I - Breve histórico
Poucas contribuições à cultura e ao conhecimento universal influenciaram tanto o pensamento contemporâneo como a psicanálise. Idealizada por um, na época, jovem médico vienense, permeou nossa cultura em geral e não ficou só nos meios acadêmicos mas também popularizou-se. Quando não entendemos alguma coisa, quando duvidamos de alguma afirmação, se o que se afirma não fica claro ou desperta dúvidas, não é infreqüente ouvir: "Bom... Freud explica" . É um "Freud" permanente, atual, um mestre que está aí, a mão, que poderia resolver, ou esclarecer o que agora não entendemos, o que por enquanto fica sem se poder entender mas que certamente deve ter alguma justificação ou razão.
A biografia de Freud, sua vida como ser humano, poderia resumir-se em, talvez, uma ou duas páginas. De família pobre, formou-se médico em Viena, trabalhou para se sustentar modestamente, casou e formou um lar típico daqueles tempos, tentou a vida acadêmica - que foi difícil e ingrata, tanto como hoje -, estudioso e questionador foi mais um homem de laboratório neurológico (fez alguns aportes significativos à neurologia) e praticou medicina e neurologia até que uma bolsa o leva ao grande mestre Charcot, o que irrita seus mestres austríacos, e que porém muda sua vida. Teve alguns bons amigos, um lar simples e amoroso, e na medida que vai adquirindo destaque vai também conquistando inimigos. Persistente e teimoso, continua estudando no hospital e na sua clínica e, infatigável pesquisador, procura entender mais e mais o ser humano e seus conflitos. Consegue ter fiéis discípulos que logo, logo, viram colaboradores (alguns acham suas idéias ousadas demais e se afastam, levando consigo boa parte do estudado com ele) e ele próprio, bem mais tarde , chega a admitir que chegou a descobrir "uma nova ciência: a psicanálise". Educado na disciplina científica, foi sempre profunda e sinceramente honesto. Corrigia o que verificava eram seus erros e, quando o editor de suas obras sugiriu suprimir trabalhos que ele próprio já tinha abandonado, não admitiu essa ocultação porque queria transmitir, fielmente, como errou, por quê e como chegou a reformular idéias já perimidas em sua própria teoria.
Na última entrevista gravada que existe (poucos meses antes da sua morte), Freud define a psicanálise como "um método de psicoterapia para tratar os problemas de natureza emocional". Parece assim desconhecer a enorme influência da sua descoberta em todos os âmbitos do pensamento humano. Ele mesmo já tinha se adentrado em estudos antropológicos, sociológicos, religiosos, políticos e sabia também da sua importância na cultura contemporânea. A Enciclopédia Britânica convidou-o a escrever o capítulo de "psicanálise", seus livros já tinham sido traduzidos em muitos idiomas, tinha já admiradores de prestígio universal e não poucos críticos azedos que rejeitavam suas idéias de maneira nada científica nem cordial.
Médico neurologista, investigador de laboratório, Freud se encontra, na clínica, com pacientes que não eram reconhecidos na nosografia da época. Com Charcot tinha aprendido que a "histeria", era uma doença neurológica. Porém na clínica os fatos mostravam outras coisas. Indagava, perguntava, examinava, seguia a evolução de seus pacientes e ia descobrindo situações anímicas muito significativas e até esse momento não explicadas. A "hipnose" aprendida na França servia, às vezes, para ajudar. Rapidamente constatou que podia obter mais dados falando abertamente com os que o consultavam, e portanto abandona esse método e também estimula a seus pacientes a falar. Aparecem histórias ocultas, verdadeiras confissões da vida íntima que o surpreendem e que cuidadosamente registra. Verifica que essas "catarses" realmente ajudam algumas pessoas. Aparecem também sonhos, aparentemente sem significado, muitos relacionados com o cotidiano de seus pacientes. Descobre que existe todo um mundo em cada indivíduo, um mundo aparentemente esquecido, mas que reaparece em lembranças, sonhos, ensonhações, lapsos na linguagem, nos gestos, e na conduta do dia a dia. Sua modalidade de clinicar (cada paciente é um caso que necessita ser entendido, vira imediatamente um objeto de investigação e merece seu afeto de médico, de ser humano e de pesquisador) é o que o leva ao que seria seu estilo de estudar e de comunicar suas descobertas: perguntar sempre por que?. Busca incansável de explicar o que acontece nos que procuram sua ajuda e, bem mais tarde, o que acontece com a humanidade toda. Em seus escritos aparecem questionamentos, possíveis críticas, que ele mesmo apresenta e responde, o que levou alguns de seus discípulos a falar que o autor utilizava um método "talmúdico" tão comum nos velhos estudiosos das sagradas escrituras.
