terça-feira, 29 de maio de 2012

Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul

Print version ISSN 0101-8108

Rev. psiquiatr. Rio Gd. Sul vol.28 no.3 Porto Alegre Sept./Dec. 2006

http://dx.doi.org/10.1590/S0101-81082006000300011 

ARTIGO DE REVISÃO

O que é metapsicologia científica?


Carlos Eduardo de Sousa Lyra
Psicólogo. Mestrando em Psicologia Clínica, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Rio de Janeiro, RJ. Bolsista, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Correspondência



RESUMO
No presente artigo, o autor procura apresentar as bases epistemológicas, metodológicas e conceituais para uma metapsicologia científica, que ofereceria um espaço teórico privilegiado para o diálogo entre a psicanálise e a neurociência. Assim, o autor considera os possíveis obstáculos à tentativa de estabelecer esse diálogo (complexo de Édipo e pulsão de morte) e também formula as principais questões levantadas pela metapsicologia científica. Dentre as questões apresentadas pelo autor, encontramos: a problemática pulsão versus instinto; os conceitos de representações e (quotas de) afetos; os fundamentos da teoria do recalque; e a relevância do conceito de compulsão à repetição.
Descritores: Psicanálise, neurociências, psicoterapia.



INTRODUÇÃO
A psicanálise, tradicionalmente, é dividida em teoria e prática. Ambas são complementares e, em geral, aparecem mescladas no trabalho do psicanalista. Contudo, é possível analisá-las de um ponto de vista didático, separando-as a fim de obter uma melhor compreensão das dimensões que compõem o universo da psicanálise. Nesse sentido, primeiramente, devemos esclarecer o que viria a ser a "teoria psicanalítica". Para tanto, podemos recorrer ao argumento utilizado por Laplanche1, de que a teoria psicanalítica pode ser dividida em dois níveis.
No nível I, temos as teorias sexuais infantis, isto é, "ideologias, mitos, formalizações que, como tais, não poderiam ser nem refutadas nem provadas pela psicanálise"1 (p. 83). Essas teorias são elaboradas no discurso dos próprios pacientes e, posteriormente, são sistematizadas pela psicanálise, vindo a constituir generalizações denominadas de complexos (por exemplo, complexo de Édipo, complexo de castração). Segundo Laplanche1, essas ficções costumam ser bastante criticadas pelos opositores da psicanálise.
Por outro lado, no nível II, temos a metapsicologia, um modelo teórico construído para descrever e explicar aquilo que é fornecido como dado no nível I. A metapsicologia, portanto, pretende ser uma teoria refutável e falsificável1. É nesse sentido que podemos sustentar a idéia de uma metapsicologia científica. Assim, alguns conceitos, como o de inconsciente, recalque, pulsão, entre outros, podem reivindicar sua natureza metapsicológica.
Tendo definido o que entendemos por "teoria psicanalítica", podemos contrapô-la à dimensão da prática psicanalítica. Esta pode ser dividida em uma práxis e uma teoria da técnica psicanalítica. A práxis envolve toda a dimensão ética da experiência psicanalítica, marcada por uma ética do desejo, que difere da ética moral. Essa práxis envolve conceitos como "desejo do analista" e "contratransferência", entre outros, e foi desenvolvida e aprofundada no ensino de Lacan. Segundo esse psicanalista, a ética é a "dimensão mais profunda do movimento do pensamento, do trabalho e da técnica analíticos"2 (p. 248). Por outro lado, temos a teoria da técnica, que abrange conceitos como "associação livre", "resistência", "transferência", "interpretação de sonhos e parapraxias", entre outros.
Muitos dos conceitos envolvidos na prática psicanalítica podem ser explicados do ponto de vista metapsicológico. Dentre os conceitos citados, destacamos o de "transferência" como principal instrumento da prática psicanalítica, sem o qual todo tratamento psicanalítico perde o seu sentido. A tendência da psicanálise atual é a de se concentrar na análise da transferência como instrumento privilegiado de trabalho, deixando de lado outros dispositivos técnicos, como, por exemplo, a interpretação de sonhos. Embora a transferência se coloque no centro de toda a prática psicanalítica, não podemos utilizá-la como instrumento único e exclusivo no processo psicanalítico, uma vez que os outros dispositivos citados devem auxiliar no andamento desse processo, inclusive no desenvolvimento do próprio vínculo transferencial.
Assim, uma vez estabelecida a divisão entre teoria e prática em psicanálise, não resta dúvidas de que a metapsicologia, enquanto teoria explicativa, pode reivindicar a qualidade de ser científica3. E é a partir da metapsicologia, enquanto modelo científico da mente, que a neurociência atual pode estabelecer um diálogo fecundo com a psicanálise4.

METODOLOGIA
No que diz respeito à metodologia, a psicanálise oferece um método próprio, baseado na observação empírica dos dados clínicos; podemos caracterizá-lo como um método hipotético-dedutivo. Freud elabora a metapsicologia a partir da observação dos pacientes, analisando seus discursos e remetendo-os a um modelo abstrato da mente (isto é, o "aparelho psíquico"); ou seja, ele formula hipóteses e deduz estruturas do psiquismo a partir das evidências clínicas. Por outro lado, a afirmação de que, em psicanálise, as teorias advêm da prática clínica pode não ser completamente verdadeira, pois Freud5 elaborou grande parte do que viria a ser a teoria psicanalítica antes mesmo da criação da própria psicanálise, em sua "Psicologia para neurologistas", texto publicado postumamente com o título de Projeto para uma psicologia científica (1895). Em outras palavras, podemos supor que Freud deduziu as estruturas básicas que compõem seu modelo de psiquismo a partir de sua experiência anterior como neurocientista e aprimorou esse modelo confrontando-o com os dados advindos da prática clínica, construindo, assim, a metapsicologia.
A neurociência, na época de Freud (final do século XIX e início do século XX), estava longe de fornecer instrumentos fidedignos e capazes de oferecer a comprovação biológica para as teorias elaboradas pelo psicanalista austríaco. Atualmente, no entanto, a situação é bem diferente: a neurociência evoluiu de maneira surpreendente nas últimas décadas do século XX, a ponto de oferecer, na atualidade, a possibilidade de observar o cérebro em pleno funcionamento. Trata-se de um momento sem precedentes na história da ciência, no qual os diversos ramos da neurociência, em conjunto, estão aptos a desvendar o mistério da mente.
O método neurocientífico, não obstante, diverge do psicanalítico por ser um método indutivo, baseado em experimentos passíveis de serem testados em laboratório. Isso imprime uma maior confiabilidade aos resultados obtidos por esse método; além de uma aceitação mais abrangente por parte da comunidade científica.
Se afirmamos que a metapsicologia freudiana pretende ser científica, então os resultados obtidos pelo método psicanalítico deveriam coincidir - senão totalmente, mas em grande parte - com os resultados fornecidos pelo método neurocientífico. Do contrário, a metapsicologia não poderia ser considerada uma teoria científica fidedigna. No entanto, se o que caracteriza uma teoria científica é sua possibilidade de ser refutada ou falsificada, é de se esperar que a metapsicologia possa vir a ser corrigida, ou modificada, pelos dados obtidos com o método neurocientífico. Essa possibilidade de confrontar o método psicanalítico com o método neurocientífico ofereceria à metapsicologia um duplo critério de verdade, dando subsídios para que as teorias elaboradas por Freud, e pelos demais psicanalistas, possam ser corroboradas ou refutadas pela neurociência atual. A junção dos dois métodos citados tem sido utilizada na investigação de pacientes com lesões neurológicas, constituindo um novo campo de estudos, denominado de neuropsicanálise6.

OBSTÁCULOS CONCEITUAIS
Não obstante, para poder reivindicar seu lugar como disciplina científica, a metapsicologia tem que, independentemente da neurociência, resolver suas próprias contradições internas. Nesse sentido, alguns conceitos em psicanálise parecem colocar obstáculos à realização de uma metapsicologia científica. Dentre esses conceitos, podemos apontar dois: o complexo de Édipo e a pulsão de morte.
O complexo de Édipo tornou-se o núcleo para o qual aponta toda tentativa de explicação causal dos fenômenos psíquicos em psicanálise. Freud afirmava que o complexo de Édipo era um conceito universal e necessário; contudo, esse conceito foi bastante criticado ao longo do tempo. Lacan, por sua vez, tentou resolver o problema ao conceber o complexo de Édipo como uma estrutura7,8. Embora a solução lacaniana pareça interessante como resposta às críticas recorrentes, o problema ainda persiste na medida em que o conceito de complexo de Édipo é utilizado como referência para explicar toda a gênese da sexualidade humana ou mesmo a gênese do sujeito.
Como vimos anteriormente, o conceito de complexo de Édipo deve ser classificado como teoria pertencente ao nível I, segundo a classificação de Laplanche1, sendo, assim, um conceito advindo das teorias sexuais infantis. Não se trata, portanto, de um conceito necessário, mas de uma generalização. Um exemplo disso é que a teoria psicanalítica winnicottiana é construída a partir de um paradigma não-edipiano9 e, contudo, não deixa de ter sua eficácia como teoria explicativa. Dessa forma, torna-se fundamental para a psicanálise limitar o uso do conceito de complexo de Édipo como chave-mestra capaz de abrir e fechar todas as portas1. É necessário restringir o conceito a alguns fenômenos clínicos.
Outro obstáculo conceitual ao avanço da metapsicologia é o conceito de pulsão de morte. Esse conceito não é compatível com a ciência biológica, principalmente no que diz respeito ao pensamento evolucionista, amplamente aceito pela comunidade científica. A evolução defende a propagação da vida, não admitindo, portanto, a existência de uma pulsão de morte que se opõe à vida e conduz o ser vivo ao inanimado10.
Uma proposta interessante seria a de tentar responder as questões levantadas por Freud com o conceito de pulsão de morte a partir do conceito de narcisismo. Segundo Maia11, os três determinantes do conceito de pulsão de morte em Freud são: 1) a compulsão à repetição; 2) os princípios de ligação-desligamento; e 3) a agressividade. De acordo com Maia11, o conceito de narcisismo seria suficiente para explicar os três determinantes acima relacionados, o que possibilitaria a rejeição do conceito de pulsão de morte. Nesse sentido, Maia aponta o narcisismo como sendo regulado pelo princípio de redução ao zero (a partir do conceito de compulsão à repetição), como sendo aquele pólo do psiquismo que empreende a negação da alteridade (através do desligamento pulsional) e que reage à dependência dos objetos (através da agressividade)11. Trata-se de uma argumentação útil, na medida em que se mostra plausível com a tentativa de estabelecer um diálogo com a biologia.
Assim, limitando o uso do conceito de complexo de Édipo e rejeitando o conceito de pulsão de morte, a psicanálise poderia avançar consideravelmente no diálogo com a neurociência, a partir de uma metapsicologia científica.

