Sobre o rigor - texto do Psicanálise e/ou...
Segundo Antônio Quinet, em seu livro As 4+1 condições da análise, foi a partir de um texto escrito por MoustaphaSaphouan e alguns colaboradores que os princípios de funcionamento do passe foram votados e adotados em 1969 pela Assembleia Geral da Escola Freudiana de Paris. E o referido texto estava sustentado nos princípios apresentados por Lacan em sua Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola. Apresento Saphouan desta maneira afim de lhe dar crédito, pois meus apontamentos tomam como principal apoio dois textos desse autor. O primeiro, datado de 1988, é o livro A transferência e o desejo do analista. O segundo, de 2007, é o artigo Sobre a distinção lacaniana entre a psicanálise terapêutica e a psicanálise didática, publico no livro Trabalhando com Lacan: na análise, na supervisão, nos seminários.
Conforme Saphouan apresenta em seu artigo, nos textos publicados no Anuário da escola Freudiana de Paris, Lacan definia a sua concepção do funcionamento de sua escola. E nesses textos Lacan estabeleceu uma diferença entre a psicanálise didática “pura” e a psicanálise terapêutica, qualificada de “aplicada”. E essa diferença sustenta-se no argumento de que a psicanálise didática recusa qualquer relaxamento de seu rigor, ao qual a psicanálise terapêutica convidaria.
Saphouan relata uma lembrança que remonta a década de 1960. Ao receber um pedido de análise por parte de um jovem médico, em função do que escutara, perguntou-se se não se trataria de uma melancolia incubada. Consultou Lacan a respeito, e teve como resposta o seguinte: “é o tipo de demanda que não devemos hesitar em aceitar”. Tal resposta confirma, segundo Saphouan, a posição lacaniana frente à condição terapêutica da psicanálise, que acarreta responsabilidades a serem assumidas pelo psicanalista. Mas de que se trataria o rigor ao qual Lacan se refere a respeito da análise didática?
É nesse contexto que recorremos à primeira referência a Saphouan. A respeito da incerteza reinante a respeito do fim da análise, ele cita Lacan, em seu artigo Do sujeito enfim em questão: “não seria melhor conceber a psicanálise didática como a forma perfeita na qual se esclareceria a natureza da psicanálise simplesmente: ao fazer-lhe uma restrição? Essa é a inversão que antes de nós não veio à cabeça de ninguém. Contudo ela parece impor-se. Pois, se a psicanálise tem um campo específico, a produção terapêutica justifica aí curtos-circuitos, até mesmo comedimentos; mas se existe um caso para proibir qualquer redução semelhante, deve ser o da psicanálise didática”.Saphouan faz questão de esclarecer. “Entendamos: a ‘inversão’ não repousa numa virtude ou pureza própria à psicanálise didática. Trata-se, antes, de uma regra metodológica, que consiste em suspender a preocupação terapêutica”.
Seria então a suspensão da preocupação terapêutica o rigor ao qual a análise didática não poderia relaxar. Seguindo Saphouan, a questão não reside no fato de que aqueles que vêm a análise afim de se tornarem analistas sejam feitos de um metal diferente daqueles que recorrem a análise afim de se curar. A questão é que tanto uma demanda quanto a outra revelam-se subordinadas a outro fim, que pode ser descrito como uma possibilidade para o sujeito ver o que há no fundo de sua angústia. E é do movimento dessa experiência que a análise didática não deve se desviar em relação à preocupação terapêutica.
Lacan chega a afirmar que alguém mal inspirado poderia suspeitar que a formação do analista é o que a psicanálise teria de mais defensável a apresentar.Quinet nos lembra que, para Freud, toda psicanálise é terapêutica. E que com Freud aprendemos que a própria análise do analista é a condição para o exercício da psicanálise. Já para Lacan, ainda com Quinet, toda análise é didática quando levada a seu término, pois ela produz um analista. Isso porque o processo analítico pode conduzir o sujeito a um ponto em que de analisante ele vira analista.
Retomemos a questão do rigor. Saphouan afirma existirem dois tipos de análise. Um tipo que se dirige ao eu, que comporta uma série de noções, tais como: parte sadia do eu, aliança terapêutica, fim de análise como identificação com o analista. E outro tipo que se dirige ao sujeito do desejo inconsciente. Saphouan considera rigorosa aquela análise que “procede de uma justa apreciação do desejo ou da fantasia inconsciente e da dinâmica que ele põe em ação: angústia, defesa, acting out, etc”.
Baseando-se no contraste de ter feito supervisão tanto com Lacan quanto com vários outros colegas, Saphouan relata qual a concepção de Lacan da formação ou da transmissão da psicanálise em geral. Lacan não procurava ensinar como conduzir uma análise. Ele deixava com que cada um agisse o melhor que pudesse, de maneira que cada um tinha a incumbência de averiguar se estava suficientemente preparado, ou se o acúmulo de indícios, tais como: contratransferências, intervenções que visam atenuar a culpa, o levavam a perceber que já era hora de retomar a sua análise. De forma que, para Lacan: “formar um analista era, acima de tudo, dar todas as oportunidades para que algo da ordem do analista se realizasse”.
