Estudo Psicanalítico sobre a Neurose Obsessiva Compulsiva
Dentre as diversas e complexas manifestações neuróticas, sem dúvida
nenhuma a que nominamos de neurose obsessiva compulsiva, afigura-se como
a mais interessante e rica em conteúdos simbólicos. Porém, ao falarmos de
Conteúdos Simbólicos, talvez o termo seja muito fraco para expressar o que de
fato ocorre no núcleo dessa neurose, pois não estamos falando de uma
montagem simbólica comum, o indivíduo afetado por tal desequilíbrio age como
se o símbolo fosse a realidade, e não uma mera representação da mesma.
Modernamente a neurose obsessiva compulsiva é denominada pela psiquiatria
pelo Termo Técnico: Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC).
Porém, o enfoque psiquiátrico moderno diverge da abordagem psicanalítica
tanto na etiologia de tal neurose como no seu tratamento.
Nesse estudo, no entanto, não iremos tratar das diferenças, e sim das
similitudes e complementações que ambas podem oferecer no tratamento
dessa incômoda e persistente neurose.
Em minha experiência profissional, bem como na pesquisa da Literatura
Psicanalítica, pude observar e alistar particularidades normativas que sempre
estão presentes no comportamento neurótico compulsivo obsessivo.
O neurótico tem consciência da absurdidade de alguns de seus pensamentos,
por isso uma dolorosa dissociação se estabelece no ego, e a pessoa afetada
fica atormentada pelas repetições ideativas.
Frente a esse fato, podemos definir as obsessões ideativas, como
intensificações de pensamento ego-distônicos, recursivos e intrusivos, que leva
o paciente a ser pensado pelos seus muitos pensamentos, gerando uma
ansiedade atormentadora.
Objetivando aliviar a ansiedade causada pelas obsessões, o neurótico recorre
a ações ritualizadas, essas por sua vez são chamadas de Compulsões.
Os atos compulsivos mais comuns podem ser reduzidos a cinco categorias
primárias: rituais envolvendo a verificação; rituais envolvendo a limpeza;
pensamentos obsessivos sem compulsões; lentidão obsessiva e rituais mistos.
No tratamento analítico, o terapeuta não deve se apressar em acabar com o
sintoma, pois como gratificação secundária, os sintomas obsessivos
compulsivos podem estar impedindo uma desintegração psicótica no neurótico,
o doente se agarra a seus sintomas estranhos para garantir seu equilíbrio
egóico.
O analista deve estar interessado em descobrir a função inconsciente do
sintoma, e a sua configuração compensatória no mundo intrapsíquico do
afetado, desvendando pouco a pouco, em sua psicobiografia, como foi levado a
montar reativamente certo tipo de sintoma.
Esse processo lento e gradativo mostra-se fundamental para a compreensão
da organização simbólica do paciente, possibilitando a perlaboração dos
conteúdos analisados, eliminando não só os sintomas, mas sim o núcleo de
ansiedade básica atrás do fenômeno.
O Comportamento Obsessivo Compulsivo
Descreverei agora alguns dos sintomas que aparecem com mais freqüência
nessa neurose: lavar as mãos demoradamente inúmeras vezes durante o dia
(alguns pacientes são levados a levantar-se durante a noite para fazê-lo);
tomar longos e repetidos banhos por não se sentir limpo; passar a maior parte
do tempo limpando as coisas; preocupar-se fanaticamente com germes e
contaminações; verificar repetidamente se portas e janelas foram fechadas; dar
valor excessivo a números ou a contagens (é como se quisessem ficar livres do
tempo, porém, estranhamente, é a sua cronometragem que os prendem);
pensamentos catastróficos (algo de ruim que pode acontecer a qualquer
momento); simetria neurótica; pensamentos ligados a castigo e morte, etc...
De forma coerciva, essas pessoas são vítimas de suas compulsões; mesmo
que racionalmente não queiram praticar suas esquisitices, são devastadas por
uma enorme ansiedade que, por fim, as leva a ceder ao ritual neurótico.
Uma outra peculiaridade marcante é a busca pela perfeição, tanto
intrapsiquicamente como extrapsiquicamente. Sua exigência maior é encontrar
aquilo que é perfeito, mesmo que racionalmente admita que tal exigência é
absurda e frustrante.
