TRANSTORNOS DA INTEGRAÇÃO AFETIVO-INSTINTIVO DA PERSONALIDADE.
DINAMISMOS NAS PERSONALIDADES PSICOPÁTICAS E EM QUADROS AFINS.
PELOProf. Dr. Aníbal Silveira Chefe de Clínica Psiquiátrica do Hospital de Juqueri, S. Paulo. Docente-livre de Psiquiatria, Universidade de São Paulo |
Os dois níveis de manifestações afetivas, já descritas — individualidade e sociabilidade — têm que se integrar como imperativo do amadurecimento psicológico. Sem este processo, em que o primeiro se subordina ao segundo, não haveria possibilidade de vida em sociedade. Ao longo da escala zoológica, apreciamos esta integração recíproca, gradualmente, a incapacidade crescente do indivíduo se bastar a si mesmo, e portanto, a necessidade crescente de vida gregária. Considerando o indivíduo isoladamente, ressalta que esse dinamismo de subordinação corresponde, também, à integração deste, na realidade ambiente. Assim, a unidade interna, constitui fator indispensável ao conhecimento do mundo objetivo. Só a sociabilidade – na acepção já definida de altruísmo — pode conferir unidade ao indivíduo, para que os contínuos estímulos do meio externo não lhe tornem incoerente e dispersiva a atividade mental ou prática. Assim, desde os primeiros instantes de vida extra-uterina, o indivíduo humano começa a ser regido pelo afeto e pela subordinação à mãe ou ao adulto que a substitui. A noção de dependência, que assim se forma, tem pois, origem emocional. A sensação de desamparo e a conseqüente emoção de pânico causada por esta sensação constitui o primeiro dinamismo de repressão contra as reações de agressividade que a criança possa então sentir. Em seguida, submissão ao adulto protetor não será mais puramente passiva — pela dependência — mas ditada pela dedicação, que já é manifestação de sociabilidade. As outras fases correlatas — de introjeção e de assimilação das ações — vão, daí por diante, reforçar a integração dos instintos básicos na sociabilidade. Se surgir, nesta fase, algum processo psicológico ou citológico, na região correspondente do cérebro — poderá perturbar ou impedir este dinamismo de subordinação. Neste caso, haverá ampla conseqüência para o desenvolvimento de personalidade: 1) no contato com a realidade exterior, a concepção que se formar do mundo ambiente será associada com o estímulo enérgico dos instintos da individualidade — o que irá deformar o chamado “juízo de realidade”, noção do real; 2) na economia prevalecerão os móveis egoísticos sobre a sociabilidade, e assim, a estrutura subjetiva da criança se traduzirá pelos freqüentes conflitos com o comportamento social ou pelo desajustamento franco.
No primeiro caso, haverá dificuldade ou impossibilidade de assimilação do senso real, e isto resultará, clinicamente, em duas condições: ou o equilíbrio sociabilidade-individualidade será instável e manifesto desde as primeiras fases de desenvolvimento, ou poderá ser mantido até que acontecimentos “traumáticos” da fase adulta venham a precipitar a descompensação. São as condições catalogadas clinicamente, como NEUROSES. No segundo caso, a desarmonia será mais séria e permanente estrutural.
Nesse sentido de déficit afetivo — e secundariamente conativo — por desordem estrutural, há que considerar duas eventualidades patogênicas: 1) a anormalidade estrutural decorre de tendências genéticas, mas se traduz apenas pela insuficiente regência da individualidade por parte da sociabilidade; neste caso o desvio do comportamento será global, a ele corresponderá a denominação de PERSONALIDADE PSICOPÁTICA ou PSICOPATIA — na acepção, restrita aqui adotada ou a anormalidade estrutural se traduzirá apenas em desorganização parcial — e será o caso dos TRAÇOS ANORMAIS DE CARÁTER; 2) as mesmas estruturas do item anterior, se atingidas por processos mórbidos não genéticos, mas adquiridos, seja durante a fase embrionária fetal, seja durante a infância, a condição mórbida em causa será então a da ENCEFALITE DA INFÂNCIA.
