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A psicogênese da pessoa completa de Henri Wallon: Desenvolvimento da
comunicação humana nos seus primórdios.
Adrianne Ogêda Guedes1
Resumo: Este artigo apresenta um panorama geral dos estudos do psicólogo Henri Wallon,
focalizando em especial o desenvolvimento humano nos primeiros anos de vida.
Considerando as perspectivas práticas para os que trabalham com a criança de 0 a 6 anos, a
teoria walloniana fornece um significativo suporte teórico, compreendendo a dimensão social
e afetiva do desenvolvimento.
Palavras chaves: Desenvolvimento humano, teoria de Henri Wallon, Primeiros anos de vida.
Abstract: This article presents a general panorama of the studies of the psychologist Henri
Wallon, focusing in special the human development in the first years of life. Considering the
practical perspectives for that who work with the child of zero to six years of age, the
wallonian´s theoretical support allows an understanding of the social and affective dimension
of the development.
Key words: Human development, Henri Wallon´s theory, The first years of life
Este texto tem como principal objetivo oferecer um panorama geral dos estudos
psicogenéticos de Henri Wallon, enfatizando de modo especial elementos de sua teoria que
nos permitem refletir sobre alguns aspectos do desenvolvimento da comunicação humana nos
primeiros anos de vida. Em coerência com a teoria de Henri Wallon, inicio situando o leitor a
respeito de elementos de sua trajetória – incluindo aí contexto histórico e social, sua formação
e experiências profissionais - que permitem compreender o destaque que alguns conceitos
ganham em sua obra, tal como o da influência do meio social no desenvolvimento humano.
Sua teoria, abrangente e dinâmica, serve a muitas leituras por parte de quem procurar
nela subsídios para a reflexão pedagógica. Abordando temas como a emoção, a motricidade, a
formação da personalidade, linguagem, pensamento, dentre outros, fornece material precioso
para refletir as relações entre desenvolvimento infantil e práticas educacionais.
Para aqueles que atuam na educação, conhecer como o movimento do
desenvolvimento infantil se dá é fundamental para que seja possível contribuir como
mediador e facilitador desse processo. Nesse sentido, o pensamento de Henri Wallon
constitui-se num valioso referencial teórico que pode subsidiar as experiências com crianças.
1- Wallon: trajetória de um humanista.
1 Psicóloga, Especialista em Educação Infantil (PUC-RJ), Doutoranda em Educação (UFF), Professora (PUC-RJ) e
consultora (MEC, Casa Monte Alegre Educação Infantil). E-mail: adrianne.ogeda@gmail.com
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Henri Wallon (1879-1962), filósofo, médico, psicólogo e político francês, dedicou-se a
compreender o psiquismo humano, voltando sua atenção a criança, acreditando que
conhecendo seu desenvolvimento era possível ter acesso à gênese dos processos psíquicos.
Buscou relacionar seus estudos sobre a evolução da criança com a educação. Tal preocupação
com as perspectivas práticas da psicologia evidencia-se em sua fala durante a “Lição de
abertura no Colégio de França”, em 1937:
“(...) Sem dúvida que as experiências de que a psicologia tem necessidade ultrapassam
o laboratório. Esta cadeira de Psicologia da Educação é prova disso. Entre a Psicologia e a
Educação, as relações não são de uma ciência normativa e de uma ciência ou de uma arte
aplicadas. A psicologia esá bastante perto de suas origens para que seja possível reconhecer a
íntima dependência em que se encontra uma ciência nos seus começos face a problemas
práticos.” (Wallon,1975, pg.9)
Seu interesse em integrar a atividade cientifica à ação social permeou sua trajetória,
numa atitude de coerência e engajamento.
Wallon viveu em um período de grande instabildade social. Foi contemporâneo às
duas guerras mundiais (1914-18 – 1939-45), ao avanço do fascismo no período entre guerras,
às revoluções socialistas e guerras para libertação das colônias na África que afetaram a
Europa (particularmente a França, seu país de origem). Envolveu-se em diferentes
movimentos de protesto contra os sistemas excludentes e autoritários, engajando-se em
partidos de esquerda e tomando a frente em ações coletivas em prol da liberdade e da
cidadania. È provável que a vivência de momentos históricos tão turbulentos tenha
evidenciado a influência fundamental que o meio social exerce sobre o desenvolvimento da
pessoa humana, aspecto que tem destaque em sua teoria.
Após a graduação em Medicina, atuou em instituições psiquiátricas onde dedicou-se
ao atendimento de crianças com deficiências neurológicas e distúrbios de comportamento.
Serviu como médico no exército francês em 1914, na frente de combate. O contato com as
lesões cerebrais sofridas por ex-combatentes e a observação dos efeitos das lesões nas
condutas e habilidades desses soldados fez com que revisse postulados neurológicos que
havia desenvolvido no atendimento a crianças com deficiência. De 1920 a 1937 foi
encarregado de proferir conferências sobre a psicologia da criança na Sorbone (Paris) e outras
instituições de ensino superior. Em 1925 fundou um laboratório destinado à pesquisas e
atendimento clínico de crianças ditas “normais” que funcionou durante 14 anos ao lado de
3
uma escola na periferia de Paris. Tal proximidade favoreceu o acesso à criança
contextualizada (inserida em seu meio) e estreitou suas questões com a educação.
Em 1925 ele publicou sua tese de doutorado, “A criança turbulenta”, vivendo um
período de grande produção durante o qual foram publicados seus livros considerados mais
importantes, sendo o último deles “Origens do pensamento na criança” de 1945. De 1937 a
1949 lecionou no Colégio de França ocupando a cadeira de psicologia da educação da criança
(com interrupção em 1941-44 em função da ocupação alemã). Em 1948 criou a revista
“Enfance”, instrumento de divulgação de pesquisas do campo da psicologia e fonte de
informação para educadores. Os temas abordados eram variados, atestando seu interesse pela
multiplicidade de campos onde se dá a atividade e o interesse da criança.
Wallon participou ainda de vários movimentos relacionados a educação, participando
ativamente do debate educacional da época. Presidiu o comite responsável pela reformulação
do sistema de ensino francês em 1944. A reforma proposta (que não chegou a ser
implementada) preconizava a adequação às necessidades de uma sociedade democrática e às
possibilidades e características psicológicas do indivíduo, favorecendo o máximo
desenvolvimento das aptidões individuais e a formação do cidadão. Preocupou-se também em
refletir sobre a organização do tempo e do espaço nos sistemas educacionais (Galvão, 1994).