QUESTÕES FORMULADAS PELA METAPSICOLOGIA CIENTÍFICA
Tendo avaliado as dimensões epistemológica e metodológica, bem como os principais obstáculos conceituais à realização da metapsicologia enquanto teoria científica, passemos, então, ao exame das questões mais fundamentais que são formuladas pela metapsicologia científica.
Pulsão versus instinto
A questão do significado do conceito de Trieb na obra de Freud tem gerado algumas controvérsias3. Como veremos mais adiante, o problema da tradução a partir dos originais em alemão não raramente conduz a equívocos na interpretação da obra freudiana, principalmente no que se refere aos conceitos da metapsicologia.
A palavra Trieb pode ser traduzida como pulsão ou instinto. Outra palavra alemã, Instinkt, também é utilizada por Freud para se referir, neste caso, apenas ao instinto no seu sentido exclusivamente biológico. Apesar de reconhecer a diferença entre Trieb e Instinkt, Andrade3 propõe que se traduza Trieb como instinto, pois acredita, entre outras coisas, que o termo é menos inadequado, mais simples e mais fiel aos escritos de Freud. Por outro lado, boa parte dos psicanalistas traduz Trieb como pulsão. Esta será nossa posição neste artigo.
Independentemente, portanto, da tradução utilizada, parece haver argumentos suficientes para considerar o conceito de Trieb como distinto de Instinkt. A pulsão se diferencia do instinto biológico na medida em que agrega qualidades psicológicas a este último. Somente a pulsão possui plasticidade, é capaz de se adaptar a uma infinidade de objetos. A pulsão é aquilo que movimenta um sujeito em direção a um objeto.
Essa plasticidade da pulsão está associada à própria plasticidade neural. O ser humano é o único animal que nasce com o cérebro imaturo. Os demais animais agem por instinto. A influência do ambiente na maturação do cérebro humano é extraordinária, o que o levou a desenvolver habilidades e capacidades cognitivas sem precedentes na cadeia evolutiva.
Assim, podemos dizer que a pulsão sexual (libido) se diferencia do instinto sexual, pois, diferentemente dos animais, a sexualidade humana não está apenas a serviço da reprodução e da conservação da espécie, mas é perversa, ou seja, vai além da genitalidade e adquire um caráter mais amplo12. Da mesma forma, o instinto de autoconservação é ampliado na pulsão de conservação do indivíduo biopsíquico, ou seja, no conceito de pulsão do ego. De uma maneira mais resumida, podemos dizer que a pulsão do ego está para a libido assim como a conservação do indivíduo biológico está para a conservação da espécie11.
Representações e afetos
De acordo com a metapsicologia freudiana, a pulsão só se manifesta, no psiquismo, na forma de representantes psíquicos, que são de duas naturezas distintas: representações e quotas de afeto3.
As representações psíquicas são inscrições que se apresentam como traços mnêmicos e determinam apenas o fator qualitativo referente às idéias e pensamentos13. Há apenas dois tipos de representações: as representações de coisa, que são restritas ao sistema inconsciente; e as representações de palavra, que são componentes qualitativos restritos ao sistema pré-consciente/consciente13.
As quotas de afeto, por sua vez, são os representantes quantitativos do psiquismo13,14. As quantidades atribuídas às quotas de afetos podem variar de acordo com a intensidade da experiência inscrita na forma de traço mnêmico, ou representação, no psiquismo. Apenas as quotas de afeto, enquanto representantes psíquicos, podem transitar do sistema inconsciente para o sistema pré-consciente/consciente13,14.
É importante ressaltar que "a quota de afeto se distingue do afeto propriamente dito, uma vez que a primeira diz respeito à quantidade de energia psíquica, enquanto o segundo é a percepção de uma descarga desta energia, que atinge o somático. É por isso que Freud não considera a existência de afetos inconscientes, uma vez que toda percepção deve passar necessariamente pela consciência. Contudo, podemos falar de quota de afeto inconsciente"15 (p. 86).
Freud expressou claramente as dificuldades relacionadas ao estudo dos afetos13,16. Assim, o estudo dos afetos parece ter sido, de certa forma, colocado em segundo plano pela psicanálise. Segundo Green17, isso se deve à "ausência de uma teoria psicanalítica do afeto satisfatória" (p. 8). Dentre os afetos estudados por Freud, a ansiedade (Angst) é, sem dúvida, o mais profundamente investigado16,18. Freud ressalta a importância do afeto para a teoria psicanalítica como um todo e, em particular, para a teoria do recalque. Por outro lado, não desenvolve suficientemente a problemática do afeto, deixando em aberto muitas questões a respeito dos conceitos envolvidos "nessa região obscura"16 (p. 462).
Teoria do recalque
Tendo delineado alguns dos conceitos básicos da metapsicologia freudiana, passemos à teoria do recalque, fundamento maior da teoria psicanalítica19. É importante, antes de tudo, distinguir entre os conceitos de recalque, repressão e supressão, visto que, não raro, o uso impreciso de tais conceitos pode causar desde falhas sutis na compreensão até mal-entendidos que comprometem o entendimento correto da metapsicologia15.
Para evitar a possibilidade de confusão, definiremos previamente os termos que serão utilizados em nossa discussão. Assim, utilizaremos o termo recalque, traduzido do francês refoulement, para nos referirmos apenas ao recalque originário ou primário (do alemão Urverdrängung; do francês refoulement originaire; do inglês primal repression). Por sua vez, utilizaremos os termos, traduzidos do inglês, repressão (do alemão Verdrängung; do francês refoulement; do inglês repression) e supressão (do alemão Unterdrückung; do francês répression; do inglês supression) para nos referirmos, respectivamente, ao recalque secundário e à "operação psíquica que tende a fazer desaparecer da consciência um conteúdo desagradável ou inoportuno: idéia, afeto, etc."20 (p. 457). A escolha desse procedimento em particular visa simplificar o entendimento dos conceitos ao associá-los, em cada caso, a apenas um vocábulo.
Dessa maneira, tendo definido os termos com os quais iremos trabalhar, podemos iniciar nossa discussão a respeito da teoria do recalque.
O recalque (originário) é o responsável pela divisão ou clivagem do aparelho psíquico em dois grandes sistemas: o inconsciente (Ics) e o pré-consciente/consciente (Pcs/Cs). Estamos, portanto, nos referindo ao inconsciente em seu sentido sistemático13,21. Em um primeiro momento, poderíamos dizer que as principais características do Ics é que o mesmo funciona sob o princípio do prazer-desprazer e pelo processo primário (ver argumentação mais adiante), admitindo apenas representações de coisa em seu interior13; é também o local onde se originam as quotas de afeto. O recalque (originário) é o responsável pelo aparecimento da linguagem e do processo de tradução1 - ou reinscrição do traço mnêmico (de acordo com a "hipótese tópica") - que permitirá reinscrever as representações de coisa (próprias do Ics) em representações de palavra (no Pcs/Cs). Há fortes razões para se atribuir à região cerebral do hipocampo a função relacionada ao recalque (originário)15. Dentre essas razões, podemos afirmar que: 1) o hipocampo é responsável por traduzir as memórias implícitas (inconscientes) em memórias declarativas ou explícitas (conscientes); 2) a maturação do hipocampo se dá em torno dos 2 anos de idade, coincidindo com o aparecimento da linguagem verbal15.
A repressão (ou recalque secundário) é a "operação pela qual o sujeito procura repelir ou manter no inconsciente representações (pensamentos, imagens, recordações) ligadas a uma pulsão"20 (p. 430). Nesse sentido, o que é repelido e mantido em estado inconsciente é uma representação de palavra que, outrora, teria sido, ao menos uma vez, consciente. Estamos falando, portanto, de um inconsciente dinâmico21. Segundo Izquierdo22, "trata-se de memórias declarativas, quase sempre episódicas, que o indivíduo simplesmente decide ignorar, e cuja evocação suprime, muitas vezes durante décadas" (p. 30). O conteúdo dessas memórias reprimidas são desagradáveis para o ego, por isso são tornadas inconscientes (de acordo com a "hipótese funcional"). Contudo, podem retornar à consciência através de um trabalho de associação livre, em psicanálise ou, em alguns casos, espontaneamente22. Esses conteúdos, ou representações de palavra, segundo Freud, são atraídos pelo núcleo do Ics14, que foi submetido ao recalque (originário). Segundo Izquierdo, "a repressão envolve provavelmente sistemas corticais capazes de inibir a função de outras áreas corticais ou do hipocampo"22 (p. 31). Essa possível relação com o hipocampo poderia corroborar a hipótese freudiana da relação entre a repressão (recalque secundário) e o recalque (originário). Já a provável relação com a inibição da função de outras áreas corticais foi comprovada recentemente por Ramachandran no exame de pacientes com anasognosia, mostrando mais precisamente a importância da relação entre os hemisférios cerebrais na produção de alguns dos mecanismos de defesa descritos por Freud6.
A supressão, por sua vez, já descrita anteriormente, está relacionada com a memória de trabalho e, portanto, com o córtex pré-frontal22. Essa região privilegiada do córtex cerebral é responsável pela evocação de memórias, que "dura desde poucos segundos até, no máximo, 1-3 minutos"22 (p. 51). O córtex pré-frontal também está relacionado com a percepção e a atenção e também tem ligações com o hipocampo22. Poderíamos relacionar o córtex pré-frontal e sua função de evocar memórias com o que Freud denomina de sistema percepção-consciência (Pcpt - Cs)23 ou antigo sistema de neurônios ω5. Seria, portanto, a região responsável pela percepção e pela consciência. Essa região, sem dúvida, funciona sob o princípio de realidade, pelo processo secundário. Também não há dúvidas de que uma representação de palavra só pode se tornar consciente se for investida de uma determinada quota de afeto15. Podemos chamar de inconsciente, no sentido descritivo13,21, toda representação que está fora da consciência (Pcpt - Cs).
Uma vez definidos o que chamamos de recalque, repressão e supressão, também definimos os sentidos sistemático, dinâmico e descritivo do termo "inconsciente". Da mesma forma, definimos o que seria a consciência (Pcpt - Cs). Resta, portanto, dizer o que seria o pré-consciente. Para isso, também temos que levar em consideração o sentido dinâmico ("hipótese funcional") e dizer que o pré-consciente é a região cujo conteúdo se encontra entre o que é suprimido pela consciência e o que foi submetido à repressão (recalque secundário).
Definimos, portanto, a primeira tópica freudiana (inconsciente, pré-consciente e consciente). No entanto, surgem algumas questões. Primeiramente, sabemos que o processo primário, bem como o princípio de prazer/desprazer, é próprio do sistema Ics; por outro lado, não resta dúvida de que o processo secundário, juntamente com o princípio de realidade, atua na consciência (sistema Pcpt - Cs). No entanto, entre esses dois sistemas, há uma zona intermediária, formada pelo pré-consciente e pelo inconsciente dinâmico, que parece problemática. Podemos chamar esta região de zona defeituosa.
Segundo Laplanche & Pontalis20, "assim como certos conteúdos do inconsciente, como assinalou Freud, são modificados pelo processo secundário (por exemplo, as fantasias), também elementos pré-conscientes podem ser regidos pelo processo primário (restos diurnos no sonho, por exemplo). De modo mais geral, podemos reconhecer nas operações pré-conscientes, sob o seu aspecto defensivo, o domínio do princípio de prazer e a influência do processo primário" (p. 351).
Assim, parece que, para resolver o problema atribuído a essa zona defeituosa, temos que admitir a hipótese de que o inconsciente dinâmico funcionaria, por atração e por adesão ao sistema Ics14, pelo processo primário e sob o princípio de prazer/desprazer; e que o pré-consciente, por sua vez, funcionaria pelo processo secundário e sob o princípio de realidade, devido à possibilidade de se tornar consciente; embora, em ambos os casos, como vimos, haja exceções20. Dessa forma, encontramos uma solução parcimoniosa para o problema do que chamamos de zona defeituosa.
Outra questão que surge - mas que não se trata de um problema no mesmo sentido que o anterior - é a diferença entre o que chamamos de repressão e supressão. Nesse caso, a diferença é apenas dinâmica. O que é reprimido é apenas o que foi suprimido da consciência num grau mais elevado e por motivos mais fortes. Ora, o que é suprimido da consciência e apenas se torna pré-consciente não está senão obedecendo a uma tendência natural e adaptativa da consciência22, que não suportaria uma grande quantidade de representações (memórias) funcionando ao mesmo tempo15. A supressão, portanto, bem como o esquecimento, nesse sentido, é um processo necessário22. Já o que foi reprimido, o foi num sentido bem mais forte que o simplesmente suprimido - foi repelido (de acordo com a "hipótese funcional") pela consciência num grau mais elevado, devido ao conteúdo desagradável que ameaçaria a integridade do ego. Portanto, podemos afirmar mais uma vez que, ao que nos parece, a diferença entre o reprimido e o suprimido é apenas dinâmica.
Outras questões
Outra questão de interesse para a realização de uma metapsicologia científica seria o exame da natureza do Ics e sua relação com as memórias implícitas (emocionais e procedurais). Nesse sentido, pode-se investigar a relevância do conceito de inconsciente procedural24 para a psicanálise, como também propor uma diferenciação desse conceito em relação ao inconsciente emocional, definindo o papel desempenhado pelas memórias procedurais, emocionais e traumáticas na gênese de uma teoria do trauma e, mais especificamente, na compreensão do conceito de compulsão à repetição10.
A abordagem do conceito de compulsão à repetição empreendida por Freud10 em Além do princípio de prazer (1920) vem trazer problemas para a concepção metapsicológica do aparelho psíquico desenvolvida até então. Com a introdução do conceito de compulsão à repetição, teremos que admitir algumas modificações na compreensão do Ics enquanto sistema. Primeiramente, começaremos por questionar o que, num primeiro momento (em trecho acima), parecia inquestionável: que o Ics funciona pelo processo primário. Considerando a diferenciação entre o sistema Ics - possibilitado a partir da existência do recalque (originário) - e o inconsciente dinâmico - submetido à repressão (ou recalque secundário) -, teríamos que admitir, seguindo uma nova hipótese, que o Ics funcionaria simplesmente por compulsão à repetição, enquanto o inconsciente dinâmico é que, de fato, funcionaria pelo processo primário. Essa nova abordagem só se sustenta na medida em que se atribui à compulsão à repetição o papel de "resistência do inconsciente"25, ou seja, essa compulsão seria a responsável pela atração exercida pelo Ics sobre as representações reprimidas através do processo de repressão (ou recalque secundário)18. Essa hipótese parece interessante, mas, ao mesmo tempo, também se apresenta como um problema, na medida em que temos que rever o modelo defendido até então. Laplanche25 adota essa hipótese, considerando o inconsciente reprimido como um dos dois níveis do sistema Ics, e, mais precisamente, aquele nível que, de fato, funciona pelo processo primário. O outro nível do Ics, segundo Laplanche25, seria formado pelas representações submetidas ao recalque (originário), ou seja, aquelas representações originais que jamais passaram pela consciência, isto é, que sempre foram inconscientes15. Laplanche as chamará de representações-coisa (num sentido diferente das "representações de coisa")25.
É por conta desses problemas que apresentamos acima que Freud adota a denominação id, derivada do modelo estrutural da segunda tópica21, para se referir ao antigo sistema Ics, da primeira tópica20.
Assim, podemos relacionar o conceito de representação-coisa com as memórias implícitas em geral15, atribuindo-as a característica principal de funcionarem segundo uma compulsão à repetição10.
Por último, parece importante, ainda, considerar o avanço da neurociência na compreensão do mecanismo de formação dos sonhos6,26, que tem confirmado algumas das hipóteses freudianas sobre o processo de elaboração onírica23.