O desequilíbrio gera uma acentuada ambivalência relacional, são capazes de
ruminar interminavelmente uma pequena atitude, desgastando e fadigando
qualquer pessoa de seu convívio.
Por causa do conflito interno, tudo que fazem requer muito esforço, podem
criar uma tempestade num copo dágua na realização de qualquer atividade
corriqueira, por mais simples que pareça.
Os pensamentos intrusivos se avolumam de tal forma na mente neurotizada,
que é muito comum ficarem presos por uma cadeia interminável de
pensamentos, que por vezes paralisam totalmente ações práticas, fazendo com
que a dúvida seja a regra geral do comportamento compulsivo obsessivo. São
fracos em tomar decisões, não sabendo como agir frente a escolhas banais do
cotidiano.
Embora tudo isso se suceda ao neurótico obsessivo compulsivo, muitos deles
conseguem levar uma vida como qualquer outro, são normalmente inteligentes
e, portanto, capazes plenamente de estudar e trabalhar.
Sua capacidade psíquica não é totalmente prejudicada, e por terem
consciência de seus atos estranhos, conseguem disfarçá-los no ambiente
social.
É notório que as compulsões são exageradas quando a pessoa encontra-se
em casa, por isso, ao mesmo tempo que sua casa é um símbolo de proteção
uterina, é também o palco de suas maiores angústias e fraquezas neuróticas.
Para que o processo analítico tenha bom êxito, o terapeuta precisa perceber
em profundidade em que a dinâmica familiar influencia o paciente, pois muitas
vezes o sintoma obsessivo é fomentado por uma organização familiar
neurótica.
Quase sempre, para que o paciente tenha uma melhora significativa, o
ambiente familiar deve ser readaptado às novas exigências do processo, sendo
um meio facilitador e não um obstáculo intransponível.
Reparação Neurótica
Para a Psicanálise, a neurose obsessiva compulsiva tem como origem um
conflito psíquico infantil e uma fixação da libido no estágio anal de maturação.
Como já enfocado parcialmente, tal neurose manifesta-se através de ritos
conjuratórios de tipo religioso, sintomas obsedantes e uma ruminação mental
permanente, que dá origem a intermináveis dúvidas e escrúpulos que acabam
por inibir o pensamento e a ação.
No estudo sobre o Homem dos Ratos, Freud descobriu que é o erotismo anal
que domina a organização sexual do neurótico obsessivo, por isso, para ele, a
obsessão deveria ser sempre relacionada a uma regressão sexual ao estágio
anal, tendo como sustentação inconsciente um forte sentimento de ódio
primitivo.
Para Freud, o ódio surge psiquicamente antes do amor, pois esse sentimento
tão prezado ao conjunto das relações humanas, foi criado exatamente para nos
proteger do fluxo livre de nossa agressividade primitiva, daí elaboramos uma
consciência moral.
Freud viu nos sintomas obsessivos um trabalho defensivo que visa,
ocultamente, transformar a representação forte da experiência infantil, numa
representação enfraquecida e controlável, desligada por meio desse
estratagema de sua verdadeira e dolorosa fonte.
É lógico que esse desligamento não tem totalmente bom êxito, pois a aliança
desarmônica entre o estado afetivo e a idéia associada acaba por criar um
caráter absurdo e irracional próprio da neurose obsessiva compulsiva. Nessa
neurose, os sintomas são ego-distônicos, causando danos terríveis ao
portador.
Frente a esse fato, Freud revelou que uma das características marcantes do
desequilíbrio é a sua vinculação estrutural com o sentimento de culpa. Sobre
isso ele escreveu: Aquele que sofre de compulsões e de interdições se
comporta como se estivesse sob o império de uma consciência de culpa, a cujo
respeito, aliás, nada sabe; sob o jugo, portanto, de uma consciência de culpa
inconsciente, como nos sentimos forçados a dizer, por mais que essas palavras
resistam a se combinar.
Examinando a religião, Freud chegou a perceber semelhanças
desconcertantes entre os atos compulsivos e as práticas religiosas, que ao seu
entender visavam essencialmente a mesma coisa: afastar o sentimento de
culpa por uma reparação compensatória ritualística. Tanto no religioso como no
obsessivo, a fórmula principal é o deslocamento psíquico (semelhante ao que
acontece no sonho), pelo qual os detalhes triviais da atividade ritual se tornam
a coisa mais importante, uma vez que se expulsou à força o conteúdo
verdadeiramente significativo.