Wallon esteve no Brasil em 1935, sendo ciceroneado por Gilberto Freyre e, nas palavras do
sociólogo passaram “o dia todo correndo escolas e o morro da Mangueira” (Galvão, 1995).
Conhecer a vinculação de Wallon as questões mais amplas de seu meio social, seu
engajamento no contexto político da época, nos permite compreender a visão ampla que ele
lançava sobre a realidade, tal visão é a marca de sua teoria do desenvolvimento humano e de
sua atuação como pesquisador, psicólogo e médico.
2- Aspectos gerais de sua teoria: a psicogênese da pessoa completa.
Wallon dedicou-se a pesquisar a psicologia genética, ou seja, a gênese dos processos
psíquicos. Para ele a análise genética, partindo do que vem antes na cronologia das
transformações por que passa o sujeito, é o procedimento capaz de compreender de modo
global a totalidade da vida psíquica (sem fragmentá-la em elementos estanques). A
observação é o principal método de pesquisa preconizado pelo autor.
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Para Wallon, a existência do homem, ser indissociavelmente biológico e social, se dá
entre as exigências do organismo e da sociedade. Nesse sentido, os estudos do psiquismo se
situam portanto entre os campos das ciências naturais e sociais.
A formação da inteligência é genética e organicamente social, ou seja, "o ser humano é
organicamente social e sua estrutura orgânica supõe a intervenção da cultura para se atualizar"
(Dantas, 1992). Essa concepção inclui o ambiente social e os aspectos biológicos em sua
relação de reciprocidade e interdependência. Considerando que o sujeito constrói-se nas suas
interações com o meio, Wallon propõe o estudo contextualizado das condutas infantis. Isso
quer dizer que para compreender a criança e seu comportamento, é necessário levar em conta
aspectos de seu contexto social, familiar, cultural. Será a relação entre as possibilidades da
criança em cada fase/ estágio2 e as condições oferecidas pelo seu meio que cunharão o
desenvolvimento.
“(...) Pelo contrário, para quem não separa arbitrariamente
comportamento e as condições de existência próprias a cada época do
desenvolvimento, cada fase constitui, entre as possibilidades da
criança e o meio, um sistema de relações que os faz especificarem-se
reciprocamente. O meio não pode ser o mesmo em todas as idades. É
composto por tudo aquilo que possibilita os procedimentos de que
dispõe a criança para obter a satisfação das suas necessidades. Mas
por isso mesmo é o conjunto dos estímulos sobre os quais exerce e se
regula a sua atividade. Cada etapa é ao mesmo tempo um momento da
evolução mental e um tipo de comportamento.” (Wallon, 1995)
O desenvolvimento humano é visto em conjunto. Wallon propõe um estudo integrado,
abarcando os vários campos da atividade infantil (campos funcionais3) e os vários momentos
de sua evolução psíquica (estágios do desenvolvimento), numa perspectiva abrangente e
global. Enfoca o desenvolvimento em seus domínios afetivo, cognitivo e motor, sem
privilegiar um domínio em detrimento dos demais, preocupando-se em mostrar nas diferentes
etapas os vínculos entre cada campo.
É por levar em conta essa dimensão integradora, que não fragmenta os diferentes
elementos envolvidos na evolução humana, que consideramos a teoria do desenvolvimento de
Wallon como a “psicogênese da pessoa completa”.
2 Apesar de considerar que o desenvolvimento não é linear e contínuo, Wallon compreende que este se dá em
fases/ estágios orientadas por aspectos orgânicos. Vale ressaltar que tais fases sofrem rupturas, retrocessos e
são relativas ao contexto de cada indivíduo.
3 Wallon trabalha com o conceito de campos funcionais nos quais a atividade infantil se distribuiria, são eles a
afetividade, a motricidade e a inteligência.
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Henri Wallon compreende o desenvolvimento psíquico da criança – base de seus
estudos do desenvolvimento humano – como descontínuo e marcado por contradições e
conflitos, resultado da maturação orgânica e das condições ambientais. Essa visão se
contrapõe a idéia de um desenvolvimento linear e em etapas definidas e seguidas, que
compreenderiam períodos marcados, que se sucederiam. Para Wallon, aspectos dos diferentes
momentos do desenvolvimento não são propriamente “superados” por outros, mas podem
reaparecer em outra fase da vida, ganhando novos sentidos de acordo com as diferentes
condições do sujeito.
Seu estudo – como já mencionado - leva em conta o contexto em que vive a criança,
considerando as influências do ambiente social, das experiências culturais.
Esse meio em que a criança vive não é estático e homogêneo, ele também transformase
junto com a criança. A cada idade estabelece-se um tipo próprio de interações entre o
sujeito e seu meio. Conforme a disponibilidade da idade a criança interage mais fortemente
com um ou outro aspecto de seu contexto, extraindo dele os recursos para o seu
desenvolvimento. Este, se baseará nas necessidades e competências específicas da criança
naquele momento de vida. Esta determinação recíproca entre as condutas das crianças e o seu
meio, conferem um caráter de relatividade ao processo de desenvolvimento.
Ainda assim, considerando a influência do ambiente e da cultura no desenvolvimento,
este tem uma dinâmica e ritmo próprios, resultantes do que Wallon chama de princípios
funcionais que agem como leis constantes. Os fatores orgânicos são os responsáveis pela
seqüência fixa entre os estágios do desenvolvimento, embora não garantam uma
homogeneidade no seu tempo de duração (as circunstâncias sociais interferem nesse aspecto).
As etapas do desenvolvimento têm um ritmo descontínuo, marcado por rupturas,
retrocessos e reviravoltas, movimentos que provocam profundas mudanças em cada etapa
vivida pela criança. Portanto, a passagem dos estágios de desenvolvimento não se dá de modo
linear, por ampliação. Trata-se de fato em um movimento de continua reformulação, marcada
por crises que afetam a conduta da criança.
Conflitos se instalam nesse processo e eles são propulsores do desenvolvimento aos
quais chama de fatores dinamogênicos (que conferem dinâmica). Tais conflitos podem ser
resultado de desencontros entre o comportamento da criança e o ambiente exterior (exógeno –
relativo a externo) ou originários de fatores orgânicos, relativos a maturação infantil
(endógenos – causa interna).
