domingo, 22 de janeiro de 2012

Enfrentar o medo, mas gradualmente (SIndrome do Pânico)

Enfrentar o medo, mas gradualmente

Uma das características típicas de uma pessoa com um transtorno ansioso é o comportamento de evitação. Por exemplo, uma pessoa com Transtorno do Pânico vai evitar situações onde imagina que possa passar mal ou vai evitar fazer algo que lhe traga alguma sensação corporal temida, uma pessoa com fobia vai evitar a proximidade com aquilo que é objeto de seu temor, uma vítima de estresse pós traumático vai evitar algum estímulo associado ao evento traumatizante, etc.
O comportamento de evitação tem uma função protetora, de buscar prevenir um sofrimento. Porém, ao longo do tempo este comportamento traz um forte revés por manter a pessoa com o medo, impedindo-a de transformar aquela memória emocional que associa uma sensação corporal, um objeto ou uma situação social a perigo.
A evitação acaba tendo um efeito deletério de potencializar e manter o medo, pois a cada evitação aquilo que é temido – seja algo fora ou a própria reação interna de ansiedade – é reforçado na mente como algo ameaçador e que deve ser evitado.
Portanto, para que a pessoa possa superar um transtorno de ansiedade é importante desenvolver comportamentos de enfrentamento, com exposição ao que é temido. Através deste processo ocorre possibilidade de aprendizado e transformação deste padrão ansioso e evitador.
Porém é muito importante frisar que o processo de exposição deve ser gradual, aumentando progressivamente a tolerância da pessoa aos graus crescentes de ansiedade.
Podemos imaginar uma pessoa traumatizada que não entra na água pois tem pavor de se afogar. Simplesmente jogá-la no meio de uma piscina funda não é um bom modo de ajudá-la a perder este medo. Ao contrário, esta experiência pode ter o efeito de retraumatização, aumentando ainda mais o medo e a resistência à mudança.
É comum uma pessoa com Pânico ter medo de sair sozinha e ter uma crise. Muitas vezes a família e os amigos insistem que ela saia sozinha e enfrente seus medos de frente, que seja forte e corajosa. O conselho é bem intencionado, porém desconsidera os riscos de retraumatização.
A exposição à situação temida deve ser gradual, em passos mais lentos, com avanços e recuos, com o tempo necessário para desenvolver:
- habituação às reações internas (emocionais e corporais),
- desenvolvimento da auto-regulação
- superação das associações traumáticas
- diferenciação das cognições negativas
Este processo de exposição gradual e controlado é que ajuda a superar as ansiedades que deixavam a pessoa paralisada, muitas vezes por anos.
A exposição gradual é uma das estratégias e etapas de um tratamento psicológico especializado para Transtornos de Ansiedade.

Comorbidade e o olhar mais profundo

No Transtorno do Pânico a comorbidade é a regra, mais do que exceção. Comorbidade é a presença simultânea ou sequencial de mais de um transtorno numa mesma pessoa.
Observa-se um alto grau de comorbidade do Transtorno do Pânico com:
- outros transtornos ansiosos (fobias, fobia social, transtorno de ansiedade generalizada e estresse pós traumático)
- depressão
- abuso de substâncias
- alguns transtornos de personalidade, principalmente dos tipos dependente e evitador.
Esta comorbidade indica a necessidade de se utilizar estratégias específicas para cada caso, com técnicas que auxiliam nas diferentes configurações de sintomas.
Mas precisamos olhar além dos sintomas, para não correr o risco da “cura aparente”, que traz recaídas recorrentes. O olhar preso a um diagnóstico baseado nos sintomas é como olhar para as folhas de uma árvore e esquecer do resto, não ter uma compreensão global.
Uma pessoa pode apresentar crises de pânico e ter sintomas de estresse pós traumático. Com a terapia, se ela deixa de ter crises de pânico, mas continua sofrendo com os sintomas do trauma, seu sofrimento não terminou. Outra pessoa fica boa do pânico, mas deprime, então seu tratamento está incompleto. Uma compreensão profunda do caso implica em se abordar a situação mais profundamente.
Precisamos olhar além das folhas da árvore e ver o tronco que unifica estes sintomas, chegar à raiz de onde brota o sofrimento, analisando: a família onde a pessoa cresceu, sua história de vida, seus traumas, suas respostas aos desafios que a vida lhe trouxe, enfim, todos os fatores que contribuíram para ela ser como é hoje e sofrer do modo como sofre hoje.
Somente uma compreensão integrada que resolva os desequilíbrios internos daquela pessoa permite uma solução terapêutica eficaz, que vá além de controlar este ou outro sintoma, que pode retornar enquanto o problema original não for resolvido.

Precisamos ir além da interrupção dos ataques de pânico

Chega um momento no tratamento do Transtorno do Pânico em que a pessoa não tem mais crises. Ela está livre daqueles ataques de pânico que causavam um sofrimento intenso e limitavam tanto sua vida. Sem dúvida uma vitória muito importante foi obtida. Porém engana-se quem considera que o tratamento psicológico esteja completo com o fim das crises.
O que a observação clínica aponta é que muitas pessoas ainda continuam a viver limitadas por outros sintomas de ansiedade, não tão agudos e dramáticos como os ataques de pânico, mas ainda assim produtores de considerável sofrimento. A pessoa não tem mais crises de pânico, mas continua a apresentar sinais claros de ansiedade: expectativas de que o pior aconteça, medo de sensações e emoções mais intensas, comportamentos de evitação, etc.
Por exemplo, a pessoa percebe que frequentemente está alerta, esperando pelo pior, com pensamentos automáticas negativos e fantasias catastróficas em relação aos eventos de sua vida.
É comum a pessoa ainda se assustar com o que sente, não mais a ponto de ter uma nova crise de pânico, mas o suficiente para ela ficar inquieta e desconfiada de que tem algum problema sério, alguma doença, algum outro problema psicológico.
Livre das crises de pânico a pessoa volta a fazer muitas coisas que não fazia antes, mas é comum manter algumas estratégias de evitação, como evitar alguns lugares ou situações onde a pessoa teme que possa ainda vir a passar mal.
A observação clínica parece indicar que estas pessoas permanecem mais vulneráveis a recaídas após algum evento ou situação estressante. Na verdade elas ainda estavam bastante desreguladas, apenas não o suficiente para apresentar as crises de pânico.
Temos que trabalhar para que a pessoa caminhe além da superação das crises, que possa aumentar muito sua capacidade de tolerar estados de ansiedade, que desenvolva maior capacidade de auto-gerenciamento e mantenha uma sintonia fina com seus processos internos e sua vida.

Ansiedade na Mídia

Em julho/2011 o psicólogo Artur Scarpato participou do programa Alternativa Saúde no canal GNT falando sobre Ansiedade e Transtorno do Pânico.
O programa foi ao ar em diversos horários e o feedback recebido dos telespectadores foi excelente.

