamento.
A partir da análise da melancolia realizada por Freud, podemos chegar a conclusão que o Ego só pode se matar se for capaz de tratar a si mesmo como um objeto, se puder dirigir a
si a hostilidade relacionada a um objeto. Desde a escolha objetal narcísica, o objeto se revela
como mais poderoso que o próprio ego. Mesmo que seja de maneiras distintas, tanto nas
situações de paixão intensa ou de suicídio, o Ego é dominado pelo objeto.
Vimos até agora como o sofrimento ocasionado pela perda de um objeto de amor pode ser tão avassalador podendo ser, muitas vezes, patológico. Mesmo que, posteriormente, Freud tenha abandonado a idéia da diferença entre luto normal e patológico (melancolia), suas reflexões contribuíram enormemente na medida em que possibilitou-nos pensar sobre o impacto da perda desse objeto na vida dos indivíduos.
Devemos nos lembrar que a proposta deste trabalho é tratar do sofrimento ocasionado pela separação amorosa de pessoas que estão vivas. Porém, mesmo que Freud, em Luto e melancolia, aborde mais especificamente a separação de um objeto de amor ocasionada pela morte física de um deles foi de extrema importância as contribuições de seu trabalho para que pudéssemos compreender melhor a reação humana diante de uma perda.Partindo dessa linha de pensamento, daremos continuidade ao trabalho propondo
uma reflexão mais específ ica com relação ao sentimento de “dor” vivenciado pelos indivíduos a partir da separação.

A SEPARAÇÃO ENQUANTO DOR PSÍQUICA

No item anterior foi abordado o processo de luto vivido pelo indivíduo após a separação de seu objeto de amor. Vimos também que Freud a princípio considerava que a vivencia da separação poderia ser tão dolorosa e destrutiva a ponto de ser considerada como uma patologia (melancolia).
Neste tópico, a idéia é de que possamos refletir um pouco sobre a separação amorosa, considerando-a como causadora de uma dor em nosso psiquismo. Para isso, teremos como principal referência o teórico Nasio (1997) e sua obra O livro da dor e do amor. De acordo com o psicanalista, podemos considerar a dor da separação como dor psíquica.
A dor psíquica é dor de separação, sim, quando a separação é erradicação e perda de um objeto ao qual estamos tão intimamente ligados – a pessoa amada, uma coisa material, um valor ou a integridade do nosso corpo – que esse laço é constitutivo de nos próprios. (p. 18) Segundo Nasio, a dor psíquica pode ser compreendida como um sentimento difícil de definir, é obscuro, mal pode ser apreendido uma vez que escapa a razão. Entretanto, seu surgimento deriva-se de um processo bastante complexo que pode ser delineado da seguinte maneira: primeiramente, surge uma dor própria da ruptura, em seguida uma dor inerente ao estado de comoção psíquica desencadeado pela ruptura e por fim, uma dor provocada pela defesa reflexa do eu em resposta ao transtorno.
O nosso aparelho psíquico é regido pelo principio do prazer, que tem como função regular a intensidade das tensões pulsionais a fim de torná-las toleráveis. Porém, caso ocorra uma ruptura repentina com o ser amado, as tensões se desencadeiam e o principio de prazer torna-se ineficaz. Assim, o eu, que antes era voltado para o interior, podia sentir sensações de prazer e desprazer; após a ruptura, o que o eu percebe em ser interior é o transtorno das tensões incontroláveis, que podem ser denominadas como dor.
Apesar de dor e desprazer pertencerem à mesma categoria de sentimentos dolorosos, existe uma diferença nítida entre eles. Enquanto o desprazer manifesta a autopercepção pelo eu de um alto grau de tensão, mas que é possível de ser controlado, a dor representa a  autopercepção de uma tensão totalmente fora de controle inserida em um psiquismo transtornado. O desprazer é pois uma sensação que reflete na consciência, um aumento de tensão pulsional, aumento submetido às leis do principio do prazer. Em
contrapartida, a dor é o testemunho de um profundo desregramento da vida psíquica que escapa ao principio do prazer. (Ibid., p. 22)
A dor psíquica pode ser compreendida como o afeto resultante do rompimento inesperado do laço que nos une ao ser que amamos (Ibid.). Assim, podemos dizer que esta dor se localiza na ligação entre aquele que ama e seu objeto de amor.
Considerando o ponto de vista metapsicológico, a dor é considerada como dor do trauma, uma vez que refere-se à percepção do eu, retratada na consciência, do estado traumático de comoção pulsional causado pela ruptura do laço que nos liga ao objeto que elegemos. Deste modo, podemos dizer também que a dor é uma reação. A dor psíquica é o afeto que traduz na consciência a reação defensiva do eu quando, sendo comocionado, ele luta para se reencontrar. (p. 28)
Frente à tensão pulsional ocasionada pela perda do objeto de amor o eu volta todas as suas forças vivas para a representação psíquica do objeto perdido, ocupando-se totalmente em manter viva a imagem mental desse objeto. Deste modo, a dor relacionada à perda de um objeto de amor é conseqüência do afastamento existente entre o eu enfraquecido e a imagem excessivamente viva desse objeto perdido.
