domingo, 15 de julho de 2012

BOLETIM CLÍNICO - número 7 - outubro/1999

5. Reflexões e hipóteses sobre a nosografia freudiana - Franklin Goldgrub[1]

O presente texto propõe-se efetuar uma série de articulações entre as diversas categorias da nosografia psicanalítica tal como estabelecida na obra de S. Freud. Tais articulações serão pensadas mediante referência ao sentido (e não à causa ou à etiologia) dos diferentes quadros descritos. A presente reflexão insere-se no quadro de uma teoria psicanalítica do sujeito e não tem implicações nem aplicações metodológicas[2], ou seja, não pretende orientar a prática clínica e muito menos se preocupa com o diagnóstico[3].
As hipóteses descritas a seguir têm por eixo as categorias ‘sujeito’ e ‘objeto’, bem como o conceito de falo, cuja compreensão é portanto condição para a respectiva leitura. Uma descrição sintética e precisa da nosografia freudiana, inclusive suas reformulações, será encontrada no verbete Neurose do Vocabulário da Psicanálise, de Jean Laplanche e Jean-Baptiste Pontalis.
I - HIPÓTESE CENTRAL
No que se refere à lógica subjacente à relação de objeto, a paranóia estaria para a neurose como a mania-depressão para a perversão e a esquizofrenia para a histeria de angústia (fobia). Em princípio, propomos descrever as características distintivas desses quadros mediante as noções de simbiose (autismo), dualidade plena (esquizofrenia), dualidade relativa (paranóia, psicose maníaco-depressiva) e presença do terceiro (neurose / perversão).
Observação complementar: na infância, os quadros clínicos por excelência seriam, do lado da psicose (ausência do terceiro), o autismo e a esquizofrenia, e do lado da neurose (presença do terceiro), a fobia. As demais psicoses (paranóia /mania-depressão) e as demais neuroses (histeria de conversão, neurose obsessiva) bem como os quadros perversos (sado-masoquismo, fetichismo, travestismo, voyeurismo-exibicionismo), registrar-se-iam na fase adulta. Mas a divisão infância/fase adulta não é totalmente estanque, visto que na última também podem estar presentes as síndromes características da infância (esquizofrenia, autismo, fobia).
II - ARGUMENTAÇÃO:
Na paranóia, como na neurose, há fuga em relação ao objeto. A diferença consiste em que na neurose se consegue proteção — por isolamento — face ao objeto invasivo (anexador), o que não acontece na paranóia, em que a “perseguição” tem êxito. Tanto a fuga paranóica (perante o perseguidor), como o isolamento “neurótico” (face ao objeto não obstante desejado, caracterizável como: do outro sexo, edipiano), não seriam senão defesas contra o próprio desejo (de ser anexado).
Em oposição, tanto na PMD como na perversão, o objeto é buscado denodadamente; na perversão, porém, a perda é “reponível”, o que não aconteceria na PMD, em que a posse significaria ‘ter o falo’ e a perda ‘não ter o falo’[4], respectivamente condição de valorização e desvalorização do sujeito. Na constante substituição de objeto[5] típica da perversão poder-se-ia ver uma defesa contra a perda, tal como, na neurose, o isolamento constituiria a defesa contra o perigo de sentir-se “anexado” pelo objeto de desejo.
Questão terminológica: Seria melhor, talvez, chamar a perversão de transgressão (visto a conotação pejorativa do termo perversão e à sua característica de desafiar a regra), e introduzir um outro tipo de classificação ou categorização: a das relações + (mais) objetais, em contraposição às relações - (menos)> objetais. Proposta: “Perversão” (ou ‘transgressão’) e PMD seriam relações + objetais (mesmo que a PMD “pertença” ao quadro das psicoses, pois é preciso lembrar que, à diferença das outras psicoses, ela não se caracteriza pelo delírio[6]); em contraposição, paranóia e neurose seriam relações - objetais.
O objeto teria um caráter eminentemente fálico tanto na paranóia (objeto “em posição de sujeito”), em que se apresenta dotado de um poder que se volta contra o protagonista, como na PMD (objeto “em posição de objeto”), que outorgaria, assim, poder absoluto a seu possuidor (fase maníaca), mas também ausência total de poder ao ser perdido (fase depressiva).