O curioso é que, embora todos concordem que o analista deve levar sua análise até o fim, ninguém, antes de Lacan se preocupou em esclarecer de se trata esse fim. E mesmo Lacan, com todo seu esforço, fracassou nessa tentativa. O dispositivo oferecido por Lacan para ter notícias a respeito desse fim, o passe, foi um fracasso. Quem diz isso é Saphouan, o mesmo que escreveu os princípios de funcionamento do passe em 1969. Contudo, isso não aponta para um equívoco de Lacan, que inutilizaria essa experiência acumulada. O que se impõe é que a questão do fim de análise deve ser reconsiderada, “sobretudo se admitirmos a parcela de desconhecido que há em toda escolha, bem como em toda decisão – exceto nos casos em que a presença da fantasia é maciça”.
Conforme Saphouan apresenta em seu artigo, nos textos publicados no Anuário da escola Freudiana de Paris, Lacan definia a sua concepção do funcionamento de sua escola. E nesses textos Lacan estabeleceu uma diferença entre a psicanálise didática “pura” e a psicanálise terapêutica, qualificada de “aplicada”. E essa diferença sustenta-se no argumento de que a psicanálise didática recusa qualquer relaxamento de seu rigor, ao qual a psicanálise terapêutica convidaria.
Saphouan relata uma lembrança que remonta a década de 1960. Ao receber um pedido de análise por parte de um jovem médico, em função do que escutara, perguntou-se se não se trataria de uma melancolia incubada. Consultou Lacan a respeito, e teve como resposta o seguinte: “é o tipo de demanda que não devemos hesitar em aceitar”. Tal resposta confirma, segundo Saphouan, a posição lacaniana frente à condição terapêutica da psicanálise, que acarreta responsabilidades a serem assumidas pelo psicanalista. Mas de que se trataria o rigor ao qual Lacan se refere a respeito da análise didática?
É nesse contexto que recorremos à primeira referência a Saphouan. A respeito da incerteza reinante a respeito do fim da análise, ele cita Lacan, em seu artigo Do sujeito enfim em questão: “não seria melhor conceber a psicanálise didática como a forma perfeita na qual se esclareceria a natureza da psicanálise simplesmente: ao fazer-lhe uma restrição? Essa é a inversão que antes de nós não veio à cabeça de ninguém. Contudo ela parece impor-se. Pois, se a psicanálise tem um campo específico, a produção terapêutica justifica aí curtos-circuitos, até mesmo comedimentos; mas se existe um caso para proibir qualquer redução semelhante, deve ser o da psicanálise didática”.Saphouan faz questão de esclarecer. “Entendamos: a ‘inversão’ não repousa numa virtude ou pureza própria à psicanálise didática. Trata-se, antes, de uma regra metodológica, que consiste em suspender a preocupação terapêutica”.
Seria então a suspensão da preocupação terapêutica o rigor ao qual a análise didática não poderia relaxar. Seguindo Saphouan, a questão não reside no fato de que aqueles que vêm a análise afim de se tornarem analistas sejam feitos de um metal diferente daqueles que recorrem a análise afim de se curar. A questão é que tanto uma demanda quanto a outra revelam-se subordinadas a outro fim, que pode ser descrito como uma possibilidade para o sujeito ver o que há no fundo de sua angústia. E é do movimento dessa experiência que a análise didática não deve se desviar em relação à preocupação terapêutica.
Lacan chega a afirmar que alguém mal inspirado poderia suspeitar que a formação do analista é o que a psicanálise teria de mais defensável a apresentar.Quinet nos lembra que, para Freud, toda psicanálise é terapêutica. E que com Freud aprendemos que a própria análise do analista é a condição para o exercício da psicanálise. Já para Lacan, ainda com Quinet, toda análise é didática quando levada a seu término, pois ela produz um analista. Isso porque o processo analítico pode conduzir o sujeito a um ponto em que de analisante ele vira analista.
Retomemos a questão do rigor. Saphouan afirma existirem dois tipos de análise. Um tipo que se dirige ao eu, que comporta uma série de noções, tais como: parte sadia do eu, aliança terapêutica, fim de análise como identificação com o analista. E outro tipo que se dirige ao sujeito do desejo inconsciente. Saphouan considera rigorosa aquela análise que “procede de uma justa apreciação do desejo ou da fantasia inconsciente e da dinâmica que ele põe em ação: angústia, defesa, acting out, etc”.
Baseando-se no contraste de ter feito supervisão tanto com Lacan quanto com vários outros colegas, Saphouan relata qual a concepção de Lacan da formação ou da transmissão da psicanálise em geral. Lacan não procurava ensinar como conduzir uma análise. Ele deixava com que cada um agisse o melhor que pudesse, de maneira que cada um tinha a incumbência de averiguar se estava suficientemente preparado, ou se o acúmulo de indícios, tais como: contratransferências, intervenções que visam atenuar a culpa, o levavam a perceber que já era hora de retomar a sua análise. De forma que, para Lacan: “formar um analista era, acima de tudo, dar todas as oportunidades para que algo da ordem do analista se realizasse”.
O curioso é que, embora todos concordem que o analista deve levar sua análise até o fim, ninguém, antes de Lacan se preocupou em esclarecer de se trata esse fim. E mesmo Lacan, com todo seu esforço, fracassou nessa tentativa. O dispositivo oferecido por Lacan para ter notícias a respeito desse fim, o passe, foi um fracasso. Quem diz isso é Saphouan, o mesmo que escreveu os princípios de funcionamento do passe em 1969. Contudo, isso não aponta para um equívoco de Lacan, que inutilizaria essa experiência acumulada. O que se impõe é que a questão do fim de análise deve ser reconsiderada, “sobretudo se admitirmos a parcela de desconhecido que há em toda escolha, bem como em toda decisão – exceto nos casos em que a presença da fantasia é maciça”.