Segundo Nasio (1997), a reação do Eu contra o sofrimento ocasionado pela perda se divide em dois momentos: o primeiro deles é o de desinvestimento, que corresponde ao esvaziamento do eu por uma perda súbita de energia; o segundo momento, diz respeito ao superinvestimento, onde toda energia será concentrada em uma exclusiva imagem psíquica.
Ao pensarmos no processo de luto, tratado por Freud, perceberemos que tal processo segue um movimento oposto ao da reação defensiva do eu. Enquanto esta diz respeito a um superinvestimento da representação do objeto perdido, o luto, por se tratar de uma redivisão da energia psíquica que estava direcionada a uma única representação, corresponde a um desinvestimento gradual de tal representação.
O Eu fica dilacerado entre o imensurável amor pela imagem do objeto que se perdeu e a constatação lúcida da falta real desse objeto. O despedaçamento, que antes se situava
entre o amor excessivo dedicado a uma imagem (contração) e o esvaziamento, agora se localiza entre a contração e o reconhecimento do caráter irremediável da perda. Deste modo, o eu ama o objeto que permanecesse vivo em seu psiquismo, e, ao mesmo tempo sabe que ele não retornará. O que dói não é perder o ser amado, mas continuar a amá-lo mais do que
nunca, mesmo sabendo-o irremediavelmente perdido. Amor e saber se separam. O eu fica esquartejado entre um amor que faz o ser desaparecido reviver, e o saber de uma ausência incontestável. (p. 30)
Segundo nosso autor, muitas vezes, na tentativa de amenizar a dor causada por essa ambiguidade, da presença do outro que ainda vive em mim e sua ausência real, temos a tendência em negar a realidade, não aceitando o desaparecimento do ser amado. Essa negação da perda é em certos momentos tão persistente que a pessoa que está vivendo esse luto chega a ponto de quase enlouquecer. Porém, depois que esse momento de negação passa, a dor retorna com a mesma vivacidade de antes.
Com o intuito de esclarecer quem é esse outro eleito por nós, cuja perda causa tamanha dor, podemos iniciar a discussão com a seguinte afirmação: “O amado cujo luto devo realizar é aquele que me satisfaz parcialmente, torna tolerável minha insatisfação e recentra o meu desejo” (p. 34).
A partir das reflexões propostas por Nasio, podemos dizer que maioria das vezes, as pessoas atribuem a seus parceiros o poder de satisfação de seus desejos e também de proporção de prazer. Tem-se a ilusão de que o parceiro amoroso pode dar-lhe mais do que lhe privar. Porém, o papel do ser amado, em nosso inconsciente, é restritivo, uma vez que é ele que exerce a função castradora de colocar limite a satisfação. Ele garante nossa consistência psíquica não pela satisfação que propicia, mas sim pela insatisfação que faz surgir. O nosso objeto de amor nos causa insatisfação porque do mesmo modo em que provoca nosso desejo, ele não satisfaz plenamente. Ele causa excitação, proporciona um gozo parcial e, exatamente por isso, gera insatisfação. Assim, o desejo volta a ser centrado e a insatisfação necessária à vida é garantida.
Na tentativa de responder quem é esse ser que amamos, retomemos Luto e melancolia. Neste texto, Freud considera que a pessoa que vivencia o luto desconhece o valor intrínseco do objeto de amor perdido. “A pessoa enlutada sabe o que perdeu, mas não sabe o que perdeu ao perder o seu amado”. Desse modo, o amado não é apenas uma pessoa, mas principalmente uma parte inconsciente de nós mesmos que desmoronará caso esse objeto seja perdido.
Todos os objetos eleitos por nós são ao mesmo tempo tão íntimos, tão mandantes do nosso desejo que o processo que os torna consistente em nosso inconsciente é vivenciado de uma maneira praticamente imperceptível. Somente no momento em que perdemos esse objeto ou somos ameaçados de perdê-lo é que sua ausência revela de maneira bastante dolorosa a intensidade dessa ligação.
Segundo Nasio, para que possamos compreender o que faz com que um ser humano sofra tão fortemente em decorrência de uma separação, é necessário demarcar bem definidamente o campo do amor, para que depois disso se chegue a uma nova definição psicanalítica da dor. O processo do amor se decompõe em duas etapas, nas quais, transformamos “um
outro exterior em um duplo interno”. A primeira etapa corresponde ao processo de sedução que uma pessoa pode provocar em nosso desejo. A segunda, diz respeito à resposta que damos a esta sedução, na medida em que nos apegamos a esta pessoa e a incorporamos fazendo com que ela seja uma parte de nós.