Do Controle à Confiança

A ansiedade deriva de um sentimento de vulnerabilidade. Estar ansioso indica que me sinto sob alguma ameaça. O perigo/ameaça pode vir de dentro ou de fora de mim, pode ser um estado interno que eu não dou conta ou uma situação que oferece alguma ameaça para mim.
No estado de ansiedade este perigo é indefinido, mas vai ganhando contornos visíveis na consciência e vai virando medo: medo de morrer, medo de ter uma doença grave, medo de passar mal, etc. A ansiedade – emoção indefinida – tende a virar medo – emoção definida.
Há uma antítese entre confiança e controle. Quanto menor a confiança maior a busca de controle. Quanto maior a tentativa de controle, menor o sentimento de segurança e confiança.
O problema é que a atitude controladora vai levando a uma insegurança cada vez maior, pois as coisas, tanto de fora como de dentro de nós, sempre teimam em escapar ao controle. Quando percebemos já estamos reagindo a algo, nosso corpo já se apresenta agitado, o medo já está agindo dentro de nós, a emoção já se instalou. E o mesmo acontece com as preocupações, os pensamentos ruminativos, as lembranças intrusivas… como temos pouco controle de nós mesmos.
O eu, o ego é só uma película que fica entre um mundo grande fora de nós e um mundo grande dentro de nós. Nesta película está nossa pequena consciência, da qual temos um controle só parcial e num território menor ainda está aquilo que podemos controlar. O caminho não está em aumentar o controle, mas em buscar diálogos e harmonia, harmonia com o mundo externo e harmonia com o mundo interno.
Assim frente a ansiedade, uma emoção que sinaliza que nos sentimos vulneráveis, precisamos (1) observar e aceitar a emoção e (2) buscar as razões e disparadores desta emoção-sinal.
O que está nos ameaçando? Uma ameaça real? Uma avaliação equivocada de nossa capacidade de lidar? Uma catastrofização que exagera a avaliação negativa das consequências de um evento? A repetição de um trauma que não nos abandona?
Aceitar a ansiedade e rever seus disparadores vai permitindo que ela vá se assentando em dimensões menos sofridas, vai nos harmonizando com os mundos de fora e de dentro, vai potencializando a confiança e diminuindo a atitude de controle.

Do “eu que pensa” ao “eu que observa”

A ansiedade é uma emoção voltada para o futuro. O corpo da pessoa está presente, mas sua mente está voltada para o futuro, esperando que algo de ruim aconteça.
A pessoa fica dividida: parte dela está presente e parte dela está se projetando para frente, num cenário construído mentalmente cheio de incertezas, perigos, etc.
Toda pessoa que apresenta algum transtorno ansioso (Transtorno do Pânico, Fobias, Transtorno de Ansiedade Generalizada, Transtorno Obsessivo Compulsivo, etc) vive esta divisão interna, com forte projeção mental no futuro, mesmo que num futuro próximo, criando na mente cenários que fazem a pessoa sofrer intensa e constantemente por antecipação: “vou passar mal”, “vou ter aquilo de novo”, “vou morrer”, “vai dar errado”, etc.
Caso a pessoa conseguisse mergulhar em seu momento presente, a ansiedade tenderia a diminuir dramaticamente, ou mesmo se dissolver. Quando a mente retorna para as pre-ocupações com o futuro, a ansiedade reaparece.
Um primeiro modo de se fazer presente é se observar, se perceber, mesmo estando mentalmente preocupado com o futuro.
Então, feche os olhos e observe seus pensamentos. Dedique alguns minutos a isto.
Os pensamentos no estado ansioso geralmente seguem padrões repetitivos, manifestando preocupações – “estou passando mal”, “devo ter uma doença séria”, “aquilo vai acontecer de novo”, “e se der errado” etc – criando cenários catastróficos, levando você a se sentir cada vez mais ansioso. Estes pensamentos automáticos negativos mantém a ansiedade ali, te consumindo.
Desenvolver o “eu que observa”
Apenas observe e comece a aprender sobre você e seu funcionamento mental. Comece a perceber como há automatismos de pensamento que dominam sua mente e levam você a se sentir cada mais ansioso.
Durante o exercício não tenha pressa e não espere nenhum resultado imediato. A pressa é um sinal de quem está voltado mentalmente para o futuro e seu objetivo agora é enraizar sua presença no agora, numa atitude de espectador e de não identificação com os pensamentos. Não se preocupe de tentar parar ou mudar os pensamentos, mas reconhecer estes automatismos que eternizam sua ansiedade. A meta agora é de reconhecimento/aceitação e não de controle.
Você vai começar a perceber que o perigo não está no aqui e agora, mas é cultivado através destes pensamentos negativos e catastróficos. Você pode perceber que surgem em sua mente pensamentos de julgamento e controle: “eu não deveria estar sentindo isto”, “meu coração não está normal”, “isto não deveria estar acontecendo”, etc
Quando você sai da identificação com o “eu que pensa” e passa a centrar sua consciência no “eu que observa””, você começa a enfraquecer estes padrões automáticos de pensamnto, retira parte de sua energia e começa a criar uma nova experiência interna. Este é um primeiro passo.

Sensibilidade à Ansiedade: o medo do medo

Um fator comum nas pessoas que apresentam um Transtorno de Ansiedade (Pânico, Fobias, etc. ) é a Sensibilidade à Ansiedade (Anxiety Sensitivity, em inglês).
A Sensibilidade à Ansiedade é o medo dos sintomas decorrentes da ansiedade, assim como a crença de que esses sintomas possam produzir danos psicológicos, físicos ou sociais.
Geralmente estes medos agrupam-se em três dimensões:
1) medo dos sintomas físicos (taquicardia, tontura, mãos úmidas, etc)
2) medo de descontrole mental
3) medo que os sintomas possam ser vistos pelos outros
Pesquisas apontam que as pessoas que apresentam índices altos em testes de Sensibilidade à Ansiedade terão uma probabilidade maior de vir a desenvolver um Transtorno de Ansiedade. Ou seja, a Sensibilidade a Ansiedade pode preparar o terreno para algumas pessoas desenvolverem um Transtorno de Ansiedade.
Este traço de Sensibilidade à Ansiedade parece ser desenvolvido ao longo da vida, através de algumas experiências como:
(1) experiências pessoais difíceis como doença, acidente ou perdas
(2) contato com o sofrimento de outras pessoas, que adoeceram ou morreram, por exemplo.
(3) contato com pessoas próximas que tinham medo das sensações corporais, medo de ficar doente, etc.
(4) ter sido criado por pais que apresentavam excessivo cuidado, com ansiedade e superproteção relacionados ao bem estar físico.
É importante ajudar a pessoa a ir superando este medo das reações de ansiedade, aumentando a tolerância ao que sente e aumentando a confiança em si mesma.

