sábado, 24 de março de 2012

Relações entre a Histeria e a Perversão




Introdução
Pretendo através deste trabalho tentar levantar questões e também delimitar algumas diferenças e semelhanças entre a neurose (sobretudo a histeria) e a perversão.
As teorias psicanalíticas tentam delimitar, conceituar e refletir sobre um determinado objeto de estudo e observação. Em alguns momentos, elas lançam mão de idéias que ao delimitar algo correm o risco de criar impasses no momento em que se está diante de um paciente real.
Calligaris nos diz que “a vida concreta sempre tem o direito de condenar as idéias (...) Pois a vida concreta tem o mérito radical de ser o que existe, ou seja, um emaranhado (...)” (4) e neste caso eu acrescentaria: algo que a teoria não dá conta.
Quando nos deparamos com a clínica, vemos que existem nuances, misturas, interfaces que desafiam um determinado olhar teórico sobre algo.
A escola psicanalítica francesa é marcada pelo conceito de estrutura clínica, onde se destacariam três estruturas: a neurose, a psicose e a perversão. Está ligado a este conceito um determinado modo de funcionamento da mente, um modo de relação do sujeito com o outro e com o seu desejo, sendo este modo algo rígido e imutável.
Porém Maria Helena Saleme, por exemplo, vai questionar os diagnósticos psicopatológicos pelo risco de “que nos ensurdeçam, nos ceguem e nos engessem”. (11) A mesma autora prefere utilizar o conceito de estilo ao invés de estrutura já que o primeiro termo “traz em si um movimento que a idéia de estrutura paralisa.” (11). Aqui Saleme levanta a idéia da possibilidade de mudança do ser humano
A idéia de estrutura ajuda a diferenciar e classificar diferentes apresentações clínicas, sendo extremamente útil como instrumento para o pensar, mas por outro lado, como Saleme aponta, no conceito de estrutura há a idéia da imutabilidade, algo que de modo algum me parece uma questão livre de polêmica. Além disso, como explicar, dentro do conceito de estrutura, que existam em uma pessoa de determinada estrutura o uso de mecanismos de defesa pertencentes à outra estrutura?
Por que estou levantando esta questão? Porque ao me deparar com os conceitos e modos de funcionamento da histeria e da perversão, via – me com freqüência tendo que pensar em que diferiam e em que se assemelhavam; se por um lado pareciam coisas absolutamente diferentes, por outro há uma interface capaz de provocar bastante confusão. É a partir desta problemática que me vi tentado a aprofundar o tema.
Os fantasmas do perverso e do neurótico são os mesmos
Houve inúmeras frases de Freud que se tornaram célebres e sem dúvida nenhuma uma delas foi: “A neurose é o negativo da perversão”. Através desta idéia Freud destacou que as fantasias dos neuróticos e dos perversos são as mesmas. Aliás, ele foi genial ao ir mais além, quando mostrou que toda criança era dotada de uma sexualidade e que esta era perversa polimorfa, conforme seus “Três Ensaios” (9)
Modo de expressão
Deste modo, uma primeira diferenciação a ser feita entre a neurose e a perversão se dá não pelo tipo de desejo sexual, mas por que modo este pode se expressar. Para o neurótico, o desejo vai se expressar pela formação do sintoma que é uma formação de compromisso entre o desejo e a censura. Já no perverso o desejo aparece pela via da atuação, ou, dito de outro modo, o perverso age, ele encena o desejo. Enquanto o neurótico vive sua sexualidade na fantasia, o perverso a vive através da atividade, da ação. (12)

Relação pulsão / dique
Haveria uma diferença no interjogo da pulsão e do dique que se interpõe ao pleno escoamento da pulsão (a censura). É porque a censura se mostra muito intensa no neurótico que o único modo de escoamento do desejo é que este venha disfarçado, via sintoma. Já no perverso, ou haveria um excesso de pulsão ou um dique mais enfraquecido, como retomarei adiante.
A questão da castração e do desejo
Tendo em mãos a teoria do complexo de Édipo e do complexo de castração, houve um avanço substancial na compreensão tanto das neuroses (“o complexo de Édipo é o núcleo das neuroses”) como das perversões.
