quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Neuropsicologia Neuroplasticidade Humana



Neuropsicologia
Escrito por Vinicius Sampaio D´Ottaviano
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Resumo: O conceito de plasticidade não é único, embora seja antigo na literatura científica, não existe teoria unificadora dos fenômenos neuroplásticos, as abordagens experimentais são múltiplas e os resultados muitas vezes conflitantes. Pode-se considerá-la como a tendência do sistema nervoso a ajustar-se perante influências ambientais durante o desenvolvimento, e estabelecer ou restaurar funções desorganizadas por condições patológicas ou experimentais.
Palavras-Chave: conceito, plasticidade, neuroplásticos, sistema nervoso, desenvolvimento, patológicas e experimentais.
Existem hoje em dia vários conceitos sobre a definição de neuroplasticidade humana, desta forma, percebe-se o vínculo dos fenômenos plásticos com o desenvolvimento ontogenético do sistema nervoso, assim como a capacidade de resposta compensatória frente a lesões e outras influências externas; daí a neuroplasticidade poder ser encarada sob vários ângulos, dependendo tanto da abordagem experimental que se fizer, como de cada modo concreto de existência e expressão funcional do sistema nervoso.
A partir do trabalho de Kennard (1944), consideram-se dotados de maior plasticidade os cérebros embrionários ou neonatos, em comparação com os cérebros de indivíduos maduros. A constatação da relativa perda de plasticidade do sistema nervoso de mamíferos adultos levou a um grande interesse pela relação entre os fenômenos plásticos e aqueles que determinam o desenvolvimento ontogenético normal do Sistema Nervoso. Outro aspecto da neuroplasticidade provém dos trabalhos de alteração de propriedades fisiológicas dos neurônios dos sistemas sensoriais, mediante a manipulação de condições ambientais.
No plano morfológico, inúmeros trabalhos de alterações celulares, dendríticas e principalmente axônicas, têm sido descritos. Em tais estudos, várias teorias foram desenvolvidas para explicar como o Sistema Nervoso submetido a lesões destrutivas é capaz, em determinadas condições, de recuperar as funções anteriormente perdidas.
Teoria da Re-representação Hierárquica: criada por J. Hughlings Jackson (1950), diz que cada grupo funcional do Sistema Nervoso estaria organizado verticalmente em níveis ascendentes de complexidade crescente.
Teoria da Diásquise: criada por Von Monakow (1913), diz que uma lesão focal destrutiva do Sistema Nervoso provocaria, além da perda funcional devida à região definitivamente destruída, teríamos uma espécie de choque ou depressão funcional em regiões relacionadas à zona de lesão. O déficit observado logo após a lesão dever-se-ia à associação dos sintomas devidos à destruição tissular com aqueles devidos a diásquise. Entretanto, esta desapareceria, voltando ao normal o funcionamento das regiões deprimidas. É interessante para explicar a evolução temporal do quadro clínico que sucede as transecções medulares (choque espinhal).
Sharpless e Goldberger (1912) explicaram tratar-se do fenômeno conhecido como hipersensibilidade de denervação; órgãos efetuadores ligados ao sistema nervoso autônomo quando denervados tornam-se menos específicos e mais sensíveis aos neurotransmissores e outros agentes químicos, após uma fase inicial de depressão funcional.
Doutrina de Substitucionismo (equipotencialidade): essa teoria originou-se de Munk e Lashley (1944), propõe que após a lesão outras regiões do Sistema Nervoso assumem a função atingida, "substituindo" a região destruída, onde o fator mais importante que determinaria a evolução temporal dos déficits resultantes de lesões seria "a quantidade" de tecido atingido.
Reorganização Hodológica: defendida por Cajal (1928), com novos estudos de Lin e Chamber (1943), diz haver uma reorganização estrutural após lesões destrutivas devido à identificação de potenciais pré-sinápticos de maior amplitude, a ocorrência de brotamento colateral das fibras do Sistema Nervoso, onde não são os axônios lesados que "regeneram" e sim os poupados pela lesão, aumentando ou reorientando o telodendro de modo a ocupar o espaço terminal vago da lesão. Em alguns casos demonstrou-se que os axônios lesados são capazes de restabelecer a inervação de uma estrutura denervada, desde que esta se localize nas proximidades da lesão. No entanto, em nenhuma dessas ocasiões, pôde-se demonstrar a funcionabilidade das novas conexões formadas. Só em 1978 (Schneider) ocorreu evidência que a reorganização hodológica de um cérebro lesado tinha conseqüências funcionais, ainda que mal adaptativas. Neste período surgiu uma visão geral acerca de quais mecanismos e fatores influiriam sobre a população de axônios em crescimento, possibilitando o estabelecimento de uma via neural.
Várias sugestões foram propostas, incluindo a orientação das fibras em crescimento segundo as linhas de força de campos elétricos, ou segundo as linhas de tensão mecânica provenientes do crescimento e dobraduras do tecido nervoso, ou ainda segundo gradientes químicos de substâncias capazes de "atrair" os cones de crescimento dos axônios. O mais provável é que todas desempenham uma parte da função de orientar os axônios em crescimento em direção a seus alvos.