Deixar vir, uma atitude a ser conquistada

A crise de pânico parece uma ameaça de ruptura interna, onde o “eu” é invadido por forças que o ultrapassam. O “eu” é aquilo com que me reconheço e me identifico, minha identidade, meu pensamento e meu corpo, como eu habitualmente os reconheço, dentro de certos padrões de estabilidade e funcionamento.
De repente as reações que brotam em mim parecem descontroladas, o coração começa a bater sem razão, as mãos gelam, a mente produz pensamentos catastróficos, e eu não tenho mais controle…
Eu fico como um barco à deriva numa tempestade de ondas gigantes, descontrolado, inundado, podendo virar e afundar a qualquer momento; não há nada que eu possa fazer, nem um lugar seguro onde eu possa ficar. É o estado de pânico puro.
Com a repetição destas experiências, a tolerância da pessoa às suas reações corporais vai diminuindo, ela passa a temer cada vez mais as reações em seu corpo, começa a monitorar cada sensação diferente como possível sinal de perigo e a evitar fazer coisas que possam causar reações temidas. Inicia-se assim um processo de restrição, limitação progressiva e perda de segurança.
O processo de superação deste estado de insegurança está em (1) compreender melhor as reações que estão ocorrendo para se deixar de tentar (impotentemente) lutar contra as ondas e (2) gradativamente, aumentar a tolerância a estas reações do corpo para que a pessoa possa aprender a conviver com certo grau de descontrole sem acreditar erroneamente que este estado vai levá-la ao colapso. Quanto mais a pessoa teme suas reações, quanto mais se desespera pela falta de controle, mais ansiosa fica e consequentemente maiores serão as reações em seu corpo. É a luta contra o descontrole e o entrar em desespero pelo que está ocorrendo que criam um estado mais caótico dentro de si.
Deixar vir, esta é uma atitude a ser conquistada.
Na verdade, a tempestade da crise de pânico não é capaz de “virar o barco”, apesar da pessoa acreditar piamente, durante uma crise, que seu barco está afundando.

Diminuir a Ansiedade Basal

A pessoa com Transtorno de Pânico geralmente passa o dia num estado de ansiedade razoável. O nível de ansiedade pode variar ao longo do dia, mas está sempre lá, causando desconforto, apreensão e expectativa que algo ruim possa acontecer.
O padrão emocional da pessoa é como um copo de água que está quase cheio, onde falta muito pouco para transbordar. É só entrar um pouco de água – no caso, preocupção mental, excitação fisiológica ou emocional – e o copo transborda, levando a uma crise de pânico.
A pessoa vive num estado pré-crise, com um nível basal de ansiedade alto, com pensamentos negativos, alerta mental, respiração curta, etc.
Precisamos trabalhar para diminuir o nível da água do copo, desorganizar o padrão de ansiedade, pois assim a pessoa se torna menos vulnerável a ter novas crises. O foco não deve ser só no controle das crises, mas em trabalhar sistematicamente para regular o nível de ansiedade basal que deixa a pessoa predisposta a inundações, a ter novas crises de pânico.

Enraizar a presença no aqui e agora

O estado mental da pessoa ansiosa é caracterizado por flutuações no processo de atenção. A atenção passa a oscilar entre estados de dispersão e estados de preocupação excessiva. A mente passeia, sai de um devaneio perdido para se fixar em alguma preocupação ansiosa. Surgem preocupações sobre tragédias que poderiam acontecer, levando a pessoa sofrer por antecipação.
Neste processo a consciência se afasta do momento presente. A ansiedade crônica vai enfraquecendo a capacidade da atenção, vai deixando a mente à deriva, entre preocupações e devaneios, alimentando a ansiedade e o sentimento de impotência. Daí a queixa comum entre as pessoas muito ansiosas, de terem dificuldade de concentração.
A atenção é como um músculo que precisa ser treinado para se fortalecer. No caminho de diminuição da ansiedade precisamos fortalecer a capacidade de dirigir e sustentar a atenção.
A ansiedade é a emoção que ocorre quando há uma expectativa de perigo, que algo ruim possa acontecer no futuro. Quanto mais presente a pessoa estiver, menos ansiosa ficará. Assim precisamos trabalhar para criar presença. Há técnicas para isto, para aprender a observar, a se auto-observar e a sustentar a atenção. É um caminho importante de enraizar a presença no aqui e agora.

Os Quatro Padrões de Resposta Frente ao Perigo: lutar- fugir – congelar – desfalecer

A reação de ansiedade/medo faz parte de um sistema de comportamento defensivo construído pela evolução para enfrentar perigos. Este sistema detecta um perigo e produz respostas que visam aumentar a probabilidade de sobrevivência numa situação avaliada como perigosa.
Há algumas reações básicas que o organismo apresenta numa situação de perigo. A fórmula mais conhecida de resposta de “luta ou fuga”, na verdade se compõe de quatro direções básicas de respostas comportamentais: luta, fuga, congelamento ou desfalecimento.
Vamos imaginar que nos deparamos com um animal perigoso. Se nosso cérebro interpretar que podemos enfrentar o animal, nosso corpo se organiza para enfrentar ou intimidar o animal.
Porém se o animal parecer muito grande ou perigoso para nossos recursos, a resposta que se organiza é de fuga. Se não houver possibilidade de fuga, uma resposta possível é a de paralisia, de congelamento, como uma estratégia de tentar passar despercebido. Caso o ataque seja avaliado como iminente pode surgir uma resposta de desfalecimento para tentar pacificar o inimigo ou de desmaio para nos proteger de sentir a dor do ataque.
Assim estas quatro reações pré-organizam comportamentos que teriam diferentes funções numa situação de perigo:
(1) de agressão (mostrar-se perigoso, atacar ou revidar)
(2) bater em retirada (evitando o perigo, fugindo)
(3) de imobilização (paralisar-se, quando fugir é inviável)
(4) de desfalecimento (submissão/pacificação ou desmaio para não sentir a dor)
Estes padrões de resposta reaparecem mesmo quando a fonte de perigo é interna, seja uma sensação corporal como na Síndrome do Pânico, uma situação de avaliação social como na Fobia Social ou uma reativação de uma lembrança traumática como no Estresse Pós Traumático.
Em todas estas situações há uma hiperativação do circuito do medo que dispara padrões pré-organizados de comportamento na presença de um suposto perigo.
Numa crise de ansiedade o corpo vai esboçar alguma destas respostas frente ao perigo, notadamente uma das três últimas: fugir, paralisar ou desfalecer.
Esta variação de respostas explica porque, por exemplo, algumas pessoas reagem numa crise de ansiedade com agitação, outras com paralisia, enquanto outras reagem com uma sensação de amolecimento e sensação de quase desmaio.