Freud fez questão de manter o termo “castração” para ser usado na época em que a criança ingressa na fase fálica. Refere-se a uma fantasia que a criança tem ao perceber que as mulheres não tinham pênis. Diante desta percepção, o menino conceberá a idéia de que houve uma castração (e não que o sexo das mulheres é diferente do dele) e logo a seguir surge a idéia de que se ele não abandonar seu objeto de amor, será castrado também. Quando a criança se dá conta disto, ela se depara com a percepção de que sua mãe é incompleta, não mais onipotente como antes imaginou, e se depara com a percepção do desejo entre os pais que se sustenta na diferença dos sexos. É o momento que perceberá também que esteve enganado o tempo todo sobre o “seu saber”.
É ao se deparar com a falta que o sujeito pode se constituir como sujeito do desejo. É neste momento que se dá conta da dependência do outro.
Tanto o individuo histérico quanto o perverso parecem ter um enroscamento justamente nesta fase, apesar de que no período pré edípico já ocorreram uma série de vicissitudes que marcarão a entrada, tanto do histérico como do perverso, no complexo edípico e na fase fálica. (ver adiante)
Sobre a perversão
Piera Aulagnier vai trabalhar com o conceito de estrutura perversa e vai defini-la a partir deste momento em que o perverso é confrontado com a realidade da diferença entre os sexos (1), algo que começa a se instituir nesta fase.
Para a autora, o perverso tem uma vivência da ordem do horror no confronto com a diferença dos sexos e nisto está a confirmação de que ele está condenado a perder o objeto do desejo (a mãe) assim como o seu pênis. Ele não consegue reconhecer que ao renunciar à mãe, ele está abrindo as portas para o desejo por outras mulheres, ao reconhecer que há uma Lei, ele pode ter garantido para si o estatuto de sujeito desejante. (1)
Nas pessoas não psicóticas e não perversas, a descoberta da diferença dos sexos tem um efeito de fascinação nos órgãos sexuais, pois eles presentificam a diferença entre os pais e o jogo do desejo. A diferença sexual é o símbolo da diferença entre as pessoas. O perverso tem horror diante disto porque para ele é algo brutal, a castração é algo real para ele. (1)
É aqui que entra o mecanismo de defesa central da perversão que é a recusa.
Em seu texto sobre o fetichismo (7), Freud vai dizer que o fetiche é um substituto para o pênis, não para qualquer pênis, mas para o pênis que o menino antes acreditou que a mãe possuía. Através do fetiche, há uma recusa em aceitar a percepção de que a mãe não tem pênis. Neste mecanismo, a percepção não é inteiramente apagada. Freud diz: “não é verdade que, depois que a criança fez sua observação da mulher, tenha conservado inalterada sua crença de que as mulheres possuem um falo. Reteve essa crença, mas também a abandonou. No conflito entre o peso da percepção desagradável e a força de seu contradesejo, chegou-se a um compromisso (...) Sim, em sua mente a mulher teve um pênis, a despeito de tudo, mas esse pênis não é mais o mesmo de antes. Outra coisa tomou seu lugar, foi indicada como seu substituto, por assim dizer, e herda agora o interesse anteriormente dirigido a seu predecessor. Mas esse interesse sofre também um aumento extraordinário, pois o horror da castração ergueu um monumento a si próprio na criação desse substituto”.(7)
Como se vê, o próprio Freud ressalta o horror que o fetichista sente ao se deparar com a castração.
Penso que este intenso horror pode estar ligado à concretude com que o perverso compreende a idéia de castração, algo que exige um mecanismo engenhoso para dar conta de algo que não consegue ser simbolizado.
Como Freud nos esclarece, o fetiche é e ao mesmo tempo não é o pênis, ele diz “a mulher teve um pênis, a despeito de tudo, mas esse pênis não é mais o mesmo de antes” – a percepção não pode ser apagada, o fetiche está lá para negar a ausência do pênis, mas ao mesmo tempo é aquilo que sempre lembra esta ausência, lembra que algo está no lugar do pênis ausente (isto é um dos pontos de diferenciação do perverso em relação ao psicótico). Haverá um lado que se ajusta ao desejo e outro que se ajusta à realidade e ambos caminham juntos. (7)
O fetichismo é o ponto de partida para a perversão, o que está em jogo é a crença na onipotência da mãe ou, dito de outro modo, crença na feminilidade fálica.