Existe então um setor de nosso psiquismo, não esquecido, porém presente e circunstancialmente aparentemente muito claro ou mais ou menos distorcido, está aí, parece que é só procurar, facilitar que se manifeste: o Inconsciente, onde nossa vida toda fica armazenada, "reprimida", e que determina muitas de nossas condutas .
Tudo começa na infância, a relação mãe-filho surge como um determinante do que seremos, do que desfrutaremos e do que nos apavore ou nos obrigue a ter comportamentos não poucas vezes estranhos ou até o que chamamos de patológicos .
Seguindo sua modalidade de pensar, se pergunta como chegar a conhecer ou entender esse inconsciente. Isto se une a outras perguntas: por quê acontecem os sonhos?, o que significam?. A procura de uma resposta martela este homem, que estuda, pergunta, investiga, analisa seus sonhos e os de seus pacientes muitas vezes. Sua honestidade o leva até a publicar seus sonhos, talvez sem perceber que está revelando a sua mais recôndita intimidade.
Em julho de 1895 um dos seus sonhos (conhecido na literatura psicanalítica como o "sonho da injeção de Irma") lhe permite entender o mecanismo deste complicado fenômeno de nosso psiquismo. Seu entusiasmo é enorme, sente e percebe que realmente fez uma verdadeira descoberta. Escreve sobre isso a seu então amigo o Dr. Fliess em agosto de 1900, e lhe lembra alguns comentários prévios e se atreve a perguntar: "você realmente acha que algum dia, nesta casa, alguém lerá uma placa de mármore: 'Aqui, em 24 de julho de 1895, o segredo dos sonhos revelou-se ao Dr. Sigm. Freud ?".
Em 04 de novembro de 1899 seu livro sobre a "Interpretação dos Sonhos" é entregue ao editor, que decide publicá-lo pouco depois, já com a data de 1900.
Para muitos essa data vira o marco histórico da iniciação da, posteriormente, profusa literatura psicanalítica e em muitos lugares se comemora esse ano para reconhecer toda a contribuição freudiana à cultura da humanidade. Mais tarde, Freud considera que a interpretação dos sonhos é "a via régia para entrar no inconsciente" e essa técnica, cada vez mais e mais aprimorada, vira uma norma de técnica psicanalítica.
Influenciado por seu passado como neurologista, Freud utiliza uma terminologia baseada nos conhecimentos biológicos. Surgem assim suas proposições de que necessidades orgânicas necessitam ser satisfeitas, formam parte do ser humano, são autônomas, e outras surgem da convivência e da cultura. Constrói toda uma arquitetura do psiquismo.
As traduções da obra de Freud às vezes confundem seus leitores. Em espanhol e em francês, procura-se ser mais fiel ao original alemão. A tradução mais conhecida e adotada é a inglesa que inspira a de língua portuguesa. Todas as exigências psicobiológicas, as que permitem e determinam nossa vida formam a libido que fica em grande parte inconsciente e configura um estrato psíquico chamado de Id, que tenta permanentemente se satisfazer. Isso só pode ser feito por outra estrutura que é conhecida como Ego, que se conecta com o mundo externo, porém também com o mundo interno onde estão registradas todas nossas experiências de vida, desde o nascimento (ou até, para alguns, durante a vida embrionária e fetal) até o presente cotidiano. É o Ego que facilitará a satisfação das pulsões que desde o Id tentam ser satisfeitas. Porém, o Mundo Externo, nossa cultura, nossa sociedade, impõe restrições e o Ego se vê obrigado a reprimir essas pulsões, a adiá-las ou com um grande esforço energético a mantê-las insatisfeitas (fonte de não poucas psicopatologias).
