Seja
aprovado ou não pelo Congresso Nacional, o projeto apelidado de "Lei da
Palmada", que proíbe os castigos físicos e tratamentos degradantes de
crianças e adolescentes pelos pais, já vem provocando mudanças.
Desde 2003, quando começou a ser delineado, bater nos filhos
tornou-se uma atitude politicamente incorreta, em especial depois que
psicólogos, psiquiatras e educadores passaram a questionar seus
resultados como medida educativa. É óbvio que é praticamente impossível
saber o que acontece dentro dos lares, mas, hoje em dia, quem desfere
uns tabefes, em local público, é alvo imediato de olhares de reprovação
–e pode ter de dar explicações ao Conselho Tutelar. Some-se a isso os
vídeos caseiros de flagrantes de violência e uma patrulha informal está
formada.
Para os especialistas em comportamento, no entanto, não é só bater
que é prejudicial e traumático. "Educar não é fácil. Não nascemos
sabendo ser pais. Apesar de os tempos terem mudado, costumamos seguir os
modelos que já conhecemos, de nossos pais e avós", explica o pediatra
Moises Chencinksi. "E, se não se bate mais, por ser politicamente
incorreto, e de fato inadequado, busca-se outras formas de ‘opressão’
para ‘educar’: gritar, castigar, xingar, ofender, humilhar...", declara.
E, por essa lógica, o próprio especialista questiona: quem gosta de ser
humilhado? Quem aprende algo assim? Quem pode ser feliz sendo tratado
dessa forma?
Na opinião da psiquiatra Ivete Gianfaldoni Gattás, coordenadora da
Unidade de Psiquiatria da Infância e Adolescência da Universidade
Federal de São Paulo, primeiro é preciso entender que bater em um filho
com a pretensão de educá-lo ou corrigi-lo é um engano, já que está
apenas a serviço da descarga de tensão de quem pratica a violência. "Mas
xingar, humilhar ou gritar, além de colaborar para que as crianças
cresçam com medo e a autoestima prejudicada, nos afastam delas", afirma.
Para Miriam Ribeiro de Faria Silveira, diretora do Departamento de
Saúde Mental da Sociedade de Pediatria de São Paulo, quando os pais
gritam o tempo todo com a criança demonstram muito mais desequilíbrio do
que autoridade. "O pior é que elas também começam a gritar e ficam
ansiosas, angustiadas e com muito medo, pois, onde deveriam ter seu
porto seguro e soluções, encontram pais desesperados em se fazerem
obedecer", diz.
A psicóloga Suzy Camacho concorda que a violência verbal é tão
agressiva quanto a física, principalmente se os gritos tiverem uma
conotação de ameaça: "Uma hora eu sumo e não volto nunca mais!", "Ainda
vou morrer de tanta raiva", "Seu pai vai brigar comigo por sua causa!".
"Diante de frases como essas, as crianças se sentem responsáveis por
coisas que não são", explica Suzy. Ela também destaca o efeito
devastador que os rótulos têm para a autoestima: chamar o filho de
preguiçoso, bagunceiro, inútil, por exemplo. "Até os sete anos, a
personalidade está em formação. Qualquer termo pejorativo pode marcar
para sempre. Tente corrigir ou apontar a atitude, nunca uma
característica", afirma. Exemplos? "Não gosto quando você deixa seu
quarto desarrumado", "Você precisa prestar mais atenção no que eu falo"
etc.
Para as crianças, a opinião dos pais e educadores a respeito de suas
atitudes, da sua performance ou mesmo de seus atributos de beleza e
inteligência são muito importantes na construção de uma personalidade.
Ao perceberem que os pais não a admiram, elas tendem a se depreciar, o
que pode culminar em casos de depressão, agressividade e fuga do
convívio familiar. "Xingar e usar palavrões trazem consequências, pois é
uma forma de depreciação. E como todas as crianças costumam copiar os
pais, consequentemente, vão se comunicar dessa forma", diz Miriam
Silveira. Já castigos cruéis despertam nas crianças a agressividade.
"Nas mais extrovertidas observaremos atitudes hostis com adultos, com
outras crianças e animais de estimação. Nas tímidas, as sequelas são
angústia e ansiedade, sentimentos que podem impedir um desenvolvimento
neuro-psíquico normal", diz Miriam.
Em muitos casos, a irritação e o cansaço causados por um dia difícil
não conseguem ser controlados e o resultado acaba sendo a impaciência
com os filhos. Os passos seguintes são a culpa, a frustração, a
compensação para, no próximo dia, começar tudo de novo, num ciclo
nocivo. Para os especialistas consultados por UOL Comportamento, a velha
tática de contar até dez antes de tomar uma atitude drástica opera
milagres. "Um adulto sabe que pegou pesado quando se sente angustiado.
Dar um tempo freia essa sensação ruim e ajuda a esfriar a cabeça", conta
a psicóloga infantil Daniella Freixo de Faria. "E se os pais, mesmo
assim, extrapolarem, sempre recomendo pedir desculpas, porque um grito
ou uma palavra mais pesada causa um abalo na segurança que o filho tem
nos pais. Admitir que ficou triste com o que aconteceu, que estava
bravo, que exagerou, demonstra respeito e ajuda a recuperar a confiança e
o carinho", afirma ela.
Dicas para não perder o controle
- Lembre sempre a idade da criança e não cobre dela um comportamento de adulto
; - Fale com a criança em um tom firme, sem gritar, e explique o
motivo que o levou a chamar-lhe a atenção com linguagem adequada para a
idade;
- Ao dar uma bronca, comece mostrando os pontos positivos da criança e depois fale sobre o que quer que ela mude;
- Respire fundo se perceber que vai perder a cabeça. Diga que gosta muito dela e que espera e dará chances de ela melhorar;
- Se castigar, procure tirar coisas que ela goste muito de fazer.
Nunca use castigos físicos, crueldade ou ataques com palavras;
-Se necessário, adote uma punição que consiga mostrar à criança a
gravidade de sua atitude. Não adianta ela obedecer aos pais apenas pelo
medo, mas, sim, por entender o que seja o certo e o errado;
- Não se pune erro, mas transgressões. Se depois de analisar a
situação a conduta for a punição, tenha sempre a certeza de que a
criança sabe exatamente o que aconteceu, se foi intencional ou não. Para
que a criança consiga distinguir certo e errado, ela precisa ser
orientada.
- Pergunte-se: qual a gravidade do problema? Estou suficientemente
tranquilo para essa avaliação? Essa é a hora ideal para eu resolver
isso? Existe no momento alguém que possa resolver melhor essa questão do
que eu?
Texto maravilhoso! Tento convencer famílias diariamente do quanto as agressões fazem mal a todos os envolvidos, sejam crianças ou adultos. Conviver c/o sentimento de culpa é doloroso, da mesma forma que conviver com dor da humilhação ou da agressão é indigno, principalmente para uma criança.
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