Na PMD, a passagem da posse à perda não é conjuntural mas estrutural. Na fase maníaca nada se pode receber, gerando assim, lado a lado com a sensação de poder[7], o sentimento de rejeição[8]. Para poder receber, seria preciso passar para a posição depressiva, caracterizada pela extrema auto-desvalorização pessoal, condição para obter a valorização afetiva. Pois do seu objeto — puramente “recebedor” — o maníaco — puramente doador — nada recebe; daí o movimento em direção à depressão, em que a situação seria simetricamente inversa[9]. A posição de sujeito fracassa na PMD, por perda do objeto (quando o protagonista, situado na mania, vai para a depressão, identificando-se assim com a posição de objeto, única forma de receber).
Na paranóia, a posição de sujeito se torna inacessível, em virtude do excessivo prestígio da respectiva figura modelar, prestígio que implica no desprestígio correspondente da figura modelar do outro sexo como modelo possível. Explica-se assim que, na paranóia, o sujeito procure mas não consiga identificar-se com o progenitor de outro sexo; é o que parece justificar a hipótese de Freud de que a paranóia representaria essencialmente homosexualidade reprimida.
Seria o caso de perguntar, porém, se na paranóia não se trata, mais ainda, de uma defesa contra a transexualidade, já que se trata de um momento de construção da própria identidade e não, ainda, da identidade sexual[10]. A razão da impossibilidade da identificação com o outro sexo se dá em virtude da desvalorização da respectiva figura modelar — pois, se o modelo do mesmo sexo torna-se inalcançável, é porque sua superioridade em relação ao do outro sexo atinge dimensões quase absolutas.
Numa determinada modalidade de homosexualidade, a identificação ao modelo do outro sexo é possível na medida em que este aparece na relação modelar[11] como amado. (Seria, por definição, na relação amorosa modelar para a criança — a dos pais ou figuras substitutas —, mais amado do que o modelo do mesmo sexo, este hipervalorizado em termos de poder). A valorização excessiva do modelo do mesmo sexo (em termos de capacidade, poder), que torna impossível a identificação do sujeito com ele, seria então compensada pela valorização do modelo do outro sexo enquanto pessoa amada.
Nessa modalidade, a homosexualidade pareceria dever-se a uma identificação com o modelo do outro sexo, possibilidade inexistente na paranóia. A paranóia parece assim resultar de um impasse insuperável em termos de identificação; o protagonista é compelido a tomar como modelo uma figura modelar que se caracteriza precisamente por negar-lhe o acesso à posição de sujeito.
Numa outra modalidade de estrutura homossexual, por identificação com o modelo do mesmo sexo, necessariamente concomitante à desvalorização do modelo do outro sexo enquanto objeto (identificação com figura-modelo do mesmo sexo valorizada a expensas da figura-modelo do outro sexo como objeto), existe portanto a possibilidade de identificação com o modelo valorizado (do mesmo sexo), novamente ao contrário do que aconteceria na paranóia.
Exemplificando: Schreber considera que ser transformado em mulher é uma desonra, daí sua rebelião contra Flechsig, Weber e finalmente Deus. Em outro caso, mencionado por Freud em “Teoria da Libido e Narcisismo”, Conferências Introdutórias à Psicanálise, Teoria Geral das Neuroses, de 1916/7), um jovem paranóico inicia seu surto alegando ter recebido uma machadada no crânio, idéia que surge imediatamente após uma relação heterossexual. Ele atribui tal agressão a um amigo com quem teria tido relações homosexuais há tempos. Interpretação: relacionar-se com a figura feminina significa rivalizar com o modelo[12]; portanto, a relação com a mulher é castigada; caso em que a “fenda” provocada no crânio seria lida como feminilização ou castração no sentido imaginário/literal do termo.
De serem plausíveis tais raciocínios, na paranóia o modelo parental do mesmo sexo é visto pelo sujeito como não podendo tolerar sua “concorrência”. De outro lado, a figura modelar do outro sexo, ou seja, o modelo do objeto de desejo, é vista como frágil e desvalorizada[13]. Daí a impossibilidade da manutenção da posição de sujeito na paranóia.
III - ATITUDES “NEURÓTICA” E “PERVERSA” DIANTE DA AMEAÇA DE PERDA DE IDENTIDADE (“NEUROSE”) E DE PERDA DO OBJETO (“PERVERSÃO”):
Na neurose, abandono do objeto (condição para poder ser sujeito, sujeito desde que sem objeto, sujeito desvalorizado, objeto valorizado, portanto). A revalorização seria compensatória e alcançada mediante formações reativas. (Renúncia ao objeto, sob a capa da ética, atitude de independência, postura de “não precisar” do objeto; daí a impotência e a frigidez).