Posteriormente, surge a pergunta de como se estabelecem precisas relações topográficas entre a população pré-sináptica e os respectivos alvos pós-sinápticos. Neste caso, a postulação de alguns fatores que operam nesta construção do acoplamento deve-se a evidências obtidas de sistemas plásticos, como a competição pelos sítios pós-sinápticos, onde as duas populações de axônios em crescimento estabelecem interações competitivas pela "conquista" do espaço terminal disponível em que cada axônio possui um volume de arborização pré-terminal, quando uma parte dessa arborização é destruída, a perda é compensada por brotamentos que ocorrem em outros pontos do axônio. Fatores mecânicos, pelos quais a disposição terminal dos axônios em crescimento pode ser desorganizada por distúrbios mecânicos do tecido-alvo.
Fica claro, o pressuposto de que os fenômenos plásticos decorrentes da lesão podem ser utilizados para explicar aqueles que ocorrem durante o desenvolvimento ontogenético normal. Através de estudos recentes dos mecanismos básicos da reorganização, sabemos que com a plasticidade neural podemos restabelecer a função da parte perdida e/ou injuriada, sendo os processos microscópicos que tomam parte da plasticidade neural: a) inibição prioritária das conexões imediatamente após a lesão; b) “sprouting” local, tanto de axônios comprometidos quanto de axônios vizinhos, o que leva à formação de novas sinapses corretas e incorretas. Este "mecanismo de reparação" ou “brotamento de axônios” ocorre principalmente nos nervos sensitivos-motores.
Estudos recentes mostram uma rápida regeneração da parte periférica do Sistema Nervoso. Existe, após uma lesão, uma degeneração momentânea do coto distal do nervo, cujo contato com o corpo celular foi interrompido, enquanto a bainha de mielina nas redondezas e o envoltório do nervo permanecem conservados. Do coto proximal, que ainda está ligado ao corpo celular, vários prolongamentos delgados brotam e crescem para dentro da bainha de mielina, ocupando-a como um canal guia, para que possam encontrar novamente seu local final no músculo ou em órgão dos sentidos.
No caso do nervo não ter sido totalmente comprimido ou distendido, o crescimento dos axônios ocorre ao longo das bainhas corretas de mielina. No caso de secção total do nervo, pode ocorrer um crescimento de axônios através de bainhas incorretas de mielina e, dessa forma, esses axônios podem encontrar alguns órgãos-alvo indesejados. O processo acima descrito é observado na periferia. Já na área central, em diferentes estruturas corticais e sub-corticais observa-se que o crescimento de células lesadas, bem como a sua regeneração, não ocorre tão facilmente quando se trata de longas distâncias.
Na parte central do Sistema Nervoso, estruturas de direcionamento (bainha de mielina) são organizadas de maneira complexa e heterogênea, o que poderia levar, em distâncias muito grandes, a um erro de contato. Aqui, também se observa tanto “sprouting” das células lesadas quanto das não-lesadas, mormente nas vizinhanças da lesão, o que significa que tanto os neurônios intactos do sistema funcional afetado quanto neurônios de outros sistemas estão envolvidos nesse processo. No núcleo rubro, fibras oriundas do córtex cerebral e do cerebelo fazem conexões. Após uma lesão periférica, constata-se que a estimulação da região cortical vinculada a essa periferia não consegue mais desencadear reações musculares. Decorridas, entretanto, algumas horas após a lesão observam-se novamente reações motoras pós-estimulação da referida área cortical. Conclui-se que o córtex, que ficara sem função após a lesão, tenta, horas depois, ocupar-se do controle da musculatura vizinha.
Fatores Neurotróficos
Os contatos entre axônios e seus órgãos-alvo são de crucial importância para a proliferação, migração, diferenciação, formação, estabelecimento e manutenção das conexões neurais. Ainda que se saiba que os programas genéticos possam direcionar os processos de desenvolvimento do Sistema Nervoso, deve ser lembrado que as interações com o meio, mesmo no período embrionário, resultam em mudanças nas estruturas nervosas centrais, e que a falta de certas interações podem alterar padrões normais de desenvolvimento.
Determinadas substâncias químicas produzidas pelos tecidos têm a capacidade de promover a divisão celular durante o desenvolvimento enquanto outras são essenciais para a sobrevivência de células nervosas (fatores neurotróficos = alimento), participando das interações entre os neurônios e seus alvos.
Hamburger e Rita Levi-Montalcini (1960), demonstraram que a morte de células nervosas é um fenômeno natural durante o desenvolvimento do Sistema Nervoso, pois durante a formação deste há, inicialmente, uma produção excessiva de células nervosas que, gradativamente, começam a morrer; onde esta fase de morte neuronal coincide com a época em que os axônios começam a estabelecer contato com seus próprios órgãos-alvo. Sabe-se hoje que este processo de "superprodução" neuronal, seguido de morte celular, ocorre em todas as regiões do Sistema Nervoso Central e periférico, tendo sido denominada de morte neuronal natural.
Em colaboração com o bioquímico Seymor, Levi-Montalcini (1960), iniciou a purificação da substância química responsável pelo crescimento axonal, que passou a ser denominada Fator de Crescimento Nervoso. Três papéis importantes são considerados em relação ao FCN: 1º) sobrevivência neuronal, 2º) extensão de prolongamentos, 3º) diferenciação de neurônios.