Piera parece partir daí para ampliar a idéia da perversão, aliás, ela parece levar as idéias de Freud às últimas conseqüências na medida em que na relação com o outro o perverso tentará provar o tempo todo que a castração não existe. Um outro modo de rejeitar a castração é fazer dela uma forma de gozo. (1)
Antes de prosseguir, é preciso dizer que o que está em jogo é a idéia de uma castração simbólica, castração do falo enquanto emblema da completude, da onipotência do desejo. Em oposição ao falo, a falta.
É preciso dizer também que o fetiche, que tem como finalidade ocultar a falta, pode ser direcionado a qualquer coisa. Ou seja, qualquer coisa pode ser “fetichizada” – ou, dito de outro modo, o perverso pode se valer de várias artimanhas em que o mecanismo central é o do fetiche. Numa relação em que o perverso ocupa um lugar masoquista – um lugar essencialmente de submissão – não deixa de existir a fantasia de que alguém ocupa o lugar fálico e ainda: o masoquista é aquele que outorga ao outro o direito de dominar sua vida, é ele quem “tem o poder extremo de investir um outro da potência fálica.” (1). Assim, a própria relação com o outro é “fetichizada”.
O perverso é aquele que pretende ter um plus de saber sobre a verdade do gozo, saber este que na verdade é um engodo, mas que pode prender ao outro na armadilha da fascinação. (1)
Ao “transformar dor em prazer, o horror da castração em um motivo de gozo, a desaprovação e a degradação em valorização narcísica” (1) , o perverso parece estar acima dos meros mortais, parece estar acima do bem e do mal, parece não ser atingido por nada. Ele é o senhor do gozo, como se soubesse determinar suas leis.
É claro que é uma ilusão; ao ultrajar a Lei – como se dissesse que a Lei é para os bobos – há uma referência a esta – a Lei não é de todo inexistente.
Ao recusar a castração, o perverso mantém a crença na onipotência da mãe, na onipotência do desejo, mantém-se acreditando em um atributo fálico onipresente e onipotente. Ele irá “recusar que ele possa não ser a representação da totalidade do que a mãe deseja”. (1) A castração coloca em jogo a percepção de que há um mundo de gozo e desejo entre os pais do qual a criança está excluída.
O perverso não consegue transformar o horror que sente diante da diferença dos sexos em fascinação. Ele tem como seu enunciado a certeza da unissexualidade original e o pai como agente de uma castração real (1). Ele convive com duas idéias antagônicas dentro de seu ego (há uma divisão em seu ego) – “a mãe tem pênis” e “a mãe foi castrada pelo pai”. Ao dizer que o pai castra a mãe, há para ele uma marca sangrenta que se refere a uma mutilação, a causa do horror que “faz de todo o desejo algo que coloca o próprio ser do sujeito em perigo”. (1)
Sobre a histeria
Freud vai dizer que a histeria está ligada a uma fixação à fase fálica.
Nesta fase, ao se deparar com a percepção de que a mãe não tem falo, o mundo da criança passa a ser dividido entre fálicos e castrados, os primeiros considerados seres superiores e os segundos, inferiores (11). É ao passar pela resolução do complexo edípico que a criança poderá apreender a diferença entre os sexos e dividir as pessoas em homens e mulheres.
A histérica, ao estar fixada nesta fase, verá o mundo dividido em fálicos e castrados.Não há possibilidade ainda de se dar conta da real diferença entre os sexos. Na fase fálica, o pênis como valor fálico é a única referência – só existe um genital.
A histérica não sabe o que é ser mulher, portanto representa ser mulher, por isto muitas vezes demonstra um ar teatral, exagerado, dando a sensação de artificialidade. Ser mulher para ela é fantasiado dentro do registro que ela conhece, o fálico, assim ser mulher passaria a ser uma equivalência simbólica com ter o falo. Ela não pode tolerar não ser mulher porque para ela isto significa ser castrada. Então aqui entra a encenação histérica do que ela julga ser mulher.
Assim, a feminilidade é passível de ser invejada pela mulher histérica,não qualquer feminilidade, mas uma feminilidade fálica (2).