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“(...) O desenvolvimento infantil é um processo pontuado por
conflitos. Conflitos de origem exógena, quando resultantes dos
desencontros entre as ações da criança e o ambiente exterior,
estruturado pelos adultos e pela cultura. De natureza endógena,
quando gerados pelos efeitos da maturação nervosa. Até que se
integrem aos centros responsáveis por seu controle, as funções
recentes ficam sujeitas a aparecimentos intermitentes e entregues a
exercícios de si mesmas, em atividades desajustadas das
circunstâncias exteriores. Isso desorganiza, conturba, as formas de
conduta que já tinham atingido certa estabilidade na relação com o
meio” (Galvão, 1995)
O desenvolvimento da pessoa se dá numa construção progressiva em que se sucedem
fases em que ora predominam aspectos afetivos, ora cognitivos. A essa tendência a
predomínio de um aspecto sobre o outro Wallon dá o nome de “predominância funcional”.
Tal predomínio é orientado pelo principio de alternância funcional. Cada fase tem suas
peculiaridades, delineadas pela predominância de um tipo de atividade. Tais predominâncias
estão ligadas aos recursos que a criança dispõe para interagir com o ambiente.
São cinco os estágios propostos por Wallon, cada qual com sua especificidade4. O
primeiro, “impulsivo-emocional”, que abrange o primeiro ano de vida, cuja ênfase é a emoção
(predomínio afetivo); o “sensório-motor e projetivo”, que vai até o terceiro ano, quando o
interesse da criança se volta para a exploração sensório-motora do mundo físico (predomínio
cognitivo). O do “personalismo”, que cobre a faixa dos três aos seis anos, cuja tarefa central é
o desenvolvimento da personalidade, a construção da consciência de si (predomínio afetivo).
Aos seis anos inicia-se o estágio “categorial”, cuja ênfase recai para os avanços dos
progressos intelectuais, dirigindo o interesse da criança para o conhecimento e conquista do
mundo exterior (predomínio cognitivo). Por fim, o estágio da adolescência quando a crise
pubertária impõe a necessidade de novos contornos da personalidade em função das
mudanças corporais, trazendo a tona questões pessoais, morais, existenciais, retomando a
predominância da afetividade.
Cada um desses estágios traz novas conquistas realizadas pela etapa anterior,
construindo-se reciprocamente num processo de integração e diferenciação. O fato de haver o
predomínio do aspecto afetivo em determinada fase, como por exemplo na impulsivaemocional,
não quer dizer que aspectos afetivos não estarão presentes na próxima etapa (ainda
que não sejam os predominantes).
4 Neste texto não aprofundaremos a definição de cada estágio mais detalhadamente. Para conhecer mais sobre
o assunto sugiro a leitura dos textos indicados na bibliografia consultada.
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Enfim, ao longo do desenvolvimento ocorrem sucessivas diferenciações entre os
campos funcionais entre os quais se distribui a atividade infantil e interior de cada um. Este
conceito da diferenciação é chave na psico-genética de Henri Wallon e orientará o processo
de formação da personalidade de forma mais ampla.
3- A comunicação com o outro: elo vital.
Trataremos agora de um aspecto específico da teoria Walloniana: a comunicação
humana em seus primórdios. Wallon (1975) indica que desde o início da vida, na formação
uterina do ser humano, há uma dualidade da criança e das suas condições de existência. Essa
dualidade está ligada ao fato de a criança ser, ao mesmo tempo e progressivamente capaz de
reagir por conta própria em diferentes situações e à estímulos igualmente diversos e, ao
mesmo tempo, depender vitalmente de sua mãe.
Para ele, o desenvolvimento do ser humano está ligado às suas possibilidades e
necessidades de existência. No início da vida, ainda no ventre materno, há uma relação
simbiótica entre a criança e mãe, uma associação vital. A criança recebe tudo da mãe e, ao
mesmo tempo, vai tornando-se um pequeno ser, organizando todo o seu equipamento
biológico. Recebe da mãe a alimentação, o sangue que lhe traz oxigênio necessário para o
desenvolvimento de seus tecidos, os hormônios necessários a sua evolução somática e tudo o
mais.
Ainda na vida intra-uterina, mesmo ainda tão pequeno e dependente do outro para a
sua própria autoconstrução, o feto já regula o crescimento excessivo de seus órgãos graças a
suas glândulas endócrinas, tem um sistema nervoso capaz de reagir segundo o nível das
estruturas já realizadas (como por exemplo, reflexos de postura provocados por impressões
que fizeram seu caminho por meio do sistema nervoso da criança). Quem já vivenciou uma
gestação provavelmente pode perceber reações de seu bebê à alguma situação inesperada,
como um susto ou algo do tipo.
Com o nascimento, uma primeira cisão mãe-bebê é experimentada. A criança tem
agora que desenvolver autonomia respiratória. Todas as suas outras necessidades dependem
estreitamente da mãe ou de quem se ocupa dos cuidados com a criança. Mudar de posição,
saciar sua fome, sua sede, manter-se limpa, ser acolhida, acalmada, dentre outras necessidades
só podem ser realizadas pela iniciativa de um outro. Os movimentos e gritos do recém8
nascido, inicialmente desordenados, parecem ainda não ter uma utilidade que resulte em bem
estar.
O estado inicial da consciência pode ser comparado a uma nebulosa (Galvão, 1995),
uma massa difusa na qual o bebê se confunde com a sua própria realidade exterior. O recémnascido
não se percebe como indivíduo diferenciado. Mistura-se a sensibilidade do ambiente.
A diferenciação entre o eu e o outro só se dará progressivamente, a partir das interações
sociais. O bebê encontra-se num estado de dispersão e indiferenciação, percebendo-se fundida
ao outro e aderida às situações e circunstâncias do meio.
Durante esse primeiro período da vida (até aproximadamente os três meses) a criança
orienta todos os seus atos úteis em direção às pessoas (no caso mais geral, a mãe), gestos de
expressão que visam a satisfação das necessidades que necessita ter supridas. Faz parte então
da evolução humana a perspectiva da ajuda mútua para a subsistência.