O ambiente, a cultura em geral, diversa em cada lugar do planeta, a família e suas normas, a sociedade toda, também variável, vão impondo suas regras que ficam inconscientemente incorporadas na pessoa, constituindo outra instância psíquica conhecida como Superego. Estreitamente ligado à família e à sociedade possui força suficiente para permitir ou não as satisfações desejadas desde o Id pelas pulsões.
Pode se entender que o Ego fica, na realidade de cada indivíduo, um escravo que teria que satisfazer o Id, porém o pode fazer se o mundo externo o permite ou facilita, ao mesmo tempo que também deve se submeter às forças, geralmente castradoras e limitantes, do Superego. Pode-se imaginar assim a formidável e permanente luta, inquietação, satisfação ou frustração que acontece no ser humano permanentemente . O Ego consegue reprimir (recalcar) pulsões, deslocá-las , projetar, negar, sublimar, etc. São os chamados mecanismos de defesa, tão necessários para manter um equilibro psíquico, tarefa nada fácil, segundo as circunstâncias, e assim nós vivemos com maior ou menor ansiedade, ou com a nossa muito pessoal psicopatologia.
II - O Processo Psicanalítico
Poucas contribuições à cultura e ao conhecimento universal influenciaram tanto o pensamento contemporâneo como a psicanálise. Idealizada por um, na época, jovem médico vienense, permeou nossa cultura em geral e não ficou só nos meios acadêmicos mas também popularizou-se. Quando não entendemos alguma coisa, quando duvidamos de alguma afirmação, se o que se afirma não fica claro ou desperta dúvidas, não é infreqüente ouvir: "Bom... Freud explica" . É um "Freud" permanente, atual, um mestre que está aí, a mão, que poderia resolver, ou esclarecer o que agora não entendemos, o que por enquanto fica sem se poder entender mas que certamente deve ter alguma justificação ou razão.
A biografia de Freud, sua vida como ser humano, poderia resumir-se em, talvez, uma ou duas páginas. De família pobre, formou-se médico em Viena, trabalhou para se sustentar modestamente, casou e formou um lar típico daqueles tempos, tentou a vida acadêmica - que foi difícil e ingrata, tanto como hoje -, estudioso e questionador foi mais um homem de laboratório neurológico (fez alguns aportes significativos à neurologia) e praticou medicina e neurologia até que uma bolsa o leva ao grande mestre Charcot, o que irrita seus mestres austríacos, e que porém muda sua vida. Teve alguns bons amigos, um lar simples e amoroso, e na medida que vai adquirindo destaque vai também conquistando inimigos. Persistente e teimoso, continua estudando no hospital e na sua clínica e, infatigável pesquisador, procura entender mais e mais o ser humano e seus conflitos. Consegue ter fiéis discípulos que logo, logo, viram colaboradores (alguns acham suas idéias ousadas demais e se afastam, levando consigo boa parte do estudado com ele) e ele próprio, bem mais tarde , chega a admitir que chegou a descobrir "uma nova ciência: a psicanálise". Educado na disciplina científica, foi sempre profunda e sinceramente honesto. Corrigia o que verificava eram seus erros e, quando o editor de suas obras sugiriu suprimir trabalhos que ele próprio já tinha abandonado, não admitiu essa ocultação porque queria transmitir, fielmente, como errou, por quê e como chegou a reformular idéias já perimidas em sua própria teoria.