O mecanismo básico de ação do FCN é ser produzido por células-alvo, ligando-se a receptores dos terminais axonais sendo internalizado e transportado até o corpo celular, onde participa da ativação metabólica neuronal. Essa ação é importante tanto na renovação das estruturas celulares como na sobrevivência celular, e em fenômenos plásticos. Evidentemente, a interrupção do transporte retrógrado desse fator bloqueia seu efeito, resultando na morte de neurônios dele dependentes.
Em 1989, Leibrock e colaboradores descobriu um novo fator neurotrófico a partir de extratos cerebrais, denominado Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro (FNDC). Nota-se que FNDC tem seus neurônios responsivos projetando-se para o Sistema Nervoso Central, enquanto aqueles responsivos ao FCN se projetam para a periferia. O FNDC é produzido, no Sistema Nervoso Central, por células da glia e por neurônios, contrastando com o FCN que, na periferia, é produzido, em condições fisiológicas, somente por células-alvo, e por células de Schwann, após trauma de nervos. A partir dos anos 90, outros fatores foram descobertos, com a “Neurotrofina 3” (NT-3) e o “Fator de Crescimento de Fibroblastos” (FGF-Fibroblast Growht Factor).
Após estes estudos sempre surge a pergunta: Por que esses fenômenos regenerativos do Sistema Nervoso Central, ocorridos em experimentos com animais, não são observados na prática clínica, no tratamento de doenças degenerativas ou traumáticas, tanto do Sistema Nervoso Periférico como do Sistema Nervoso Central?
Quando ocorre lesão no tecido nervoso, quer seja traumática ou vascular, há morte imediata dos neurônios ali localizados. Aproximadamente quatro dias após o trauma, ocorre extensão da área primária de lesão, e neurônios localizados perifericamente relacionados com esta área lesada também degeneram. No local da lesão há intensa proliferação de células da glia (reativa), que formam um bloqueio que dificulta o crescimento dos axônios em regeneração em direção aos seus alvos originais. As fibras que permanecem intactas apresentam um brotamento compensatório e ocupam os territórios sinápticos vagos, onde as fibras que não atingem seus alvos antigos acabam degenerando ou formando conexões não vistas antes da lesão. Portanto, quando comparamos os dados do desenvolvimento do Sistema Nervoso Central com dados obtidos após o trauma, observamos uma sequência semelhante, cuja prioridade é isolar a área lesada com a formação de uma membrana pioglial, completando-se a invasão de vasos no tecido nervoso. Ocorre a formação de uma barreira hemato-encefálica e hemato-liquória, para isolar o parênquima nervoso do resto do sistema vascular. Após a formação dessas duas barreiras, os neurônios migram para seus lugares definitivos, devido a fatores tróficos e, por último, há neoformação de sinapses (sinaptogênese).
É evidente que vários pesquisadores e empresas de biotecnologia continuam suas pesquisas sobre fatores tróficos para ofertar ao Sistema Nervoso condições para uma reorganização e retomada das funções perdidas ou prejudicadas. Contudo, já podemos concluir que a mudança daquele conceito de "sistema nervoso estagnado e imutável” muda, para um neuro-universo cada vez mais responsivo, dinâmico e plástico.
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Referências:
Publicado em 25 Abril 2012
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A Esquizofrenia e seus Aspectos de Inclusão Social



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Resumo: A esquizofrenia causa muito sofrimento ao paciente e as pessoas ao seu redor, onde acabam todos se tornando vitimas da doença e causa de preconceito. A reinserção social, inclusão da família e da comunidade no tratamento são recursos utilizados para a promoção da saúde mental, para que os portadores de transtornos mentais tenham uma melhor qualidade de vida, uma vez que este transtorno psicótico possa ocasionar dificuldades à sua vida social. Ao abordarmos os aspectos que levam a vida social de pacientes com diagnóstico de esquizofrenia, enfatizamos a participação e o comportamento em atividades comunitárias e de lazer e a interação interpessoal com familiares e amigos.  
Palavras - chaves: inclusão social, esquizofrenia, relações sociais. 
Introdução
O presente artigo tem como objetivo apresentar a situação dos esquizofrênicos em meio à sociedade, tomando como base aspectos culturais e familiares, classificando a psicopatologia esquizofrenia segundo o CID - 10, onde "os transtornos esquizofrênicos são caracterizados em geral por distorções fundamentais e características de pensamentos e percepções e por afeto inadequado ou embotado, a perturbação envolve as funções mais básicas que dão a pessoa normal um senso de individualismo único e direção de si mesmo". É classificada em:
  1. Esquizofrenia Paranóide
  2. Esquizofrenia Hebefrênica
  3. Esquizofrenia Simples
Considerando que a esquizofrenia não tem cura e afeta tanto homens quanto mulheres, costuma dar seus primeiros sinais a partir dos 18 anos. É justamente nessa fase que a pessoa está entrando no mercado de trabalho ou começando uma faculdade, onde, no caso dos esquizofrênicos, passam a sofrer dificuldades. Para o entendimento deste assunto é necessária a definição de fatores históricos, sociais e culturais.