Posteriormente, cobrimos esta pessoa com várias imagens sobrepostas, cheias de amor, ódio ou angústia e a fixamos de maneira inconsciente, através de várias representações
simbólicas, ligadas a uma característica sua que nos marcou. Todas essas imagens e significantes que fazem essa ligação entre o amado a mim e o transforma em “duplo interno”, podem ser chamadas de fantasia.
A fantasia é o nome que damos a sutura inconsciente do sujeito com a pessoa viva do eleito. Essa sutura operada no meu inconsciente é uma liga de imagens e de significantes vivificada pela força real do desejo que o amado suscita em mim, e que eu suscito nele, e que nos une. (p. 40)
A fantasia do amado tem como função impedir o desejo de chegar à satisfação plena. É ela quem instala a insatisfação e garante a estabilidade do aparelho inconsciente. Desse modo, podemos dizer que a fantasia nos protege do que seria o caos pulsional, ou seja, o risco que ocasionaria uma agitação desmedida do desejo.
O ser amado, por sua vez, existe de duas maneiras: a primeira delas, enquanto umindivíduo, um ser vivo no mundo, fora de nós. A segunda maneira, diz respeito à presença desse ser amado, em nós, de forma fantasiada. Pode-se dizer que dessas duas maneiras, a fantasiada que prevalece, uma vez que a maior parte dos sentimentos experimentados por nós, referentes ao objeto amado é determinado pela fantasia. É esta, juntamente com as representações simbólicas inconscientes que fazem com que o laço de amor com o objeto seja delimitado.
Podemos concluir a partir das reflexões propostas neste item, que a dor causada
pela separação funciona como uma dor psíquica na medida em que, devido a uma ruptura
repentina com o ser amado, ocorre um desregramento da vida psíquica e um aumento da tensão pulsional.
A dor funciona também como uma reação de defesa do Eu que diante da perda de
seu objeto de amor luta para se reencontrar. Neste sentido é necessário que toda energia antes investida no objeto seja retirada imediatamente e em seguida direcionada para o Eu. Se a dor psíquica é compreendida como o rompimento do laço que une duas pessoas que se amam, pode se dizer que a dor se localiza entre o individuo que ama e seu objeto de amor.
Devemos considerar que uma das maiores dificuldades para que a elaboração do
sofrimento resultante da separação amorosa seja realizada é que apesar de não existir mais nada que ligue aquele que ama ao seu objeto, a presença deste ainda se mantém na consciência daquele. Fazendo com que o individuo tenha que “matar” dentro de si a imagem daquele objeto ora idealizado por ele. Porém, o processo de elaboração do sofrimento resultante da perda do amado (luto) é gradativo e pode ser superado depois de determinado tempo (Freud, 1917).
Após o trajeto percorrido neste capitulo que abordou a reação do individuo diante da perda de seu objeto de amor e a dor psíquica que esta separação provoca. Trataremos no capítulo seguinte as saídas e os mecanismos de defesa adotados pelo Ego para superar o sofrimento.

AS SAÍDAS ADOTADAS DIANTE DA SEPARAÇÃO

No tópico anterior abordamos o processo de luto realizado pelo Ego diante da perda amorosa. Vimos também como o sofrimento repercute em nosso psiquismo podendo ser considerado como uma “dor psíquica”.
Neste item, trataremos dos tipos de sentimentos e manifestações vivenciadas pelos indivíduos após a separação de seu objeto de amor e quais as tentativas e mecanismos utilizados para que o sofrimento decorrente desta separação seja superado. Para tal, optamos por enfatizar as reflexões trazidas por Caruso (1981). Esta opção se deu devido à importância da visão metapsicológica fornecida pelo autor através de sua obra, como também a relevância de seus estudos com casais reais.
Podemos considerar que um objeto de amor é um elemento de identificação muito forte e quando a separação acontece, ocorre de fato uma mutilação do Ego. É como se o indivíduo perdesse sua identidade, fato que resulta na maioria das vezes em um grande desespero que se manifesta através de casos de depressão, agressividade e até mesmo suicídio e crimes passionais. Em um processo de separação, a sintonia existente entre o Ego de um dos amantes com o Ego do outro é ameaçada de maneira radical. Assim, a reciprocidade que existia anteriormente de um Ego para o outro se transforma em um processo independente e muitas vezes contraposto. Essa é uma das causas da fragilidade que na maioria das vezes assusta os indivíduos que vivenciam a separação. Podemos dizer que a separação funciona como uma “eclosão da morte psíquica na vida dos seres humanos” (Caruso, 1981). A separação repercute na consciência humana como a morte em seu sentido literal.