Trabalhar a ansiedade através do corpo e das cognições

A experiência humana é integrada. A ansiedade, que é um fenômeno emocional, se manifesta também nos níveis corporal e cognitivo.
No plano cognitivo ela aparece como preocupações, catastrofizações, antecipação de perigos, etc.
No plano corporal se expressa em tensões musculares, taquicardia, respiração curta, pelos eriçados, etc.
No plano emocional a ansiedade é vivida como estados de apreensão, medo e aflição, por exemplo.
A experiência clínica mostra que um bom caminho para regular a ansiedade – uma emoção – está em mudar os outros dois níveis, o corpo e as cognições.
Para isto, há técnicas através das quais podemos modular os estados corporais e há técnicas pelas quais podemos transformar o funcionamento cognitivo.
Por exemplo, se regularmos a tensão do corpo, a ansiedade diminui e a mente fica mais serena.
Se mudamos as cognições e olhamos as coisas de uma perspectiva mais objetiva, a ansiedade diminui e o corpo desacelera.
Toda emoção, regulada ou des-regulada, ocorre também nos níveis corporal e mental. Mudando um, mudamos os outros dois.
Na psicoterapia dos transtornos ansiosos, geralmente vamos trabalhar por dois caminhos principais:
1 modular o corpo e assim regular a emoção (ansiedade) e a mente
2 reestruturar os pensamentos distorcidos e assim regular a emoção (ansiedade) e o corpo
Podemos caminhar tanto pela via corporal como pela via cognitiva. Para isto há técnicas específicas utilizadas em psicoterapia.
Para regular o corpo há técnicas importantes de psicoterapia corporal, como controle respiratório, auto-gerenciamento do tônus muscular, relaxamento, exposição interoceptiva, etc
Para regular as cognições há técnicas como desenvolver um eu observador, identificar os pensamentos automáticos, reestruturar as crenças, etc
Algumas pessoas podem preferir uma ou outra destas vias de entrada, mas numa situação ideal, trabalhamos pelas duas vias.
Alguns transtornos reagem melhor a um enfoque inicial mais cognitivo como no Transtorno de Ansiedade Generalizada e no Transtorno Obsessivo Compulsivo. Outros reagem melhor a um enfoque inicial mais corporal como no Transtorno do Pânico, nas Fobias e no Estresse Pós Traumático. No Transtorno do Pânico, por exemplo, as técnicas de controle respiratório, gerencimento do tônus muscular e exposição interoceptiva são clássicas.
Enfoque maior não significa exclusivo, pois a efetividade depende de um trabalho integrado.

Uma técnica clássica de respiração para diminuir a ansiedade

Há uma técnica clássica de respiração utilizada para o gerenciamento da ansiedade. É o que vamos chamar de respiração quadrada.
Quadrada porque é feita em 4 etapas e todas com a mesma duração.
É como um quadrado, uma forma com quatro lados iguais. Neste caso, é uma respiração feita em quatro etapas, com duração semelhante.
As quatro etapas são: inspiração, pausa cheio, expiração e pausa vazio.
Veja como fazer.
Preparação:
Sente-se confortavelmente. Observe a sua respiração, percebendo o ritmo da sua respiração. Coloque a sua atenção no seu corpo, deixando todo o resto de lado. Mantenha a boca fechada durante o exercício deixando a respiração acontecer suavemente pelas narinas.
Agora inicie:
1 Deixe o ar entrar em seu corpo, enquanto você conta lentamente até três: um….dois….três….
2 Segure o ar nos pulmões, contando lentamente até três.
3 Solte lentamente o ar, contando lentamente até três.
4 Após a expiração mantenha-se sem ar, contando lentamente até três.
1 Volte ao passo 1 e continue repetindo este ciclo, sem pressa…
Faça inicialmente estes ciclos por um minuto e veja como você se sente.
Se estiver bem, retome e aumente o tempo de exercício para 3 minutos.
Agora pare o exercício e se observe.
Se você tiver feito o exercício corretamente provavelmente vai estar se sentindo mais relaxado e menos ansioso.
Se estiver sentindo tontura é provável que você exagerou um pouco nas etapas de inspiração e expiração e não deu as pausas necessárias.
É muito importante um equilíbrio entre as quatro etapas. As pausas são tão importantes quanto inspirar ou expirar.
A tontura tende a passar sozinha, mas se você quiser ajudar a diminuir a tontura, retome o exercício com o cuidado de fazer a respiração DEGAVAR, SEM PRESSA, respeitando cada etapa: inspiração, pausa cheio, expiração e pausa vazio.
O exercício deve ser confortável. Se sentir desconforto, pare e deixe para fazer outro dia.
Você pode achar mais confortável contar até 4 em cada etapa, não importa; o importante é manter uma respiração lenta e regular, em quatro etapas. Faça uma contagem mental, você não precisa falar os números. Mantenha a boca fechada e respire pelo nariz.
Se o exercício te ajudar, pode praticá-lo todo dia.
Se quiser, você pode aumentar o tempo do exercício, fazer 5 ou 10 minutos de cada vez.
Sob estado de ansiedade a respiração tende a ficar rápida e superficial e a pessoa frequentemente tem a sensação de não ter ar suficiente. Este exercício corrige esta distorção, ajudando a diminuir o estado de hiperventilação, que causa várias sensações típicas do estado ansioso como tontura e formigamento.
Este exercício é um CALMANTE NATURAL, um típico trabalho de auto-gerenciamento.
Ao trabalhar com a ansiedade precisamos aumentar o sentimento de potência, aprender como podemos influir sobre nosso estado interno.

As estratégias de evitação e seu fracasso

A pessoa tomada de ansiedade busca modos de diminuir este estado que a assusta tanto. Há duas estratégias que merecem atenção, dois caminhos de evitação: a evitação comportamental e a evitação mental. As duas são estratégias mal sucedidas, apesar de amplamente utilizadas.
Na evitação comportamental, a pessoa evita fazer algo que possa levá-la a se sentir ansiosa. Se a pessoa teme ir num shopping, evitará ir para não passar mal. Se ela teme ficar sozinha, criará estratégias para não ser deixada sozinha e assim tentará evitar a ansiedade. O problema com a evitação comportamental é que a pessoa desvia da ansiedade, mas não a supera. Ao contrário, a cada desvio ela reforça em sua mente a crença na força “negativa” da ansiedade, com a idéia de que teria passado mal se tivesse ido, teria sido terrível… Neste processo a pessoa vai perdendo terreno para a ansiedade e vai limitando a sua vida.
Na evitação mental a pessoa se ausenta mentalmente, sua atenção se distancia e ela não percebe o que sente, sua presença fica dispersa. Ela tenta evitar a ansiedade ao tentar não percebê-la. Através de uma desconexão interna, a consciência se afasta do corpo, que é a fonte das sensações e emoções. O problema com esta estratégia é que a ansiedade é uma emoção natural que vai inevitavelmente fazer-se presente. Uma pessoa desconectada tende a estranhar e se assustar muito mais com tudo que sente em seu corpo, logo o tombo será muito maior. O afastamento mental faz com que as emoções e sentimentos percam a “naturalidade” para a pessoa, o que acaba por levá-la a se sentir ameaçada pelas próprias reações internas. A pessoa sente-se cada vez mais frágil e vulnerável, portanto mais sujeita a ansiedade.
Apesar de a evitação ser uma estratégia automática e parecer razoável, o melhor caminho é justamente o oposto. Para superar a ansiedade e o medo da própria ansiedade, é necessário seguir um caminho que parece menos natural, mas que é muito mais eficaz: aproximação gradual, aumento de tolerância à excitação interna, resignificação da experiência e enfrentamento.
A idéia de aproximação gradual e enfrentamento pode assustar, pois há sempre um “risco de inundação”, quando a pessoa sente uma ansiedade tão forte que se sente derrotada, como se tivesse voltado à estaca zero.
Para ser eficiente, este processo é feito numa psicoterapia especializada, com orientação de um psicólogo, para se poder fazer um enfrentamento controlado e gradual das situações temidas ou das sensações temidas. Este processo é importante em todas os casos onde há fortes crises de ansiedade como Pânico, Fobia, Fobia Social e Estresse Pós Traumático.