No Brasil, entre as décadas de 1970-80, ao lado das lutas sindicais surgiram novos movimentos que lutavam pelos direitos dos negros, das mulheres, dos homossexuais e de outros grupos vulneráveis, entre estes grupos, surgiu o Movimento Nacional da Luta Antimanicomial, iniciado na década de 1970. Objetivado pela discussão acerca das características da assistência psiquiátrica oferecida nos manicômios às pessoas com transtornos mentais no Brasil. O Manicômio como uma instituição total, revelou-se desde a criação como um espaço de violência e arbitrariedade sobre as pessoas que acolhia. Sua estrutura se apresenta como desumana e ineficiente por seus resultados desastrosos, constituindo-se um lugar de sofrimento e dor, onde os pacientes, sem direito à defesa, são submetidos a maus tratos, privação de sua liberdade, de seu direito à cidadania e à participação social. Esta luta foi aderida não somente pelos profissionais da área, como também pelos usuários do serviço, tendo como principal conquista a circulação do sujeito no campo social. Foi um movimento que procurou estabelecer a socialização.
"Existe a idéia de que o louco precisa adaptar-se à vida fora dos hospitais, mas esse movimento é necessário também por parte da sociedade que vai receber. Não se pode esperar que o louco se enquadre ao ordenamento neurótico, mas a convivência é possível." (Ferreira E. D., 2007, p. 23).
A luta pela Reforma Psiquiátrica se liga a estratégias de difusão e ampliação das inovações institucionais construídas no campo da saúde mental. No interior desse movimento visualizam-se as associações, usuários e familiares, bem como os movimentos sociais que tem como bandeira a luta antimanicomial. Esses espaços constituem-se uma identidade coletiva orientada para uma ação política dirigida a conquista de uma maior visibilidade social, dos princípios da Reforma Psiquiátrica.
Com o avanço da tecnologia e sua influência sobre todas as áreas, inclusive no avanço da saúde mental, o paciente com algum tipo de transtorno psicológico recebe tratamentos que o incentivam a procurar sua inserção na sociedade. Marcada por preconceitos e desigualdades sociais, ao passo que, os esquizofrênicos são classificados como inferiores em relação aos que não apresentam distúrbios mentais.
O principal fator de inclusão social dos esquizofrênicos são os aspectos familiares (relação familia - paciente), pois a esquizofrenia é entendida como causada por eventos externos em relação ao individuo doente, onde a doença é percebida como um problema de toda a família e não apenas do enfermo. O paciente esquizofrênico sofre com sua condição e sua família também, não há como isto ser evitado. Esta é vista como desestruturada, fria, indiferente ou mesmo hostil ao paciente. Da mesma forma que o paciente esquizofrênico sofre duas vezes, pela doença e pelo preconceito, a família também sofre duas vezes, com a doença do filho e com a discriminação e incompreensão social. A família é o principal elemento no cuidado dos pacientes esquizofrênicos, pois estes ficam cada vez mais com seus familiares.
"Independente de seus desejos, os familiares tem que traduzir o mundo para o seu familiar esquizofrênico, e às vezes funcionam como psicoterapeutas, consolando, ajudando, aconselhando e guiando o seu parente doente." (Seeman, 1988).
Outro fator que influencia na inclusão dos esquizofrênicos na sociedade, são os aspectos culturais. Pesquisas feitas por Murphy (Shirakawa, I.; Chaves, A. C.; Mari, J. J; 2001; p. 223), hipotetizam as diferenças em relação ao risco (incidência) que está relacionado com o vinculo entre a cultura da sociedade e a visão particular do esquizofrênico, enquanto a evolução está relacionada aos aspectos de organização social e os obstáculos que uma cultura coloca nos modos como o individuo com esquizofrenia retornam aos seus papeis normais.
"Como a cultura não é algo estático, nem uma mera variável, o que precisa ser caracterizado é o tipo de experiência que a cultura fornece para aqueles indivíduos mais propensos em adquirir esquizofrenia” (Shirakawa, I.; Chaves, A. C.; Mari, J. J.; 2001, p. 222).
A hipótese de que os sintomas da esquizofrenia podem ser expressos diferentemente em cada cultura, vem sendo estudada por psiquiatras transculturais. Esta hipótese levanta a questão do relativismo cultural, que é representado através das seguintes idéias: mesmo que o quadro clínico aparente ser ligeiramente diverso a forma da esquizofrenia é universal, desde que se leve em consideração linguagem e cultura; aceitam a possibilidade de que a cultura apresenta uma influência importante na programação do cérebro; a esquizofrenia é exclusivamente concebida enquanto produto de atributos sociais, já que a cultura é caracterizada pela forma de sentir, pensar e agir. Assim através da cultura tentam explicar a razão dos sintomas dos esquizofrênicos.
Os pacientes psiquiátricos, hospitalizados por longos períodos, têm estratégias de sobrevivência na comunidade, mas algumas destas demonstram uma "auto - exclusão", como exemplo, a tendência ao isolamento social, indiferença ao trabalho, rede social limitada, etc. Apesar de a idéia parecer uma auto - exclusão, ela na verdade pode ser vista como uma estratégia bastante sensata a partir do instante em que tais pessoas permanecem vinculadas ao grupo de ex psiquiátricos na busca de identificar-se com os demais em relação aos valores, recursos e experiências em comum. Através destas tentativas de inclusão, quando o enfermo demonstra algum sintoma de recaída, em relação a suas estratégias, um dos fatores que podem vir a ser apresentados pelo paciente é alguma deficiência no trabalho, onde as pessoas de seu convívio logo o afastam. Como os primeiros sintomas aparecem entre a adolescência e o inicio da fase adulta, cada vez mais cedo, essas pessoas estão fora do mercado de trabalho. A inserção do paciente esquizofrênico no mercado de trabalho é um dever de toda a sociedade, pois eles podem ser produtivos.