Na perversão, troca constante de objeto (descartabilidade do objeto, “promiscuidade”, para escapar à perda); objeto desvalorizado portanto (compensatoriamente revalorizado ao ser perdido).
O paradoxo, sem dúvida, é que, na neurose, o objeto ao qual se renunciou (então desvalorizado), é extremamente valorizado em fantasia (amor dito platônico); na perversão, o objeto manifestamente valorizado (na medida em que é buscado incessantemente), uma vez obtido é desvalorizado (até que ocorra a perda, condição de revalorização).
Enunciado comum na neurose e na perversão: valoriza-se o que não se tem; desvaloriza-se o que se tem (no caso da neurose, a “virtude”). (Aqui é preciso citar uma espécie de provérbio de Woody Allen: “Jamais poria os pés nesses clubes em que até um sujeito como eu é aceito”).
Entender-se-ia assim por que paranóia e neurose representariam defesas, contra transexualidade e homossexualidade respectivamente, enquanto PMD e perversão seriam não defesas contra, porém, pelo contrário, busca do objeto, (que no segundo momento, depois de alcançado, será perdido). Não será demais acrescentar que paranóia, neurose, PMD e perversão são conceitos denotativos de relação conflitiva com o objeto, que no caso da paranóia e da PMD acaba por inviabilizar a posição de sujeito, diferentemente da neurose e da perversão, em que a posição de sujeito é mantida.
De qualquer maneira, paranóia, PMD, neurose e perversão são relações inseríveis no quadro edipiano — porque há presença do terceiro[14] — e, nesse sentido, devem ser diferenciadas da esquizofrenia, distúrbio cujo sentido decorre da dualidade (inexistência do terceiro), e do autismo, distúrbio cujo sentido decorre da simbiose, ou pré–dualidade. Esquematizando: no autismo há um, na esquizofrenia dois, na paranóia e na PMD se alcança o três mas sem poder mantê-lo.
A cronicidade tende a estabelecer-se mais freqüentemente nos distúrbios da dualidade, enquanto paranóia e PMD se prestam mais a manifestações intermitentes, caracterizadas por surtos separados por intervalos mais ou menos longos. A possibilidade da abordagem terapêutica dar-se-ia nos distúrbios em que o terceiro, apesar de tudo, comparece. Ou seja, como escreve Freud, onde há transferência. Mesmo se, como na paranóia, a transferência for maciçamente negativa.
IV - FUNÇÃO DO TERCEIRO

Positiva na neurose/perversão, no sentido de que permite ao sujeito escapar tanto ao perigo de ser anexado pelo objeto (neurose) como de ser destruído pela sua perda (perversão). (O objeto perdido, como escreve Freud em Luto e Melancolia (1915), arrasta o sujeito ao rodamoinho aberto pela sua ausência; é o que explicaria o risco do suicídio na PMD e da “depressão não psicótica”, na perversão). Papel positivo, portanto, mas nem por isso o terceiro será menos execrado, já que considerado responsável pelo não acesso ao objeto (neurose) ou pela perda do objeto (perversão). Na neurose, o sujeito sente-se excluído; a culpa é do terceiro; na perversão, o sujeito é o excluidor, porém culpado; o excluído (o terceiro) retornará para vingar-se; a perda do objeto ser-lhe-á atribuída como gesto de represália.
Ainda: na neurose, o objeto — inacessível — será supervalorizado; na perversão, desvalorizado (condição para que, sendo valorizado pelo terceiro, seja então perdido, ocasião em que é revalorizado após a perda, interpretada como castigo). (Fellini retrata admiravelmente essa situação no filme La strada através de seu personagem Zampanò — Anthony Quinn — um saltimbanco que ama e destrói a mulher a quem ama — Giulieta Massina).
Portanto, de uma comparação paranóia-neurose obteríamos os seguintes enunciados: a posição de sujeito torna-se acessível na neurose desde que com renúncia ao objeto de desejo (posição de sujeito, mas desvalorizada, porque sem acesso ao objeto); na paranóia, não há como recuar para a posição de ser o falo — esquizofrenia — nem como avançar para a de sujeito privado de objeto — neurose.