O ser humano apresenta uma dimensão intensiva, de excitações emocionais e físicas e uma dimensão cognitiva, de processamento de informação e atribuição de sentido.
Na psicoterapia atuamos sobre estas duas dimensões, tanto regulando as intensidades através de técnicas de auto-gerenciamento e da regulação pelo vínculo, como trabalhamos para reestruturar o processo cognitivo.
Nos transtornos ansiosos encontramos um desequilíbrio nestas duas dimensões: um desequilíbrio de intensidades e uma distorção no processamento de informações.
No estado ansioso há uma superativação das dimensões intensivas, das respostas fisiológicas e emocionais. A pessoa fica num estado fisiológico alterado, apresentando geralmente, respiração acelerada e superficial, coração acelerado e irregular, suor, tensão muscular, etc, assim como num estado emocional alterado, sentindo ansiedade, medo, insegurança, inquietação, apreensão, etc.
O estado ansioso crônico acompanha-se também de uma distorção na dimensão cognitiva, que leva a pessoa a ter pensamentos catastrofizantes, preocupações e ruminações, vendo as situações como ameaçadoras, interpretando suas reações físicas como perigosas, sofrendo com seus pensamentos invasivos, etc.
No tratamento precisamos atuar sobre estas duas dimensões, quantitativa – intensiva e qualitativa – cognitiva.
Para trabalhar com a dimensão intensiva, podemos utilizar várias técnicas, como recursos de controle respiratório, regulação das tensões musculares, modulações da postura, técnicas de relaxamento etc. Através destes trabalhos conseguimos que a pessoa desenvolva uma boa capacidade de regulação fisiológica e emocional, diminuindo significativamente sua ansiedade. Outro foco importante no trabalho com as intensidades é utilizar técnicas para aumentar a tolerância à excitação interna. Para isto, utilizam-se técnicas de exposição gradual, desensibilização, etc.
No trabalho cognitivo, por sua vez, ensinamos a pessoa a se auto-obervar, a identificar e analisar criticamente os pensamentos automáticas negativos e potencializar sua capacidade de dirigir voluntariamente o foco de atenção.
O trabalho sobre a dimensão intensiva tem um efeito atenuador sobre a dimensão cognitiva, com enfraquecimento do circuito mental da ansiedade, dos pensamentos negativos e preocupações. O trabalho sobre a dimensão cognitiva tem um efeito de tranquilização e diminuição da excitação emocional e fisiológica, numa interação recíproca.
Dentro deste princípio várias técnicas podem ser articuladas para ajudar as pessoas a saírem de seu estado ansioso crônico e suas crises agudas.

Um modo de regular os afetos através do vínculo

As pessoas com Síndrome do Pânico e outras formas de ansiedade frequentemente relatam se sentirem isoladas e desconectadas do mundo. Quando estamos muito isolados nos sentimos mais vulneráveis e expostos aos arroubos de ansiedade e desamparo. Deixamos de contar com um recurso valioso que é a regulação emocional através do vínculo.
Tente um experimento simples.
Preste atenção no seu corpo e veja como você está se sentindo, como está a sua respiração, o tônus dos seus músculos, observe as qualidades de sensações que emergem de seu corpo.
Agora aproxime-se de alguém que você gosta e confia. Toque esta pessoa – de preferência sem ela “saber” de sua intenção. Faça um toque que possa ser mantido por um tempo, pelo menos um minuto ou mais. Pode ser, por exemplo, segurando a mão da pessoa, tocando uma parte de seu corpo, encostando seu corpo no dela, etc.
Toque e deixe-se ser influenciado por esta conexão. Se entregue e permita que um corpo possa influenciar o outro.
Um resultado possível é você descobrir o efeito que um corpo exerce sobre o outro.
Através do toque, por exemplo, uma mãe pode acalmar uma criança ansiosa, um amigo consolar o outro desolado, ou um pai comunicar segurança (ou insegurança) ao cumprimentar o filho.
O toque tem um enorme poder de comunicação e de regulação dos estados afetivos entre dois corpos.
Pode ser que você se sinta melhor com este experimento e queira repeti-lo outras vezes. Pode ser que não seja uma experiência tão boa, mas que você queira repetir para aprender algo mais sobre você e sobre o vínculo com a pessoa que você escolheu.
Hoje o blog faz 1 ano. Motivo de comemoração! O feedback dos leitores tem sido muito positivo. Espero que este segundo ano seja produtivo e útil aos leitores.

Emoção muito intensa ou baixa tolerância? O dilema da ansiedade nos casos de Pânico

Podemos ver dois lados numa pessoa ansiosa e “assustada” com seus acessos de ansiedade.
Por um lado a vemos como alguém com excesso de emoção, alguém que reage com intensa ansiedade a cada mudança na paisagem interna, de emoções e reações corporais.
Este seria um desequilibrio quantitativo. Para lidar com ele utilizamos várias estratégias para diminuir a ansiedade, como técnicas psicológicas de auto-gerenciamento ou medicação.
Mas há também um desequilíbrio qualitativo. Geralmente a pessoa com algum Transtorno Ansioso tem uma tolerância muito baixa à excitação interna . Ela pode sentir qualquer coisa, numa intensidade baixa e já se assustar, ficar ansiosa. Uma pequena estimulação interna já deixa a pessoa alerta, antecipando algum risco… Para ela, pouco já é muito. Ela é como um estômago sensível demais.
Para lidar com esta intolerância à excitação interna é importante ampliar a capacidade de acolher as reações internas, tolerar suas intensidades e começar a discriminar as diferentes sensações e sentimentos.
Integrando os dois aspectos, podemos observar que, para uma pessoa com baixa tolerância à excitação interna, qualquer estimulação pode levar facilmente à sensação de inundação e ansiedade .
Assim, é necessário não só regular a ansiedade – com técnicas psicológicas e/ou medicação – para diminuir o “risco de inundação”, mas é fundamental aumentar a tolerância interna às reações internas, físicas e emocionais.