A psicologia e a medicina há muitos anos tentam explicar e entender a esquizofrenia, na tentativa de responder à sociedade suas dúvidas. Segundo alguns pensadores da área da psicologia, o problema da doença mental parece estar no olhar, na maneira de encarar a realidade: visão de si mesmo, do outro, da sociedade e das coisas ao seu redor. Este olhar do esquizofrênico possui como principal aspecto a percepção da realidade alterada. Em outras palavras, a realidade seria diferente para o esquizofrênico. Isto envolve enxergar em sua vida coisas ora assustadoras, ora prazerosas, mas que aos olhos dos demais não existem. E também envolve não conseguir perceber o que todas as demais pessoas enxergam, do mesmo modo que elas compreendem os fatos como certo ou errado, justo ou injusto, bom ou ruim e assim por diante.
Desta maneira a pessoa que sofre de esquizofrenia sente-se excluída também por não conseguir compartilhar da mesma visão da sociedade, e, por outro lado ao sentir-se mal compreendida em sua visão particular. Viver em um mundo exclusivo onde ninguém mais enxerga o que se pode "ver" em seus delírios é em si propiciador de sofrimento. Pois o ser humano precisa se sentir parte de um grupo, compreendido, amado e aceito. Também precisa se sentir semelhante aos outros em algum aspecto para adquirir uma identidade social, considerando que o ambiente social deve ser bem estruturado.
Apesar de todas as características da doença, o tratamento traz bons resultados. Por isso, o esquizofrênico pode seguir uma vida semelhante a qualquer outro individuo, como: estudar, trabalhar, namorar, casar, ter uma vida em sociedade. A adesão ao tratamento não é uma tarefa fácil, pois inclui, além de medicações de alto custo, comparecimento às sessões de psicoterapia e cumprimento de uma agenda de tarefas propostas, que deverão ser mantidas ao longo de sua vida. Pacientes que não aderem ao tratamento são mais vulneráveis aos riscos que a doença oferece, onde esta vulnerabilidade poderá ocasionar a morte, e a sua principal causa é o suicídio, sendo mais frequentes em homens, por se sentirem mais sozinhos e sem esperanças.
O atual grande desafio dos profissionais da saúde é a conscientização da sociedade de que diferentes olhares podem também ser somados de modo muito rico. E cada profissional possui um papel importante nesta proposta de inclusão social da doença mental. Aos demais cidadãos, fica a tarefa de entender que o sofrimento psicológico é algo que existe em todos nós e se manifesta de diferentes maneiras e intensidades. Isto nos permite compreender que a pessoa com esquizofrenia precisará de ajuda e cuidado, apoio e tratamento adequado. Excluí-la da sociedade é destruir seus últimos recursos de sobrevivência emocional. Aceitá-la, respeitá-la e compreendê-la como um ser em sofrimento constante, que deverá ser tratado pelo profissional da saúde, talvez seja o primeiro dos muitos passos para um caminho mais acolhedor e terapêutico. O olhar esquizofrênico da vida é diferente, mas pode sim enriquecer olhares já cansados da nossa civilização, ao se depararem com uma realidade carente de compreensão, afeto e de solidariedade, como se este fosse um caminho para não ser louco e sim civilizado.

Contos de Fada e o Desenvolvimento Infantil



Escrito por Natasha Gouveia Studzinski e Mariah Schmidt Holzschuh
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Resumo: Através de histórias fantásticas, as crianças são capazes de se identificar com os personagens, expressar seus sentimentos, angústias e necessidades infantis e resolver conflitos psicológicos de acordo com a fase de desenvolvimento que estão passando. Assim como os contos, as cantigas de ninar trazem à tona questões humanas que todos devem elaborar, como a separação, a morte, o desamparo. Muitos adultos acreditam que os contos de fada são prejudiciais para a criança, pois exigem explicações racionais para tudo o que fazem. Dessa forma, impedem as crianças de lidar com seus próprios medos e ansiedades.
1. Introdução
Quando ouvimos uma história, lemos um livro, uma história em quadrinhos, ou mesmo quando assistimos a um filme ou a uma novela de televisão, nos identificamos com heróis. Isso porque eles nos trazem admirações e sonhos com aventuras e não apenas por acomodar valores (POSTIC, 1993).
Segundo Ressurreição (2007), “a capacidade de simbolizar é fundamental pra a nossa natureza psíquica e emocional, e é um atributo desejável para um desenvolvimento intelectual pleno, saudável e criativo”. A criatividade, a fantasia e a imaginação tornam o ser humano mais autônomo e independente (RADINO, 2003).
Através da fantasia, as crianças têm maior facilidade de compreensão, pois ela “se aproxima mais da maneira como veem o mundo, já que ainda são incapazes de compreender respostas realistas”. As crianças dão vida a tudo: ao sol, à lua e todos os elementos do mundo, da natureza e da vida. Nas histórias, elas se identificam facilmente com os problemas dos personagens, sendo isso fundamental para seu desenvolvimento emocional (RESSURREIÇÃO, 2007).
