Atos falhos, ou parapraxias
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As parapraxias, ou atos falhos,
são manifestações de intenções perturbadoras do inconsciente em nossa atividade
consciente. Um exemplo de um ato falho são os lapsos de língua, quando trocamos
uma palavra por outra ou o nome de uma pessoa por outro.
O esquecimento de intenções
também são atos falhos. Ocorre, por exemplo, quando chegamos em um determinado
lugar e perguntamos: "o que eu vim fazer aqui mesmo?"
Um ato falho ocorre quando eu
saio de casa com uma carta na mão para despachá-la mas percebo que passei por
uma caixa de correio e não a deixei lá. Esse esquecimento é um tipo de ato
falho. Freud comenta que "...não preciso, como indivíduo normal e livre de
neuroses, carregá-la na mão por todo o caminho e ficar à cata de uma caixa de
correio onde possa jogá-la; pelo contrário, costumo colocá-la no bolso, seguir
meu caminho deixando os pensamentos vagarem livremente, e confiar em que uma
das primeiras caixas do correio há de chamar minha atenção e fazer com que eu ponha
a mão no bolso e retire a carta. A conduta normal frente a uma intenção
concebida coincide por completo com o comportamento experimentalmente produzido
das pessoas a quem se deu, em hipnose, uma "sugestão pós-hipnótica a longo
prazo", como se costuma chamá-la. Esse fenômeno é usualmente descrito da
seguinte maneira: a intenção sugerida dormita na pessoa em questão até se
aproximar o momento de efetivá-la. É aí que desperta e impele a pessoa para a
ação." (FREUD, 2002)
Os atos falhos ocorrem para evitar
o desprazer. Eles são sempre sintomas de algum tipo de conflito psíquico. No
caso da carta, o ato de depositá-la na caixa de correios poderia entrar em
associação com conteúdos psíquicos que quero manter recalcados. Por essa razão,
um mecanismo psíquico atua para que a ação não seja executada, e nesse caso,
para que eu esqueça minha intenção de colocar a carta no correio.
Um outro ato falho muito comum é
a substituição de nomes, isso é, quando vamos chamar uma pessoa e trocamos seu
nome pelo de outra pessoa. Ou então quando esquecemos o nome de uma pessoa. A
real motivação da troca de um nome pelo outro ou pelo seu esquecimento pode ser
analisada.
Se alguém também afirma: "'Não
me peça para fazer isto, tenho certeza de que vou esquecer!'", a
realização dessa profecia, segundo Freud (1997), nada tem de místico, pois
"quem assim fala sente em si a intenção de não executar o pedido e apenas
se recusa a confessá-lo a si mesmo."
Os atos falhos, por se
manifestarem em todas as pessoas, e não apenas em neuróticos, é um dos
principais meios de acesso às descobertas da Psicanálise. Tanto que Freud
escolheu este tema como o primeiro a apresentar em suas "Conferências
Introdutórias sobre Psicanálise" (volumes XV e XVI da Edição Standard das
Obras Completas).
Para ilustrar um ato falho de
esquecimento, relato um incidente que me ocorreu recentemente. Estava
apresentando um trabalho em sala de aula sobre o julgamento de Sócrates.
Durante minha fala me esqueci completamente de uma palavra, o que foi
constrangedor, pois fiquei alguns segundos calado, em pé, diante de toda a
classe, que esperava que eu desse prosseguimento. Com a ajuda do texto que
tinha em mãos consegui recuperar o termo reprimido: era a palavra
"acusação".
Depois que terminei e me sentei,
tentei analisar este episódio e logo encontrei seu motivo: a palavra
"acusação" estava associada a "julgamento", o que se
associava com o receio de que a audiência estivesse julgando ou acusando a
apresentação que eu estava fazendo. E o contexto era propício a isso
porque, como já afirmei, o tema do trabalho era o julgamento de Sócrates, e
estávamos comentando a obra "Apologia de Sócrates", de Platão.
Os atos falhos foram agrupados
por Freud em sete tipos: orais, escritos, de falsa leitura e de falsa audição,
esquecimento temporal, perdas e atos sintomáticos. Alguns guardam muitas
semelhanças com outros, como os lapsos de língua e os de escrita, por exemplo.
Por serem bem mais simples de
interpretar do que os sonhos, são um bom caminho para quem deseja iniciar seus
estudos em Psicanálise. São uma clara manifestação da nossa psicopatologia da
vida cotidiana, uma demonstração bem acessível de que todos nós somos, no
mínimo, levemente neuróticos.
REFERÊNCIAS
FREUD, Sigmund. Sobre a
psicopatologia da vida cotidiana. In: Obras Psicológicas Completas. Rio de
Janeiro: Imago, 1997.
KEEGAN, Paul. Introduction. In: FREUD, Sigmund.
The psychopathology of everyday life. London: Penguin Classics,
2002.
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