Na última entrevista gravada que existe (poucos meses antes da sua morte), Freud define a psicanálise como "um método de psicoterapia para tratar os problemas de natureza emocional". Parece assim desconhecer a enorme influência da sua descoberta em todos os âmbitos do pensamento humano. Ele mesmo já tinha se adentrado em estudos antropológicos, sociológicos, religiosos, políticos e sabia também da sua importância na cultura contemporânea. A Enciclopédia Britânica convidou-o a escrever o capítulo de "psicanálise", seus livros já tinham sido traduzidos em muitos idiomas, tinha já admiradores de prestígio universal e não poucos críticos azedos que rejeitavam suas idéias de maneira nada científica nem cordial.
Médico neurologista, investigador de laboratório, Freud se encontra, na clínica, com pacientes que não eram reconhecidos na nosografia da época. Com Charcot tinha aprendido que a "histeria", era uma doença neurológica. Porém na clínica os fatos mostravam outras coisas. Indagava, perguntava, examinava, seguia a evolução de seus pacientes e ia descobrindo situações anímicas muito significativas e até esse momento não explicadas. A "hipnose" aprendida na França servia, às vezes, para ajudar. Rapidamente constatou que podia obter mais dados falando abertamente com os que o consultavam, e portanto abandona esse método e também estimula a seus pacientes a falar. Aparecem histórias ocultas, verdadeiras confissões da vida íntima que o surpreendem e que cuidadosamente registra. Verifica que essas "catarses" realmente ajudam algumas pessoas. Aparecem também sonhos, aparentemente sem significado, muitos relacionados com o cotidiano de seus pacientes. Descobre que existe todo um mundo em cada indivíduo, um mundo aparentemente esquecido, mas que reaparece em lembranças, sonhos, ensonhações, lapsos na linguagem, nos gestos, e na conduta do dia a dia. Sua modalidade de clinicar (cada paciente é um caso que necessita ser entendido, vira imediatamente um objeto de investigação e merece seu afeto de médico, de ser humano e de pesquisador) é o que o leva ao que seria seu estilo de estudar e de comunicar suas descobertas: perguntar sempre por que?. Busca incansável de explicar o que acontece nos que procuram sua ajuda e, bem mais tarde, o que acontece com a humanidade toda. Em seus escritos aparecem questionamentos, possíveis críticas, que ele mesmo apresenta e responde, o que levou alguns de seus discípulos a falar que o autor utilizava um método "talmúdico" tão comum nos velhos estudiosos das sagradas escrituras.
Existe então um setor de nosso psiquismo, não esquecido, porém presente e circunstancialmente aparentemente muito claro ou mais ou menos distorcido, está aí, parece que é só procurar, facilitar que se manifeste: o Inconsciente, onde nossa vida toda fica armazenada, "reprimida", e que determina muitas de nossas condutas .
Tudo começa na infância, a relação mãe-filho surge como um determinante do que seremos, do que desfrutaremos e do que nos apavore ou nos obrigue a ter comportamentos não poucas vezes estranhos ou até o que chamamos de patológicos .
Seguindo sua modalidade de pensar, se pergunta como chegar a conhecer ou entender esse inconsciente. Isto se une a outras perguntas: por quê acontecem os sonhos?, o que significam?. A procura de uma resposta martela este homem, que estuda, pergunta, investiga, analisa seus sonhos e os de seus pacientes muitas vezes. Sua honestidade o leva até a publicar seus sonhos, talvez sem perceber que está revelando a sua mais recôndita intimidade.
Em julho de 1895 um dos seus sonhos (conhecido na literatura psicanalítica como o "sonho da injeção de Irma") lhe permite entender o mecanismo deste complicado fenômeno de nosso psiquismo. Seu entusiasmo é enorme, sente e percebe que realmente fez uma verdadeira descoberta. Escreve sobre isso a seu então amigo o Dr. Fliess em agosto de 1900, e lhe lembra alguns comentários prévios e se atreve a perguntar: "você realmente acha que algum dia, nesta casa, alguém lerá uma placa de mármore: 'Aqui, em 24 de julho de 1895, o segredo dos sonhos revelou-se ao Dr. Sigm. Freud ?".