É fundamental ressaltar o papel da emoção na teoria de Wallon e mais especificamente
no entendimento do desenvolvimento da comunicabilidade do bebê. Para ele, a emoção
encontra-se na origem da consciência, operando a passagem do mundo orgânico para o social,
do plano fisiológico para o psíquico. É importante diferenciar emoção de afetividade. A
emoção é uma manifestação da vida afetiva (assim como os desejos e sentimentos), porém
afetividade é um conceito mais abrangente. As emoções são sempre acompanhadas de
alterações orgânicas (aceleração dos batimentos cardíacos, da respiração, dificuldades na
digestão,etc). Provocam alterações na mímica facial, na postura, na forma como os gestos são
executados. Wallon defende que as emoções são reações organizadas e que se exercem
reguladas pelo sistema nervoso central, situado na região sub-cortical.
No bebê os estados afetivos são vividos como sensações corporais, expressos pelas
emoções. Só com a aquisição da linguagem diversificam-se as possibilidades de expressar as
emoções, bem como os motivos que as originam.
No primeiro ano a emoção é o comportamento predominante, posteriormente, as
reações emotivas tão freqüentes no comportamento infantil, são subordinadas ao controle das
funções psíquicas superiores. As emoções promovem uma ação no meio humano. Tomemos
novamente o exemplo do bebê recém-nascido que depende da ajuda de parceiros mais
experientes para sobreviver. Tendo em vista que sozinho ele não tem perícia para realizar
quase nada – desde virar-se de uma posição incomoda até alimentar-se – ele necessita afetar o
outro para ter suas necessidades atendidas. Nesse sentido, sua primeira atividade eficaz é
desencadear no outro reações de ajuda para a satisfação de suas necessidades. Gritos, choros,
gesticulações são as primeiras expressões do bebê que, a princípio não são intencionais, e
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contagiam os adultos constituindo uma comunicação que vai se intensificando
progressivamente.
Tal comunicação é baseada em componentes corporais e expressivos. As pessoas
próximas do bebê acolhem e interpretam suas reações, agindo de acordo com o sentido que
atribuem a elas. A reação do adulto às expressões do bebê vão modelando um mútuo
entendimento, consolidando alguns “códigos” de comunicação próprios daquele
relacionamento. O adulto sorri conversando com o bebê, percebe diferenças no choro do
mesmo que podem significar necessidades igualmente diferentes,e daí por diante. Pouco a
pouco os atos do bebê diversificam-se vão tornando-se cada vez mais intencionais. O
movimento deixa de ser somente espasmo ou descarga impulsiva e passa a ser expressão,
afetividade exteriorizada.
Após os três meses a criança já sabe dirigir-se às pessoas à sua volta, não só através de
gritos em relação aos cuidados materiais de que necessita, mas com sorrisos e sinais de
contentamento, movimentos que expressam os laços afetivos entre ela e aqueles que lhe
correspondem. Trata-se de uma simbiose afetiva, “a criança vive quase tanto das suas relações
humanas como da sua alimentação material.” (Wallon, 1995, pg. 206).
“(...) Há uma ligação indissolúvel, a partir de uma certa idade, entre o
desenvolvimento psíquico do indivíduo e o seu desenvolvimento biológico” (idem,pg.207).
Não existe preponderância do desenvolvimento psíquico sobre o desenvolvimento biológico,
mas ação recíproca. Há portanto uma incessante ação recíproca do ser vivo e de seu meio.
“Essa ação varia com as possibilidades orgânicas do ser vivo e é a maturação de seu
organismo que permite à criança manter com o ambiente relações recíprocas que estão na
base de sua existência.” (pg.208) Esse ambiente constitui para a criança um ambiente social.
A representação das coisas pela criança é inicialmente global, ela relaciona as pessoas ao
papel que desempenham em seu ambiente e a como entram em sua existência. É assim que
algumas crianças bem pequenas por vezes chamam outros adultos muito próximos, que
também se responsabilizam por seu cuidado de “mamãe” ou “papai”.
Por volta dos três anos a criança passa por um período muito importante do
desenvolvimento de sua personalidade, torna-se mais sensível ao que Wallon chama de
“constelação familiar”. Ela começa a compreender de certo modo a posição que ocupa em sua
família, enquadrando-se num conjunto que delimita sua personalidade. Esse movimento de
tomada de consciência de sua estrutura familiar ocorre com um simultâneo ganho de
autonomia, pois ela começa a formular a pergunta do seu eu em relação ao eu dos outros,
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tornando-se sensível as relações diversas que podem existir no interior da família de que ela é
um elemento fixo.
Considero apropriado transpormos essa observação de Wallon com relação ao papel
do outro na tomada de consciência da criança de seu próprio eu, para a experiência das
crianças nos espaços de Educação Infantil. Para a realidade que muitas crianças vivem hoje,
os ambientes das creches são espaços que parecem também cumprir esse papel e
provavelmente traz outras perspectivas para a desenvolvimento da sociabilidade que Wallon,
dado os limites da realidade histórica em que viveu (século XIX- XX) quando certamente as
instituições destinadas ao atendimento às crianças diferiam muito das que temos hoje (bem
como as práticas e estudos sobre a função desses espaços).
Refletir sobre a proposição de Wallon que compreende a reciprocidade entre o meio e
o biológico, nos instiga a pensar sobre a importância do papel dos espaços destinados às
crianças e das possibilidades que as relações entre crianças-crianças, crianças-adultos e
experiências coletivas possuem no sentido de contribuir para a desenvolvimento da criança.
Está é uma provocação para continuarmos a refletir sobre as questões aqui expostas!
Referências bibliográficas:
DANTAS, Heloysa, LA TAILLE, Yves, OLIVEIRA, Marta Kohl. Piaget, Vygotsky,
Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992.
GALVÃO, Izabel. Henri Wallon, uma concepção dialética do desenvolvimento
infantil. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
GALVÃO, Izabel. Uma reflexão sobre o pensamento pedagógico de Henri Wallon.
Série Idéias n. 20, São Paulo: FDE, 1994. p. 33-39. http://www.crmariocovas.sp.gov.br/
SANTOS, Fernando Tadeu. Henry Wallon, Educação por inteiro. Nova Escola online,
Edição nº. 160, Março de 2003.
MAHONEY, Abigail A. e ALMEIDA, Laurinda R. A constituição da pessoa na
proposta de Henri Wallon. São Paulo: Loyola, 2004.
MAHONEY, Abigail A. e ALMEIDA, Laurinda R (orgs.) Henri Wallon – psicologia e
educação. São Paulo: Loyola, 2006.
WALLON, Henri. Psicologia da Educação e da Infância. Lisboa, Portugal: Editorial
Estampa, 1975.
WALLON, Henri. A evolução psicológica da criança. Lisboa, Portugal: Edições 70,
1995.