PERSONALIDADE PSICOPÁTICA — Os autores em geral, admitem para o termo PP, a acepção de desvio não psicótico: psicopatia, neste sentido, que é o da psiquiatria alemã, não é doença mental. Esta acepção é a que se adota neste grupo, porém com delimitação, mais restrita: a de desvio em conjunto das esferas afetiva e conativa. Assim, diversos tipos de PP descritos pelos diversos autores, em geral não são incluídos neste conceito. Bleuler, completando Kraepelin, descreveu nove (9) tipos; Schneider, numa classificação largamente difundida nos meios psiquiátricos, elevou tal número a vinte (20) tipos, mas em 1950, limitou-os a dez:
1- hipertímico 2- depressivo 3- inseguro 4- fanático 5- ávido de apreço | 6- ânimo lábil 7- explosivo 8- insensível 9- abúlico 10- astênico |
Mira y Lopes classifica os tipos de modo algo diverso, não admitindo alguns desses:
1- astênico 2- compulsivo 3- explosivo 4- instável 5- histérico | 6- ciclóide 7- sensitivo-paranóide 8- perverso 9- esquizóide 10- mitômano |
A classificação adotada, ao mesmo tempo patogênica e genética — não descritiva — restringe a cinco (5) os tipos de psicopatias, levando em conta o princípio semiológico referido acima. Todos eles aliás, constam da sistemática de Mira y Lopes, como também das descrições originais de Kraepelin. São eles:
DESORDENS PRIMÁRIAS DA ESFERA AFETIVA
1. Perverso — em que prevalecem os instintos básicos como fonte do distúrbio. Há que considerar aqui, uma variedade mitômana.
2. Hiperemotivo — patogenicamente, o distúrbio fundamental é o da sociabilidade — também mitômana.
DESORDENS PRIMÁRIAS DA ESFERA CONATIVA
3. Instável — onde prevalece a falência da firmeza ou perseverança.
4. Explosivo — em que predomina a coragem, sem hegemonia dos demais atributos.
5. Astênico — no qual a prudência se desorganiza patologicamente, dando o quadro neuropsíquico característico.
TRAÇOS ANORMAIS, ISOLADOS DE CARÁTER
Aqui, embora o paciente colida muitas vezes com os padrões de comportamento, moral e social do adulto, estão em causa distúrbios parciais da personalidade, inclusive na esfera intelectual. Há analogia geral entre o quadro mental resultante e os quadros conhecidos nas várias psicoses endógenas: isto decorre de estarem em jogo os mesmos fatores genéticos. Porém, deve haver menos penetrância genética, e portanto, a maior difusão na população média, e ao mesmo tempo, menor coerência dos sintomas clínicos.
São considerados como enquadrados neste grupo, aqueles casos que alguns autores incluem na psicopatia: por exemplo, o tipo inseguro, o fanático, o ávido de apreço. Ao contrário, o histérico admitindo por Mira y Lopes seria neurótico, e portanto entraria na rubrica correspondente; o esquizóide seria na realidade de, apenas excêntrico, como traço anormal da personalidade, ou esquizofrênico, na acepção genética desta doença, e então constituiria psicose situada em outro nível do ciclo.
DISTÚRBIOS AFETIVO-CONATIVOS POR ENCEFALITE NA INFÂNCIA
O dinamismo patogênico é aqui “Lesional”, pois são alterações histológicas da encefalite, a causa fundamental do quadro. Os distúrbios não decorrem diretamente das lesões — e estas são limitadas apenas a alguns núcleos do tronco cerebral e não progressivas. Entretanto, o quadro que se apresenta no adolescente, ou no adulto, toma o mesmo aspecto do desvio global que o de PP perversa.
O que explica o fato é, certamente a patogênese: 1) tal processo mórbido incide sobre regiões centro-cerebrais ligadas com as vias neurais, que medeiam entre a individualidade e a sociabilidade; 2) isto ocorre na época em que tais dinamismos normais se estão processando. Daí a subversão de “juízo de realidade” e o fato de se caracterizarem, mais tarde, por atos anti-sociais e pela exacerbação sexual, os desvios da personalidade.
Assim, embora de origem lesional, o quadro clínico é dinâmico, e o paciente poderá ser reeducado pela psicoterapia, inclusive psicanalítica.
Kraepelin (Bleuler) | Mira y Lopes | K. Schneider | A. Silveira (patogên) |
Anti-social | Perverso | Insensível | Perverso (mitômano) (individualidade) |
Impulsivo | Compulsivo | Depressivo | |
Extravagante | Esquizóide | Abúlico | Hiperemotivo (mitômano) (sociabilidade) |
Nervoso | Ciclóide | Hipertímico | |
Perverso | Histérico | Depressivo | |
Sexual | Ptiático | Ávido de apreço | Instável (distúrbio firmeza) |
Instável | Instável | Ansioso, lábil | |
Embusteiro | Mitômano | Inseguro | |
Irritável | Explosivo | Explosivo | Explosivo (distúrbio coragem) |
Litigante | Sensitivo-paranóide | Fanático | |
Astênico | Astênico | Astênico | Astênico (distúrbio prudência) |
P.P. – Patogênese
Esfera | Nível distúrbio | Tipo personalidade |
Conativa | Prudência | Astênico |
Firmeza | Instável | |
Coragem | Explosivo | |
Afetiva | Sociabilidade | Hiperemotivo (c/ mitomania) |
Individualidade | Perverso (c/ mitomania) |