A solução histérica para o complexo de castração é “falicizar o corpo não genital”. “O histérico não tem o falo, ele é o falo”. (11) Freud coloca que o excesso de adereços numa mulher seria uma tentativa de compensação pela sua falta de pênis.Há um jogo que se passa na falicidade, em que há uma ilusão de não estar se perdendo nada.
Segundo Silvia Fendrik, do ponto de vista estrutural a histeria supera o âmbito do psicopatológico para ser um modo específico de estruturação do desejo relacionado ao Édipo. Neste campo podemos entender a necessidade de um outro para quem ela dirija seu discurso e a presença do dilema entre ser e ter ou não o falo ao mesmo tempo que este é aludido por meio apenas de um “parecer”. Através de uma identificação com o pênis, o corpo inteiro se transforma em um falo para o olhar do outro. (6).
Tanto o perverso quanto o histérico...
Depreendo do que foi dito que tanto o perverso quanto o histérico estão tentando lidar com a questão da castração. Em ambos há uma dificuldade central que é lidar com a falta e em ambos há uma referência à falicidade.
Para Joel Birman, a feminilidade seria o contraponto da falicidade. Enquanto o falo é a completude, a feminilidade pressupõe a aceitação da castração enquanto representante da percepção da falta e do desamparo inerente à condição humana. É pela feminilidade que se marca a diferença entre os sujeitos enquanto apenas diferenças, não mais como juízos de valor. Neste sentido, todos nós, mulheres ou homens, precisamos nos tornar femininos. A instauração da feminilidade se relaciona com uma aptidão para a renúncia e exige luto. Já a mediação do falo é usada para ofuscar a vivência de desamparo. (3)
Saleme irá ainda acrescentar em seu texto sobre a histeria a idéia de que a “crença no poder fálico” é “uma tentativa de neutralizar um excesso pulsional sem representação”. E ainda: “O arranjo fálico é uma defesa frente à feminilidade”. (11)
Defesas perante a castração
Para se defender da castração, o perverso irá usar um mecanismo mais poderoso que a repressão (usada com freqüência pelo neurótico) que é a recusa. Ele tentará provar o tempo todo (no fundo, para si mesmo) que a castração não existe, ou que quem a faz é ele ou que a castração é “de mentirinha”, de brincadeira. A recusa é um mecanismo em que uma percepção é substituída por uma crença. Ela vem junto com uma cisão do ego em que parte deste usa a repressão e parte usa a recusa.
Nas atuações do perverso, há uma encenação da castração. Um exemplo: numa relação em que ele está num lugar masoquista, a cada vez que ele se submete a algum tipo de violência, a agressão ao seu corpo (mas que pode ser uma violência que não agride fisicamente e sim moralmente) representa a violência que ele imagina ter ocorrido na fantasia de castração da mãe e ao mesmo tempo, ao sobreviver a esta violência, ele reafirma que a castração é de brincadeira ou que ele está acima dela, pode gozar com ela. (1)
O fetiche é o equivalente do pênis da mãe, há o uso de uma equação simbólica e não de um símbolo como o histérico é mais capaz de fazer, denunciando uma menor capacidade de simbolização do perverso perante o histérico.
Já o histérico não tenta mitigar a castração: a castração existe, mas ele tenta fazer com que quem seja castrado seja o outro e não ele. É o outro que fica no lugar da falta.
É como se o histérico quisesse ganhar, mas ganhar dentro das regras do jogo. Já o perverso quer ser ele o que cria as regras do jogo e ri daqueles que o jogam.
“O histérico estaria marcado pela castração, gastando grandes quantidades de energia corporal e psíquica para manter inconsciente este conhecimento”.(11) O mecanismo da repressão está presente nesta defesa. Já o perverso tem também uma referência à castração – e isto o diferencia do psicótico – porém penso que o conhecimento desta é expresso não como no neurótico em que aparece via sintoma, mas por via da atuação e da ação. Porém aqui há uma questão a ser pensada, porque a histérica também atua.