A psicogênese da pessoa completa de Henri Wallon: Desenvolvimento da
comunicação humana nos seus primórdios.
Adrianne Ogêda Guedes1
Resumo: Este artigo apresenta um panorama geral dos estudos do psicólogo Henri Wallon,
focalizando em especial o desenvolvimento humano nos primeiros anos de vida.
Considerando as perspectivas práticas para os que trabalham com a criança de 0 a 6 anos, a
teoria walloniana fornece um significativo suporte teórico, compreendendo a dimensão social
e afetiva do desenvolvimento.
Palavras chaves: Desenvolvimento humano, teoria de Henri Wallon, Primeiros anos de vida.
Abstract: This article presents a general panorama of the studies of the psychologist Henri
Wallon, focusing in special the human development in the first years of life. Considering the
practical perspectives for that who work with the child of zero to six years of age, the
wallonian´s theoretical support allows an understanding of the social and affective dimension
of the development.
Key words: Human development, Henri Wallon´s theory, The first years of life
Este texto tem como principal objetivo oferecer um panorama geral dos estudos
psicogenéticos de Henri Wallon, enfatizando de modo especial elementos de sua teoria que
nos permitem refletir sobre alguns aspectos do desenvolvimento da comunicação humana nos
primeiros anos de vida. Em coerência com a teoria de Henri Wallon, inicio situando o leitor a
respeito de elementos de sua trajetória – incluindo aí contexto histórico e social, sua formação
e experiências profissionais - que permitem compreender o destaque que alguns conceitos
ganham em sua obra, tal como o da influência do meio social no desenvolvimento humano.
Sua teoria, abrangente e dinâmica, serve a muitas leituras por parte de quem procurar
nela subsídios para a reflexão pedagógica. Abordando temas como a emoção, a motricidade, a
formação da personalidade, linguagem, pensamento, dentre outros, fornece material precioso
para refletir as relações entre desenvolvimento infantil e práticas educacionais.
Para aqueles que atuam na educação, conhecer como o movimento do
desenvolvimento infantil se dá é fundamental para que seja possível contribuir como
mediador e facilitador desse processo. Nesse sentido, o pensamento de Henri Wallon
constitui-se num valioso referencial teórico que pode subsidiar as experiências com crianças.
1- Wallon: trajetória de um humanista.
1 Psicóloga, Especialista em Educação Infantil (PUC-RJ), Doutoranda em Educação (UFF), Professora (PUC-RJ) e
consultora (MEC, Casa Monte Alegre Educação Infantil). E-mail: adrianne.ogeda@gmail.com
2
Henri Wallon (1879-1962), filósofo, médico, psicólogo e político francês, dedicou-se a
compreender o psiquismo humano, voltando sua atenção a criança, acreditando que
conhecendo seu desenvolvimento era possível ter acesso à gênese dos processos psíquicos.
Buscou relacionar seus estudos sobre a evolução da criança com a educação. Tal preocupação
com as perspectivas práticas da psicologia evidencia-se em sua fala durante a “Lição de
abertura no Colégio de França”, em 1937:
“(...) Sem dúvida que as experiências de que a psicologia tem necessidade ultrapassam
o laboratório. Esta cadeira de Psicologia da Educação é prova disso. Entre a Psicologia e a
Educação, as relações não são de uma ciência normativa e de uma ciência ou de uma arte
aplicadas. A psicologia esá bastante perto de suas origens para que seja possível reconhecer a
íntima dependência em que se encontra uma ciência nos seus começos face a problemas
práticos.” (Wallon,1975, pg.9)
Seu interesse em integrar a atividade cientifica à ação social permeou sua trajetória,
numa atitude de coerência e engajamento.
Wallon viveu em um período de grande instabildade social. Foi contemporâneo às
duas guerras mundiais (1914-18 – 1939-45), ao avanço do fascismo no período entre guerras,
às revoluções socialistas e guerras para libertação das colônias na África que afetaram a
Europa (particularmente a França, seu país de origem). Envolveu-se em diferentes
movimentos de protesto contra os sistemas excludentes e autoritários, engajando-se em
partidos de esquerda e tomando a frente em ações coletivas em prol da liberdade e da
cidadania. È provável que a vivência de momentos históricos tão turbulentos tenha
evidenciado a influência fundamental que o meio social exerce sobre o desenvolvimento da
pessoa humana, aspecto que tem destaque em sua teoria.
Após a graduação em Medicina, atuou em instituições psiquiátricas onde dedicou-se
ao atendimento de crianças com deficiências neurológicas e distúrbios de comportamento.
Serviu como médico no exército francês em 1914, na frente de combate. O contato com as
lesões cerebrais sofridas por ex-combatentes e a observação dos efeitos das lesões nas
condutas e habilidades desses soldados fez com que revisse postulados neurológicos que
havia desenvolvido no atendimento a crianças com deficiência. De 1920 a 1937 foi
encarregado de proferir conferências sobre a psicologia da criança na Sorbone (Paris) e outras
instituições de ensino superior. Em 1925 fundou um laboratório destinado à pesquisas e
atendimento clínico de crianças ditas “normais” que funcionou durante 14 anos ao lado de
3
uma escola na periferia de Paris. Tal proximidade favoreceu o acesso à criança
contextualizada (inserida em seu meio) e estreitou suas questões com a educação.
Em 1925 ele publicou sua tese de doutorado, “A criança turbulenta”, vivendo um
período de grande produção durante o qual foram publicados seus livros considerados mais
importantes, sendo o último deles “Origens do pensamento na criança” de 1945. De 1937 a
1949 lecionou no Colégio de França ocupando a cadeira de psicologia da educação da criança
(com interrupção em 1941-44 em função da ocupação alemã). Em 1948 criou a revista
“Enfance”, instrumento de divulgação de pesquisas do campo da psicologia e fonte de
informação para educadores. Os temas abordados eram variados, atestando seu interesse pela
multiplicidade de campos onde se dá a atividade e o interesse da criança.
Wallon participou ainda de vários movimentos relacionados a educação, participando
ativamente do debate educacional da época. Presidiu o comite responsável pela reformulação
do sistema de ensino francês em 1944. A reforma proposta (que não chegou a ser
implementada) preconizava a adequação às necessidades de uma sociedade democrática e às
possibilidades e características psicológicas do indivíduo, favorecendo o máximo
desenvolvimento das aptidões individuais e a formação do cidadão. Preocupou-se também em
refletir sobre a organização do tempo e do espaço nos sistemas educacionais (Galvão, 1994).