Em 04 de novembro de 1899 seu livro sobre a "Interpretação dos Sonhos" é entregue ao editor, que decide publicá-lo pouco depois, já com a data de 1900.
Para muitos essa data vira o marco histórico da iniciação da, posteriormente, profusa literatura psicanalítica e em muitos lugares se comemora esse ano para reconhecer toda a contribuição freudiana à cultura da humanidade. Mais tarde, Freud considera que a interpretação dos sonhos é "a via régia para entrar no inconsciente" e essa técnica, cada vez mais e mais aprimorada, vira uma norma de técnica psicanalítica.
Influenciado por seu passado como neurologista, Freud utiliza uma terminologia baseada nos conhecimentos biológicos. Surgem assim suas proposições de que necessidades orgânicas necessitam ser satisfeitas, formam parte do ser humano, são autônomas, e outras surgem da convivência e da cultura. Constrói toda uma arquitetura do psiquismo.
As traduções da obra de Freud às vezes confundem seus leitores. Em espanhol e em francês, procura-se ser mais fiel ao original alemão. A tradução mais conhecida e adotada é a inglesa que inspira a de língua portuguesa. Todas as exigências psicobiológicas, as que permitem e determinam nossa vida formam a libido que fica em grande parte inconsciente e configura um estrato psíquico chamado de Id, que tenta permanentemente se satisfazer. Isso só pode ser feito por outra estrutura que é conhecida como Ego, que se conecta com o mundo externo, porém também com o mundo interno onde estão registradas todas nossas experiências de vida, desde o nascimento (ou até, para alguns, durante a vida embrionária e fetal) até o presente cotidiano. É o Ego que facilitará a satisfação das pulsões que desde o Id tentam ser satisfeitas. Porém, o Mundo Externo, nossa cultura, nossa sociedade, impõe restrições e o Ego se vê obrigado a reprimir essas pulsões, a adiá-las ou com um grande esforço energético a mantê-las insatisfeitas (fonte de não poucas psicopatologias).
O ambiente, a cultura em geral, diversa em cada lugar do planeta, a família e suas normas, a sociedade toda, também variável, vão impondo suas regras que ficam inconscientemente incorporadas na pessoa, constituindo outra instância psíquica conhecida como Superego. Estreitamente ligado à família e à sociedade possui força suficiente para permitir ou não as satisfações desejadas desde o Id pelas pulsões.
Pode se entender que o Ego fica, na realidade de cada indivíduo, um escravo que teria que satisfazer o Id, porém o pode fazer se o mundo externo o permite ou facilita, ao mesmo tempo que também deve se submeter às forças, geralmente castradoras e limitantes, do Superego. Pode-se imaginar assim a formidável e permanente luta, inquietação, satisfação ou frustração que acontece no ser humano permanentemente . O Ego consegue reprimir (recalcar) pulsões, deslocá-las , projetar, negar, sublimar, etc. São os chamados mecanismos de defesa, tão necessários para manter um equilibro psíquico, tarefa nada fácil, segundo as circunstâncias, e assim nós vivemos com maior ou menor ansiedade, ou com a nossa muito pessoal psicopatologia.
II - O Processo Psicanalítico
Apresentei
um esboço resumido da teoria psicanalítica de nosso complicado
funcionamento
psíquico. Vemos que Freud, teve que idealizar uma teoria que
permitisse,
com um esquema referencial, também explicar tudo o que foi
descobrindo.
Eis aí a sua proposta do chamado Aparelho Psíquico, que deve e
pode ser
estudado desde os pontos de vista estrutural, dinâmico e
econômico. Sempre
lembrando que, conjuntamente, estão as instâncias conscientes,
preconscientes
(mais acessíveis a consciência) e as inconscientes, mais
reprimidas e
acessíveis no tratamento psicanalítico, onde a interpretação dos
sonhos
é de fundamental importância .