CONCLUSÃO
Apontamos, neste estudo, a metapsicologia como espaço teórico privilegiado para realização de um diálogo produtivo entre a psicanálise e a neurociência. Mostramos, assim, a importância de um estudo aprofundado da metapsicologia freudiana, bem como das contribuições de outros teóricos da psicanálise à mesma. Reconhecemos as limitações do modelo metapsicológico freudiano, isto é, a existência de alguns problemas conceituais que devem ser resolvidos pelos teóricos pós-freudianos; no entanto, isso não impossibilita a tentativa de dialogar com a neurociência, na medida em que o caráter de ser passível à refutação ou falsificação é que faz da metapsicologia uma teoria científica1. É necessário, portanto, empreender novas revisões e efetuar eventuais acréscimos à metapsicologia, para que esta continue oferecendo um modelo adequado tanto para a reflexão acerca da prática clínica quanto para o diálogo com a neurociência, de modo que possamos chamá-la de metapsicologia científica.

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              DEFINIÇÕES DE TERMOS PSICANALITICOS


Ab-reação — Descarga emocional que se produz pela lembrança e verbalização de um fato ou idéia que contenha um conteúdo afetivo inconsciente. A carga afetiva (medo, vergonha, desgostos, etc.), que foi retida no momento do acontecimento, se mantém ligada à representação dele, podendo ser descarregada, num processo que se assemelha à catarse. Pode ser provocada sob hipnose.
Afeto — Termo que em psicanálise exprime qualquer estado afetivo ou emocional, penoso ou agradável, vago ou qualificado, quer se apresente como uma descarga maciça, quer como tonalidade geral.
Agressividade (agressão) — Freud considera a agressividade como um impulso inato no homem, em conseqüência do qual "o próximo não representa para ele somente um auxiliar e objeto sexual, mas também uma tentação para libertar suas tendências agressivas contra ele". Como ação específica de uma pulsão, a agressividade não é somente uma busca de destruição do objeto (atacar), mas também a mobilização com vista a realizar uma tarefa, sem matiz de destruição (atacar um problema). Nos últimos escritos de Freud, a agressão é derivada do instinto de morte, em oposição ao instinto sexual ou instinto de vida, Eros. O desenvolvimento de Eros neutralizaria a agressão.
Associação Livre — A regra da associação livre é a regra fundamental do tratamento psicanalítico. Através desta regra, o paciente deve verbalizar, indiscriminadamente, todos os pensamentos que lhe ocorrem, seja por exemplo uma lembrança do passado, um fato acontecido hoje, a imagem de um sonho, uma paisagem ou um número. Visa eliminar a seleção voluntária de pensamentos e o controle consciente dos assuntos relatados.
Ato falho (parapraxia) — Em psicanálise, atos falhos são um conjunto de fenômenos que se produzem no momento em que um indivíduo se exprimir ou proceder diferentemente do que tenciona fazer. Engloba erros de expressão (lapsos), de leitura ou de audição, esquecimento de palavras, perdas incompreensíveis de objetos familiares. Geralmente são incidentes aparentemente insignificantes, que não têm conseqüências práticas. Muitas pessoas explicam os atos falhos por falta de atenção, acaso, cansaço, etc. Para Freud os atos falhos são formações de compromisso, que nascem da oposição de duas tendências ou intenções concorrentes, uma das quais é manifesta (ou aparente) e a outra é latente (ou inconsciente). Através do ato falho o indivíduo resolve este conflito, manifestando de maneira deformada a tendência latente.
Bissexualidade — Noção primeiramente descrita por Wilhelm Fliess e depois assumida e desenvolvida por Freud, que inclui aspectos genéticos, embriológicos, anatômicos e psíquicos, segundo os quais todos os indivíduos, sejam homens ou mulheres, mantém vestígios do sexo oposto, embora, no curso de sua evolução, se orientem para uma predominância monossexual. Dessas predisposições e das decorrentes identificações que o indivíduo assume no seu desenvolvimento, define-se a sua heterossexualidade ou homossexualidade, permanecendo contudo sempre presentes aspectos secundários relacionados à sua predisposição bissexual inata.
Catarse — (terapêutica ou terapia catártica, método catártico) — No início da psicanálise, falava-se de tratamento catártico em relação com a hipnose. Trata-se da liberação ou descarga emocional (ab-reação) de afetos retidos no inconsciente, pela rememoração e verbalização de uma representação esquecida, geralmente associada a uma cena traumática. Freud se interessou por esse método e posteriormente apontou seus limites e perigos.
Catexia (investimento psíquico) — Faz alusão, em psicanálise, à união da energia psíquica com um objeto externo ou interno, uma atividade, uma parte do corpo, uma idéia, etc., fazendo a representação mental desse construtor psicológico ser dotada de maior ou menor valor psíquico e lhe dando maior ou menor importância dinâmica. Descatexizar ou desinvestir é retirar desse objeto a energia psíquica a ele ligada, que fica assim disponível para ser reinvestida em outro objeto.
Censura Função de controle que regula o acesso à consciência dos desejos inconscientes ou também a passagem de conteúdos pré-conscientes ao consciente. A censura cumpre, em relação ao ego, uma exigência normativa de seleção e deformação do material inconsciente; possui o poder de proibir e reprimir. Os atos falhos (parapraxias) e os sonhos são expressões do inconsciente que "escapam" parcialmente da ação da censura.
Complexo de castração Ocorre em resposta aos afetos contidos na situação psíquica do complexo de édipo. Os meninos temem, na fantasia, a castração como realização de uma ameaça paterna, pela rivalidade e hostilidade que eles próprios sentem em relação ao pai e pela culpa secundária aos desejos sexuais que sentem pela mãe. Daí decorre uma intensa "angústia de castração" que introduz o menino no mundo das leis e das proibições, abrindo assim o caminho para o seu desenvolvimento socializado. Na menina, a ausência do pênis é sentida como um dano sofrido, uma falta importante que ela procura negar, compensar ou reparar.
Complexo de édipo édipo, segundo a mitologia grega narrada por Sófocles (édipo Rei), estava amaldiçoado e deveria vir a matar seu próprio pai e casar com sua própria mãe. Ao descrever a relação da criança (entre os três e os cinco anos) com seus pais, na fase fálica do desenvolvimento sexual infantil, Freud percebeu a presença de desejos amorosos e hostis, contraditórios porém complementares, dirigidos pela criança a seus genitores. Genericamente, predomina o amor pelo genitor do sexo oposto e a raiva e rivalidade pelo genitor do mesmo sexo. A inviabilidade de concretizar esses desejos libidinosos incestuosos e agressivos permite a repressão dos mesmos, que assim se tornam inconscientes acompanhando, contudo, a pessoa por toda a vida. O conceito evoluiu e ganhou uma expressão importante e complexa dentro da psicanálise, sendo a forma acima descrita a mais simplificada possível.
Compulsão à repetição — Tendência a repetir determinados padrões de comportamento, reações infantis etc., pelos quais o indivíduo se coloca altivamente em situações penosas, repetindo experiências antigas de uma forma deslocada, tendo a impressão de que se trata de algo somente motivado pela situação atual. Devido a seus determinantes inconscientes, o paciente repete na transferência essas formas antigas, clichês de comportamento, permitindo dessa forma a sua identificação e interpretação pelo terapeuta. A conscientização da compulsão a repetir determinados comportamentos permitirá ao paciente modificá-los.
Condensação é a designação de um dos aspectos do trabalho do sonho e também um dos modos essenciais do funcionamento dos processos inconscientes. O relato do sonho manifesto em comparação com o seu conteúdo latente constitui uma versão resumida. Na condensação, vários elementos, objetos ou pessoas são representados por um só elemento, objeto ou pessoa.
Conteúdo latente Conjunto de significações que se referem ao sentido inconsciente, descoberto através da análise. Se a tarefa de toda a análise é descobrir progressivamente o sentido inconsciente, pode-se pensar que a noção de conteúdo latente é "o conjunto do que a análise revela sucessivamente".
Conteúdo manifesto é o conteúdo do sonho expresso através da sua narrativa, antes que esse conteúdo seja submetido ao trabalho analítico de descoberta de seus significados inconscientes. O conteúdo manifesto é, portanto, o conteúdo lógico, consciente.
Conflito (conflito psíquico) — Em psicanálise, fala-se de conflito quando, no indivíduo, se opõem exigências internas contrárias; quando não se produz a solução do conflito, surge a neurose. A psicanálise considera o conflito como constitutivo do ser humano. Ocorrem conflitos entre o desejo e a defesa, conflitos entre as diferentes instâncias psíquicas (id, ego e superego), conflitos entre as pulsões e por fim o conflito edipiano, onde se defrontam desejos contrários que, em sua evolução normal, sucumbem a uma proibição. O conflito sexual contido na antítese desejo-proibição do desejo (defesa) cumpre o papel fundamental na dialética da história pessoal.
Defesa — Em psicanálise trata-se de um mecanismo psíquico, consciente ou inconsciente, de natureza adaptativa, que a pessoa lança mão para conservar-se e preservar a sua integridade, defendendo-se contra aquilo que a ameaça tanto do exterior, quanto do interior. Freud diferencia defesas normais e defesas patológicas. Uma mesma defesa, por exemplo, a repressão, pode estar sendo utilizada de uma maneira normal ou patológica, em relação a diferentes contextos. Entre os mecanismos psíquicos de defesa destacam-se a repressão, a regressão, o isolamento, a negação, a projeção, a formação reativa, etc.
Desejo Na concepção dinâmica freudiana, o desejo é um dos pólos do conflito defensivo. O desejo inconsciente tende a realizar-se, buscando sempre a satisfação, o prazer (princípio do prazer). Se o conflito encontra-se na base da vida psíquica e é a condição da constituição de uma história pessoal, o desejo é precisamente o vetor dinâmico, ao qual se opõe a defesa.
Deslocamento é o fato de a acentuação, o interesse, a intensidade de uma representação mental ser suscetível de se soltar dela para passar a outras representações originariamente pouco intensas, ligadas à primeira por uma cadeia associativa de idéias.
Ego Noção utilizada para designar o centro psicológico da personalidade. é uma instância psíquica que Freud, na sua segunda teoria do aparelho psíquico (teoria estrutural), distingue do id e do superego. Contém a parte consciente da mente humana, bem como os mecanismos de defesa, sendo estes, muitas vezes, inconscientes. O ego desempenha uma tarefa de autopreservação e adaptação, através da vontade, da percepção, da memória e do controle dos movimentos voluntários. Possibilita ao indivíduo o adiamento da satisfação dos impulsos.
Eros Termo pelo qual os gregos designavam o amor e o deus do Amor. Freud utiliza-o na sua última teoria das pulsões para designar as pulsões de vida em oposição às pulsões de morte (ver Pulsões). é a noção psicanalítica para o princípio do prazer. No sentido biológico corresponde ao impulso do amor ou sexual existente no corpo humano. A energia impulsiva, daí resultante, é chamada de libido. Desta forma, Eros é representado pela libido.
Falo — Representação simbólica, no inconsciente, da função do pênis. Enquanto a palavra pênis tem presente a realidade anatômica do sexo masculino, falo toma o sentido figurado de poder e potência.
Fantasia Representações psíquicas que não correspondem a fatos reais. Freud descobriu que o que seus pacientes contavam a respeito de acontecimentos sexuais ocorridos na infância não assentava muitas vezes em fatos reais, mas eram fantasias. Isto freqüentemente ocorria com as cenas de sedução relatadas. Freud descobriu que essas fantasias eram representantes disfarçados de desejos reprimidos. Daí decorre a noção freudiana da realidade psíquica. "Os sintomas neuróticos não se encontram em estreita ligação com acontecimentos reais, mas com fantasias baseadas em desejos, e que no caso das neuroses a realidade psíquica é mais importante do que a material" (Freud).
Fase — No seu desenvolvimento a criança passa por várias fases de organização e desenvolvimento sexual, cada uma delas com predominância de uma determinada zona corporal. Freud descreveu as fases oral, anal, fálica e genital, segundo o predomínio da libido, na organização psicossexual em cada uma destas fases.
Fixação A libido, no desenvolvimento psicossexual de um indivíduo, pode ficar ligada aos acontecimentos e vivências de uma determinada fase de desenvolvimento. Essa fixação da libido pode significar uma parada no desenvolvimento psicossexual, sendo um dos fatores determinantes da forma como vai se manifestar uma neurose. A fixação da libido pode, no futuro, abrir caminho para a regressão até essa fase do desenvolvimento.