Em sua famosa tese da Concordância Essencial, Freud descreve: Podemos
conceber a neurose obsessiva como a contra partida patológica da formação
religiosa, a caracterizar a neurose como uma religiosidade individual e a
religião como uma neurose obsessiva universal.
Um Caso de Neurose Obsessiva Compulsiva
Quando José Roberto resolveu me procurar, acerca de dois anos atrás,
contava nessa época com 37 anos. Trazia em sua bagagem existencial muito
sofrimento e angústia, e uma certa descrença prévia que dizia que a
psicanálise não poderia ajudá-lo em seu desconforto.
Era solteiro e morava com a mãe, junto com sua irmã mais velha e seu
cunhado. Seu pai havia morrido há seis anos atrás, fato que acabou por
agravar e intensificar os sintomas obsessivos compulsivos, culminando em sua
internação na ala psiquiátrica do Hospital das Clínicas, onde permaneceu por
quatro meses.
Mesmo antes da morte do pai, José Roberto foi procurar ajuda médica para
seus estranhos sintomas, e há 10 anos atrás foi diagnosticado como portador
do Transtorno Obsessivo Compulsivo. A partir daí diversos medicamentos
foram tentados (Clomipramina-Anafranil; Fluoxetina-Prozac; Sertranil-Zoloft,
entre outros), infelizmente os sintomas persistiram e acabaram por se
solidificarem, levando o paciente cada vez mais a um isolamento social.
Quando o pai ainda era vivo, embora já sentisse a ação da obsessão
compulsiva, conseguia controlá-la. Trabalhava como protético no consultório do
pai, embora tenha admitido durante o tratamento que não gostava da ocupação
profissional.
Com a morte do pai, José Roberto abandonou o serviço e confinou-se em sua
casa, o que veio a agravar e intensificar os sintomas obsessivos compulsivos.
Ficava preso por horas no banheiro e, ao sair, o ritual continuava levando, por
exemplo, o infeliz a demorar 40 minutos ou mais para colocar uma simples
cueca, pois um pensamento recursivo lhe suscitava a dúvida se a peça íntima
fora colocada do lado certo.
Tinha uma preocupação exagerada a tudo que se referia à religião, pois lhe
vinha à mente a idéia de que se não prestasse atenção em coisas sagradas
seria seriamente castigado por Deus.
Em seu quarto havia uma Bíblia dada pela sua mãe, que era foco de muitos de
seus rituais. Tinha uma preocupação absurda em verificar se a janela do seu
quarto estava bem fechada, pois o vento poderia derrubar a Bíblia e danificá-la,
o que configuraria um enorme desrespeito de sua parte, passível de um terrível
castigo divino.
Outra área que lhe causava forte sentimento de culpa, era a sexual. O paciente
tinha uma forte fixação fetichista, colecionando diversas calcinhas e sutiãs
rendados. Mais do que isso, também tinha tendência ao travestismo, pois
gostava de dormir e se olhar no espelho com as roupas íntimas femininas.
As poucas vezes que conseguia sair de casa ia ao shopping, e lá seu martírio
aumentava, pois admitia que ao ver uma bela mulher, não sabia se o que lhe
chamava mais atenção era o seu corpo ou suas peças íntimas. Embora
realçasse na fala as peças íntimas, toda vestimenta da mulher lhe excitava,
bem como detalhes (unhas grandes e pintadas de vermelho; o batom
exuberante; o salto alto que sustentava belos pés, etc...), ao ponto de dizer
com uma certa angústia nas sessões de análise, que não sabia se queria uma
bela mulher ou se preferia ser em suas fantasias eróticas a bela mulher.
Conscientemente se recriminava terrivelmente por tais ideações, e reiterava
repetidas vezes que não era um homossexual, e sim homem.
No contato social José Roberto era simpático e quase sempre muito calmo.
Conseguia disfarçar quase sempre seus sintomas incomuns. É lógico que
pessoas mais observadoras notavam algo de estranho em seu comportamento,
muitas vezes expondo-o.
Um belo exemplo disso foi narrado pelo próprio paciente em uma sessão.
Alguns anos atrás o paciente era sócio de um clube, e como era obrigado a
conviver com várias pessoas, sua preocupação de esconder seu
comportamento estranho era muito grande.