O sujeito tem que conviver com a dor desta morte devido à necessidade de sobreviver a ela e para garantir sua sobrevivência é necessário que faça com que o outro que vive dentro de si morra, além de ter que lidar com uma questão bastante dolorosa que é a de viver sua própria morte na consciência do outro. Ainda que o sujeito esteja vivo, ele é apenas um cadáver no outro. Assim, ambos os amantes pagam determinado preço, pois ao matar simbolicamente o Ego do outro, o próprio Ego também é destruído. Caruso (1981) ressalta que muitos amantes cometem suicídio para se livrarem da dor da separação. Para o autor, devemos considerar que a separação causa uma catástrofe na vida do casal, e a passagem ao ato, seja através do suicídio ou do assassinato do amante, pode representar uma incapacidade do indivíduo de se defender do caráter mortal da separação.
O processo de desidentificação com o outro acontecerá de maneira gradativa, pois se uma parte do Ego aparentemente se desvinculou, o Ego mutilado tem sua identidade perdida por um tempo. Quando a separação amorosa ocorre, o ego se angustia por um lado, mas por outro, se defende contra a angústia.
Durante esse processo de defesa, acontecem vários fenômenos que se assemelham aos mecanismos de defesa do Ego descritos por Anna Freud em O Ego e os mecanismos de defesa. Anna Freud em seu trabalho ressalta que enquanto a repressão tem como objetivo anular a pressão dos instintos que perturba a partir de dentro, a negação tem como finalidade paralisar a influência da realidade externa. O Ego a fim de recuperar sua capacidade de vida após a separação, utiliza estratégias de fuga e de defesa. Estas são divididas pelo autor em “regressivas” e “progressivas”, uma vez que, a fim de se recuperar o Ego realiza, primeiramente, um movimento de recuo para depois expandir.
Os critérios utilizados sejam para a “progressão” ou para a “regressão”, são bastante ambíguos, uma vez que, não dependem somente do ponto de vista genético, mas também, do ponto de vista social (Caruso, 1981). Assim, enquanto no aspecto genético, o Ego está em constante desenvolvimento ou retrocesso, as normas que regem esta oscilação, são de natureza social, pois o principio de realidade está instalado no mundo humano.
Pode-se dizer a partir das reflexões de Caruso que, por mais que o Ego adote medidas “progressivas” ou “regressivas”, o que existe é uma tentativa de encontrar uma nova identidade, pois o modo de vida anterior que era proporcionado pela união com o outro foi rompido, tornando o Ego “mutilado”. Neste sentido, para que encontre seu “lugar no mundo”, o Ego terá que construir novos ideais e trilhar por novos caminhos, mas por outro lado, deverá se sentir idêntico ao Ego anterior, e para que isto seja possível, deverá manter fora de si o principal daquilo que acaba de morrer. Esta última medida a ser adotada pelo Ego é a mais difícil, uma vez que, se o corte causado pela separação for muito profundo, o Ego pode perder toda a sua autoestima e confiança.
A partir das reflexões propostas até o momento, trataremos agora mais especificamente das forças de defesa, enumerados por Igor Caruso (1981), que são adotadas pelo Ego na tentativa de sobreviver à tragédia causada pela separação.

FORÇAS DE DEFESA DO EGO: UMA TENTATIVA DE SOBREVIVER À
SEPARAÇÃO

A finalidade de expor os mecanismos de defesa do Ego se deve ao fato da importância em perceber o esforço realizado pelo Ego para que a morte do amado na consciência daquele que ama, não se transforme em uma morte da consciência ou em uma morte física.
O autor ressalta que seu objetivo não é o de expor um esboço dos mecanismos de defesa, mas sim, de apresentar as defesas adotadas pelo Ego em uma circunstância bem específica, o da separação. Esses mecanismos não são totalmente separados como serão apresentados e muito menos possuem uma ordem cronológica. Eles se misturam e em alguns momentos podem até mesmo ficar em situação de embate.
Caruso denomina a agressividade como sendo o primeiro mecanismo de defesa adotado pelo Ego após a separação. Para o autor, a agressividade faz com que surja uma desvalorização do objeto perdido. Por mais que a consciência fizesse o registro de aspectos negativos daquele que se foi, na realidade ele correspondia fortes expectativas do Ideal de Ego.
Assim, sua imagem deve ser desvalorizada para que o Ego se reconcilie com um Ideal de Ego abalado e possa sobreviver.
Podemos dizer, a partir das reflexões propostas por Caruso (1981) que a agressividade pode ser considerada um mecanismo de defesa, uma vez que faz com que o amor se transforme em ódio possibilitado assim, uma desidentificação com o objeto que se foi. Trata-se de uma maneira mais segura de fazer com que a morte do objeto de amor na consciência seja definitiva, além de aceitável para o Ego.