Fobia — Do grego PHOBOS = ansiedade. Medo doentio.
Hipnose — Sono artificial, que pode atingir até um estado de sono profundo, produzido por sugestão e induzido pela pessoa do hipnotizador no hipnotizado. A hipnose, acompanhada de influência verbal, foi e ainda é, em determinadas circunstâncias, utilizada como método terapêutico.
Histeria — é uma classe de neurose. Suas formas mais comuns são a histeria de conversão, em que o conflito psíquico vem simbolizar-se em sintomas corporais diversos como crises emocionais com teatralidade ou outros sintomas mais duradouros como anestesias, paralisias, aperto na garganta etc.; e a histeria de angústia, em que a angústia é fixada de modo mais ou menos estável neste ou naquele objeto exterior (fobias).
ld é uma das instâncias psíquicas que Freud descreveu na sua segunda teoria do aparelho psíquico (teoria estrutural), juntamente com o ego e o superego. Pode ser definido como a mais antiga e inconsciente das regiões do aparelho psíquico. Contém tudo que é herdado, o que está estabelecido pela constituição e todos os impulsos originados na organização somática. "A única qualidade que impera no id é a de ser inconsciente." "O núcleo de nosso ser é formado pelo obscuro id, que não tem relações diretas com o mundo externo e até só é acessível por meio de outras agências da mente (...)." " o id obedece ao inexorável princípio do prazer" (Freud). Do ponto de vista econômico, o id é para Freud o reservatório primitivo da energia psíquica; o ego e o superego, com os quais o id entra em conflito, seriam diferenciações dele, estruturados na relação com o meio ambiente.
Identificação — processo psicológico pelo qual um indivíduo assimila um aspecto, uma propriedade, um atributo do outro e se transforma, total ou parcialmente, segundo o modelo dessa pessoa. A personalidade constitui-se e diferencia-se por uma idéia de identificações.
Impulso — Ver Pulsões.
Inconsciente Para Freud, é inconsciente "todo o processo psíquico cuja existência vem demonstrada por suas manifestações, mas da qual, por outro lado, ignoramos tudo, apesar de que se desenvolve em nós mesmos... todo processo que supomos ativado na atualidade, sem que ao mesmo tempo saibamos nada a respeito dele". Na sua primeira teoria do aparelho psíquico (teoria topográfica), seria a instância psíquica na qual ficariam contidos todos os desejos reprimidos, proibidos e censurados pela pessoa, afastados da sua percepção consciente.
Instinto Na presente tradução das "Obras Completas" de Freud, o uso do termo instinto equivale a impulso instintivo ou pulsão (do alemão trieb); algumas vezes, na edição original alemã, aparece a palavra instinkt, no sentido clássico, correspondente a um comportamento herdado, próprio de uma espécie animal, que pouco varia de um indivíduo para outro. Esse fato pode acarretar um risco de confusão entre a teoria freudiana das pulsões e as concepções psicológicas do instinto animal, distorcendo e anulando a originalidade da concepção freudiana, particularmente a tese do caráter indeterminado da pulsão e a variabilidade de seus alvos (objetos), o que explica o caráter inacabado e indeterminado do ser humano.
Libido (do latim, significa desejo, prazer) — Para Freud a libido é a manifestação dinâmica, na vida psíquica, da pulsão sexual. Tem relação com tudo aquilo que pode designar-se com a palavra amor.
Neurose — (palavra grega, relativa a "nervo") — Afecção psicogênica na qual os sintomas são a expressão simbólica de um conflito psíquico que tem suas raízes na história infantil do indivíduo e constituem compromissos entre o desejo e a defesa. Há diferentes tipos de neuroses, entre as quais a neurose obsessiva, a histeria e a neurose fóbica.
Objeto Em psicanálise, é o alvo, o objetivo para o qual se dirige um impulso ou pulsão, seja sexual ou agressivo, com a finalidade de obter uma satisfação. O objeto pode ser uma pessoa, parte de uma pessoa (objeto pareial), um objeto real mesmo ou um objeto fantasiado. A capacidade de esclarecer relações objetais e particularmente amor objetal com outra pessoa evidencia um importante desenvolvimento da personalidade de um indivíduo.
Parapraxia — Ver Ato falho.
Princípio do prazer — Toda a atividade psíquica tem por objetivo, proporcionar prazer e evitar desprazer. O prazer está ligado à redução das quantidades de excitação e o desprazer está relacionado ao aumento da excitação. O organismo tende sempre à descarga das pulsões instintivas, regido pelo princípio do prazer.
Princípio da realidade — é uma forma de adaptação do ego ao princípio do prazer. "é ao ego que cabe resolver se a tentativa de satisfação deve ser efetuada ou afastada ou se a reivindicação do impulso não deve ser reprimida como sendo perigosa (princípio da realidade) (...)." No que concerne à realidade externa, que nem sempre é favorável, o princípio da realidade impõe-se como princípio regulador. A procura de satisfação já não é mais imediata, já não se efetua pelo caminho mais curto, mas pelos desvios, adiando seus resultados em função da realidade exterior.
Psicose Termo psiquiátrico e psicanalítico que designa doença mental na qual há perda do senso de realidade e perda do controle sobre as próprias atitudes, sendo estes fatores que a distinguem da neurose. A paranóia, a esquizofrenia, a psicose maníaco-depressiva, a melancolia são as formas mais comuns de psicoses.
Pulsão (impulso) — Processo dinâmico que implica uma pressão ou força (carga energética, fator de movimento) que faz tender o organismo para um alvo ou objeto. Esse impulso ou pulsão tem sua origem numa excitação corporal, sua meta é resolver a tensão presente na fonte pulsional e para isso dirige-se a um objeto, graças ao qual obtém a satisfação. O conceito de pulsão, segundo Freud, é "um conceito limite entre o psíquico e o somático".
Realidade psíquica Expressão usada por Freud para exprimir os desejos e fantasias inconscientes de uma pessoa, os quais não guardam uma relação lógica com a realidade externa concreta. Os processos internos inconscientes são constitutivos de uma realidade cuja coerência interna pode achar-se em oposição com a realidade exterior. De um modo geral, a neurose e a psicose caracterizam-se pelo predomínio da realidade psíquica na vida do indivíduo.
Regressão (do latim regress, "volta, retorno") — Designação psicanalítica que significa o retorno a uma fase psíquica primitiva do desenvolvimento, incluindo suas atividades, pensamentos, vida afetiva etc. Certos sintomas, por exemplo, se expressam de um modo oral ou anal no comportamento da pessoa. A regressão resulta de uma fixação da libido naquela fase de desenvolvimento do passado, com uma recaída atual ao modo de expressão e comportamento de um estágio anterior. é um mecanismo de defesa contra uma ansiedade atual e ao mesmo tempo, uma resposta patológica que leva o indivíduo a expressar-se novamente de uma maneira infantil.
Repressão é a ação psíquica que tende a suprimir ou não dar acesso à consciência a determinados conteúdos, idéias, ou afetos considerados desagradáveis ou inoportunos. O conteúdo assim tornado inconsciente é designado como reprimido. Caso a censura que determina a repressão se encontre enfraquecida ou o reprimido se torne excessivamente forte, elementos do reprimido sobrepujam a censura e abrem caminho à força até a consciência, apesar da sua oposição (é o "retorno do reprimido"). Tal falha na repressão pode resultar em sintomas neuróticos ou psicóticos. A censura, neste sentido, é um guardião da saúde mental. Na terapia psicanalítica, ocorre a possibilidade de elaborar tanto a censura que determina a repressão quanto os desejos relacionados aos conteúdos reprimidos, permitindo a conscientização e a aceitação desses conteúdos.
Reprimido — Ver Repressão.
Resistência — é tudo aquilo que nas ações e nas palavras de uma pessoa se opõe ao reconhecimento de seus próprios desejos e conteúdos psíquicos inconscientes. Por extensão, Freud falou em "resistência à psicanálise" para designar uma atitude de oposição às suas descobertas na medida em que elas revelam os desejos inconscientes e infligem ao homem um "vexame psicológico".
Retorno do reprimido — Ver Repressão.
Sentimento de culpa — são remorsos ou auto-recriminações aparentemente absurdas ou um sentimento difuso de indignidade pessoal. é a expressão da agressão contra si mesmo devido a um julgamento moral inconsciente estabelecido pelo superego. Representa um conflito entre o superego que critica e os sentimentos infantis sexuais e agressivos que querem satisfação. Esse conflito inconsciente geralmente se manifesta na pessoa sob a forma de depressão.
Sexualidade — No significado que Freud lhe confere, relativo ao seu efeito no desenvolvimento psíquico e responsabilidade no aparecimento da neurose, constitui um dos objetos centrais da investigação da psicanálise. Em psicanálise, a sexualidade é inseparável do descobrimento do inconsciente e dos processos que dependem dele. Não designa apenas as atividades e o prazer que dependem do aparelho genital, mas toda uma série de excitações e de atividades presentes desde a infância que proporcionam prazer e que se encontram presentes em todas as formas de amor. Nas fases de desenvolvimento infantil, a sexualidade está presente e domina determinadas zonas corporais (a boca, o ânus, o pênis ou a vagina), dizendo-se neste caso sexualidade oral, anal, fálica ou genital. Fantasias sexuais estão presentes na criança desde a tenra infância.
Simbolismo — Em sentido geral, é o modo de representação indireta e figurada de uma idéia, de um conflito, de um desejo inconsciente. Em sentido restrito, é um modo de representação que se distingue principalmente pela constância da relação entre o símbolo e o simbolizado inconsciente; essa constância encontra-se não apenas no mesmo indivíduo e de um indivíduo para outro, mas nos domínios mais diversos (mito, religião, folclore, linguagem etc.) e nas áreas culturais mais distantes entre si.
Símbolo — é um sinal (signo) ou representação que evoca algo ausente ou impossível de representar de outra forma. Em psicanálise, o campo do simbolizado se acha principalmente constituído pelo sexual e se desenvolveu ligado à descoberta freudiana da interpretação dos sonhos nos quais freqüentemente aparecem símbolos.
Sintoma — Em medicina, sintoma é a manifestação visível de uma doença invisível. Em psicanálise, sintoma é a manifestação de um conflito inconsciente. Os sintomas da neurose são uma satisfação compensatória para algum impulso sexual reprimido ou são medidas para impedir tal satisfação. Sensações corporais, ansiedade, medo, hábitos obsessivos e ritualizados, descontrole, alucinações são exemplos de sintomas.
Sublimação Processo de produção de atividades superiores (intelectuais, artísticas, morais, etc.), indiferente, em aparência, a uma dinâmica e a uma economia sexuais inconscientes, mas que encontra nesta sua fonte, força e regime de funcionamento. Diz-se que a pulsão é sublimada na medida em que é derivada para um novo alvo não-sexual ou um que visa objetos socialmente valorizados.
Superego — Uma das instâncias psíquicas que Freud descreveu, na sua segunda teoria do aparelho psíquico (teoria estrutural), juntamente com o id e o ego. Designa o padrão adquirido através das impressões da infância, influências educacionais e outras influências do mundo exterior. é a instância que julga, censura e proíbe. Freud descreveu o superego como o "herdeiro do complexo de édipo", pela interiorização na criança da autoridade do pai e de todas as proibições e exigências parentais. Na experiência clínica o superego se manifesta determinando sintomas como sentimento de culpa, depressão, etc.
Transferência — Designa um dos fenômenos descobertos através da psicanálise, que se expressa pela relação afetiva do paciente com o psicanalista. O paciente transfere para o analista todos os sentimentos e reações neuróticas, sejam sexuais ou agressivos, relacionados com as pessoas de seu passado em cujo vínculo eles foram causados ou a quem se dirigiam. Trata-se da repetição de atitudes e sentimentos infantis que são vividos com uma sensação de atualidade acentuada. A reatualização de neurose do paciente na transferência é fundamental para o tratamento e a cura da mesma, através da sua conscientização. Daí decorre a noção de "neurose de transferência".
Trauma (traumatismo psíquico) — Acontecimento na vida do indivíduo de forte intensidade, ao qual ele não consegue responder de forma adequada e que determina efeitos patológicos duradouros em sua organização psíquica.
Técnicas psicanalíticas desenvolvidas e utilizadas por Freud na clínica psicoterapêutica