Uma tentativa de sistematização, a partir das conceituações já feitas, em relação às duas psicoses já descritas, daria lugar aos seguintes enunciados:
Ø Paranóia: O terceiro aparece como não podendo suportar (no duplo sentido do termo; ou seja, também enquanto função de suporte) o próprio sujeito, que ele — terceiro —, na visão do protagonista, procurará destruir. Daí a grande importância (mesmo se negativa) que o paranóico tem para seu perseguidor —perseguidor sempre caracterizado como todo-poderoso.
(Observação suplementar: o delírio megalomaníaco, típico da esquizofrenia[15] apresenta esse caráter de grandeza em relação ao próprio sujeito. Interpretação: preparação ou tentativa para aceder à posição de sujeito, arrogando-se um poder que será depois, na estrutura paranóica, atribuído ao perseguidor).
Ø Psicose maníaco depressiva: A posição de sujeito — mania — não é tolerada visto que implica não receber (desgaste do protetor, possuidor, provedor). Ou seja, o maníaco já atingiu a posição de sujeito, porém absoluto, isto é, identificado ao modelo fálico, e que, por definição, de nada precisa. Na mania, nada se recebe, o que implica em sentimento de rejeição (ganho total de admiração mas em compensação perda total de amor). Para recuperar a valorização afetiva, seria preciso situar-se na posição de objeto absoluto (ou seja, depressão; aquele que precisa totalmente do outro).
O conflito na mania-depressão se caracterizará, então, pelo dilema valorização pessoal / desvalorização afetiva, tendo como conseqüência o aspecto de “gangorra” do quadro em questão. Se a mania expressa a condição de força (tornando-se o objeto um mero troféu), a depressão opera a inversão desses papéis. A dramaturgia grega clássica (Ésquilo ou Eurípedes?) expressa isso bem: “Os deuses primeiro elevam aqueles a quem querem destruir”. O terceiro foi excluído, ou seja, foi vencido, ao contrário do que acontece na paranóia.
Mas o objeto, tal como acontece na perversão, será desvalorizado na condição maníaca (posse do objeto), a ponto de que o maníaco nada terá a receber dele; em conseqüência dá-se o desgaste conforme acima descrito, acarretando a inversão do processo (a depressão é a condição para que se possa receber, isto é, única possibilidade de valorização afetiva; o sujeito passa a ser possuído pelo objeto)[16]. Porém, é preciso assinalar que dos distúrbios ditos psicóticos a PMD é o menos propenso à cronicidade (tipicamente há intervalos longos entre os ciclos).
Trata-se do distúrbio por excelência “interrompível” pela reaparição do terceiro, que intervém com uma função manifestamente positiva, acarretando um certo equilíbrio em relação à questão da valorização / desvalorização respectivas do sujeito e do objeto. Daí a possibilidade do intervalo “equilibrado” entre os polos da euforia e da melancolia. Nos surtos, tudo se passa como se a exclusão do terceiro privasse o sujeito de um regulador, isto é, de uma possibilidade de ponderação que permitisse a não absorção pelos extremos de ter tudo (e não receber nada) ou de não ter nada (para poder receber tudo). A famosa “oito ou oitenta” seria uma expressão como que inspirada na PMD.
Deveríamos então diferenciar entre depressão não psicótica (e mais propriamente típica da posição dita perversa quando da perda de objeto[17]) e depressão psicótica (maníaco-depressiva, em que o sujeito, para alcançar a valorização afetiva, “sai” da condição de sujeito — maníaca — e “vai” para a de objeto — depressiva).
Esquizofrenia, autismo e histeria de angústia (fobia)
V - HIPÓTESE CENTRAL:
A esquizofrenia e o autismo representariam distúrbios cujo sentido seria dado pela impossibilidade da separação em relação à figura materna (ou seja, a dificuldade em construir a identidade em terreno não fálico; caso em que a identidade obedeceria à premissa de ser o falo ou o objeto fálico, no quadro quer de uma simbiose quer de uma relação dual com a figura materna).
Na fobia, a dificuldade é superada mediante aceitação da proibição do objeto desejado (o que Freud chamou de castração, cuja aceitação permite a preservação, não do pênis[18] mas da identidade —em ambos os sexos, evidentemente). Mais importante, a “castração” (separação em relação à figura materna) implicaria a presença do terceiro; é justamente o que não aconteceria nos distúrbios dual (esquizofrenia) e “pré-dual” (autismo).
VI - HIPÓTESES COMPLEMENTARES (EXPRESSAS SINTETICAMENTE):
Se a figura materna valorizar o sujeito na condição de objeto, então esquizofrenia. (Autismo quando o sujeito é impossibilitado de situar-se na posição de objeto).