Uma técnica simples: sintonizar com a barriga

É importante para uma pessoa ansiosa aprender meios para diminuir sua ansiedade, sua agitação, seu desconforto e seu medo.
Vamos dar uma dica simples que pode ajudar, um exercício de toque e auto-observação.
1 Primeiro, sente-se numa posição confortável.
2 Agora, simplesmente observe a sua respiração. Observe sem interferir, sem querer aumentá-la ou diminuí-la. Quando observamos a respiração podemos observar coisas distintas como, por exemplo, a sensação do ar que entra e sai de nossas narinas ou então a sensação de nossa barriga que se move conforme a respiração ocorre.
Escolhemos um foco para nos concentrar. Observe que conforme a respiração acontece, partes de seu corpo se movem. Talvez você perceba que seu tórax se mexe e talvez você perceba que sua barriga também se mexe.
Observe se a sua barriga se move conforme você respira. Observe sem interferir. Na respiração natural, a barriga expande conforme o ar entra e se contrai conforme o ar sai.
Se a barriga ficar imóvel, não se preocupe, continue o exercício do mesmo modo. Se sentir algum desconforto, não precisa continuar o exercício.
3 Agora coloque as duas mãos abertas sobre a sua barriga para te ajudar a sintonizar com esta área. Mantenha suas mãos relaxadas tocando sua barrriga.
Deixe a barriga solta, relaxada. Não force, não faça nenhum exercício respiratório, apenas observe e aceite sua respiração como ela ocorre.
4 Vá percebendo as sensações que brotam de sua barriga. Podem ser tanto sensações agradáveis ou desagradáveis, não importa. O importante é você se conectar com sua barriga. Sinta o contato de suas mãos com a barriga e perceba as sensações que surgem deste contato. E perceba as sensações que nascem de sua barriga.
5 É simples: manter as mãos relaxadas sobre a barriga e observar as sensações que surgem. Observe se a sua barriga se mexe enquanto a respiração acontece. Deixar a barriga relaxada ajuda para que ela se mova com a respiração. Simplesmente observa a respiração “chegando” na barriga e massageando seus órgãos internos. Deixe que a barriga seja o seu centro.
6 Se surgirem sensações agradáveis, feche os olhos e deixe estas sensações boas se espalharem pelo de seu corpo.
Se as sensações forem desagradáveis, aceite-as e se possível mantenha a barriga relaxada, a respiração solta, sem controlá-la e espere que seu corpo vá naturalmente se auto-regulando.
Depois de alguns minutos observe se houve alguma mudança em seu estado interno. Se te deixou mais calmo, pode utilizá-lo algumas vezes ao longo do dia.
Este exercício utiliza dois princípios importantes no gerenciamento da ansiedade: o controle da atenção e a ativação, mesmo que indireta, da respiração diafragmática, abdominal.

O adulto e a criança dentro de si

A pessoa com algum transtorno de ansiedade vive uma situação paradoxal. Por um lado, vive com intensos sentimentos de insegurança e vulnerabilidade, e ao mesmo tempo, tem que dar conta de diversas responsabilidades e tarefas da vida adulta. É como se a pessoa estivesse dividida: tem um lado adulto e responsável convivendo – e às vezes se alternando – com um lado infantil e inseguro. Este contraste pode fazer com que a pessoa se sinta confusa e desorientada. Muitas vezes a pessoa começa a se cobrar, se criticar, não aceitando seu lado inseguro: “mas eu não deveria me sentir assim, eu tenho que ser forte…”. A não aceitação do medo torna a pessoa ainda mais insegura, pois ela passa a ficar com medo de ser dominada pelo medo.
O caminho está em aprender a usar seu lado adulto para cuidar e ajudar seu lado infantil e inseguro.
Imagine uma criança com medo de trovão. Um adulto que a critica e grita com ela, exigindo que ela vença seus medos dificilmente vai ajudá-la a superar usa insegurança. Do mesmo modo, o adulto que se tranca no quarto junto com a criança, fechando as janelas para que os trovões fiquem longe, tampouco ajudaria. A melhor atitude, no caso, seria reconhecer o medo que a criança está sentindo, segurar na sua mão para acalmá-la, conversar e ajudá-la a entender o que acontece e só depois convidá-la a se aproximar da janela, olhar a chuva, os raios e assim começar a enfrentar a situação temida…
O enfrentamento dos medos irracionais é a melhor estratégia para domesticá-los, porém este caminho só funciona se a atitude for primeiro, de aceitação do próprio medo.
Depois, é importante uma atitude de apoio incondicional para ajudar a criança a ir perdendo o medo de sua reação emocional, perder o medo de sentir medo para, então ir perdendo o medo dos raios e trovões.
Esta atitude do adulto que ajuda uma criança a superar seus medos é a mesma que uma pessoa ansiosa precisa ter consigo mesma, esteja ela com Transtorno do Pânico, Fobia Social, Estresse Pós Traumático, etc. Seu lado adulto precisa pegar na mão de seu lado infantil e assustado e ajudá-lo a aceitar o sentimento, gradativamente ir olhando seus temores para perder o medo do que sente e aprender a olhar com mais lucidez para as conseqüências catastróficas temidas, para ver como o monstro não é tão perigoso quanto parecia.

Tornar a solidão uma experiência suportável

Numa das variedades do Transtorno de Pânico, além do medo das reações do corpo, há um fator adicional, onde estar acompanhada de alguém de confiança pode fazer muita diferença. As pessoas deste grupo geralmente se sentem mais vulneráveis a ter crises de pânico quando estão sozinhas e são muito sensíveis a separações e ameaças de separação.
Vamos encontrar muitos traços desta ansiedade de separação que vem da infância, podendo ter diminuído ou sumido por anos, mas que reaparecem com o Pânico. É comum que durante a terapia a pessoa vá lembrando de medos da infância, como medo de perder um dos pais, de ficar sozinha, de dormir sozinha, etc.
Para uma criança muito pequena o abandono poderia representar a morte, o que justifica o intenso estado de angústia e desespero que poderia se ativar nesta situação. No entanto, a mente da pessoa adulta com Transtorno do Pânico parece reagir do mesmo modo, com ansiedade e forte sentimento de vulnerabilidade quando se vê sozinha.
No trabalho com adultos com Pânico precisamos ajudar a pessoa a lidar com esta ansiedade de separação e com este medo de ficar sozinho. Em parte isto implica em retomar e elaborar traumas relacionados a abandono, perda de confiança e isolamento, sendo que alguns destes traumas têm origem bem precoce, na infância.
Porém, uma meta importante é ajudar a pessoa a experienciar a solidão e viver a solidão como uma experiência suportável, uma experiência que pode ser desagradável, emocionalmente dolorida e produzir ansiedade, mas possível de ser vivida sem levar ao desespero e ao pânico. Esta é uma das metas de uma psicoterapia para pessoas com Pânico.

Domesticar o monstro: tornando a ansiedade suportável

A ansiedade expressa um estado de vulnerabilidade, um estado em que nos sentimos sob risco. Nesta hora podem surgir na mente muitos medos: medo de morrer, medo de perder o controle, medo de fracassar, medo da crítica, medo de perder o amor dos outros, etc.
Mas o medo que mais nos consome é o medo do desconhecido agindo dentro de nós, a sensação de não saber o que ocorrerá conosco, de descontrole, podendo surgir o pavor de acreditar que o que ocorre conosco pode nos engolir, nos destruir. A experiência do pânico é uma experiência assim, de um estado que parece nos ultrapassar e ir além dos nossos limites.
Compreendendo as reações de pânico é possível aprender a observá-las e ir perdendo o medo das reações corporais (coração acelerado, tremores, respiração curta, formigamento etc). Poder viver as reações do corpo como fonte de desconforto e não como fonte de perigo. O caminho de superação do pânico passa por aprender a tolerar estas experiências corporais e emocionais intensas.
Aumentar a tolerância é uma experiência difícil quando a gente se assusta tanto com cada pequena coisa que acontece conosco, mas é fundamental neste caminho de ir domesticando o monstro para torná-lo um bicho familiar.
O desafio é aprender a poder se sentir frágil, vulnerável, assustado, pequeno… a sentir medo, insegurança… e neste processo ir tornando a experiência suportável.