“A fantasia dos contos de fadas é fundamental para o desenvolvimento da criança. Há significados mais profundo nos contos de fadas que se contam na infância do que na verdade que a vida adulta ensina. É por meio dos contos infantis que a criança desenvolve seus sentimentos, emoções e aprende a lidar com essas sensações”. (RESSURREIÇÃO, 2007: p.1).
O conto é um instrumento de trabalho muito importante que auxilia a criança a lidar com a ansiedade que está vivenciando e superar obstáculos, favorecendo para o desenvolvimento da personalidade. A criança concentra-se mais e aprende a respeitar o outro através dos contos e histórias infantis. (RADINO, 2003).
2. Desenvolvimento da Imaginação
Segundo o dicionário universal da língua portuguesa (2007), “imaginação” significa “faculdade de conhecer e criar; faculdade de representar no espírito objetos ausentes; pensamento imaginário; fantasia”.
Nas palavras de Postic (1993, p.13):
“Imaginar é evocar seres, colocá-los em determinada situação, faze-los viver como se quer. É criar um mundo a seu bel-prazer, libertando-se. Tudo é possível. Tudo acontece. (...) Na vida cotidiana, imaginar é uma atividade paralela à ação que exercemos ligadas à realidade. A imaginação é um processo. O imaginário é seu produto”.
Para Sartre (apud. POSTIC, 1993), a imaginação é um ato mágico. É uma encantação determinada a fazer aparecer o objeto pensado, desejado. Imaginar é reconstruir e transformar a realidade por meio dos significados dados aos acontecimentos ou repercussões interiores que eles têm em nós.
A criança expressa seu imaginário primeiro pelo jogo, pelo gesto, pelo corpo. É só depois que ela vai utilizar do desenho, da pintura, e por fim, da narração (POSTIC, 1993). O brincar de faz-de-conta, não é uma atividade banal ou vazia. Para Bee (2003), é do faz-de-conta que depende grande parte do desenvolvimento cognitivo da criança. O jogo do faz-de-conta começa mais ou menos a partir do segundo ano de vida, onde os brinquedos são utilizados para seus propósitos reais: a criança utiliza de objetos como uma colher para “comer”, ou um pente de brinquedo para pentear o cabelo (BEE, 2003).
Aproximadamente com um ano e meio, ocorre uma mudança: “o receptor da ação de faz-de-conta agora passa a ser uma outra pessoa ou um brinquedo, em especial uma boneca” (BEE, 2003, p.202). A criança passa a encenar com este objeto simbólico (a boneca), se envolvendo na situação e sobrepondo seus estados afetivos: a criança pode fazer carinho na boneca, assim como pode a repreender. A criança adota papéis sociais, pontos de sua referência, como os próprios pais, professores, etc. Mesmo sabendo que “não é pra valer”, a criança representa como se fosse verdade, entusiasmando-se e deixando-se levar pela brincadeira (POSTIC, 1993).
Entre dois e três anos de idade, ocorre outra mudança, na qual as crianças começam a utilizar objetos para representar algo totalmente diferente dos seus propósitos típicos: uma vassoura passa a ser um cavalo, um fuzil, uma lança (BEE, 2003). Tudo é possível.
“Cavalga-se uma baleia e enfrenta-se um tubarão. Nasce assim espontaneamente, uma visão que se apoia no real e dele se liberta assim se desperta a exaltação de viver. A criança apropria-se do real sem que este se volte contra ela”. (POSTIC, 1993, p.23).
Segundo Field (apud. BEE, 2003), com aproximadamente quatro ou cinco anos, as crianças passam 20% de seu tempo lúdico brincando de faz-de-conta.
3.História dos Contos
Em muitas sociedades, os contos eram envoltos em significados sagrados. Foram protegidos e transmitidos, perpetuando-se através das gerações até a atualidade. E mesmo nessa atualidade, o que vemos é que os contos trazem uma proteção às crianças, no momento em que pedem aos pais que lhe contem uma história para que adormeçam (RADINO, 2003).
Mulheres de diferentes classes sociais, segundo Radino (2003), foram responsáveis pela criação de muitos contos conhecidos atualmente. Inicialmente, os contos não eram feitos para crianças, uma vez que estas não eram reconhecidas por suas características próprias de infância. A literatura dirigida à criança foi produzida a partir do século XVII, após a queda do sistema feudal, com a qual a família torna-se unicelular, e a criança é tida biologicamente como frágil e afastada dos meios produtivos. Consequentemente, a infância começa a ser pensada como uma fase de dependência do adulto. “A criança passou a ser valorizada, e juntamente com as ideias para seu desenvolvimento intelectual, surge a necessidade de manipulação de suas emoções” (RESSURREIÇÂO, 2007, p.8).
4. A Estrutura dos Contos de Fadas
“Os contos de fadas são narrativas, com ou sem a presença de fadas, que se desenvolve dentro de uma magia feérica. O eixo central dessa narrativa refere-se a uma problemática existencial em que o herói busca a realização que está relacionada à união homem-mulher”. (RADINO, 2003, p.171).
Os contos de fadas tendem muito para o lado do encantamento, do fantástico. Um mundo habitado por seres maravilhosos, todos convivendo naturalmente. Nada é considerado estranho. Tudo é maravilhoso no mundo da magia, do sonho e da fantasia. Não há limitações da vida humana e os conflitos são resolvidos por meios sobrenaturais (RESSURREIÇÃO, 2007).
