A INTERPRETAÇÃO PSICANALÍTICA
Diogo Assunção Valim*
Minha
intenção ao escrever este artigo é de promover uma breve reflexão a
respeito da técnica primordial da psicanálise: a interpretação. Assim
como promover um terreno fértil para que novos psicólogos que tenham
optado pela psicanálise possam encontrar aqui um pequeno apoio a sua
iniciação da prática clínica. Tendo em vista que este jornal foca a
psicologia como um todo, pretendo elaborar este artigo de uma forma que
possa ser inteligível também para os profissionais e estudantes que
fizeram a opção por outra linha de abordagem ou ainda não tiveram
contato com a psicanálise. Para que isso seja possível teremos que
resgatar alguns conceitos básicos da psicanálise antes de avançar para
as contribuições dos autores contemporâneos.
Antes
de entrarmos no assunto interpretação, devemos nos perguntar: porque o
psicólogo tem que interpretar o que o paciente diz? Não seria o paciente
capaz de dizer o que ocorre consigo?
Para
responder esta pergunta teremos que recorrer uma das primeiras
descobertas de Freud: o inconsciente. Caso o leitor já tenha passado
pela situação de esquecer um nome ou palavra, algo familiar o qual se
tem a certeza de se saber, mas simplesmente não conseguir trazer a
consciência, então já experimentou o poder do inconsciente. Uma parte de
nossa mente impossível de ser penetrada pela nossa própria vontade,
onde mantemos as mais primordiais experiências vividas. A fim de poupar a
consciência do sofrimento, também utilizamos o inconsciente para
livrar-nos de lembranças dolorosas e indesejadas.
O
problema de utilizarmos o inconsciente como cofre de experiências e
idéias as quais desejamos esquecer é que este cofre não pode prendê-las
por completo. Tudo o que é reprimido sem o devido tratamento, exige ser
lembrado. A situação se intensifica quando isto que foi reprimido volta a
consciência em forma de sintoma ou de atuações. É o caso de pessoas que
sentem dores em determinadas partes do corpo e sempre que procuram o
médico não encontram doença alguma. Como um exemplo de atuação podemos
citar pessoas que constantemente lançam-se em relações amorosas
desastrosas.
Sendo
a natureza do problema inconsciente, o paciente não pode por si só ter
acesso as lembranças ou idéias que o libertariam de seu sintoma ou
atuações repetitivas.
Para Freud o objetivo da terapêutica psicanalítica residiria:
“[...]
na possibilidade de livrar-se desta repressão, de modo a permitir que
parte do material psíquico inconsciente se torne consciente e privá-la
assim de seu poder patogênico.” (FREUD, 1913, pág. 188)
E
para que seja alcançado tal objetivo a ferramenta a ser utilizada é a
interpretação psicanalítica. A primeira menção de Freud sobre a
interpretação foi em 1900 na “Interpretação dos Sonhos”:
“[...]
“interpretar” um sonho implica em atribuir a ele um “sentido” – isto é,
substituí-lo por algo que se ajuste a cadeia de nossos atos mentais
como um elo dotado de validade e importância iguais ao restante“ (FREUD,
1900, pág. 131)
Com
o desenvolvimento da técnica Freud estendeu esta prática para a fala e o
comportamento do paciente. Assim como nos sonhos, quando o paciente
utiliza a fala para expressar suas idéias e pensamentos o inconsciente
age de forma a delatar a verdadeira intenção por trás das simples
palavras concretas. São muitas as formas como isso ocorre, vão desde
comportamentos a falas ou gestos, mas podemos citar como exemplo os
famosos “atos falhos”, quando o paciente é traído pelas próprias
palavras. A função da interpretação é justamente dar sentido a estes
fragmentos liberados pelo inconsciente. Sendo assim, o principal
atributo e também o mais conhecido é o de “traduzir” a fala do paciente,
ligando idéia e afeto.
Mas
qualquer leitor a esta altura poderia se perguntar: “mas traduzir
baseado em que? Teria o psicanalista algum manual? Ou teria ele um poder
sobre-humano de conhecer a verdade que o paciente não vê? Para isto a
psicanálise não se utiliza somente da teoria, mas também de uma
propriedade simples e inerente a todo ser humano: a lógica. Vamos
colocar em um exemplo hipotético: temos uma paciente que constantemente
vem a sessão e gasta todo o tempo desta queixando-se e insultando sua
mãe, segundo ela sua progenitora seria a causa de todos seus problemas.
