sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Estruturas da clínica psicanalítica: neurose e perversão

1 – Introdução:

Este trabalho é uma breve apresentação dos estudos nos Seminários de Psicopatologia – ministrado pelo Prof. Djalma Teixeira, durante o ano de 2002 no curso de formação do Grep – Grupo de Estudos Psicanalíticos.

A finalidade maior deste trabalho é a de concatenar os conceitos estudados no que concerne ao diagnóstico estrutural, sintomas e estruturas, sendo que, neste módulo, nos atemos a Neurose e perversão. Conceitos esses, essenciais para a prática psicanalítica, haja vista fazerem parte dos pilares da teoria.

Para tanto, utilizamos como roteiro o livro Estruturas e Clínica Psicanalítica, de Joel Dor e acrescentamos leituras e estudos de outros autores para o aprofundamento dos temas específicos.

A expectativa é que esse texto possa fazer emergir reflexões e dúvidas acerca do amplo campo abordado, bem como delinear os horizontes do que ainda é necessário ser revisto, aprofundado e incentivar o constante estudo e discussão do tema.
2 – Diagnóstico Estrutural:

A noção de diagnóstico é de suma importância na psicanálise para a prática clínica.

Segundo o Dicionário Michaelis, a palavra diagnóstico é um adjetivo de origem grega diagnostikós, que significa relativo à diagnose. Na sua significação médica é a qualificação dada por um médico a uma enfermidade ou estado fisiológico, com base nos sinais que observa: Diagnóstico clínico: baseado nos sintomas, sem levar em consideração as alterações mórbidas que os produzem. Diagnóstico diferencial: determinação da doença do paciente entre duas ou mais suspeitas, pela comparação sistemática de seus sintomas. Diagnóstico físico: determinação de doença por inspeção, palpação, percussão ou auscultação.

Percebe-se que o diagnóstico segundo a clínica médica se baseia, essencialmente, nos sinais e sintomas para a taxionomia das patologias. Para a psicanálise, porém, fundamentada em sua abordagem teórica com a questão do inconsciente que tem um funcionamento tópico, econômico e dinâmico, utiliza como referência certos elementos estáveis das perspectivas estruturais do sujeito e que em nada determina um diagnóstico a partir das correlações entre esses elementos e os efeitos sintomáticos. O inconsciente possui um determinismo particular que não se aplica as generalizações. Ele é imponderável, imprevisível e só existe para a psicanálise na relação transferencial cliente/analista na sua interpretação.

É certo, então, que a clínica psicanalítica possui uma forma sui generis para a condução do tratamento, ou seja, utilizado que denomina de diagnóstico estrutural, que é feito exclusivamente através da escuta do analista, sendo esta a única técnica de investigação analítica.

O objeto de investigação analítica é o inconsciente, e entra-se em contato com ele através das palavras proferidas pelo paciente. Para Lacan, o sintoma é estruturado como linguagem, uma linguagem embaraçada. Seria uma metáfora, a substituição significante. O sintoma não interessa à análise, ou só interessa na medida em que encobre o significante, o que está trás dele.

"O diagnóstico só tem sentido se servir para a condução da análise.... É a partir do simbólico, portanto, que se pode fazer o diagnóstico diferencial estrutural por meio dos três modos de negação do Édipo – negação da castração do Outro – correspondentes às três estruturas clínicas – psicose (foraclusão), neurose (recalque) e perversão (desmentido)"

3 – Gênese das estruturas psíquicas:

Um sujeito se constitui no mundo através do que a psicanálise chama de processo edipiano ou função fálica. O inconsciente do sujeito se forma a partir da cultura, inserida no espaço/tempo, e é introduzido na fala da mãe – primeiro grande outro materno, que vai ensinado a criança o que é ser humano naquele lugar e naquele momento e ao mesmo tempo, determinando a estrutura psíquica do sujeito.

A partir do nascimento da criança, esta se relaciona com a mãe, que não é necessariamente a mãe real e pode ser aquela que representa essa função satisfazendo a criança em suas necessidades e desejos, e com o Pai Simbólico, que não é necessariamente o pai real, mas que tem a função de interditar a criança junto à mãe e a mãe junto à criança, estabelecendo limites nessa relação. É uma instância mediadora do desejo. O pai é uma metáfora, é um significante que vem no lugar de outro significante. Dependendo de como se processa o desenrolar dessa tríada se estabelecerá a estruturação psíquica do sujeito.

A criança vai recebendo do adulto as instruções de como funciona a cultura, os limites, as interdições, o que pode e não pode fazer. A cultura é que estrutura, humaniza. Antes disso a criança é apenas "dasding" – a coisa.