Resumo

A Psicanálise, a partir de conceitos teóricos complexos, estabelece-se uma clínica nova, com uma
racionalidade baseada em preceitos particulares, os quais foram sistematizados pelo próprio Freud, e de
certa forma também exemplificados na prática a partir do relato de um caso clínico.
O caso de neurose obsessiva do “Homem dos Ratos” foi considerado relativamente sério por
Freud, e envolve um homem de meia-idade que possuía impulsos e rituais obsessivos de forma a tentar
impedir que uma tortura, da qual um oficial do exército lhe contara, na qual um vaso cheio de ratos seria
entornado sobre o ânus de uma pessoa, fosse inferido a seu pai (já morto) e a uma dama que admirava.
No decorrer do tratamento, por meio de técnicas como a livre-associação e obedecendo a regras
pré-estabelecidas no tratamento (de forma a não ocultar conteúdos por mais irrelevantes que pareçam), o
paciente fornece subsídios necessários à solução de seu próprio problema, com associações elaboradas e
pouco intuitivas a respeito de suas representações psíquicas em relação a si mesmo, ao pai e à dama – e
como isso estaria ligado à sua obsessão pela idéia dos ratos – o que nos permite vislumbrar a abrangência e
a eficácia da clínica psicoterapêutica.
Introdução
"A psicanálise teve sua origem em terreno médico, como um procedimento terapêutico para o
tratamento de certas doenças nervosas que foram denominadas de `funcionais' e consideradas, com
crescente certeza, como conseqüências de distúrbios na vida emocional.", nas palavras de Freud. Contudo,
essa técnica presume que tais distúrbios sejam apenas alguns dos resultados possíveis de processos
psíquicos específicos, revelando a história do desenvolvimento desses sintomas na memória do paciente.
Além disso, remonta aos processos que fundamentam esses sintomas e os conduz para um escoamento
favorável. Dessa forma, "ela vai muito mais fundo na estrutura do mecanismo da mente e procura ocasionar
resultados duradouros e modificações viáveis em seus assuntos" - e é assim que a psicanálise alcança seu
2
fim na remoção das manifestações desses distúrbios (Freud, 1913a).
Um conceito fundamental na psicanálise é o de inconsciente. Freud denomina "consciente" a
concepção que está presente em nossa consciência e da qual nos damos conta. O termo "inconsciente" é o
usado para designar as concepções latentes. Para delinear a idéia de latência, Freud menciona um
experimento em que uma pessoa é hipnotizada e lhe são dadas instruções para que faça determinada ação
dali a, por exemplo, 30 minutos. Encerra-se a sessão hipnótica e a pessoa, apesar de desperta e parecer em
seu estado normal de consciência, no horário pré-estabelecido sente um impulso de realizar a ação imposta
durante a experiência, sem, contudo, ser capaz de explicar a razão do impulso. Conclui-se que aquele
estímulo inconsciente permaneceu latente, manifestando-se sem razão aparente na consciência. "Assim, uma
concepção inconsciente é uma concepção da qual não estamos cientes, mas cuja existência, não obstante,
estamos prontos a admitir, devido a outras provas ou sinais.” (Freud, 1912b)
Ao escrever os chamados "Artigos sobre técnica", entre 1911 e 1915, Freud tinha o intuito de
instruir os analistas nos processos objetivos que envolvem a clínica psicoterapêutica, definidas dentro da
experiência analítica do próprio autor (Freud, 1912a). A partir dessa obra, serão destacados os principais
pontos levantados por Freud a serem observados no decorrer de um tratamento.
Por exemplo, antes de iniciar um tratamento anunciado, deve-se submeter o paciente a um período
provisório para conhecê-lo. Neste caso, se por alguma razão o médico decida não dar continuidade ao
processo, poupa-se o paciente da impressão de um tratamento frustrado (Freud, 1913b).
O material com que se inicia o tratamento é de escolha do paciente, e pode ser um relato da
história de sua vida, da história da doença ou de uma lembrança de natureza diversa. Deve-se considerar
como resistência a preparação prévia por parte do paciente do que será dito durante a consulta (Freud,
1913b).
É importante que o analista mantenha a mesma "atenção uniformemente suspensa", como Freud
denominou, frente a tudo que se escuta do paciente, sem dirigir o reparo para algo específico. Agindo dessa
3
forma, evita-se a seleção do material escutado e a delineação de um material em oposição à negligência de
outro. O registro escrito, exceto em caso de datas, textos de sonhos ou eventos específicos que possam ser
tirados de contexto, não deve ser utilizado, pois além de desagradável ao paciente, dificultaria a referida
não-seleção de material (Freud, 1912a).
Adotada essa atitude por parte do médico, deve-se considerar ainda por parte deste a "regra
fundamental da psicanálise", a qual consiste em colocar-se em posição de usar tudo o que lhe é dito para
fins de interpretação e identificar o material inconsciente oculto, sem substituir sua própria censura pela
seleção de que o paciente abriu mão. Por isso, não pode tolerar quaisquer resistências em si próprio que
ocultem de sua consciência o que foi percebido pelo inconsciente. Ao paciente também cabe seguir essa
regra, o que consiste, nessa instancia, em relatar tudo o que a sua auto-observação possa detectar e impedir
todas as objeções lógicas e afetivas que procuram induzi-lo a fazer uma seleção entre elas (Freud, 1912a).
A associação livre foi o ponto de partida do procedimento de que Freud se valeu para a explicação
dos sonhos (considerados muito importantes como manifestação do inconsciente). Nesse procedimento
pede-se ao paciente que dirija sua atenção para a idéia em causa, mas não para refletir sobre ela e sim para
comunicar ao médico o que quer que lhe venha à mente, sem exceção. Mesmo que ele afirme a
impossibilidade de apreensão de alguma coisa, ao insistir nisso, logo lhe ocorrem numerosas idéias que
conduzirão a outras, mas que são quase sempre julgadas como absurdas ou sem importância, ou irrelevantes
e que lhe ocorreram por acaso, sem qualquer ligação com o assunto em exame. “Quando conseguimos
induzi-lo [o paciente] a abandonar sua crítica das idéias que lhe ocorrem e a continuar acompanhando as
seqüências de pensamentos que emergem enquanto ele mantém sua atenção voltada para elas, vemo-nos de
posse de uma quantidade de material psíquico que logo constatamos estar claramente ligado à idéia
patológica que foi nosso ponto de partida; esse material não tarda a revelar ligações entre a idéia patológica
e outras, e acaba por permitir-nos substituir a idéia patológica por uma idéia nova, que se enquadra de
maneira inteligível na trama anímica” (Freud, 1901).
4
Mesmo com uma ampla discussão da validade da obra freudiana que já percorre um século, há
relativamente poucas referências clínicas (comparativamente com os aspectos teóricos que as embasam)
compondo seus extensos escritos.
Nesse contexto, esse trabalho objetiva remontar à prática clínica desenvolvida a partir da
psicanálise no próprio período de seu surgimento, estabelecendo relações entre a teoria de como a clínica
deve ser – pela análise dos referidos artigos escritos por Freud no intuito de “instruir” os analistas a respeito
da clínica psicoterapêutica – com sua prática propriamente dita, por meio da análise do caso clínico “O
Homem dos Ratos”, um caso de neurose obsessiva cujos registros originais dos primeiros meses foram
mantidos, permitindo um relato fiel à prática freudiana.
Materiais e Métodos
O método utilizado será a análise bibliográfica, de forma ampla, criteriosa e minuciosa, de artigos
selecionados dentro da Edição Standard brasileira das Obras psicológicas completas de Sigmund Freud,
publicada pela Imago Editora, tanto em forma de livros quanto em mídia digital (CD-ROM).
Além do conjunto de textos que compõem os Artigos sobre Técnica e do caso clínico contido na
obra “Notas sobre um caso de neurose obsessiva”, serão estudados e analisados os textos que contenham
fundamentações teóricas relevantes à análise ou necessárias a ela.
Discussão
As estruturas obsessivas podem corresponder a diversas estruturas psíquicas, classificadas como
desejos, tentações, impulsos, reflexões, dúvidas, ordens ou proibições, sendo que as distinções desses
fenômenos tendem a ser amenizadas pelos pacientes, sendo reduzidas a simplesmente “idéias obsessivas”.
Os esforços empreendidos no sentido de lutar contra essas idéias por parte dos pacientes, apesar de
parecerem contraposições racionais, são parte intrínseca da doença e têm embasamento patológico,
assumindo algumas premissas da obsessão que combatem (Freud, 1909h).
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Outro aspecto importante é que, por mais que apresentem natureza diversa, as inúmeras obsessões
sucessivas são, geralmente, a mesma e única obsessão (ainda que de teores divergentes). Isso faz com que,
por mais que uma obsessão seja elucidada, ela freqüentemente volte de forma distorcida e ininteligível, pois
“os pensamentos obsessivos sofrem uma deformação semelhante àquela pela qual os pensamentos oníricos
passam antes de se tornarem o conteúdo manifesto de um sonho” (Freud, 1909h).
A história clínica “O Homem dos Ratos” teve, além de importância na época à elucidação e
investigação das estruturas da neurose obsessiva, um outro aspecto extraordinário: seu registro original dos
primeiros meses de tratamento foi mantido, ao contrário da maior parte dos manuscritos freudianos, o que
permite uma análise mais técnica em relação ao caso. O próprio Freud admite, entretanto, a imperfeição e
incompletude dos relatos, devido à necessidade de omitir certos fatos de forma a não tornar óbvia a
identidade do paciente, além de considerar a limitação à própria compreensão de um caso de neurose
obsessiva (Freud, 1909a).
As anotações do caso eram feitas na noite do dia do tratamento, e, segundo Freud, se fixam tão
estritamente quanto possível à sua recordação das palavras do paciente. Ele frisa, entretanto, que não
recomenda que as referidas anotações sejam feitas no tempo real do tratamento, pois os possíveis ganhos de