Wallon esteve no Brasil em 1935, sendo ciceroneado por Gilberto Freyre e, nas palavras do
sociólogo passaram “o dia todo correndo escolas e o morro da Mangueira” (Galvão, 1995).
Conhecer a vinculação de Wallon as questões mais amplas de seu meio social, seu
engajamento no contexto político da época, nos permite compreender a visão ampla que ele
lançava sobre a realidade, tal visão é a marca de sua teoria do desenvolvimento humano e de
sua atuação como pesquisador, psicólogo e médico.
2- Aspectos gerais de sua teoria: a psicogênese da pessoa completa.
Wallon dedicou-se a pesquisar a psicologia genética, ou seja, a gênese dos processos
psíquicos. Para ele a análise genética, partindo do que vem antes na cronologia das
transformações por que passa o sujeito, é o procedimento capaz de compreender de modo
global a totalidade da vida psíquica (sem fragmentá-la em elementos estanques). A
observação é o principal método de pesquisa preconizado pelo autor.
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Para Wallon, a existência do homem, ser indissociavelmente biológico e social, se dá
entre as exigências do organismo e da sociedade. Nesse sentido, os estudos do psiquismo se
situam portanto entre os campos das ciências naturais e sociais.
A formação da inteligência é genética e organicamente social, ou seja, "o ser humano é
organicamente social e sua estrutura orgânica supõe a intervenção da cultura para se atualizar"
(Dantas, 1992). Essa concepção inclui o ambiente social e os aspectos biológicos em sua
relação de reciprocidade e interdependência. Considerando que o sujeito constrói-se nas suas
interações com o meio, Wallon propõe o estudo contextualizado das condutas infantis. Isso
quer dizer que para compreender a criança e seu comportamento, é necessário levar em conta
aspectos de seu contexto social, familiar, cultural. Será a relação entre as possibilidades da
criança em cada fase/ estágio2 e as condições oferecidas pelo seu meio que cunharão o
desenvolvimento.
“(...) Pelo contrário, para quem não separa arbitrariamente
comportamento e as condições de existência próprias a cada época do
desenvolvimento, cada fase constitui, entre as possibilidades da
criança e o meio, um sistema de relações que os faz especificarem-se
reciprocamente. O meio não pode ser o mesmo em todas as idades. É
composto por tudo aquilo que possibilita os procedimentos de que
dispõe a criança para obter a satisfação das suas necessidades. Mas
por isso mesmo é o conjunto dos estímulos sobre os quais exerce e se
regula a sua atividade. Cada etapa é ao mesmo tempo um momento da
evolução mental e um tipo de comportamento.” (Wallon, 1995)
O desenvolvimento humano é visto em conjunto. Wallon propõe um estudo integrado,
abarcando os vários campos da atividade infantil (campos funcionais3) e os vários momentos
de sua evolução psíquica (estágios do desenvolvimento), numa perspectiva abrangente e
global. Enfoca o desenvolvimento em seus domínios afetivo, cognitivo e motor, sem
privilegiar um domínio em detrimento dos demais, preocupando-se em mostrar nas diferentes
etapas os vínculos entre cada campo.
É por levar em conta essa dimensão integradora, que não fragmenta os diferentes
elementos envolvidos na evolução humana, que consideramos a teoria do desenvolvimento de
Wallon como a “psicogênese da pessoa completa”.
2 Apesar de considerar que o desenvolvimento não é linear e contínuo, Wallon compreende que este se dá em
fases/ estágios orientadas por aspectos orgânicos. Vale ressaltar que tais fases sofrem rupturas, retrocessos e
são relativas ao contexto de cada indivíduo.
3 Wallon trabalha com o conceito de campos funcionais nos quais a atividade infantil se distribuiria, são eles a
afetividade, a motricidade e a inteligência.
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Henri Wallon compreende o desenvolvimento psíquico da criança – base de seus
estudos do desenvolvimento humano – como descontínuo e marcado por contradições e
conflitos, resultado da maturação orgânica e das condições ambientais. Essa visão se
contrapõe a idéia de um desenvolvimento linear e em etapas definidas e seguidas, que
compreenderiam períodos marcados, que se sucederiam. Para Wallon, aspectos dos diferentes
momentos do desenvolvimento não são propriamente “superados” por outros, mas podem
reaparecer em outra fase da vida, ganhando novos sentidos de acordo com as diferentes
condições do sujeito.
Seu estudo – como já mencionado - leva em conta o contexto em que vive a criança,
considerando as influências do ambiente social, das experiências culturais.
Esse meio em que a criança vive não é estático e homogêneo, ele também transformase
junto com a criança. A cada idade estabelece-se um tipo próprio de interações entre o
sujeito e seu meio. Conforme a disponibilidade da idade a criança interage mais fortemente
com um ou outro aspecto de seu contexto, extraindo dele os recursos para o seu
desenvolvimento. Este, se baseará nas necessidades e competências específicas da criança
naquele momento de vida. Esta determinação recíproca entre as condutas das crianças e o seu
meio, conferem um caráter de relatividade ao processo de desenvolvimento.
Ainda assim, considerando a influência do ambiente e da cultura no desenvolvimento,
este tem uma dinâmica e ritmo próprios, resultantes do que Wallon chama de princípios
funcionais que agem como leis constantes. Os fatores orgânicos são os responsáveis pela
seqüência fixa entre os estágios do desenvolvimento, embora não garantam uma
homogeneidade no seu tempo de duração (as circunstâncias sociais interferem nesse aspecto).
As etapas do desenvolvimento têm um ritmo descontínuo, marcado por rupturas,
retrocessos e reviravoltas, movimentos que provocam profundas mudanças em cada etapa
vivida pela criança. Portanto, a passagem dos estágios de desenvolvimento não se dá de modo
linear, por ampliação. Trata-se de fato em um movimento de continua reformulação, marcada
por crises que afetam a conduta da criança.
Conflitos se instalam nesse processo e eles são propulsores do desenvolvimento aos
quais chama de fatores dinamogênicos (que conferem dinâmica). Tais conflitos podem ser
resultado de desencontros entre o comportamento da criança e o ambiente exterior (exógeno –
relativo a externo) ou originários de fatores orgânicos, relativos a maturação infantil
(endógenos – causa interna).