Se a figura materna valorizar parcialmente o terceiro, (valorização relutante), e portanto valorizar igualmente de forma parcial e relutante o sujeito na posição de objeto (valorização resquicial da relação dual), então fobia[19] (quadro neurótico, caracteristicamente infantil; ver “Pequeno Hans”).
Se o progenitor do outro sexo valorizar excessivamente seu par (ou seja, aquele que para a criança constitui o modelo de seu mesmo sexo), a expensas do próprio protagonista em processo de construção da posição de sujeito, então paranóia. (Ver caso “Schreber”).
Se a figura modelar do outro sexo valorizar excessivamente o protagonista enquanto sujeito (a expensas do seu par, isto é, daquele que para a criança seria o terceiro) então mania/depressão. A depressão ocorre em conseqüência da impossibilidade de receber na posição de sujeito absoluto. (Conflito: valorização pessoal/desvalorização afetiva e vice-versa, que seria o mecanismo da bi-polaridade cíclica).
Neurose: Acesso à posição de sujeito, desde que privado do objeto. (Ver “Homem dos Ratos”).
“Perversão”: Acesso à posição de sujeito, desde que subordinada ao objeto. (Ver “Psicogênese de um caso de homossexualidade feminina”, S. Freud, 1920).
VII - OBSERVAÇÕES FINAIS
Na paranóia haverá valorização excessiva do terceiro (em termos de medo/admiração, mas não de amor), impedindo identificação por parte do sujeito, e sem que seja acompanhada de valorização excessiva do sujeito enquanto objeto; na esquizofrenia, desvalorização excessiva do terceiro; o terceiro não existirá, condição para o sujeito seja colocado na condição de objeto da figura materna então fálica.
Dificuldade específica da posição paranóica: não há como “voltar atrás” sem perder a identidade, nem ir à frente para efetivamente conquistá-la. A figura parental do outro sexo não tem força suficiente para valorizar o sujeito ou constituir seu modelo, e nem este força suficiente para enfrentar o terceiro, (figura parental do mesmo sexo) que impede seu acesso à posição de sujeito.
Na fobia, a razão do problema parece referir-se à impossibilidade simultânea de superar a fantasia relacionada ao falo materno e de render-se a ela. Posteriormente à destituição materna, o falo passa a ser atribuído à figura paterna com quem a identificação ou a relação objetal são possíveis, inaugurando assim a possibilidade da neurose / perversão e/ou da sublimação. Na fobia, portanto, há terceiro (a excessiva valorização da figura paterna podendo relacionar-se à histeria feminina, à neurose obsessiva, e a diversas formas de “perversão”; mas, em todo caso, “sai-se” da relação dual ou seja, da posição psicótica).
Na esquizofrenia: os raciocínios anteriores hipotetizam que a esquizofrenia significa identidade fálica, ou seja, ausência de identidade fora da relação com a mãe. Como entender o surto esquizofrênico na idade adulta? Hipótese: separação em relação à mãe associada à puberdade ou a qualquer situação (profissional, afetiva, aprendizagem) interpretada como possuindo significação de construção de identidade, de diferenciação em relação à mãe.
Em ambos os casos, tudo se passa como se para o sujeito a relação dual com a figura materna não pudesse subsistir a tais transformações. O surto permite perder a identidade (perante o social, o outro) e portanto recuperar a identidade fálica (relação com a mãe, absolutizada).
Adendo: Agressividade
VIII - HIPÓTESE CENTRAL:
Agressividade dirigida à figura materna na esquizofrenia (motivada tanto por interpretações de abandono como de super-proteção), à figura persecutória na paranóia (ou seja, ao terceiro), auto-infligida na depressão (infligida à posição de sujeito) e ainda, na mania, infligida ao objeto desvalorizado (infligida à posição de objeto).
Na psicose, a sexualidade cede sua importância à agressividade. Não por acaso a importância outorgada à agressividade nos textos freudianos ocorre em concomitância com a teorização da psicose (pulsão de morte). A sexualidade é o cenário do conflito quando o sujeito já está constituído, a agressividade quando ainda não. Ou seja, a sexualidade se dá quando o terceiro está presente (neurose / perversão / sublimação), caso em que a agressividade permanece em papel de “coadjuvante” (sendo secundária em relação ao conflito central, que gira em torno da relação com o objeto), enquanto na relação dual (psicose) o quadro conflitivo é dominado pela agressividade.