Outro mecanismo de defesa adotado pelo Ego é a indiferença. Segundo o autor, durante as reações à separação por ele examinadas pode-se observar curtos períodos de indiferença. Este mecanismo pode ser traduzido através da expressão “estou pouco me importando”. Caruso (1981), ressalta que a indiferença da qual ele trata em seu trabalho não é aquela duradoura que se instala após a elaboração da separação mas sim a inibição afetiva presente no próprio processo de elaboração da separação.
Existiriam vários fatores genéticos responsáveis por essa indiferença. O primeiro deles diz respeito ao esgotamento afetivo, que ocorre em qualquer situação de absorção afetiva
muito intensa. Ao tomar Freud (1926) como referência, essa “inibição do afeto” ocorre também na clássica elaboração do luto.
Tanto o luto, quanto à supressão do afeto, a repressão das fantasias sexuais e a agressividade crescente são características da elaboração da separação.
Nessas dificuldades, o Ego tem suas energias tão diminuídas que se vê obrigado a restringir seus gastos em muitos setores. (p. 120)
Segundo Caruso (1981), a indiferença acompanha de maneira parcialmente clara a elaboração da separação. Até mesmo porque se assemelha com uma “retirada” ou “evasão”, já que, a pessoa que se separou procura evitar uma realidade psíquica que lhe ofereça ameaça. No decorrer da elaboração da separação surge uma alternativa a indiferença. Referimo-nos aqui ao processo denominado de “fuga para adiante”, que se efetiva a partir do exercício de uma atividade permitida pela sociedade, como o trabalho, por exemplo, ou por uma mania por diversões. É comum que ocorra uma disposição, mesmo que secundária, a leviandade, através de uma atividade que proporcione satisfação.
Devemos considerar que a indiferença, anteriormente descrita, também se refere a uma leviandade, uma vez que provoca a inibição do afeto. Porém, pensando a partir de uma estrutura social, o desempenho, faz com que a afirmação do Ego seja garantida uma vez que, funciona como substituto da satisfação libidinal, desse modo, juntamente com a indiferença, a
realização de atividades externas pode ser considerada como o mecanismo de defesa preferido.
Depois de superado o primeiro ataque de desespero, alguns indivíduos demonstram uma inacreditável intensificação no seu desempenho. Isso se dá porque a ansiedade por trabalhar proporciona satisfações secundárias além de ser socialmente muito valorizada e elogiada. Por outro lado, Caruso salienta que se considerarmos que nossa estrutura social provoca uma alienação do individuo com relação ao seu trabalho, por trás dessa ansiedade pelo trabalho pode existir uma maneira de suicídio velada. Pode-se dizer também que a intensificação do desempenho funciona como um instrumento de repressão perfeito.
Existe um outro tipo de urgência de atividade que tem como objeto o amante ausente, porém essa urgência é menos repressiva e mais compensadora. Estamos nos referindo aqui a compulsão de escrever e do desejo de ser prestativo, uma vez que funcionam como uma maneira de compensação simbólica da separação. Pode-se perceber em alguns casos uma “preocupação ativa” que se manifesta através da escrita de várias cartas, entregas de presentes na tentativa de continuar fazendo parte, mesmo que a distancia, da vida do outro. Para Caruso, todos estes fatos além de fazerem parte do mecanismo de defesa contra a separação, combinam-se especialmente para que o prazer seja prolongado. O tempo todo, ele é minha única ocupação. Escrevo para ele, penso nele, mando-lhe livros que possam lhe agradar; muitas vezes chego até a pensar que ele existe mais na minha consciência do que na realidade. Na realidade ele continua com seus hábitos triviais: dorme, fuma, lê o jornal; mas dentro de mim, vive com intensidade. (p. 125)
Considerando que a quantidade de libido captada pelo objeto amoroso é proporcionalmente igual ao sentimento de amor, quando uma relação amorosa é interrompida cria-se uma situação catastrófica para a economia instintiva. Pensando a partir de um ponto de vista energético, o fato de a paixão corresponder a uma “idéia supervalorizada”, segundo as literaturas psiquiátricas e psicanalíticas, representa uma utilização enorme da libido, uma vez que esta foi direcionada para um Ideal do Ego que passou a ser único e especial e que agora precisa ser desconstruído. Sendo assim, o Ego encontrará pela frente uma tarefa bastante difícil e dolorosa, realocar a energia que era canalizada em um Ideal que acaba de ser desfeito.