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“(...) O desenvolvimento infantil é um processo pontuado por
conflitos. Conflitos de origem exógena, quando resultantes dos
desencontros entre as ações da criança e o ambiente exterior,
estruturado pelos adultos e pela cultura. De natureza endógena,
quando gerados pelos efeitos da maturação nervosa. Até que se
integrem aos centros responsáveis por seu controle, as funções
recentes ficam sujeitas a aparecimentos intermitentes e entregues a
exercícios de si mesmas, em atividades desajustadas das
circunstâncias exteriores. Isso desorganiza, conturba, as formas de
conduta que já tinham atingido certa estabilidade na relação com o
meio” (Galvão, 1995)
O desenvolvimento da pessoa se dá numa construção progressiva em que se sucedem
fases em que ora predominam aspectos afetivos, ora cognitivos. A essa tendência a
predomínio de um aspecto sobre o outro Wallon dá o nome de “predominância funcional”.
Tal predomínio é orientado pelo principio de alternância funcional. Cada fase tem suas
peculiaridades, delineadas pela predominância de um tipo de atividade. Tais predominâncias
estão ligadas aos recursos que a criança dispõe para interagir com o ambiente.
São cinco os estágios propostos por Wallon, cada qual com sua especificidade4. O
primeiro, “impulsivo-emocional”, que abrange o primeiro ano de vida, cuja ênfase é a emoção
(predomínio afetivo); o “sensório-motor e projetivo”, que vai até o terceiro ano, quando o
interesse da criança se volta para a exploração sensório-motora do mundo físico (predomínio
cognitivo). O do “personalismo”, que cobre a faixa dos três aos seis anos, cuja tarefa central é
o desenvolvimento da personalidade, a construção da consciência de si (predomínio afetivo).
Aos seis anos inicia-se o estágio “categorial”, cuja ênfase recai para os avanços dos
progressos intelectuais, dirigindo o interesse da criança para o conhecimento e conquista do
mundo exterior (predomínio cognitivo). Por fim, o estágio da adolescência quando a crise
pubertária impõe a necessidade de novos contornos da personalidade em função das
mudanças corporais, trazendo a tona questões pessoais, morais, existenciais, retomando a
predominância da afetividade.
Cada um desses estágios traz novas conquistas realizadas pela etapa anterior,
construindo-se reciprocamente num processo de integração e diferenciação. O fato de haver o
predomínio do aspecto afetivo em determinada fase, como por exemplo na impulsivaemocional,
não quer dizer que aspectos afetivos não estarão presentes na próxima etapa (ainda
que não sejam os predominantes).
4 Neste texto não aprofundaremos a definição de cada estágio mais detalhadamente. Para conhecer mais sobre
o assunto sugiro a leitura dos textos indicados na bibliografia consultada.
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Enfim, ao longo do desenvolvimento ocorrem sucessivas diferenciações entre os
campos funcionais entre os quais se distribui a atividade infantil e interior de cada um. Este
conceito da diferenciação é chave na psico-genética de Henri Wallon e orientará o processo
de formação da personalidade de forma mais ampla.
3- A comunicação com o outro: elo vital.
Trataremos agora de um aspecto específico da teoria Walloniana: a comunicação
humana em seus primórdios. Wallon (1975) indica que desde o início da vida, na formação
uterina do ser humano, há uma dualidade da criança e das suas condições de existência. Essa
dualidade está ligada ao fato de a criança ser, ao mesmo tempo e progressivamente capaz de
reagir por conta própria em diferentes situações e à estímulos igualmente diversos e, ao
mesmo tempo, depender vitalmente de sua mãe.
Para ele, o desenvolvimento do ser humano está ligado às suas possibilidades e
necessidades de existência. No início da vida, ainda no ventre materno, há uma relação
simbiótica entre a criança e mãe, uma associação vital. A criança recebe tudo da mãe e, ao
mesmo tempo, vai tornando-se um pequeno ser, organizando todo o seu equipamento
biológico. Recebe da mãe a alimentação, o sangue que lhe traz oxigênio necessário para o
desenvolvimento de seus tecidos, os hormônios necessários a sua evolução somática e tudo o
mais.
Ainda na vida intra-uterina, mesmo ainda tão pequeno e dependente do outro para a
sua própria autoconstrução, o feto já regula o crescimento excessivo de seus órgãos graças a
suas glândulas endócrinas, tem um sistema nervoso capaz de reagir segundo o nível das
estruturas já realizadas (como por exemplo, reflexos de postura provocados por impressões
que fizeram seu caminho por meio do sistema nervoso da criança). Quem já vivenciou uma
gestação provavelmente pode perceber reações de seu bebê à alguma situação inesperada,
como um susto ou algo do tipo.
Com o nascimento, uma primeira cisão mãe-bebê é experimentada. A criança tem
agora que desenvolver autonomia respiratória. Todas as suas outras necessidades dependem
estreitamente da mãe ou de quem se ocupa dos cuidados com a criança. Mudar de posição,
saciar sua fome, sua sede, manter-se limpa, ser acolhida, acalmada, dentre outras necessidades
só podem ser realizadas pela iniciativa de um outro. Os movimentos e gritos do recém8
nascido, inicialmente desordenados, parecem ainda não ter uma utilidade que resulte em bem
estar.
O estado inicial da consciência pode ser comparado a uma nebulosa (Galvão, 1995),
uma massa difusa na qual o bebê se confunde com a sua própria realidade exterior. O recémnascido
não se percebe como indivíduo diferenciado. Mistura-se a sensibilidade do ambiente.
A diferenciação entre o eu e o outro só se dará progressivamente, a partir das interações
sociais. O bebê encontra-se num estado de dispersão e indiferenciação, percebendo-se fundida
ao outro e aderida às situações e circunstâncias do meio.
Durante esse primeiro período da vida (até aproximadamente os três meses) a criança
orienta todos os seus atos úteis em direção às pessoas (no caso mais geral, a mãe), gestos de
expressão que visam a satisfação das necessidades que necessita ter supridas. Faz parte então
da evolução humana a perspectiva da ajuda mútua para a subsistência.