Uma certa vez, ao entrar no toalete para tomar banho após as atividades
esportivas, começou a ser enredado pelo ritual obsessivo, coisa que foi
percebida por alguns colegas que automaticamente começaram a ridicularizálo.
Ele ficou com muita raiva de seus colegas. Três dias após o ocorrido ele voltou
ao toalete, como estava sozinho tomou logo o seu banho e foi dormir na casa
de um colega de infância. Ao chegar na casa do colega lembrou que havia
deixado sobre a pia do toalete o frasco vazio do condicionador usado no
banho.
Um pensamento persistente dizia que deveria voltar ao lugar para jogar o
frasco no lixo, pois o mesmo poderia cair no chão e provocar um terrível
incêndio. Inicialmente tentou ignorar o pensamento, porém a ansiedade tornouse
sufocante, e viu-se obrigado a retornar ao clube de madrugada. Só teve um
alívio quando um segurança do local percebendo sua perturbação, apaziguou-o
dizendo que ele mesmo cuidaria de jogar o tal frasco no lixo.
Na sessão de análise, pude interpretar tal ocorrência aparentemente sem
sentido e absurda, como um belo disfarce para sua agressividade interna, que
ao mesmo tempo lhe despertava um terrível sentimento de culpa. A raiva que
sentiu ao ser ridicularizado pelos colegas foi reprimida. Ele projetara num
inofensivo frasco vazio de condicionador seus fortes impulsos agressivos. O
incêndio, na verdade, em suas fantasias internas, não seria causado pela
substância química (o frasco estava vazio), mas sim pelo seu forte impulso de
agressividade; estaria dessa forma vingado.
Como não podia suportar o sentimento de culpa pela intenção criminosa
inconsciente, tentava reparar dramaticamente seu desejo inconsciente,
obrigando-se por um contra-desejo consciente a ir até o clube e livrar-se do
frasco de condicionador vazio. Essa interessante inversão era usada
freqüentemente por esse paciente.
Usando esse mesmo princípio de decifração, seu zelo excessivo pela Bíblia,
ocultava um sentimento nada sagrado. José Roberto, na verdade, não era um
indivíduo religioso. Sua mãe no passado pertencia a uma seita: Testemunhas
de Jeová. O paciente quando criança ia sempre nos cultos e atividades da
citada seita, porém nunca teve um envolvimento profundo com a religião de
sua mãe. Com o tempo, a própria mãe abandonou a sua fé antiga, estando
atualmente mais envolvida com práticas ligadas ao espiritismo. A referida
religião era, na verdade, praticada mais enquanto o pai estava vivo, embora o
mesmo fosse totalmente apático em referência à religião da esposa.
Por isso podemos concluir, que a religião era simbolicamente a representação
de sua dependência materna, de onde o pai estava totalmente excluído. Com a
morte do pai, estranhamente o paciente passa a ter preocupações religiosas
excessivas, o que tentava ocultar a idéia de que agora o caminho estava livre
para voltar a ter a relação incestuosa com a mãe, e ter a mãe só para si, sem a
presença do castrador. Porém seu medo desmedido de ser punido por Deus,
ou ser castigado por algum pecado contra o sagrado, era na verdade o forte
sentimento de culpa que advinha de suas fantasias homicidas contra a figura
do pai.
A Bíblia é a Palavra de Deus, ou seja, a Lei do Pai, que proíbe terrivelmente o
incesto. O que o paciente gostaria de fazer inconscientemente ao Livro
Sagrado não era protegê-lo, e sim aviltá-lo, profaná-lo. Destruindo o sagrado, o
paciente estaria livre para concretizar seus anseios incestuosos edipianos.
Pude também perceber no decorrer da terapia, que suas fantasias sexuais
eram fantasias internas de incorporação e de introjeção, pois ao se travestir de
mulher, tinha sua mãe permanentemente junto de seu corpo.
Durante todo o tratamento o paciente fez considerável progresso. Interrompeu
gradativamente seu isolamento uterino, fez um curso profissionalizante e
voltou a trabalhar. Com um distanciamento da figura materna, os sintomas
diminuíram cerca de 70%. Recentemente conseguiu passar no vestibular de
uma prestigiada universidade, depois de abandonar os estudos acadêmicos
por doze anos.
Está muito contente e confiante, pois seu quadro é de estabilidade, mesmo
tendo por livre iniciativa abandonado a ajuda medicamentosa.
creditos:
Por Marcos Oliveira
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