exatidão não compensariam as perdas de atenção ocorridas devido à prática (Freud, 1909b).
O caso inicia-se com uma entrevista preliminar, datada de 1º de outubro de 1907, tendo em vista a
necessidade de um período para conhecer o paciente e sua patologia, sem iniciar formalmente o tratamento.
O paciente, de formação universitária e idade de 29 anos, relatou sofrer de obsessões que, apesar de
remontarem à sua infância, vinham se intensificando desde 1903. O principal aspecto que percebia era o
medo de que algo acontecesse a seu pai e à dama que admirava, além de compulsões suicidas e proibições.
Também sentia impulsos de causar algum mal à referida dama, principalmente quando estava longe dela.
Após estabelecidas as condições do tratamento, o paciente afirmou que precisava consultar a mãe, voltando
no dia seguinte e aceitando-as (Freud, 1909a).
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Com isso, o paciente comprometeu-se a cumprir a “regra fundamental da psicanálise” e dizer tudo
o que lhe viesse à cabeça, sem qualquer tipo de censura. Começou contando a respeito de um “golpe de sua
vida”, ocorrido quando descobriu que um amigo sobre o qual possuía elevado conceito só havia passado a
ter amizade por ele porque estava apaixonado por uma de suas irmãs (Freud, 1909b). Prosseguiu relatando a
respeito de sua vida sexual, que começara muito cedo, desde os quatro ou cinco anos de idade, quando
tocava e olhava uma governanta jovem e bonita que trabalhava em sua casa. Aos seis anos já tinha ereções,
das quais fora certa vez se queixar à mãe. Desde essa época, o que encara como início de sua doença, o
paciente tinha a idéia de que seus pais conheciam seus pensamentos (a que ele dava a explicação de que
poderia tê-los revelado em voz alta sem percebê-lo). Ao desejar ver certas moças nuas, ele tinha “um
estranho sentimento, como se algo devesse acontecer se (...) pensasse em tais coisas, e como se devesse
fazer todo tipo de coisas para evitá-lo.”, exemplificando esses temores como a morte de seu pai. Esses
pensamentos a respeito do pai o haviam assombrado desde cedo, inclusive sendo a ocupação de então de
seus temores obsessivos, a despeito de seu pai já ter morrido anos antes (Freud, 1909c) .
Em um encontro posterior, o paciente relatou um fato que fora o motivo imediato que o fizera
procurar o tratamento. Durante esse relato, mencionou que estava sentado ao lado de um oficial de quem
não gostava por ele apreciar a crueldade; certa vez esse oficial lhe contara a respeito de um castigo
particularmente horrível. “Aqui o paciente interrompeu-se, levantou-se do divã e pediu-me que lhe poupasse
a exposição dos detalhes.”, ao que Freud respondeu que ele próprio “não tinha gosto, qualquer que fosse,
por crueldade, e certamente não tinha desejo algum de atormentá-lo; contudo, naturalmente não podia
conceder-lhe algo que estava além de suas forças.” explicando, então, a importância da superação das
resistências para o tratamento (Freud, 1909d).
Nesse ponto, observa-se a importância de se seguir estritamente as regras pré-estabelecidas à
continuidade do tratamento. No início dessa sessão, o paciente dissera que teria que superar muitas coisas no
relato que estava prestes a fazer, em resposta a que Freud explicara a ele a idéia de “resistência” –
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exemplificando um fato em que um certo suporte teórico pode ser útil ao paciente, tanto na compreensão de
sua doença e da importância de seguir as regras do tratamento, quanto no sentido de oferecer segurança na
confidência de fatos tão inconvenientes.
Então, o paciente continuou: “o criminoso foi amarrado… um vaso foi virado sobre suas
nádegas… alguns ratos foram colocados dentro dele… e eles… — de novo se levantou e mostrava todo
sinal de horror e resistência — `cavaram caminho no…” “Em seu ânus”, Freud completou. Prosseguiu
dizendo que naquele momento atravessara-lhe a mente a idéia de que isso estaria ocorrendo a uma pessoa
que lhe era muito cara (a dama a quem ele admirava e, por mais absurdo que fosse, a seu pai) (Freud,
1909d).
A importância da atenção do médico também se faz visível na afirmação de Freud que interpreta a
face de horror do paciente como um “prazer todo seu do qual ele mesmo não estava ciente”, observação que
não seria possível caso não houvesse atenção dirigida a fatores não-verbais e expressões faciais.
Apesar da visível importância do episódio dos ratos, tanto em relação à sua carga teórica quanto ao
seu papel na patologia do paciente, Freud reitera que “a verdadeira técnica da psicanálise requer que o
médico suprima sua curiosidade, e deixe ao paciente liberdade total para escolher a ordem na qual os tópicos
sucederão um ao outro durante o tratamento.”. Na consulta seguinte, portanto, o paciente foi recebido com a
pergunta: “E como o senhor pretende prosseguir hoje?” (Freud, 1909e).
O paciente prosseguiu relatando um caso que considerava o mais importante e o atormentara desde
o início, relacionado à enfisema que matara seu pai nove anos antes. Ocorrera que o paciente não estivera
presente na ocasião da morte de seu pai, censurando-se intensamente por isso. No início, isso não lhe
incomodara tanto, de modo que ele não compreendia o fato de seu pai haver morrido, esperando encontrá-lo
nos cômodos ou imaginando ser ele que chegava quando alguém batia à porta. Somente dezoito meses
depois é que ele passou a atormentar-se profundamente, tratando-se como um criminoso por não ter
presenciado a morte de seu pai (Freud, 1909e).
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Segundo o paciente, o que lhe consolava naquele tempo era um amigo que ressaltava o exagero
dessas autocensuras. Freud aproveitou, então, essa oportunidade para explicar-lhe certos pontos da teoria
psicanalítica, afirmando que não há exagero no afeto para tal ocasião, pois o afeto pertence a algum outro
contexto inconsciente, que faz uma falsa associação ao conteúdo ideativo conhecido (Freud, 1909e).
Do exposto é possível observar uma característica que se repete em toda a análise do caso clínico,
a qual consiste em saciar as dúvidas do paciente na medida do possível, de forma que não interfiram de
forma negativa, ao ver do terapeuta, no fluir do tratamento. Além disso, é algo muito freqüente o
fornecimento de aspectos teóricos básicos da própria teoria psicanalítica que possam auxiliar a terapia. Isso
é feito de forma bastante clara e acessível, por vezes usando exemplos e metáforas que auxiliem o
entendimento.
O paciente relaciona o início de suas idéias obsessivas ao começo de suas ordens que iam desde
coisas sem sentido e de pouca importância – como contar até certo número entre um trovão e um relâmpago
– até aspectos mais relevantes, como a data em que realizaria seus exames (Freud, 1909j).
Teve dificuldades nos estudos em um período no qual a dama se afastara para cuidar de sua avó
doente. Neste contexto, certa vez, enquanto estudava, pensou o seguinte: “Você devia providenciar para
obedecer à ordem de fazer suas provas no primeiro momento, em outubro. Mas se você recebesse uma
ordem para cortar a sua garganta, como é que seria?”. Ele então percebeu que essa ordem já tinha sido dada,
e já corria para apanhar a sua lâmina, quando pensou: “Não, não é tão simples assim. Você tem de sair e
matar a velha.” Logo após, caiu no chão, invadido de horror (Freud, 1909j).
Em sua fase religiosa, o paciente levava muito tempo para executar preces que compunha, pois
inseria alguma coisa nas frases revertendo-as a seu sentido contrário, por exemplo: “Que Deus — não — o
proteja!”. Como solução a esse problema, ele formou uma palavra com as iniciais de algumas de suas preces
(‘Hapeltsamen’), que dizia tão rapidamente de forma que nada poderia introduzir-se nela (Freud, 1909j).
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Na primeira vez em que esteve no Sanatório de Munique, ficou num quarto adjacente ao da jovem
com quem manteve relações sexuais, decidindo ocupá-lo novamente quando retornou uma segunda vez.
Entretanto, o quarto já havia sido ocupado por um homem, pensando “Que ele caia morto por isso!”. Quinze
dias depois, sonhou com um cadáver, e na manhã seguinte, descobriu que o homem que ocupava o quarto
sofrera um derrame. Além disso, afirmava ter o dom de ter sonhos proféticos (Freud, 1909j).
Esse exemplo, aliado às ordens e ao efeito de suas preces, permitem a observação nítida de um
traço de sensação, por parte do paciente, de onipotência de seus pensamentos maus, que eram traduzidos em
experiências reais, o que é outra característica comum nos casos de neurose obsessiva. Isso ocorre, segundo
Freud, porque “um pensamento obsessivo ou compulsivo é aquele cuja função está em representar um ato
regressivamente” (Freud, 1909i).
Quanto ao instinto suicida presente na situação em que a dama estivera ausente para cuidar da avó
doente, pode-se entender que o paciente estava estudando para um exame e suas principais motivações para
fazê-lo era vir a ter condições financeiras para desposá-la. A ordem natural dos eventos que culminariam no
instinto suicida seria: primeiro a culpa – a angústia pela ausência da dama; a culpa atribuída à avó por ela
não estar presente; a raiva da avó; o desejo de matá-la; o horror pelo pensamento – e então a punição: o
instinto de se matar (Freud, 1909f).
No entanto, esse processo se desenvolveu no paciente de forma inversa, ocorrendo primeiro a
punição e depois a culpa: a ordem de cortar a própria garganta; a corrida para buscar a lâmina – punição – a
percepção de que era a avó quem desejava matar; o horror pelo pensamento – culpa. Essa inversão é típica
das estruturas obsessivas (Freud, 1909f).
Outro aspecto importante de sua doença diz respeito à relação de amor e ódio que o paciente
nutria, tanto em relação a sua dama como em relação a seu pai.
Com doze anos de idade tinha gostado de uma irmã de um amigo seu que não lhe correspondia.
Então viera-lhe a idéia de que, se alguma desgraça lhe acontecesse, ela lhe seria afável – e a morte de seu