Notas:
[1] Professor de Psicanálise e Teorias e Técnicas Psicoterápicas da Faculdade de Psicologia da PUC/SP, com mestrado em Filosofia e doutorado em Lingüística; autor de “Trauma, Amor e Fantasia” e “O Complexo de Édipo”, entre outros livros.
[2] O método interpretativo não leva em conta particularidades referentes a um eventual diagnóstico, isto é, permanece o mesmo quer se trate de um quadro considerado predominantemente fóbico, obsessivo, histérico, “fronteiriço”, etc., pois tem por único objeto o discurso enquanto tal — e não o sintoma ou a síndrome. Segundo o referido enfoque, a importância da nosografia se restringe à questão — fundamental para a psicanálise — da teoria do sujeito, que deve ser nitidamente distinguida da teoria do método, igualmente fundamental.
[3] Julgamos que a teoria do método psicanalítico deve ser claramente diferenciada da teoria do sujeito. A teoria do método psicanalítico resta a ser feita e seu objeto é constituído pelo discurso e o procedimento interpretativo.
[4] Falo: objeto, atributo ou relação cujo valor seria inexcedível, na medida em que caracterizaria a possibilidade de não desejar, inviabilizando ou colocando fim à relação (desejante) sujeito-objeto, resultante da intervenção do terceiro. Seria necessário ainda diferenciar entre estado ou condição fálica (autismo) e relação fálica (quer plena: esquizofrenia, quer relativa: paranóia, psicose maníaco-depressiva).
[5] Descrita no discurso valorativo através do pejorativo “promiscuidade”.
[6] Mas é preciso lembrar que Freud preferia designá-la por neurose narcísica, quadro intermediário entre neurose e psicose. A característica fundamental da psicose maníaco-depressiva seria constituída pela extrema valorização e/ou desvalorização do sujeito, cuja identidade não se altera — o que a diferencia da esquizofrenia. (Na paranóia ocorre alteração da identidade do objeto persecutório, enquanto na PMD não há alteração nem da identidade do sujeito nem da do objeto). Essa valorização ou desvalorização refletem por sua vez a extrema importância do objeto desejado, cuja posse ou perda governam a auto-estima.
[7] Valorização social.
[8] Desvalorização afetiva.
[9] Desvalorização social, valorização afetiva.
[10] A identidade sexual é posterior ao surgimento do ‘eu’ e se constrói na fase fálica, ou seja, no período edipiano. Propomos portanto diferenciar esses dois momentos da constituição da identidade; o processo de sexuação pertenceria ao segundo. Nesse caso, a paranóia decorreria de um impasse situado em momento anterior ao da identificação sexual, momento que diria respeito ainda à questão da diferenciação.
[11] Relação entre os pais ou substitutos.
[12] Nesse caso, o amigo seria um substituto da figura modelar (paterna).
[13] Aqui talvez caiba o neologismo “desvalorizada”.
[14] A presença do terceiro na paranóia inviabiliza a construção da posição de sujeito, enquanto na PMD torna inviável a manutenção dessa posição, ao impor a perda do objeto.
[15] O vocábulo composto “megalomaníaco” —referente a um dos delírios mais comuns na esquizofrenia — costuma criar uma confusão. É necessário esclarecer que na psicose maníaco-depressiva não há propriamente delírio, mas valorização (ou desvalorização) “exagerada” do próprio sujeito que, entretanto, não muda de identidade, como tampouco seu objeto. A manifestação central da mania dá-se fundamentalmente por meio do que os psiquiatras chamam de “mitomania” (tendência a mentir, sempre com a finalidade de “engrandecer-se”), bem diferente da megalomania, quadro caracterizado pela alteração da identidade (daí os personagens encarnados pelo esquizofrênico, desde o clássico Napoleão dos inícios da psiquiatria até as figuras de prestígio atuais).
[16] Lembremos a frase de Freud: “A sombra do objeto cai sobre o sujeito”.
[17] Perda motivada pela manobra por meio da qual o sujeito atribui o desejo mantenedor da relação ao outro; só a perda permitiria vislumbrar o próprio desejo).
[18] É preciso diferenciar — como propõe Lacan — o aspecto imaginário da castração (amputação do pênis), de seu sentido: separação em relação à figura materna. A diferenciação em questão é possibilitada por uma operação conceitual, a desmetaforização.
[19] Ou histeria de angústia, nome “oficial” do quadro em questão.


Nenhum comentário:

Postar um comentário