Quando Freud brilhantemente percebeu o conceito de transferência, abria-se espaço para pensar que é na relação com o outro que se revive as questões fantasmáticas e é na relação com o outro que se dá por excelência o palco das atuações. Tanto a histeria como a perversão implicam não um mero comportamento sexual ou um sintoma, mas todo um modo de relação do sujeito com o seu desejo e com o outro. A diferença se dará então pelos significados das atuações: a questão que vai se marcando como cerne da diferença entre estas duas entidades é profundamente ligada a saber o que quer uma histérica e o que quer um perverso.
Ao não tolerar a diferença anatômica interpretada por ela como castração, a histérica também não tolera a renúncia ao casal de pais. Porque ser castrado é sair da relação de completude com a mãe (e cuja busca depois é transferida ao pai), sair do lugar de falo da mãe. A histérica apresenta um intenso erotismo – incestuoso – em virtude de suas fixações edípicas que é dirigida tanto ao pai (Édipo positivo) como à mãe (Édipo negativo), porém este erotismo é reprimido. Freud coloca em “A feminilidade” (1933) que a repressão atrapalha o caminho para a feminilidade por poder fazer perder demasiados elementos deste caminho (8)
Ao sugerir enigmaticamente que tem algo a mais que não se vê – e isto pode estar nas vestes, no modo de falar ou pode estar na idéia de um segredo que parece estar preste a ser revelado, mas ela não pode contá-lo – a histérica transmite ao outro que quem está com a falta é ele e não ela.
Neste sentido, reforço novamente que a histeria deixa de ser apenas uma descrição de sintomas conversivos para ser todo um modo de relação na qual o homem confirmaria à histérica, ao desejá-la e colocá-la em determinado lugar, que ela seria uma mulher. A histérica necessita de um outro externo que lhe valorize uma vez que no fundo se sente lesada.
O desejo e a paixão
Para Piera, o desejo é sempre desejo do desejo, isto é, desejo de ser desejado. Ao se tornar sujeito desejante, está implícito que houve o registro da falta, da dependência do outro, outro que o sujeito não controla. Deste modo, o desejo se opõe ao falicismo. Deste modo, por tentar se manter no falicismo, tanto o perverso quanto o histérico terão que se defender de perceber o próprio desejo.
Para a histérica, a sua busca se centra essencialmente em ser desejada. Para ela estar no lugar de desejante é humilhante. Ao virar “fálica”, ela se protege da condição de desejante. O desejo coloca o brilho fálico no outro, ele “faliciza” (12). Por isso ela busca o desejo do outro. (Mas ninguém pode ser realmente o falo, é o desejo que investe qualquer coisa de características fálicas, o próprio pênis só adquire esta característica ao ser investido pelo desejo). (12)
Para o perverso, este busca ser o senhor do desejo, aquele que sabe como fazer o outro gozar, aquele que inspirará no outro a fantasia de que alguém sabe algo além sobre este caminho do gozo. Agora é fundamental diferenciar que o perverso não está buscando ser desejado pelo outro, ele precisa do outro para que este testemunhe aquilo que ele quer provar: que a castração não existe ou que é de brincadeira e que é ele quem controla o desejo, sabe sobre ele. O perverso tenta submeter o outro ao desejo enquanto o histérico tenta despertar o desejo do outro.
O perverso não consegue mudar do desejo de um objeto parcial para o desejo de um outro, “desejo do desejo” nas palavras de Piera Aulagnier. (1) Para ele a lei é a lei do desejo, mas é o desejo da pulsão parcial.