Desde
o início de um tratamento psicanalítico se verificam duas
situações curiosas:
1) apesar de buscar ajuda, a pessoa com conflitos não apresenta imediatamente tudo o que a preocupa, considera alguns fatos da sua vida como já superados ou que não tem nada a ver com o que acontece agora e, apesar de que seu terapeuta estar comprometido com o seu sigilo profissional e ter solicitado ao analisando que fale de tudo o que aparecer no seu pensamento, desde o histórico infantil, até as intimidades da vida sexual, e desde o que considere importante ou nada significativo, restringe sua fala ao que considera que pode ou deve comunicar. Eis aí o que já Freud tinha observado e que se denomina resistência , uma das grandes dificuldades deste tipo de tratamento;
2) o analista também aparece como um representante de muitas figuras do mundo interno (aquele reprimido e inconsciente) e cada vez que o analisando se refere a pessoas de seu passado ou do seu presente, pode estar também falando do analista, que nesse momento, por diversos motivos, aparentemente se transforma nessa pessoa, ou na sessão vira ameaçador ou objeto de amor, pai ou mãe, ou qualquer outro ser significativo da sua vida com as características do que dela foi registrado no inconsciente. Isto se denomina transferência, metodologicamente utilizada sistematicamente na psicanálise.
1) apesar de buscar ajuda, a pessoa com conflitos não apresenta imediatamente tudo o que a preocupa, considera alguns fatos da sua vida como já superados ou que não tem nada a ver com o que acontece agora e, apesar de que seu terapeuta estar comprometido com o seu sigilo profissional e ter solicitado ao analisando que fale de tudo o que aparecer no seu pensamento, desde o histórico infantil, até as intimidades da vida sexual, e desde o que considere importante ou nada significativo, restringe sua fala ao que considera que pode ou deve comunicar. Eis aí o que já Freud tinha observado e que se denomina resistência , uma das grandes dificuldades deste tipo de tratamento;
2) o analista também aparece como um representante de muitas figuras do mundo interno (aquele reprimido e inconsciente) e cada vez que o analisando se refere a pessoas de seu passado ou do seu presente, pode estar também falando do analista, que nesse momento, por diversos motivos, aparentemente se transforma nessa pessoa, ou na sessão vira ameaçador ou objeto de amor, pai ou mãe, ou qualquer outro ser significativo da sua vida com as características do que dela foi registrado no inconsciente. Isto se denomina transferência, metodologicamente utilizada sistematicamente na psicanálise.
Uma
vez iniciado um tratamento psicanalítico, e superando as
resistências
mais freqüentes (será que isto vai me ajudar?; é só falando que
vai conseguir
resolver meus problemas?; não será que ele ou ela é muito jovem
(ou muito
velho) para me entender?) começa o processo transferencial e,
geralmente,
o analisando vê seu analista já como um pai severo (ou
excessivamente
indulgente ou omisso), ou diretamente sua mãe com suas
recomendações,
proibições e protetora, severa ou negligente. Vive esses
momentos com
intensa realidade, se irrita ou busca mais carinho e proteção.
Ou seja,
se faz presente a regressão.
Tudo
isto facilitado, estimulado pelo analista que usa a
interpretação, ou
seja formula hipóteses do que pode estar acontecendo nesse
momento com
o analisando em relação com ele/ela onde o histórico se
apresenta como
real, atual e nesse instante. Geralmente vai procurar
correlacionar estes
momentos transferenciais com o passado, com a história do
analisando e
especialmente com a sua infância e a relação com os pais ou
substitutos
. Não poucas vezes as histórias infantis de cada um são as
realmente acontecidas
e sim, por diversos motivos, distorcidas ou fantasiadas. A
continuação
da psicanálise ajudará a esclarecer este intrincado mundo de
lembranças,
fantasias, imaginação, situações dramáticas reais (e até
aparentemente
esquecidas) e gradativamente permite uma mais adequada avaliação
da própria
personalidade.