Existe um outro tipo de vivência que é considerado muito importante uma vez que finaliza o processo ao qual podemos nomear de “elaboração da separação”. Estamos nos referindo aqui àquele que Caruso (1981) chamou de formação de ideologias. Esta vivência consiste em um tipo de racionalização do elemento afetivo onde várias características do objeto perdido podem ser introjetadas por aquele que sofre, passando a fazer parte de seu Ego. Assim, a necessidade do objeto de amor se transforma em uma virtude. É possível que indiretamente a separação enriqueça o Ego do indivíduo separado devido às marcas permanentes e inapagáveis(?) deixadas na representação ideal. Dessa maneira, podemos dizer que a separação favorece de maneira bastante sutil a formação de ideologias. A partir das reflexões propostas por Caruso (1981) podemos perceber que ao mesmo tempo em que a formação de ideologias resulta em um fortalecimento do Ego, ela podese tornar um processo bastante perigoso. Isto se deve ao fato de que em determinadas situações, as ideologias do objeto de amor que se foi, podem ser introjetadas sem uma elaboração prévia, ou até mesmo o sujeito que vivencia a separação pode responder a ausência de seu objeto de amor
com a formação de ideologias que ainda dependam da imagem ideal. Desse modo, se o Ego foi
marcado pela imagem ideal do objeto de amor que se foi, é necessário que a libido se separe
dessa imagem ideal a fim de oferecer ao Ego novos ideais.
Para o nosso autor, a busca pelos ideais do Ego, objetiva a satisfação do Id e a formação de ideologias, especialmente na fuga através de atividades. Por isso, podemos dizer que as formações ideológicas desenvolvem uma função muito importante nas obras de arte, nas pesquisas científicas, ocupações sociais e políticas, dentre outras. Assim, elas podem até mesmo propiciar uma prática revolucionária, uma vez que, fazem com que visões conformistas do mundo sejam criticadas.
As ideologias têm uma outra tarefa que é a de canalizar as energias liberadas.
Neste sentido, consideram a separação como imprescindível para que a sublimação ocorra. Este fato acontece sempre que a transferência da libido se afasta muito do objeto perdido e se racionaliza devido à pressão social para que o indivíduo realize um desempenho adequado. A partir disso: [...] certas formações ideológicas tem especial importância enquanto reforço da pressão do Super-Ego – sob pretexto da ordem social, do arrependimento ou do consolo filosófico religioso. (p. 133)
A dor e o sofrimento causados pela separação são apresentados e recebidos com algo socialmente necessário além de serem considerados de extrema importância do ponto de vista moral. Vários argumentos são utilizados para que tal aceitação ocorra como, por exemplo, o de que “tudo é passageiro”. Deste modo: É bem possível que se dê à tragédia individual uma ação catártica, apresentando-a aos olhos da humanidade como exemplo e exortação; enquanto isso, a criação de mitos busca tranqüilizar a consciência trágica e continuar seu trabalho de socialização, através da esperança numa escatologia ou ainda numa utopia de cunho social. (p.133)
Após um estágio inicial onde a relação foi idealizada e aconteceu a frustração, podemos perceber com grande frequência que, existe uma negação por parte do sujeito da importância desta relação acabada.
Dizer que eu desperdicei anos da minha vida, que eu quis morrer, que tive meu amor maior por uma mulher que nem se quer me agradava, que nem sequer era meu tipo! (Proust apud Gori, 2006, p. 127)
Esta negação acontece diante dos outros e principalmente quando o individuo
começa um novo relacionamento após a separação. Ao mesmo tempo, ocorre também uma crença subjetiva de que o novo objeto de amor é que corresponde realmente ao primeiro homem ou a primeira mulher de sua vida.
Este fato diz respeito ao condicionamento social que exige das relações de intimidade uma subordinação ao casamento, ou a um grande amor (Caruso, 1981). Desse modo, a fim de manter a integridade e identidade do Ego, é necessário dar pouca importância a relação amorosa anterior. O fato de negar a importância da relação anterior ao iniciar novas uniões só tem uma utilidade visível que é a de auxiliar na conservação da integridade do individuo, fazendo com que sua auto-estima aumente além de fortalecer o Ego. Assim, quando se diminui a fonte da recordação geradora de sofrimento, a nova fonte de prazer crescerá. [...] a recordação e o desejo a ela inerente permanecem conscientes mas podem se tornar inofensivos através do processo de negação; o signo negativo permite a continuidade do Ego consciente na recordação e, ao mesmo tempo, sua descarga através da negação. (p. 129-130)
Tendo Caruso (1981) como referência, podemos considerar que a negação funciona como uma repressão imperfeita, uma vez que o conteúdo, apesar de não ser reconhecido, permanece racionalmente presente. Por mais que aquilo que é negado permaneça do ponto vista afetivo nos limites do reprimido, do ponto de vista intelectual o conteúdo ainda é aceito.
A negação pode ser considerada um símbolo direto da separação. A partir dela manifesta-se o reconhecimento do inconsciente por parte do Ego através de uma fórmula negativa. Por outro lado, o total reconhecimento do separado e do negado depende de uma conscienciação integral, o que é insuportável à consciência uma vez que, seria posta frente a um conflito insolúvel. O que a consciência faz, de certa maneira, é uma tentativa de ver no objeto anterior apenas um dado antigo e sem importância, em outras palavras, tenta colocá-lo como uma pequena perturbação à etapa da vida que se inicia.