O masoquismo da perversão é o masoquismo em que o indivíduo diz que por alguém ele agüenta tudo, a questão não está na dor, mas no poder, “eu te desejo tanto que a dor não é nada” (12). É claro que é uma falácia, o perverso é capaz dos mais belos discursos sobre o amor, como ressalta bem Clavreul ao falar do casal perverso (5), mas não é capaz de realmente amar, porque amar pressupõe dois sujeitos desejantes e essencialmente diferentes um do outro. O amor exige para existir a possibilidade de enxergar o outro, mas o perverso não pode reconhecer que o outro é singular (11) O “amor” do qual o perverso fala é um amor poderoso, que melhor se adequa á paixão. É neste sentido que Piera dirá que nem toda paixão é uma perversão, mas toda perversão é uma paixão (2). Uma paixão porque a paixão é cega – não há real percepção do outro – e porque é uma crença na completude. Paixão definindo uma forma de vínculo em que um objeto é indispensável – voltamos ao registro da onipotência. Paixão enquanto perversão do desejo.(2)
É claro que o histérico pode se apaixonar, aliás, muitas vezes apaixonar-se-á justamente por um perverso já que este tão convincentemente fará o histérico sentir que alcançou a completude. E, em nome deste amor, ele poderá se submeter a vários atos, inclusive deixar de lado seus valores. Mas o histérico tem mais perto de si a castração, a paixão tenderá ao término porque o histérico não consegue viver o tempo todo neste lugar onde a falta não existe, onde não há lei. Se o desejo confere ao outro o lugar fálico, no momento seguinte este pode ser retirado. O perverso tentará fazer de sua vida inteira um estado de paixão na medida que tentará manter o tempo todo presente a crença na onipotência, cujo protótipo é a onipotência da mãe.
O saber
Um outro aspecto que diferencia o neurótico do perverso é que o primeiro reconhece que houve um engano a respeito da presença do falo da mãe, enquanto o segundo não tolera isto, mantendo as suas certezas. O perverso não tolera nada que se refira ao não saber, ao desconhecido, ao imprevisível. Assim, usará defesas para lidar com o tempo, com o espaço, com a morte, com o acaso – situações que o tempo todo desafiam nossas certezas - de modo a se sentir senhor destes ou de modo a gozar através deles. Maria Rita Kehl diz “a dúvida tem um papel fundamental de abrir brechas na fortaleza das certezas imaginárias”. O perverso não tolera a dúvida.
O lugar do terceiro e a relação com os pais
Por se situarem no período edípico, tanto o perverso quanto o histérico terão a percepção de um terceiro.
O histérico, ao querer ser desejado, não suporta que o outro deseje outra coisa que não ele, neste caso se sentindo no lugar de excluído. Estabelece-se um triângulo amoroso cujo modelo básico é o casal de pais e a criança em que os papéis são constantemente mudados, mas no qual sempre um fica no lugar do excluído. E excluído é entendido como castrado.
Já no caso do perverso também há um terceiro, mas este acaba ocupando um lugar de testemunha da relação perversa estabelecida entre o próprio perverso e um outro indivíduo, muitas vezes um neurótico. Neste lugar, a testemunha poderá ter a vivência de horror, de fascinação, de impotência, de cumplicidade ou estar lá e ao mesmo tempo não ver – estar “cego”. (5) Penso que o lugar de testemunha é o lugar que um dia o pai ocupou. O perverso na infância sofre uma sedução da mãe muito intensa, a mãe colocando seu filho como alguém que representasse a plenitude absoluta num sentido quase concreto do termo, ela acredita e faz acreditar que a sedução é real. (1) Já o pai, este fica impotente, cúmplice, cego ou fascinado, enfim, um pai que falha em sua função de interdição. Há um pacto de cumplicidade entre mãe e filho em que o pai fica excluído. (12)
A histérica também sofre de uma sedução, mas é uma sedução “de mentirinha” porque os pais do perverso têm dentro deles a lei instaurada (12). Isto significa que por mais que digam que o filho é a perfeição das perfeições, há espaço para se perceber que isto no fundo não existe, está na ordem do ideal.
Poder-se-ia dizer que no neurótico há um fantasma da sedução forjado pelo próprio sujeito enquanto no perverso houve uma sedução “mais além”, atuada pela mãe dele.(12) A mãe do perverso pode dizer que a erotização entre eles não deve ocorrer, mas é um “não” de brincadeira, no fundo ela adora ser desejada pelo filho. O que ela diz não condiz com o que ela faz.