O
passado não se esquece, fica no inconsciente. A psicanálise
permite repensar
e sentir, desde uma nova perspectiva, nosso ser no mundo,
chegamos a trabalhar
nossos erros, a ter uma compreensão mais real de nossa vida e de
nossa
conduta, aprendemos a rever o mundo interno e em conseqüência
também o
externo, que pode então vir a ser ou mais ameno e menos
ameaçador ou,
talvez, a reconhecer idealizações desnecessárias, falsas
ligações emocionais
e até nossa submissão ou desprezo por fatos, idéias ou pessoas,
que para
cada um de nós foi, na realidade, fonte de conflitos que agora
entendemos
bem melhor. Esta interação analista-analisando permite intensas e
válidas
mudanças psíquicas, e o processo intrapsíquico de quem se
analisa se denomina
elaboração.
O
processo psicanalítico é prolongado e penoso. Se revivem coisas
aparentemente
esquecidas (reprimidas), o pai (ou mãe) tão severo (ou
permissivo), aquele
irmão que parecia merecer todas as atenções da família e era
invejado
(ou rejeitado), todos eles não eram bem assim, as vezes até que
na realidade
eram o contrário, ou algumas circunstâncias tão importantes não o
eram,
ou até que eram piores (ou melhores) do que tínhamos registrado
como lembrança
infantil altamente perturbadora. Os "castigos" ou "reprimendas"
dos pais
eram bem mais graves e causadoras de ódios que atrapalhavam toda
a vida,
ou eram menos severas e talvez estruturantes de uma de nossas
modalidades
de vida valorizadas e apreciadas. Muito muda, muito se
esclarece, começamos
sim a conhecer-nos melhor e mais sinceramente. Estas
modificações se chamam
mutações objetais do mundo interno , que é um dos grandes
objetivos
do tratamento psicanalítico.
Não
devemos esquecer que o psicanalista, rigidamente formado de
acordo com
as condições da Sociedade Internacional de Psicanálise (temos
muitos profissionais
que seguem outras linhas de estudo e prática da psicanálise) é
um ser
humano, com seus próprios problemas, conflitos e caraterísticas
de personalidade.
Cada um de nós tem sua própria história, seus conflitos
infantis, e sua
conduta (mais ou menos também conflitiva ). Estudou , se formou,
fez sua
terapia analítica, supervisionou seus casos com colegas mais
experientes
e está apto para a prática da psicanálise. Porém, não deixa de
ser uma
pessoa, um ser humano vulnerável, sensível, vaidoso, ambicioso,
invejoso,
que ama e odeia, que ainda que capacitado para sua prática
terapêutica,
também sente, segundo as circunstâncias, carinho, afeto,
rejeição, tédio,
frente ao que seu "paciente" fala, relata, apresenta, projeta
nele/nela
(transferência), e se irrita, fica entediado, sente empatia e
segundo
o material da temática tratada, se angustia e sofre. Está sim,
treinado
para tudo isso, porém não poucas vezes tem que pensar e repensar
uma interpretação,
talvez produto de seus próprios conflitos e personalidade, ou
procurar
supervisar esse caso ou situação. Isto é contratransferência,
importante
elemento do tratamento psicanalítico, que quando não bem
conhecido ou
ignorado, pode levar a graves erros terapêuticos. Também quando
melhor
estudado, pode se tornar um valioso instrumento terapêutico que
ajuda
a compreender melhor o que está acontecendo numa situação ou em
um tratamento.
Devemos lembrar que assim como existem transferências
resistenciais, amor
de transferência, idealização do terapeuta e outras nuances,
estas são
próprias deste tipo de tratamento, e também existem no
psicanalista, que
tem o recurso de se corrigir procurando ajuda de seus colegas,
supervisão
e até uma outra análise a mais.
Penso
que nesta brevíssima apresentação da psicanálise - onde muitos
assuntos
foram propositadamente deixados de lado - tenha podido dar uma
idéia ,
excessivamente resumida, da psicanálise com método terapêutico.
Entretanto,
cabe fazer constar que a sociedade toda pode, em parte, ser
entendida
psicanalíticamente. A agressão e a violência formam parte do ser
humano
que, às vezes, superegoicamente nega esta realidade e gosta de
se sentir
bom, generoso e cheio de amor para com o mundo todo. A realidade
do cotidiano
nos demonstra a falsidade desta pretensão. A literatura toda
pode ser
melhor compreendida, assim como a história, através das idéias
psicanalíticas.