A estrutura dos contos corresponde às necessidades infantis (RADINO, 2003). Os contos de fadas falam de heróis comuns. Seus nomes são genéricos e descritivos, ou comuns, como João e Maria. Os pais dos heróis também podem ser qualquer um de nós. Dessa forma, como diz Radino (2003), “torna-se mais fácil uma identificação com esses personagens genéricos, que vivem situações cotidianas e que têm uma família comum, e não sobre-humana ou sobrenatural”.
De acordo com Ressurreição (2007), os contos de fadas começam de uma maneira simples e partem de um problema ligado à realidade. A criança se depara com situações equivalentes à sua realidade interna. Buscando solucionar esses conflitos, aparecem as figuras mágicas. “E a narrativa termina com a volta à realidade, em que os heróis se casam ou retornam ao lar” (RESSURREIÇÂO, 2007: 3). Não há a localização temporal, pois este pouco importa para os contos de fadas. Assim sendo, as crianças e adultos dos contos de fadas não envelhecem, já que o tempo não existe. Ressurreição (2007) diz: “A velhice e a juventude faz parte do caráter do personagem” (p.10).
  Nas palavras de Radino (2003):
“Todo conto se inicia em um outro tempo e em um outro lugar, e a criança sabe disso. Ao iniciar um ‘era uma vez’, a criança sabe que partirá em uma viagem fantástica e que dela retornará com um ‘e viveram felizes para sempre’ (...). Esses rituais mostram que vamos tratar de fantasia, de uma Terra do Nunca. Quando nós, adultos, entramos em um cinema, ao se apagarem as luzes, não questionamos se o filme é real ou não. Embarcamos nessa viagem e identificamo-nos com os personagens, chorando e dando risadas. Quando as luzes se acendem, às vezes saímos um pouco tontos da sala de projeção, mas retornamos ao nosso mundo real” (p.135).
Para Bettelheim (apud. RESSURREIÇÃO, 2007), os contos de fada se estruturam de forma com que a criança consiga também estruturar seus devaneios e assim direcionar melhor a sua vida. Eles não iludem, e sim, expõem as crianças às dificuldades fundamentais do homem. Além disso, aguçam a imaginação (RADINO, 2003). Levine (apud. POSTIC, 1993) pontua que os contos de fadas, em sua maioria, nos trazem, a princípio, a angústia de ruptura com o meio familiar no momento de passagem para o mundo adulto. O que salva o herói é o seu grau de amadurecimento. “A mensagem oculta é a de que precisamos de nossos pais, mas para crescer, temos de nos libertar da dependência deles” (RESSURREIÇÂO, 2007). Em um segundo momento, segundo Levine (apud. POSTIC, 1993), ocorre a necessidade do herói de ser reconhecido além de seu âmbito familiar, como filho por uma “família fantasmática mais ampla” (POSTIC, 1993, p.20).
5. Contribuições dos Contos no Desenvolvimento Infantil
“O bebe necessita de um acalanto para dormir, a criança precisa de uma história e o adulto, muitas vezes, vê-se rodeado de um livro, ou mesmo de um filme, sem o qual não consegue embalar no sono noturno” (RADINO, 2003, p.47).
Segundo Radino (2003), mesmo parecendo terríveis, figuras como bruxas e ogros, por exemplo, podem acalmar a criança no acalanto, pois desvenda questões humanas que todos precisamos elaborar como a separação, a morte, o desamparo (temas muito apresentado em contos e cantigas de ninar).
“O acalanto seria uma forma de exorcizar os maus-espíritos que tentam separar mãe e filho, ajudando ambos a aceitar a inexorável solidão humana. O pedido do acalanto ou do conto antes de adormecer mostra justamente que o sono representa uma separação, em que se libera a mãe para outras atividades”. (RADINO, 2003, p.47).
As crianças muito pequenas ainda não têm condições de abstrair. Muitas vezes, as explicações dadas pelos adultos são incompreensíveis e elas só acharão consolo nos contos de fadas (RADINO, 2003).
Nos contos de fadas e nos mitos são ilustrados, simbolicamente, nossa história interna e nossos conflitos internos (como a rivalidade entre irmãos, por exemplo), sendo que o personagem principal somos nós mesmos (PAVONI, 1989; POSTIC, 1993). Através de uma linguagem fantástica, os contos procuram explicar a existência humana (RADINO, 2003). Segundo Postic (1993), a criança se identifica com o herói da história e capta significados a partir de seus interesses e necessidades momentâneas. Radino (2003) fala que os contos mostram à criança muitas questões humanas que ela vivencia, mas não consegue verbalizar. Eles dão forma a desejos da própria criança, aguçando a imaginação e favorecendo para o seu processo de simbolização que, segundo a autora, é de grande importância para a sua inserção no mundo civilizado e cultural. “(...) [A criança] troca de identidade de acordo com os problemas que tem que enfrentar” (POSTIC, 1993, p.20). Os contos de fadas sugerem, de forma simbólica, como convém resolver os conflitos internos (POSTIC, 1993).
Os contos de fadas, bem como os mitos, usam a mesma linguagem que o inconsciente. Pavoni (1989) diz que os contos falam diretamente com a criança, sem conselhos, explicações ou sermões.