Uma mãe que diz que se casou para ter filhos e vive demonstrando isto é um exemplo de uma mãe que facilita a criação de um futuro perverso, ela reforça que não casou por um desejo direcionado ao pai e sim ao futuro filho. (12) E o perverso irá recusar a lei da filiação, onde ser filho é conseqüência do desejo entre os pais e não causa do desejo entre eles. (1) A mãe fica como o lugar do desejo, lugar da onipotência, o pai deseja a mãe, não é a mãe que deseja o pai. (12) o pai induziu a mãe ao pecado do desejo, o pai é responsável por este “horror” e, portanto, não pode ser desejado pela mãe. (1)
No caso do perverso, é a idealização da mãe que evita com que haja o incesto, apesar de não ter ocorrido a resolução do complexo de Édipo. (13)
O menino com potencialidade perversa não suporta que sua mãe não é onipotente, ele a mantém neste lugar e assim também se mantém no lugar do ego ideal, lugar de completude. O perverso vai ver a mãe como onipotente para sempre, enquanto o neurótico a deixa de ver assim. (12)
A mãe onipotente é também ameaçadora e a criança tem medo dela, se a criança não a seduz o tempo todo, imagina que ela a devore. (12)
A mãe do perverso é a mãe pré-edípica e está ornada com os atributos fálicos. (12)
Sedução
Tanto o perverso quanto a histérica tentarão seduzir: a histérica usará suas armas de sedução para que atinja o lugar de desejada. Entre estas armas está seu próprio corpo, mas ela também poderá fazer o outro acreditar que é especial. Em alguns casos, seduzirá pela pena ou culpa que inspira.
Já no perverso, a sedução parece centrar-se na idéia de fazer o outro sentir que de fato é possível atingir o gozo, de fato é possível existir um estado de onipotência e em que se está acima da castração. Mas o perverso sente um prazer íntimo de fazer o outro de bobo, de fazer o outro abandonar seus próprios valores em prol da lei do desejo que o próprio perverso acredita seguir. Junta alguém que quer crer com alguém que pensa que sabe.
Ele precisa acreditar que sua força de sedução é maior do que qualquer princípio. (11)
Cultura
A relação com a cultura será diferente, o histérico estará muito atento aos valores que a cultura utiliza como símbolos fálicos e desejará estar no “seleto grupo” dos possuidores de tais símbolos. O perverso também, a meu ver, está atento à cultura, só que, sobretudo sobre os valores desta para que a partir disto possa desafiá-los. Muitas vezes o perverso poderá ter atos que estão em desacordo com lei, mas é importante diferenciar que perversão não é transgressão, para ele o desejo é maior que qualquer coisa (11), não é uma busca primária de causar o mal. (11) O ultraje à lei é a única maneira de ficar integrado à ordem da lei, é a referência para nós de que há uma lei que de algum modo é percebida. (1)
Sexualidade
Todo jogo da sexualidade envolve o outro, envolve ser tocado pelo corpo do outro e explorar aquele que não é o sujeito, há uma relação de interdependência que será recusada pelo perverso.A liberdade sexual pregada pelo perverso é uma falácia, é o único acesso que ele tem ao desejo. Por trás da liberdade que ele fala, no fundo há uma enorme fixidez num determinado modo de agir, o outro deve seguir rigorosamente um contrato prescrito pelo sujeito da perversão, contrato que assim seguido acaba com as possibilidades do imprevisível e nega-se mais uma vez a realidade do outro. (1) As fantasias dos neuróticos são iguais aos do perverso, mas o neurótico a mantém sob um reduto íntimo, ele até conta, mas o faz com vergonha, ele atinge o prazer usando as fantasias, o perverso vai fazer questão de exibir sua fantasia. (12)
Questões finais
Dadas as questões acima, penso que ainda assim em nossa prática clínica muitas vezes pode ser difícil discriminar se estamos lidando com um indivíduo perverso ou histérico, seja para quem trabalha com o conceito de estruturas, seja para quem trabalha com algo mais flexível como a idéia de estilos, como sugere Maria Helena Saleme.
Uma coisa é evidente em nosso cotidiano: todos nós usamos em determinados momentos a defesa da recusa, quando substituímos uma percepção por uma crença. A diferença neste caso para o perverso seria que este usa este tipo de recurso quase o tempo todo, quase como se fosse uma “missão de vida”. Além disso, todo objeto de amor tem uma condição fetichista, alguma característica da pessoa que atrai o sujeito,como uma barba por exemplo. Assim a condição fetichista esta em todos nós, mas no perverso há a recusa da castração.