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pai tomou sua mente como a referida desgraça (o que ele não admitira tratar-se de um desejo, e sim de uma
‘corrente de pensamento’). Então prosseguiu, dizendo que um pensamento exatamente idêntico perpassara
sua mente uma segunda vez, seis meses antes da morte de seu pai, quando obstáculos financeiros o
impediam de casar-se com ela. Ocorrera-lhe, então, a idéia de que a morte de seu pai poderia torná-lo rico o
suficiente para desposá-la. Defendendo-se dessa idéia ele estivera a ponto de desejar que seu pai não lhe
deixasse absolutamente nada, de modo que ele não pudesse ter compensação alguma pela sua terrível
perda.” (Freud, 1909e).
A mesma idéia, ainda que amenizada, lhe ocorrera no dia anterior à morte de seu pai. Ele pensara:
‘Agora posso estar perdendo o que mais amo’; e então viera a contradição: ‘Não, existe alguém mais, cuja
perda seria bem mais penosa para você.’ – consistindo esse pensamento num confronto direto entre seus
dois objetos de amor: seu pai e a dama (Freud, 1909e).
Esses pensamentos surpreenderam-no, afirmando que a morte de seu pai jamais poderia ter sido
objeto de seu desejo, mas apenas de seu medo. Foi-lhe trazido então, outro aspecto da teoria psicanalítica, a
qual assumia que todo medo correspondia a um desejo primeiro, agora reprimido – o que levava à
necessidade de acreditar no exato contrário daquilo que ele afirmara. Ele estava muito incrédulo, indagando
como lhe fora possível ter um desejo desses, considerando que ele amava seu pai mais do que qualquer
outra pessoa no mundo; ao que lhe foi respondido que “exatamente um amor assim intenso era a
precondição necessária do ódio reprimido”. Poder-se-ia presumir que o ódio deveria estar relacionado com
alguma causa particular que o tornasse indestrutível enquanto, por outro lado, o seu intenso amor o impedia
de tornar-se consciente. “Por conseguinte, nada restou para ele, a não ser existir no inconsciente, embora
fosse, vez ou outra, capaz de irradiar-se, por instantes, para dentro da consciência.” O paciente considerou a
hipótese plausível, apesar de afirmar não estar totalmente convencido pelo fato (Freud, 1909e).
O paciente prosseguiu, assumindo que em relação à dama pela qual tivera a idéia de sacrificar seu
pai, sentia muito mais amor que propriamente desejos sensuais, como ocorria em sua infância. A isso, Freud
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afirmou ter sido fabricada a resposta que procuravam, residente em outra grande característica do
inconsciente – dessa forma, a fonte da hostilidade pelo pai residiria em algo de natureza sensual, em que o
pai fora sentido como espécie de interferência. Dessa forma, esse desejo de livrar-se do pai como
interferência deve ter surgido em uma época em que ele não o amava mais que a aquele por quem sentia
desejos sensuais (Freud, 1909e).
Dessa forma, observa-se uma “coexistência crônica entre amor e ódio, ambos dirigidos para a
mesma pessoa e ambos com o mesmo elevadíssimo grau de intensidade”. Esse conflito também é um dos
mais freqüentes e mais importantes nos casos de neurose obsessiva, e pode ser explicado com a ocorrência
de uma separação desses sentimentos em uma idade realmente precoce, sendo que um deles (normalmente o
ódio) não é extinto, mas sim reprimido ao inconsciente, onde se mantém imune e pode até crescer (Freud,
1909i).
Com essa oposição entre sentimentos de mesma intensidade, ocorre uma incapacidade de se tomar
decisões no sentido da realização do amor. Isso resulta na dúvida – que é, na realidade, a dúvida em relação
ao próprio amor, mas acaba sendo deslocada até mesmo para as coisas mais insignificantes e
despropositadas. Os atos protetores inviáveis realizados pelo paciente são exemplo disso, sendo que durante
uma prece sempre inseria-se algo que lhe desse efeito contrário, e suas tentativas de isolar os atos protetores,
abreviando as preces, foram inúteis (porque na verdade o desvio é que constituía o real objetivo da prece)
(Freud, 1909i).
Na época em que estudava para seus exames, o paciente costumava fazê-lo até tarde, sendo que
entre meia-noite e uma hora (suposta hora em que os fantasmas estivessem circulando) abria a porta da
frente como se seu pai estivesse ali. Em seguida, regressava ao hall, tirando para fora seu pênis e olhando-o
no espelho. Dessa maneira, supunha agradar o pai por estar estudando arduamente, desafiando-o, entretanto,
com a segunda atitude – expressando, assim, os dois lados de sua atitude com seu pai (Freud, 1909g).
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O mesmo tipo de relação pode ser observado em relação à dama. Um caso bastante ilustrativo foi
na ocasião em que, no dia em que ela partiria de férias, ele ter batido o pé numa pedra na estrada e ter tido a
necessidade de tirá-la do caminho, já que ela passaria de carro por ali em algumas horas e poderia sofrer um
acidente. Entretanto, algum tempo depois, pensou que era um absurdo, vendo-se obrigado a voltar e
recolocar a pedra em sua posição. Ao contrário do que pode aparentar (um repreensão crítica de um ato
absurdo), o fato de ele ter recolocado a pedra expressa seu desejo de que o carro de fato se acidentasse e a
dama se ferisse (Freud, 1909f).
Isso se torna claro ao observarmos que “atos compulsivos como esse, em dois estádios sucessivos,
quando o segundo neutraliza o primeiro, constituem uma típica ocorrência nas neuroses obsessivas”. Dessa
forma, cada uma das tendências opostas é satisfeita isoladamente, primeiro uma depois a outra, juntamente a
uma tentativa de racionalização – que tenta estabelecer algum tipo de conexão lógica entre os antagonistas
(Freud, 1909f).
O conflito da doença do paciente consistia também numa luta entre a influência dos desejos do pai
e suas próprias inclinações amorosas. Além da oposição do pai à vida erótica prematura do filho, houve
também, pouco antes de sua morte, um protesto do pai quanto à constante companhia do filho à dama
(Freud, 1909g).
Freud apresentou uma teoria de que deve ter havido uma ocasião em que ele, quando criança,
tenha sido castigado pelo pai devido a uma má conduta relacionada a masturbação, provocando um rancor
pelo pai, já que este assumia o papel de opositor do gozo sexual do paciente. Diante disso, o paciente expôs
um caso que sua mãe lhe contara em que ele havia mordido alguém, pelo que seu pai lhe batera. Tomado
pela fúria enquanto apanhava, ele xingara seu pai, chamando-o de todos os nomes de objetos comuns que
lhe vinham à cabeça (lâmpada, toalha, prato). Seu pai parara de lhe bater e afirmara que o menino seria ou
um grande homem ou um grande criminoso. O paciente atribuiu a esse fato uma impressão permanente
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tanto em seu pai (que nunca mais lhe batera) quanto nele próprio (que se tornou um covarde, por medo de
sua própria raiva) (Freud, 1909g).
Seguiu-se um período de transferências ((termo que se refere, resumidamente, à transferência
emocional de outros relacionamentos, como com os pais, projetada na relação com o analista; para Freud, a
resolução da transferência tinha um papel chave para o sucesso do método terapêutico), as quais
constituíram um fator com grande relevância no tratamento. O paciente demonstrava grande pesar em
revelar seus sonhos ou fantasias com conteúdo ofensivo ao médico, o que se tornou muito recorrente em um
período do tratamento. Freud deu-lhe diversas explicações a respeito da transferência, que obtiveram efeito
somente depois que Freud lhe revelara o elemento de vingança contra ele, afirmando que recusando a falar e
abandonando o tratamento, o paciente estaria se vingando mais completamente do médico do que lhe
contando (Freud, 1909j).
Nesse período de transferências, em seus sonhos, fantasias e associações, o paciente começou a
proferir os piores impropérios contra Freud e sua família, o que lhe provocava grande desespero. Perguntava
como um homem bom como o médico podia deixar-se xingar por um sujeito baixo como ele, que merecia
ser enxotado. Enquanto isso, costumava levantar-se e circular pela sala, um ato que começou explicando por
não poder proferir coisas tão horríveis deitado comodamente – sendo que depois assumiu estar evitando a
proximidade com medo de que o médico lhe batesse. Lembrou-se que seu pai possuía, por vezes,
comportamento violento, não sabendo quando parar. Dessa forma o paciente aos poucos adquiriu “o
sentimento de convicção que lhe faltava” (Freud, 1909g)
Resultados
Passou-se, então, a tentar solucionar a idéia do rato. Além da história dos ratos do capitão tcheco,
houve outro episódio que provocara uma reação patológica forte no paciente, de grande importância no
curso do tratamento, cujo relato se segue.
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Um dia e meio depois que contara o episódio da tortura com os ratos, o mesmo capitão entregoulhe
um pacote que chegara pelo correio, contendo um pince-nez pelo qual o paciente telegrafara, já que
perdera o seu. O capitão disse que o Tenente A pagara as despesas para ele, pelo que ele devia lhe
reembolsar. Imediatamente formou-se uma sanção de que ele não deveria lhe obedecer, ou a fantasia dos
ratos aconteceria em relação a seu pai e à dama. E, para combater essa sanção, surgiu uma ordem que
consistia em: “Você deve pagar de volta as 3.80 coroas ao Tenente A.” (Freud, 1909d; Freud, 1909g)
Durante dois dias ele passou o tempo esforçando-se para pagar a pequena quantia ao Tenente A, ao
que uma série de dificuldades aparentemente de natureza externa surgiu para impedí-lo. Depois encontrou o
Tenente A, que disse que nada havia pagado, sendo que os correios eram responsabilidade do Tenente B, o
que impedia que o paciente mantivesse sua promessa (Freud, 1909d).
Ele então, concebeu um plano em que iria à agência postal com A e B, sendo que lá A daria à
jovem dama que lá trabalhava as 3.80 coroas, a qual entregaria o valor a B, sendo que então o paciente