O sofrimento com sentido: dos sintomas à vulnerabilidade

A ansiedade é a emoção natural que aparece quando alguém se sente vulnerável, quando se sente ameaçado, impotente e incapaz para lidar com uma situação ou mesmo com as próprias reações. Geralmente as fobias e o transtorno de pânico começam como “crises de ansiedade” num momento de vulnerabilidade. Nestas primeiras crises a ansiedade passa a se associar a um fator concomitante, seja uma reação corporal ou um evento externo que passará, a partir daí, a funcionar como disparador de novas crises. No caso de uma fobia, uma situação externa ou objeto passa a funcionar como disparador de crises fóbicas, enquanto no pânico, uma reação do corpo passa a disparar os ataques de pânico.
Temos assim dois níveis: (1) o estado original de vulnerabilidade e desamparo e (2) a associação onde um objeto/situação/reação passa a ser associado à ansiedade. A partir deste momento sempre que o objeto objeto/situação/reação se apresenta, dispara uma resposta automática de ansiedade, iniciando uma crise.
Trabalhar eficazmente com o pânico ou com fobias implica em quebrar esta associaçõa para interromper a incidência das crises.
Porém a experiência clínica demonstra que em muitos casos é necessário ir além da supressão do sintoma, além da superação das crises. Precisamos ajudar a pessoa a chegar ao estado de vulnerabilidade e desamparo original, torná-lo suportável e, se possível, também compreensível dentro da história de vida da pessoa.
Chegar ao estado de vulnerabilidade e desamparo e encontrar outras saídas para sua expressão que não as crises de pânico ou reações fóbicas.

A medicação, a psicoterapia e o Pânico

Um tratamento eficaz do transtorno do pânico envolve alguns objetivos básicos: (1) diminuir as crises, (2) quebrar a associação das reações do corpo como fonte de perigo e (3) capacitar a pessoa a enfrentar os sentimentos de vulnerabilidade e desamparo que disparam ansiedade.
A medicação tem um efeito importante no primeiro destes objetivos, diminuir a incidência das crises de pânico, porém parece não atingir diretamente os outros dois objetivos.
A medicação, por exemplo, não ensina à pessoa como ela pode se auto-regular e diminuir sua ansiedade. O desenvolvimento da capacidade de influenciar seus estados internos é importante para que a pessoa aprenda a se acalmar e assim supere o sentimento de impotência frente à ansiedade e ao pânico.
Tão importante como aprender a se auto-regular é quebrar a associação que se cria no cérebro da pessoa, onde as reações de seu corpo (taquicardia, etc) são vividas como um sinal de perigo, disparando ansiedade e pensamentos catastróficos. Ao se quebrar esta associação as reações do corpo deixam de produzir ansiedade e a pessoa deixa de ter crises de pânico.
A medicação é um recurso auxiliar importante para ajudar a controlar as crises de pânico. Porém sua melhor utilização parece ser como coadjuvante da psicoterapia, visto que as pesquisas têm apontado que o índice de recaídas é maior quando há somente tratamento medicamentoso do que quando há também um tratamento psicológico.
Atualmente é possível tratar a pessoa com pânico com uma psicoterapia especializada, mesmo sem a utilização de medicação. O problema é que este tratamento psicológico especializado ainda não é amplamente conhecido e utilizado, e as pessoas acabam vivendo numa situação precária, reféns do pânico por anos, em tratamentos que acabam não tocando suas questões essenciais.

Fobia Social: a ansiedade na frente dos outros

Na fobia social a pessoa fica ansiosa em situações sociais, quando teme pelo seu desempenho e se constrange ao se imaginar sendo observada pelos outros.
Isto pode ocorrer em situações diversas, como ao escrever na frente dos outros, falar em público, participar de reuniões, ao estar num restaurante, numa festa etc.
Algumas pessoas temem situações sociais variadas enquanto outras apresentam os sintomas somente em situações bem específicas.
Quando na situação temida a pessoa costuma apresentar alguns sintomas de ansiedade como suor, tremor, rubor na face, desarranjo gastrointestinal, etc. A preocupação de que os outros possam perceber o seu desconforto e seus sintomas torna-se uma fonte adicional de preocupação que deixa a pessoa ainda mais embaraçada e ansiosa.
Este quadro leva muitas pessoas a evitarem as situações temidas ou, se for inevitável, a viverem a experiência com muito sofrimento.
A fobia social é diferente da timidez pelo grau elevado da ansiedade, pela grande limitação que traz à vida da pessoa e pelo fato de que algumas pessoas tem um desempenho social normal fora daquelas situações temidas.
No tratamento da fobia social há dois focos importantes:
(1) ensinar a pessoa a se autogerenciar, para que aprenda a diminuir a ansiedade e consiga se regular na situação, diminuindo assim os sintomas
(2) investigar a raiz do sentimento de inadequação e “auto-crítica” que aparece projetada no ambiente, como se o ambiente fosse crítico.
É importante identificar os eventos da história de vida que possam ter contribuído para que a pessoa se sentisse inadequada e fragilizada numa situação social. Muitas vezes um evento recente reativa um sentimento antigo de inadequação, como o de ser alvo de crítica ou desprezo dos pais na infância.
A partir do aumento da capacidade de autogerenciamente e do esclarecimento dos sentimentos envolvidos na situação social temida, a pessoa consegue superar o sofrimento e a limitação trazida pela fobia social.

A fragilidade que antecede o Pânico

Algumas pesquisas mostram que nos dois anos que antecederam o início das crises de pânico, muitas pessoas viveram situações traumáticas como perdas, separações, doenças, enquanto outras passaram por fases estressantes como problemas no trabalho, mudanças importantes na vida, etc. Estes fatores contribuíram para que a pessoa se sentisse emocionalmente fragilizada e vulnerável.
A ansiedade é a emoção natural quando uma pessoa se sente vulnerável. E uma crise de pânico é uma decorrência possível deste estado de vulnerabilidade.
A situação estressante recente pode trazer de volta um sentimento profundo de fragilidade que a pessoa sentiu em sua infância – experiência muitas vezes esquecida – mas que vai reaparecer, contribuindo para as crises de ansiedade.
Uma meta importante no tratamento é ajudar a pessoa a entrar em contato com esta experiência interna de fragilidade que está na origem do processo que levou ao Pânico, poder suportar este sentimento, podendo sentir-se frágil sem entrar em pânico.