Não é a toa que o autor mais citado por Freud é Shakespeare, e
que muitos
escritores contemporâneos encontrem inspiração nas idéias
freudianas.
Em política encontramos exemplos grosseiros de patologias que
podem ser
explicadas psicanalíticamente.
O
pensamento e a cultura de nossa época devem muito às
contribuições psicanalíticas
que, até quando contestadas, obrigam a refletir sobre o ser
humano como
tal e não somente como uma mera organização biológica. Fica
ainda muito
para pesquisar, porém, temos que admitir que muitos afetos,
simpatias,
desprezos, amor, companheirismo, lealdade, ética, são fenômenos
psicodinâmicos
estudados profundamente pelos analistas e muitas vezes, por
enquanto,
não mensuráveis. O método qualitativo da investigação científica
não pode
ser, ainda, deixado de lado e proporciona muitas possibilidades
teóricas
e técnicas para continuar na busca de uma humanidade ideal,
provavelmente,
como todo ideal, inatingível.
Para
terminar, apresentarei uma sessão psicanalítica simulada, como
uma tentativa
de ilustração da psicanálise como técnica terapêutica:
Um
homem de 37 anos , profissional liberal, procura um
psicanalista
por não ter boas relações com seus colegas, problemas com a
esposa
e filhos com os quais briga por motivos insignificantes e
ultimamente
sente que não consegue concentrar-se no trabalho o que por
momentos
o preocupa intensamente. Já leva 7 meses de análise, três
vezes
por semana.
Entra
na sala de consulta, estende a mão e comprimenta como de
costume,
rapidamente deita no divã e diz: " Doutor , o senhor
parece cansado
, e não muito bem humorado" (projeção). Tive um
sonho em
que eu me via velho, bem velho, e pensei que a morte
estava quase
por aí".
Terapeuta:
É , ... e o senhor acha que sou eu quem está cansado e mal
humorado...cada
vez que reaparecem seus sentimentos de frustração vê a
todo o mundo
desse jeito, me incluindo nessa sua visão do mundo (interpretação
da transferência).
Paciente: Bem , é verdade, (irritado) mas será que o senhor não pode estar nem cansado nem mal-humorado? (transferência negativa e resistência). T.: Está se perguntando se eu, tão velho como seu pai, poderei realmente ajudá-lo? P.: O senhor sabe que não é tão velho assim. (a transferência muda para um aspecto mais positivo e se corrige o vínculo), e agora vem aí outra vez meu pai, que era um verdadeiro carrasco, não consigo esquecer (regressão). T.: Agora o carrasco sou eu (assume o papel paterno infantil) que o incomoda com o que falo. P.: E que o senhor me leva a lembrar coisas que já tinha esquecido (estão no inconsciente) e que quero manter esquecidas (repressão) ainda que na verdade vejo alguns de meus colegas como inimigos (deslocamento), apesar de que começo a ver que não é bem assim (elaboração e mutação objetal). T.: Parece que virei um pai menos severo e que pode ajudar (o analista está satisfeito com a evolução da sessão, e interpreta usando sua contratransferência positiva). P.: Me pergunto se meu pai era realmente tão ruim (nova mutação objetal interna , ainda dentro da regressão). Gostaria sim de mudar meu comportamento com a minha família (procura usar outros mecanismos de defesa , menos conflitivos e mais livres da pressão do seu Superego). |
Esta
sessão simulada dificilmente poderia acontecer. Se trata de um
brevíssimo
exemplo para ilustrar, resumidamente, alguns dos elementos do
texto deste
trabalho, eminentemente simples com propósitos de divulgação.
Se
faz aqui necessário destacar que a psicanálise é muito mais do
que o aqui
escrito.
Maurício
Knobel - Professor Emérito da Universidade Estadual de
Campinas - Unicamp, Campinas-S.P.
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