A separação pode ser comparada a um assassinato, uma vez que se trata de uma
separação da unidade erótica. Porém, se o individuo que perdeu seu objeto de amor sobreviver ao desespero ocasionado por essa trágica situação, é necessário que se apegue à esperança. Essa esperança se manifesta na vida daqueles que sofrem a dor da separação como uma possibilidade de conseguirem continuar vivendo apesar de não ter mais o objeto de amor. Os apaixonados, que agora vivenciam esse sofrimento da separação, percebem em determinado momento que ao contrário do que acreditavam o objeto perdido não era condição a sua sobrevivência e por esse motivo podem seguir em frente. Apesar de o fato de ter esperança em uma vida nova manter a idéia da vida anterior ligada a vivência de morte, ela funciona como um sonhar acordado, ou seja, uma realização dos desejos e também uma afirmação do Ego. Esse sonhar acordado proposto pelo Ego pode ser tornar uma utopia, porém não há problema algum se considerarmos que a utopia funciona como uma pré-condição para que os desejos humanos sejam realizados de maneira real e concreta.
Conclui-se a partir das reflexões propostas acima que a perda de um objeto amado causa uma ameaça à própria identidade na medida em que significa uma maneira de vivenciar a morte. A separação tem o caráter de uma tragédia na vida do ser humano, o que possivelmente explica o fato de muitas pessoas não suportarem tal dor que é de caráter mortal e cometerem atos como suicídio ou assassinato. Portanto, falar sobre a separação de pessoas que se amam é dizer de uma experiência de morte para indivíduos que ainda estão vivos.
Vimos também que o Ego a fim de sobreviver à separação e dar um novo sentido ao seu destino utiliza-se de algumas estratégias a fim de construir um novo caminho a trilhar. E por mais que em alguns momentos as estratégias adotadas parecem causar uma regressão do Ego ao estado de sofrimento causado pela separação, a finalidade é de que se quebre os ideais anteriores e se construa novos ideais. Essa desconstrução e reconstrução são fundamentais para que o Ego se fortaleça e possa seguir a diante.
Por fim, podemos afirmar que, para o homem suportar viver na limitação e conviver com a separação, ele precisa não só se desidentificar com o objeto de amor perdido,
assim como vimos no processo de elaboração do luto, é necessário também que aquele que sofre a dor da separação faça uma tentativa de dar uma outra interpretação a sua própria vida a partir da construção de novos ideais.

CONCLUSÕES

Este trabalho partiu da premissa de que a separação amorosa ocasiona, em alguns casos, dor ou sofrimento para o apaixonado que muitas vezes é tão intenso que pode tornar-se insuportável e com um caráter mortífero. O que pode ser comprovado pela realidade nos jornais, revistas e na clínica. Tendo-se em vista este pressuposto, o principal objetivo deste trabalho foi o de compreender o funcionamento subjetivo psíquico, que faz com que a perda de um objeto amoroso seja vivenciada de maneira tão dolorosa pelos seres humanos, além de apresentar algumas, possíveis, reações humanas frente à separação amorosa. Esta constituiu, portanto, a problemática que direcionou as investigações deste trabalho.
Assim, inicialmente, a construção do trabalho se deu a partir das contribuições de Freud, acerca da escolha do objeto de amor, para que em seguida pudéssemos compreender melhor porque a perda desse objeto resulta em tanto sofrimento. A princípio constatamos que a escolha do objeto de amor constitui uma atualização das experiências amorosas vivenciadas na infância. A separação do objeto ao qual amamos é vivenciada de maneira tão dolorosa por nós seres humanos, por se tratar de um retorno a uma separação originária. Idealizamos um objeto, atribuímos a ele vários valores e criamos a seu respeito à expectativa de que ele poderia ocupar o lugar do objeto perdido na infância, e assim poderíamos então recuperar o nosso narcisismo infantil perdido. Porém quando percebemos que nossa falta não pode ser tamponada por este objeto ao qual tínhamos tantas esperanças de ser aquele que nos completaria, percebemos a nossa incompletude, e então surge o sofrimento e a desilusão, afinal de contas não perdemo apenas  o objeto de amor, mas também a ilusão de que ele poderia nos proporcionar uma “felicidade completa”. Assim, podemos dizer quer revivemos uma dor que já sentimos e perdemos um objeto que acreditávamos poder amenizar essa dor, causada pela separação infantil.
Propusemos algumas reflexões acerca da paixão que nos fizeram constatar seu caráter psicopatológico, uma vez que ela se relaciona ao caráter de excesso e transbordamento.