pagaria as 3.80 coroas a A, obedecendo ao juramento (Freud, 1909d).
Após arquitetar maneiras de concretizar seu plano, o paciente lembrou-se que, na verdade, antes de
o capitão dizer-lhe para reembolsar o Tenente A, conhecera outro capitão, que, ouvindo seu nome, contoulhe
que estivera na agência postal e que a jovem dama lhe perguntara se ele conhecia o Tenente L (que é o
paciente), para quem havia chegado um pacote a ser pago. O oficial respondeu que não, mas a jovem dama
resolveu que podia confiar no Tenente desconhecido, afirmando que ela própria pagaria as taxas (Freud,
1909d).
Verificou-se que, a respeito de assuntos militares, o paciente possuía identificação inconsciente
com seu pai, que servira durante muitos anos. Coincidentemente, uma das histórias de seu pai tinha tratava
de um jogo de cartas em que perdera uma quantia em dinheiro que controlava por ser suboficial – o que o
teria deixado em má situação se um amigo não lhe tivesse emprestado o dinheiro. Estando em boa situação
financeira, depois de deixar o exército, tentara encontrar o amigo para reembolsar-lhe o dinheiro, mas não o
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achara. A ordem do capitão quanto a reembolsar o Tenente A com certa quantia em dinheiro soara a ele
como uma alusão à dívida não paga do pai (Freud, 1909g).
A elucidação dos efeitos produzidos pela história do rato é, entretanto, mais complexa, de forma
que atuou como estímulo a diversos instintos, sendo que os ratos tomaram uma série de significados
simbólicos – tanto de imediato quanto outros mais recentes que foram se acrescentando (Freud, 1909g).
Em primeiro lugar, a punição com os ratos incitou fortemente o erotismo anal do paciente, que
tivera importância em sua infância devido a uma constante irritação sentida por vermes (Freud, 1909g).
No trabalho “Caráter e erotismo anal”, Freud trabalha uma teoria em que, apesar de a sexualidade
anal ter importância no desenvolvimento sexual infantil, a sociedade de então obriga sua negação, sendo que
o interesse pela defecação extingue-se nos anos posteriores. Nas formas arcaicas de pensamento, como
mitos e contos de fadas, o dinheiro é intimamente relacionado com a sujeira. Isso contribui para que quando
ocorre a sublimação do erotismo anal, coincidente com a ocasião em que aparece o interesse pelo dinheiro,
aconteça a “transferência da impulsão primitiva, que estava em processo de perder seu objetivo, para o
nosso objetivo emergente” (Freud, 1908).
Baseando-se nisso, infere-se que os ratos passam a adquirir o significado de dinheiro – o que se
comprova pela associação, por parte do paciente, da palavra “Ratten” (‘ratos’) com “Raten” (‘prestações’).
Ele chegou até mesmo a inventar uma “moeda-rato”; por exemplo, ao responder uma pergunta sobre o custo
de seu tratamento disse para si mesmo: “Tantos florins, tantos ratos”. Quando o capitão lhe mandou pagar a
quantia em dinheiro ao Tenente A, que lhe remeteu à divida de jogo de seu pai, fez-se outra ponte verbal por
meio da palavra “Spielratte” (‘rato de jogo’ = jogador), que atribuía ao pai (Freud, 1909g).
Outra associação feita pelo paciente decorre de ele saber que os ratos são portadores de diversas
doenças, empregando-os como símbolo de seu pavor de uma infecção sifilítica. Entretanto, sendo o próprio
pênis um portador de sífilis, pode-se considerar o rato como um órgão sexual masculino. O pênis
(principalmente de uma criança) também pode ser comparável a um verme, que entravam no ânus do
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paciente quando ele era criança da mesma forma que faziam os ratos na história do capitão. A substituição
na história do capitão de um rato por um pênis resulta numa relação sexual anal, que era ao paciente
particularmente revoltante em conexão com seu pai e sua amada (Freud, 1909g).
A partir de outras associações, chegou-se à conclusão de que em muitos de seus delírios, os ratos
tinham o significado de crianças. Os ratos são animais com dentes afiados com os quais rói e morde, sendo
intensamente perseguidos e mortos pelos homens por isso – do que ele sempre pareceu compadecer-se.
Considerando que o paciente também se considerara alguém asqueroso e sujo, capaz de morder e sendo
punido por isso (história contada anteriormente a respeito de seu ataque de fúria em relação ao pai que o
castigava), pode-se entender que “ele podia ver no rato uma imagem viva de si mesmo” (Freud, 1909g).
Considerando então um fato que estivera fora de contexto, pode-se compreender o processo de
formação de sua idéia obsessiva. Acontece que a dama que ele admirara mas com quem não fora capaz de se
casar era estéril em decorrência de uma operação que extirpara seus ovários – o que consistiu no principal
motivo de sua hesitação, já que ele gostava muito de criança (Freud, 1909g).
Portanto, quando o capitão lhe contou a história dos ratos, o paciente inicialmente chocou-se com a
crueldade e erotismo da situação. Logo efetuou uma conexão com a cena de sua infância em que ele
mordera alguém, sendo que o capitão, por defender esse tipo de punição, tornou-se um substituto de seu pai,
atraindo sobre si a repulsa que explodira, na ocasião, contra seu pai. Veio-lhe então a idéia de que algo
assim podia acontecer a alguém de quem ele gostasse, incitando um desejo parecido com “É preciso que lhe
façam também a mesma coisa!” dirigido ao capitão – e, através dele, a seu pai (Freud, 1909g).
Mais tarde, quando o capitão lhe entregara o pacote com o pince-nez e lhe pediu para reembolsar o
Tenente A, ele já sabia que o capitão estava equivocado, e que o dinheiro que devia era para a jovem da
agência postal. Entretanto, ao invés de pensar em uma resposta irônica como “Você acha mesmo que eu vou
pagar?”, devido às agitações oriundas de seu complexo paterno e das lembranças de sua infância, ele acabou
por formar mentalmente uma resposta como “Está bem. Reembolsarei o dinheiro do Tenente A quando meu
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pai e a dama tiverem filhos!” ou “Tão certo quanto meu pai e a dama possam ter filhos, eu lhe pagarei!” –
ou seja, uma afirmação ridícula ligada a uma condição impossível de ser satisfeita. Nesse ponto, porém, ele
já havia insultado as duas pessoas que lhe eram mais caras, punindo-se por isso com o comprometimento
com uma promessa absurda. Com isso, suprimiu seu conhecimento de que a exigência do capitão se baseava
em falsas premissas, pois quem fizera a exigência fora o substituto de seu pai, e “seu pai não podia estar
equivocado” (Freud, 1909g).
Apesar de que esses fatos não estivessem presentes de forma consciente na mente do paciente,
deles havia uma vaga noção, pois houve, segundo seu relato, uma imediata rejeição da ordem do capitão
(seguida do fato de que, se ele obedecesse, a tortura dos ratos iria acontecer). A seguir, como punição contra
sua revolta, a idéia foi transformada em um juramento de efeito contrário (Freud, 1909g).
A técnica de decifração utilizada aqui leva em conta um aspecto teórico segundo o qual “os
pensamentos obsessivos sofrem uma deformação semelhante àquela pela qual os pensamentos oníricos
passam antes de se tornarem o conteúdo manifesto de um sonho”, como a técnica de deformação por
omissão ou elipse, característica das estruturas obsessivas (Freud, 1909h).
A sanção imposta ao paciente em resposta à ordem do capitão, de que não devia pagar ao Tenente
A senão “a punição com os ratos será infligida a ambos” baseava-se em duas teorias sexuais próprias das
crianças. A primeira é que os bebês nascem do ânus; e a segunda, decorrente da outra, é a de que homens
também podem ter bebês. De acordo com as regras de interpretação dos sonhos, a noção de vir para fora do
reto pode ser substituída pela idéia de mover-se para dentro dele (como no caso dos ratos) e vice-versa
(Freud, 1909g).
Quando a solução descrita foi encontrada, o delírio do paciente a respeito dos ratos desapareceu
(Freud, 1909g).
Conclusão
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Apesar de amplamente questionado e criticado, tanto em sua época quanto na contemporaneidade,
Freud continua representando um marco, graças à criação de mais que uma teoria totalmente nova, mas
também de uma técnica de trabalho clínico própria, com uma série de regras, nuances e até mesmo formas
de observação características.
Observou-se claramente que as técnicas apresentadas não são simples ou óbvias, mas com grande
capacidade de servir à tarefa psicanalítica de ir fundo na estrutura do mecanismo da mente, levando a
resultados duradouros e modificações viáveis, como no caso do paciente do caso clínico.
Com a análise apresentada, é possível delinear um panorama quanto a essa técnica de forma não só
a observar sua complexidade num caso clínico igualmente complicado, mas também a possibilitar uma
análise crítica das técnicas freudianas a partir das diferenças entre a teoria e prática da clínica
psicoterapêutica. Dessa forma, pode-se afirmar que obedecer a alguns parâmetros (como a ‘regra
fundamental da psicanálise’ ou a priorização do que o paciente acha importante e do assunto sobre o qual
ele deseja falar) torna-se imprescindível ao bom curso do tratamento, ao mesmo tempo que adaptações em
um padrão extremamente rígido acabam sendo necessárias dependendo das peculiaridades do curso de cada
caso, de acordo com a experiência e sensibilidade do terapeuta, como ao revelar aspectos da própria doença
ou da teoria psicanalítica ao paciente em momentos julgados adequados.
Referências Bibliográficas
Freud, S (1901). Sobre os sonhos. In: Freud S. A interpretação dos sonhos - Segunda parte. Obras
psicológicas completas de Sigmund Freud - Edição Standard brasileira - Volume V. Rio de Janeiro: Imago
Editora; 1988. p. 567-611.
Freud, S (1908). Caráter e erotismo anal. In: Freud S. “Gradiva” de Jensen e outros trabalhos.
Obras psicológicas completas de Sigmund Freud - Edição Standard brasileira - Volume IX. Rio de Janeiro:
Imago Editora; 1988. p. 167-192.
19
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