Um outro ponto que gera dúvidas é que um histérico pode se submeter, por exemplo, a uma relação sado-masoquista. Lembremos que a histérica precisa de alguém que a coloque num lugar fálico e que neste lugar a deseje. Para estar neste lugar, ela poderá se transformar no que seu companheiro quiser para ela. Estando com um perverso, poderá participar de jogos sado-masoquistas ou em jogos exibicionistas – voyeuristas para atingir este lugar de desejada. Porém ela se engana, o perverso muitas vezes a iludirá disto quando na verdade o que ele quer é outra coisa. São situações como estas que pode ficar obscuro a diferença entre histeria e perversão. Ainda mais se levarmos em conta que dentro de todos nós existem fantasias perversas. Ora, se alguém tem fantasias perversas e as leva ao ato, o que o diferencia do perverso? A resposta é: o histérico o faz em nome do amor, e sob a desculpa do amor, ele quer ser o centro do desejo. Já o perverso o fará para provar que manipula e sabe sobre o desejo.
Penso que através deste trabalho fica claro que não é o comportamento em si que define uma estrutura (ou estilo, novamente). O que está nas nuances é o que pode definir melhor, para isto teremos que usar nossa sensibilidade e experiência e conhecimentos, teremos que nos valer de nossas contratransferências. Pode ser difícil, um exemplo desta dificuldade é que um perverso pode querer gozar com o sofrimento, mas uma histérica pode tentar erotizar seu sofrimento ao tentar, por exemplo, fazer um uso dele para se auto-vitimizar e causar pena no outro (novamente deve se ficar atento ao que o cliente está tentando provocar no outro).
Uma histérica pode por um tempo sentir que é poderosa, que o mundo está a seus pés ou que a sua verdade é a única que existe, que ela sabe o que é bom para os outros, ou ela pode se entregar a comportamentos sexuais ousados, ou ainda pode transgredir a lei e por vezes, ao fazê-lo, dar a impressão que não enxerga o outro. Como diz o ditado popular, “muita calma nesta hora!!” O neurótico tem um superego dentro dele que lhe impõe censura, ao contrário do superego do perverso cujo imperativo é que ele goze, em algum momento estes comportamentos podem gerar vergonha, culpa, medo de que sejam revelados, em algum momento tenderão a sofrer algum tipo de força contrária vinda da própria pessoa.
Penso que uma questão chave é tentar observar o que é que se busca através de determinado comportamento, como já descrevi nas linhas acima.
E é sobretudo na relação transferencial que estas coisas podem ir se definindo.

BIBLIOGRAFIA
1-Aulagnier, Piera. (1966) “La perversion como estrutura”. In: O Inconsciente, Buenos Aires, Sudamericana, 1967.
2-_____________. (1967) “Observações sobre a feminidade e suas transformações”. In: O Desejo e a Perversão, (Jean Clavreul e outros), Campinas - SP, Papirus, 1990.
3-Birman, Joel “Ensaio sobre o estilo em psicanálise” (1992)
4-Calligaris, Contardo “Terra em Transe”
5-Clavreul, Jean (1967) “O casal perverso”. In: O Desejo e a Perversão, (Jean Clavreul e outros), Campinas - SP, Papirus, 1990.
6-Fendrik, Silvia “La sexualidad femenina em el discurso analítico: universalidad o histeria?”
7-Freud, Sigmund (1927) “Fetichismo”. In: Obras Completas vol. XIX, Edição Standard Brasileira, Rio de Janeiro, Imago, 1996.
8-______________ (1932) “A Feminilidade” In: Obras Completas vol. XXII , Edição Standard Brasileira, Rio de Janeiro, Imago, 1996.
9-_______________(1905) “Três Ensaios para uma Teoria Sexual” ” In: Obras Completas vol. VII , Edição Standard Brasileira, Rio de Janeiro, Imago, 1996.
10-Levensteinas, Isaac (2003) “Relações entre Histeria e Feminilidade” – trabalho de conclusão do seminário “Histeria”
11-Saleme, Maria Helena ( ) “Perversão: algumas reflexões”
12-Anotações do seminário “Perversões em Freud e nos Pós-Freudianos” ministrado por Maria Helena Saleme e Maria Cristina Perdomo no curso Formação em Psicanálise
13-Saleme, Maria Helena “Histeria e Analisibilidade: sobre a Analisibilidade da histeria”



creditos:
Isaac Levensteinas
2005