Percebemos também, que a paixão se relaciona com sofrimento, pois aquele que se encontra em um estado de apaixonamento, necessariamente, fica exposto ao risco do abandono. O indivíduo acometido pela paixão perde sua individualidade devido ao fascínio que o outro exerce sobre ele.
Deste modo, podemos dizer que a paixão pode-se tornar um sentimento doloroso e até mesmo patológico, uma vez que o apaixonado perde a sua individualidade, a sua identidade e também a razão.
Partindo do pressuposto de que a perda do objeto amoroso na vida adulta nos remete a uma perda infantil e que o estado de sofrimento em que se encontra o apaixonado após ter se separado de seu objeto de amor deve ser considerado como originário, podemos concluir que a separação não é conseqüência da paixão amorosa, mas sim antecede o seu aparecimento. A paixão surge como tentativa de suprir a falta ocasionada pela separação sofrida, pelo indivíduo de seu objeto de amor ou cuidador, ainda na infância. Assim, a paixão é resultante da separação.
Vimos também, a partir das contribuições de Freud, como se dá o processo ao qual ele denominou luto, que consiste na reação humana diante da perda de um objeto ao qual se estima. Apesar de o autor tratar da perda através da morte física, podemos constatar que o processo vivenciado pelo indivíduo após a separação amorosa, é bastante semelhante ao “luto”, uma vez que nos dois casos, seja a separação causada pela morte física ou a separação amorosa, existe uma exigência de retirada de libido das ligações que o individuo tinha com seu objeto de amor e uma capacidade de reinvestir em outros objetos. Percebemos que, tendo como norte as reflexões propostas por J-D Nasio, a separação amorosa pode ser compreendida como uma dor psíquica, uma vez que, a dor representa a autopercepção de uma tensão totalmente fora de controle inserida em um psiquismo transtornado. Pode-se dizer que o que ocorre após a separação é um desequilíbrio de energia em nosso psiquismo, pois toda libido que era direcionada a um objeto deverá ser redirecionada ao Eu. Deste modo, o indivíduo que antes fazia um investimento libidinal no objeto de amor terá que se haver com esta energia e encontrar para ela um novo destino. É possível constatar também que a dor é uma reação de defesa do Eu que, após ser afetado por um estado traumático causado pelo
rompimento do laço que nos une ao objeto de amor, tenta se reencontrar.
Chegamos também a conclusão de que a separação amorosa é causadora de tamanho sofrimento, devido à identificação existente entre o apaixonado e seu objeto de amor ser muito forte e quanto essa ligação se rompe é como se o sujeito que vivencia a separação tivesse seu Ego mutilado, perdesse sua identidade. Assim, podemos retornar a consideração feita por Freud de que quando se escolhe a via do amor como busca da felicidade, o ser humano corre um grande risco, uma vez que, cria-se uma dependência desse objeto que caso venha a ser separado dele pode vivenciar um sofrimento extremo. Investigamos, neste trabalho, alguns sentimentos e manifestações vivenciadas por indivíduos que se separam de seu objeto de amor e apontamos também algumas saídas adotadas pelo Ego a fim de superar o sofrimento decorrente deste fato.
A partir das reflexões propostas pelo psicanalista Igor Caruso, pudemos perceber então que a separação funciona como uma espécie de morte psíquica na vida dos seres humanos e para que o apaixonado sobreviva a essa dor, é necessário que mate em sua consciência aquele outro que ainda vive. Porém, esta é uma tarefa que também ocasiona muito sofrimento pois, além de ter que fazer morrer o outro em sua consciência, o apaixonado terá que lidar com sua própria morte na consciência do outro. Deste modo, ao matar o Ego do outro, o próprio Ego também morrerá. Para superar esse sofrimento o Ego cria alguns mecanismos de defesa que funcionam como uma tentativa de encontrar um novo lugar no mundo, de trilhar por novos caminhos que independam da existência daquele objeto perdido. Assim, os mecanismos de defesa são criados para que o Ego se refaça e possa até mesmo amar novamente, pois, o amor é também uma tentativa de cura de uma separação original.
É importante salientar que a vida humana é permeada por um fracasso, uma falta, na medida em que não conseguimos alcançar uma completude, nem uma plena felicidade. Deste modo, se o indivíduo insere em sua vida a dimensão da falta reconhecendo-se como um ser castrado, poderá amar de maneira “saudável” uma vez que, não colocará o amor como caminho para felicidade.
Para finalizar, devemos ressaltar que durante o decorrer deste trabalho, principalmente enquanto investigávamos o caráter de sofrimento mortificante ocasionado pela separação, nos atentamos para vários casos de crimes, como assassinato, suicídio, seqüestro, adotados como uma saída desesperada de muitos indivíduos que se depararam com a dor da separação. Deixamos, portanto, em aberto a possibilidade de dar continuidade as nossas investigações a partir de uma nova perspectiva, a dos crimes passionais.

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