Agora
vamos colocar as lentes da lógica e pensar sobre isso: porque será que
esta paciente procurou um psicólogo em primeiro lugar? Se ela própria
acreditasse que seu problema estava na figura da mãe não pagaria um
psicólogo sabendo que este não ira interferir no problema diretamente,
mas agiria diretamente sobre o que a incomoda. Espero que o leitor
esteja seguindo meu raciocínio: temos aqui uma mulher que diz ser sua
mãe a problemática, mas é ela própria quem procura tratamento. Com isto
em mente, temos que repensar o que a fala desta paciente esta escondendo
e interpretar isto a fim de que ela liberte-se de seu discurso
superficial.
Outras
premissas que todo psicanalista se baseia para elaborar suas
interpretações é o fato de que quando um paciente fala, sempre fala de
si. Mesmo quando relata fatos que ocorreram em sua vida, ele as relata
como as percebeu e o que pode retirar de cada fato, desta forma, na
clínica nunca lidamos com a realidade propriamente dita, interagimos
antes, com a realidade do paciente.
Segundo
Otto Fenichel (2005) a interpretação age como modo a ajudar o paciente a
eliminar suas resistências tanto quanto possível, chamando a atenção do
paciente para os efeitos de sua própria resistência. O principal motivo
pelo qual o paciente não pode livrar-se de seus sintomas é, alem da
ambigüidade de sentimentos envolvendo o autoconhecimento, que sua
atenção está dispersa e desfocada de si próprio ou das questões chaves
do conflito. Desta forma, a interpretação também serve como um
“holofote” que foca a atenção do paciente onde ela é mais proveitosa.
Vamos
recorrer ao exemplo já dado. A interpretação do psicólogo na ocasião em
questão retiraria a atenção da paciente sobre sua mãe para focar nela
própria, desta forma ela pode perceber-se na relação com sua mãe e
descobrir suas vontades inconscientes que a levaram a procurar um
atendimento psicológico.
Como
a verdadeira motivação do paciente é inconsciente, logicamente sua
consciência será repleta de “lacunas” e para cobrir estes furos ele
utiliza-se da fantasia. Como bem coloca Aulagnier (1995), outro papel
importante da interpretação é iluminar estes furos e mostrar a
incoerência das fantasias criadas para tapá-lo, através da atenção do
paciente focada sobre este ponto e somado ao papel de “tradutor”
assumido pelo terapeuta, é possível reaver o que fora subtraído pelo
inconsciente. A mesma autora ressalta um efeito importante da
interpretação na mente do paciente: a mudança econômica. Em termos
simples, o paciente muda sua economia de energia ao desprender-se de
fantasias, atuações e ideações patológicas, desta forma esta energia
fica livre para ser investida em outros campos da vida do paciente.
Zimerman (2004) destaca que no termo interpretação deve se levar em conta o prefixo inter
pois designa uma relação de vincularidade entre o analisando e o
analista, neste espaço vincular se daria a interpretação, como uma
construção da dupla e não apenas uma atividade do analista. Pensando
nisto, vamos mudar o lado da moeda agora e entender a interpretação do
ponto de vista do psicólogo. Segundo Zimerman, a interpretação teria 3
fases na mente do analista: acolhimento dos conteúdos do paciente,
quando o psicólogo escuta o paciente nas amplas formas de comunicação.
Em seguida a transformação, tendo os conteúdos do paciente em sua mente o
psicólogo os transforma em algo que possa ser compreendido pelo
paciente. E o ultimo passo é a devolução em forma verbal.
Certamente
este é um assunto muito mais amplo e profundo e aqui temos a
possibilidade apenas e arranhar a ponta do iceberg, mas se este artigo
foi capaz de instigar a mente do leitor e promover um interesse maior
por esta fascinante técnica então considero sua missão cumprida.
*Diogo Assunção Valim é psicologo e ex-aluno do Cesumar.
Para saber mais:
AULAGNIER, Piera. O trabalho da Interpretação in Como a Interpretação vem ao Psicanalista – São Paulo: Editora Escuta, 1995.
FREUD, Sigmund. Técnica da psicanálise in: Obras completas de Sigmund Freud: Edição Standard Brasileira (volume XXIII) – Rio de Janeiro: Imago, 1996.
FREUD, Sigmund. O Método de interpretação dos Sonhos; análise de um sonho modelo in: Obras completas de Sigmund Freud: Edição Standard Brasileira (volume IV) – Rio de Janeiro: Imago, 1996.
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