“Eles falam ao inconsciente através de imagens, que vão conversar com as bruxas, os monstros, os medos que a estão assustando. Com o auxílio das fadas ou da espada mágica, a criança adquire forças para vencer o que a assusta ou preocupa. Enquanto ela não soluciona seu problema inconsciente, ouve ou lê a história até que o resolve. É esse um dos motivos que leva as crianças a pedirem que lhe contem várias vezes a mesma história”. (PAVONI, 1989: p.19).
Radino (2003) fala que o pedido de contar mais uma vez a história, é uma “forma de a criança apropriar-se de suas emoções e elabora-las” (p.143). Para tanto, a criança reconta várias vezes a mesma história, brinca e a dramatiza. Utilizando o simbolismo das histórias, ela consegue expressar as suas angústias. A criança também sempre terá uma história preferida que remete diretamente a algum conflito importante que esteja passando. Em momentos diferentes, a criança se identifica com determinado personagem, logo que despertada a sua angústia (RADINO, 2003).
Segundo Freud, as crianças identificam-se com os contos de fadas, pois estes desencadeiam temas universais dos seres humanos. Eles transmitem a garantia de sucesso na resolução de problemas das crianças. De acordo com Radino (2003), os contos de fadas são apresentados de forma simbólica, dando base para a assimilação de conflitos internos de acordo com o estágio de desenvolvimento (tanto psicológico, como intelectual) que a criança está passando.
Eis o final feliz, que Battelheim (1980; apud. RADINO, 2003) refere-se como uma realidade interior, pela qual “(...) a criança conseguirá superar seus conflitos e se tornar independente” (p.134-5).
Quando a criança sente medo da bruxa, ou do monstro, ela passa a sentir menos medo de seus pais (HELD, 1980; apud. RADINO, 2003).
“A mãe má, personificada na figura da bruxa, ajuda a preservar a mãe boa dos ataques sádicos da criança. Quanto mais intensa a fantasia sádica dirigida aos pais, maior a necessidade de a criança manter as figuras dos pais bons, protegidas e separadas. Ao internalizar essas figuras más, a criança intensifica seu contato libidinal com seus objetos externos. Procura segurança na pessoa real da mãe, distanciando-a de sua figura interna, terrorífica (...). É mais fácil e menos angustiante para uma criança temer uma bruxa do que sua própria mãe, que também é objeto de amor. A figura da bruxa, ou da madrasta má, simboliza justamente as dificuldades entre mãe e filho, no processo pré-edípico. A figura da mãe, projetada na madrasta ou bruxa, alivia o ódio entre mãe e filho”. (RADINO, 2003 p.141).
Held (1980; apud. RADINO, 2003), fala que pelos contos, a criança aprende “(...) a dominar seus medos reais e, dessa forma, suas relações cotidianas melhoram. O medo de um pai ou de uma mãe pode tornar-se um objeto mental dominado pela criança” (p. 196).
6. Contos Infantis no Contexto Escolar
 Para uma história prender a atenção de uma criança, esta deve fazer uma relação com “todos os aspectos da personalidade da criança” (RESSURREIÇÃO, 2007: 3). Isso deve ser feito sem menosprezá-la. Os conflitos são sempre por intenção maldosa contra uma pessoa de bem e só é resolvido pelo encantamento. A bruxa (ou o mal) persegue o herói, aumentando o conflito até o final, onde o bem triunfa e o mal é castigado. A morte da bruxa (do mal) tem que ser total e absoluta. A criança tem que interpretar a morte como algo definitivo (ou senão a bruxa pode reaparecer). Então, a história termina com um final feliz (RESSURREIÇÂO, 2007; RADINO, 2003).
O que muitos autores criticam é o fato de ainda hoje, pais e educadores (guiados pelo pensar), exigirem da criança explicações racionais para tudo que elas fazem. Acreditam que a atividade artística, quando desprovida da intelectual, forma pessoas incapazes de lidar com a vida cotidiana. (PAVONI, 1989; RESSURREIÇÃO, 2007).
Muitos adultos acreditam que os contos de fadas seja prejudicial à criança, justamente por seu caráter irreal, e tentam de alguma maneira censurá-los ou torná-los mais realistas. A fantasia acaba sendo considerada como um elemento “que dificulta o acesso à realidade e [é] taxada de mentira” (RADINO, 2003 p.116).
Ao fazer isso, esses pais e/ou professores estarão impedindo a criança de lidar com seu próprio medo e agressividade.  Segundo Radino (2003), “o que traumatiza as crianças não é o contato com os elementos escabrosos, mas o significado e a relevância que os adultos lhe dão” (p.196). As crianças só temerão imagens assustadoras, quando os adultos insistirem no seu caráter assustador (GRIMM, 1999; apud. RADINO, 2003).
“(...) ao censurar os contos de fadas, muitos pais e professores não estarão protegendo a criança de vivenciar situações que estes apresentam como o medo, a sexualidade, a inveja, o ódio, entre outros. Esses sentimentos já estão presentes na criança, de forma fantasiada, desde muito cedo. A ideia de que o contato com tanta fantasia desorganiza, ao contrário do que se imagina, pode servir como fonte de elementos simbólicos para a própria organização mental” (p.135).
E não devemos esquecer-nos da importância de a criança se projetar na história e no personagem, de imaginar os personagens, a paisagem. “Quanto mais elementos realísticos a história tiver, menos a possibilidade da criança se projetar nela” (BETTELHEIM, 1980; ALVES COSTA, 1991; apud. RADINO, 2003: p.182).