Sobre os Comentários

Não estou conseguindo disponibilizar um tempo para responder aos comentários.
Sendo assim, a partir de hoje vou responder as questões levantadas nos comentários indiretamente através dos “posts”. Não darei mais respostas individuais.
Os comentários são bem vindos e continuarão importantes como referência das dúvidas, impressões e inquietações que surgirem e orientarão os próximos posts.
Conto com a compreensão dos leitores.

Auto-gerenciamento como etapa para superação do Pânico

Durante uma crise de pânico a pessoa tem a sensação de que seu corpo está fora de controle: o coração dispara, a respiração fica difícil, as extremidades gelam, as mão transpiram… Esta experiência de “descontrole” pode ser emocionalmente devastadora, minando o sentimento de confiança e auto-estima. A pessoa passa então a evitar situações onde imagina que aquilo poderia ocorrer de novo. Frente ao primeiro sinal de mal estar, o temor e a insegurança crescem e o sentimento de impotência domina.
Uma etapa importante na superação do Pânico é desenvolver a capacidade de influenciar o estado de excitação interna, aprendendo a acalmar o corpo. Isto é possível pelo aprendizado de estratégias de auto-gerenciamento, que envolvem diversas técnicas que agem sobre a respiração, a postura, o tônus muscular, o olhar, a atenção etc.
Aprender a se influenciar, iniciando um diálogo construtivo com as sensações e emoções aumenta o sentimento de segurança, diminui o sentimento de vulnerabilidade e consequentemente ajuda a diminuir a incidência das crises de pânico.

Enraizar a presença no corpo para superar o Pânico

Sob estado de pânico a pessoa tende a se desconectar de sua experiência corporal e ficar assustada com o que sente. Há um afastamento de si, levando a pessoa a se ver como estranha, o que produz um sentimento de vulnerabilidade.
O corpo, que seria fonte de experiências vividas como parte do “eu”, passa a ser vivido como fonte de sensações perigosas. Ocorre desconexão entre consciência e corpo. A consciência passa a ficar identificada com o pensamento, se distanciando das sensações corporais. Este afastamento da experiência corporal acentua a ansiedade e o pânico, contribuindo para que a pessoa fique sempre assustada e receosa com as sensações e as reações em seu corpo (taquicardia, suor frio, etc).
Retornar ao corpo como sede da experiência subjetiva é fundamental para que a pessoa possa perder o medo do que sente, reconecte com o sentido de suas reações corporais e aprenda modos de influenciar seus estados internos (aprendendo modos de se acalmar, por exemplo).
Apesar de a pessoa querer “sumir”, não querer mais “habitar seu corpo”, o caminho para superação do pânico necessariamente implica em voltar à corporeidade, reaprender a linguagem das reações corporais e a linguagem das emoções.

As duas direções da ansiedade: agitação e desfalecimento

Sempre que estamos sob estado de ansiedade e medo, nosso corpo tende a apresentar uma entre quatro tipos de reações básicas: (1) lutar, (2) fugir, (3) paralisar ou (4) desfalecer. Cada uma destas respostas foi moldada em nossa história evolutiva e funciona como uma estratégia diferente para lidar com uma situação perigosa. Cada resposta produz reações fisiológicas próprias, nos batimentos cardíacos, na respiração, no tônus muscular, etc. De modo simplificado, podemos identificar duas direções básicas nestas reações do corpo e da mente: (1) uma direção de agitação, com tendência ativa, geralmente de fuga da situação e (2) uma direção de amolecimento, numa tendência passiva, de afastamento do mundo e na direção do desfalecimento. Numa crise de pânico, enquanto algumas pessoas sentem uma agitação incontrolada, outras sentem que podem perder os sentidos e desmaiar.
Cabe notar que é muito raro uma pessoa realmente desmaiar durante uma crise de pânico. O que costuma ocorrer é a pessoa se assustar com o estado de amolecimento, ficando então agitada e querendo escapar da situação.
Uma situação comum é a pessoa estar corporalmente tensa, mas se afastando mentalmente da situação. A pessoa interpreta equivocadamente este afastamento mental como sinal de desmaio, quando no fundo seu corpo vai em outra direção.

O curto-circuito que acontece no Pânico

Na crise de pânico o corpo reage com medo como se estivesse frente a um perigo, porém não há nenhuma ameaça visível. A mente então se volta para as reações fisiológicas que são inerentes à reação de medo, como se as reações em si fossem perigosas.
Estas reações (taquicardia, falta de ar, tontura, enjôo, etc.) fazem parte da reação emocional de medo, porém a pessoa passa a interpretá-las como sinal de perigo, indício de uma doença fatal, de uma catástrofe iminente. Esta interpretação catastrófica produz ainda mais medo, logo mais reações fisiológicas. Como a pessoa tem medo de reações corporais que são parte da própria emoção de medo, este “medo do medo” tende a se perpetuar: sempre que a pessoa ficar receosa, vão aparecer reações para serem temidas e sempre que a pessoa sentir algo diferente vai ficar temerosa, logo vão surgir mais reações… Quanto mais reações, mais medo, quanto mais medo, mais reações, num circuito que se auto-alimenta. Este é o círculo vicioso que mantém a pessoa prisioneira no transtorno do pânico.
Um dos focos do tratamento é interromper este curto-circuito que envolve reações físicas – medo – interpretações catastróficas.

O sentimento de fragilidade

Há momentos em que nos sentimos frágeis, como uma folha seca a ponto de ser pisada e destruída em pedaços; como um cálice de cristal no meio de crianças correndo desvairadas.
Esta sensação brota de dentro de nosso ser, quando nosso corpo parece perder qualquer capacidade de reagir e nos sentimos como uma chama que pode se apagar a qualquer momento.
Este estado pode dar origem a um desespero “mudo”, com poucas forças para gritar e que nos consome as energias.
Este sentimento pode emergir quando estamos doentes, mas também quando o lado frágil de nossa personalidade vem à tona e nos faz sentir desamparados como um filhote de pássaro caído fora do ninho.
Muitas pessoas com ansiedade e com crises de Pânico conhecem bem esta experiência de fragilidade extrema.

A Função do Medo

Em certo sentido o potencial de sentir medo existe porque cumpre uma função evolutiva. Em sua vertente “inteligente”, o medo nos afasta e nos protege do perigo, seja de um perigo presente ou antecipado.
Como o medo favorece a proteção da vida é bem provável que nossos ancestrais mais cuidadosos e cautelosos sobreviveram e se reproduziram, enquanto os imprudentes demais sucumbiram nas garras do predador.
Assim, de certo modo, o medo favorece a vida.
A criança, por exemplo, tem medos que a protegem de situações para as quais não se sente pronta para lidar, como medo de cair, medo do escuro, medo de se afogar, etc. Estes medos a protegem de se expor a um possível perigo, até que tenha habilidades suficientes para lidar com a situação, como ter aprendido a nadar, por exemplo.
Nosso corpo tem um “aparelho de medo” muito desenvolvido e atuante. Porém, algumas vezes atuante demais.

Cred.  a Artur Scarpat    (Blog da Sindrome do Pânico) http://blog.psicoterapia.psc.br/