É fundamental ressaltar o papel da emoção na teoria de Wallon e mais especificamente
no entendimento do desenvolvimento da comunicabilidade do bebê. Para ele, a emoção
encontra-se na origem da consciência, operando a passagem do mundo orgânico para o social,
do plano fisiológico para o psíquico. É importante diferenciar emoção de afetividade. A
emoção é uma manifestação da vida afetiva (assim como os desejos e sentimentos), porém
afetividade é um conceito mais abrangente. As emoções são sempre acompanhadas de
alterações orgânicas (aceleração dos batimentos cardíacos, da respiração, dificuldades na
digestão,etc). Provocam alterações na mímica facial, na postura, na forma como os gestos são
executados. Wallon defende que as emoções são reações organizadas e que se exercem
reguladas pelo sistema nervoso central, situado na região sub-cortical.
No bebê os estados afetivos são vividos como sensações corporais, expressos pelas
emoções. Só com a aquisição da linguagem diversificam-se as possibilidades de expressar as
emoções, bem como os motivos que as originam.
No primeiro ano a emoção é o comportamento predominante, posteriormente, as
reações emotivas tão freqüentes no comportamento infantil, são subordinadas ao controle das
funções psíquicas superiores. As emoções promovem uma ação no meio humano. Tomemos
novamente o exemplo do bebê recém-nascido que depende da ajuda de parceiros mais
experientes para sobreviver. Tendo em vista que sozinho ele não tem perícia para realizar
quase nada – desde virar-se de uma posição incomoda até alimentar-se – ele necessita afetar o
outro para ter suas necessidades atendidas. Nesse sentido, sua primeira atividade eficaz é
desencadear no outro reações de ajuda para a satisfação de suas necessidades. Gritos, choros,
gesticulações são as primeiras expressões do bebê que, a princípio não são intencionais, e
9
contagiam os adultos constituindo uma comunicação que vai se intensificando
progressivamente.
Tal comunicação é baseada em componentes corporais e expressivos. As pessoas
próximas do bebê acolhem e interpretam suas reações, agindo de acordo com o sentido que
atribuem a elas. A reação do adulto às expressões do bebê vão modelando um mútuo
entendimento, consolidando alguns “códigos” de comunicação próprios daquele
relacionamento. O adulto sorri conversando com o bebê, percebe diferenças no choro do
mesmo que podem significar necessidades igualmente diferentes,e daí por diante. Pouco a
pouco os atos do bebê diversificam-se vão tornando-se cada vez mais intencionais. O
movimento deixa de ser somente espasmo ou descarga impulsiva e passa a ser expressão,
afetividade exteriorizada.
Após os três meses a criança já sabe dirigir-se às pessoas à sua volta, não só através de
gritos em relação aos cuidados materiais de que necessita, mas com sorrisos e sinais de
contentamento, movimentos que expressam os laços afetivos entre ela e aqueles que lhe
correspondem. Trata-se de uma simbiose afetiva, “a criança vive quase tanto das suas relações
humanas como da sua alimentação material.” (Wallon, 1995, pg. 206).
“(...) Há uma ligação indissolúvel, a partir de uma certa idade, entre o
desenvolvimento psíquico do indivíduo e o seu desenvolvimento biológico” (idem,pg.207).
Não existe preponderância do desenvolvimento psíquico sobre o desenvolvimento biológico,
mas ação recíproca. Há portanto uma incessante ação recíproca do ser vivo e de seu meio.
“Essa ação varia com as possibilidades orgânicas do ser vivo e é a maturação de seu
organismo que permite à criança manter com o ambiente relações recíprocas que estão na
base de sua existência.” (pg.208) Esse ambiente constitui para a criança um ambiente social.
A representação das coisas pela criança é inicialmente global, ela relaciona as pessoas ao
papel que desempenham em seu ambiente e a como entram em sua existência. É assim que
algumas crianças bem pequenas por vezes chamam outros adultos muito próximos, que
também se responsabilizam por seu cuidado de “mamãe” ou “papai”.
Por volta dos três anos a criança passa por um período muito importante do
desenvolvimento de sua personalidade, torna-se mais sensível ao que Wallon chama de
“constelação familiar”. Ela começa a compreender de certo modo a posição que ocupa em sua
família, enquadrando-se num conjunto que delimita sua personalidade. Esse movimento de
tomada de consciência de sua estrutura familiar ocorre com um simultâneo ganho de
autonomia, pois ela começa a formular a pergunta do seu eu em relação ao eu dos outros,
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tornando-se sensível as relações diversas que podem existir no interior da família de que ela é
um elemento fixo.
Considero apropriado transpormos essa observação de Wallon com relação ao papel
do outro na tomada de consciência da criança de seu próprio eu, para a experiência das
crianças nos espaços de Educação Infantil. Para a realidade que muitas crianças vivem hoje,
os ambientes das creches são espaços que parecem também cumprir esse papel e
provavelmente traz outras perspectivas para a desenvolvimento da sociabilidade que Wallon,
dado os limites da realidade histórica em que viveu (século XIX- XX) quando certamente as
instituições destinadas ao atendimento às crianças diferiam muito das que temos hoje (bem
como as práticas e estudos sobre a função desses espaços).
Refletir sobre a proposição de Wallon que compreende a reciprocidade entre o meio e
o biológico, nos instiga a pensar sobre a importância do papel dos espaços destinados às
crianças e das possibilidades que as relações entre crianças-crianças, crianças-adultos e
experiências coletivas possuem no sentido de contribuir para a desenvolvimento da criança.
Está é uma provocação para continuarmos a refletir sobre as questões aqui expostas!
Referências bibliográficas:
DANTAS, Heloysa, LA TAILLE, Yves, OLIVEIRA, Marta Kohl. Piaget, Vygotsky,
Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992.
GALVÃO, Izabel. Henri Wallon, uma concepção dialética do desenvolvimento
infantil. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
GALVÃO, Izabel. Uma reflexão sobre o pensamento pedagógico de Henri Wallon.
Série Idéias n. 20, São Paulo: FDE, 1994. p. 33-39. http://www.crmariocovas.sp.gov.br/
SANTOS, Fernando Tadeu. Henry Wallon, Educação por inteiro. Nova Escola online,
Edição nº. 160, Março de 2003.
MAHONEY, Abigail A. e ALMEIDA, Laurinda R. A constituição da pessoa na
proposta de Henri Wallon. São Paulo: Loyola, 2004.
MAHONEY, Abigail A. e ALMEIDA, Laurinda R (orgs.) Henri Wallon – psicologia e
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WALLON, Henri. Psicologia da Educação e da Infância. Lisboa, Portugal: Editorial
Estampa, 1975.
WALLON, Henri. A evolução psicológica da criança. Lisboa, Portugal: Edições 70,
1995.
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