O pai é Pai Simbólico enquanto mediador do estatuto do significante, ou seja, estatuto do Nome-do-Pai como estruturador do sujeito. Basta que a mãe o apresente através do seu discurso, "de tal forma que a criança possa entender que o desejo da mãe se encontra, ele mesmo, referido a ele – ou, em caso extremo, que o tenha estado, ao menos durante certo tempo."   Ou seja, o pai é aquilo que o discurso da mãe faz dele. É mais importante o que a mãe diz a respeito do pai (Imaginário) do que o pai realmente é (Real). O que é estruturante para a criança é que ela possa fantasmar uma figura de um pai imaginário, a partir do qual ela dimensionará o pai simbólico.

A criança identifica-se com o pai imaginário e não com o pai físico (real). A mãe é o Grande Outro materno que sabe tudo, pode tudo e que fala com a criança através da nomeação dos afetos. A mãe cria o imaginário da criança através das simbolizações e apresenta o mundo à criança. Quando o pai fala com a criança, ela já está simbolizada. A lei já foi internalizada.

É importante que a mãe apresente o pai à criança através do seu discurso, como aquele que também "manda". Se a mãe é despótica, autoritária, não permitirá que o pai entre na relação. Não haverá um outro, ou o outro está destituído de poder. É a mãe quem autoriza a criança a obedecer a outrem e ela própria também cede, obedecendo a outrem, não sendo a única a impor a lei, a ser a lei.

A função fálica é circulante. Pode ser exercida por várias pessoas, em momentos diferentes. Assim, o pai ou outro "embaixador" da lei, da ordem, da cultura poderá impor limites em momentos adequados, favorecendo assim o que se chama "castração".   Em outras palavras, castrar é impedir a criança de ser o falo da mãe e ao mesmo tempo, impedir que a mãe ter o filho como falo. A castração é dupla e tem em seu cerne a proibição do incesto. Castrar é introduzir a lei da cultura na criança.

A criança é pura pulsão, pura libido. Ela deseja tudo de forma grosseira, rude, bruta. É preciso que seja impedida de satisfazer suas pulsões de forma selvagem. A cultura, através dos Grandes Outros (mãe, pai, parentes, professores, amigos...) diminui a grosseria das pulsões, adaptando-a ao mundo civilizado. A criança se designa ai, através da falta, como sujeito desejante e significará, na linguagem, o objeto primordial do seu desejo. Quando a pulsão é impedida de funcionar como ela surge, ela é recalcada e pode voltar sob forma de sintomas, fantasias, sonhos, etc.

Quando a castração foi exercida de modo frágil, sem estabelecer normas e limites adequados ou quando é excessivamente exercida, com uma repressão exagerada, o que se percebe é a constituição das diferentes estruturas psíquicas.

Se o sujeito se funda pela função paterna, ou seja, função fálica, e se o pai é Pai Simbólico, tem-se ai "a dimensão incontestável do simbólico como a ordem que permanece, no final, determinante na eleição da estrutura psíquica. Todo ensinamento freudiano, tal como Lacan esforçou-se para lembrar e elucidar, incita a tomar a exata medida dessa função principal do simbólico no curso do destino psíquico".  

As estruturas podem ser classificadas em três tipos diferentes, quais sejam:
-    Neurose
-    Perversão
-    Psicose.

Neste trabalho estaremos abordando a perversão e a neurose, com sua divisão em histeria e neurose obsessiva compulsiva.
4 – Perversão:

Na fantasia da diferença dos sexos, a criança atribui o falo a todas as pessoas – "Todos deveriam ter o falo. Se alguém não o tem é porque lhe foi tirado" – a atribuição fálica é universal.  A falta se insere como estruturante pela constatação da ausência ou por sua ameaça de perda.  Por isso o sujeito é incompleto, ameaçado pela falta e tem na insatisfação existencial o desejo de completude.

Se a criança percebe a mãe como alguém que não possui o falo, como uma pessoa faltante, castrada, mas que ao mesmo tempo não é desejosa do falo do pai e o destitui, promoverá em sua estruturação psíquica um investimento móvel do desejo, o que chamaremos de "ancoramento das perversões". A criança se inserirá como sujeito faltante, mas não atribuirá ao falo do pai a castração, mas algo além deste objeto.

A mãe do perverso sempre teve um discurso muito ruim do pai, dizendo da sua incompetência e fragilidade, de modo que o perverso não reconhece o pai, pois esse não tem "competência" para aprová-lo. Ele se sente poderoso, pois acredita que é o único objeto de amor que faz a mãe gozar e a completa.

Para o perverso, não importa que a figura do pai seja investida simbolicamente do falo. Ele o marginaliza, não o reconhecendo como representante da lei e o contesta. Há admissão da castração no simbólico, mas concomitantemente uma recusa – o desmentido.

"Em outros termos, a criança se encerra na convicção contraditória seguinte: de um lado, a intrusão da figura paterna deixa entrever à criança que a mãe, que não tem o falo, deseja o pai porque ele o "é", ou porque ele o "tem"; por outro lado, se a mãe não o tem, talvez, no entanto o pudesse ter? Para fazer isto, basta lho atribuir e manter imaginariamente essa atribuição fálica. É esta manutenção imaginária que anula a diferença dos sexos e a falta que ela atualiza. A coexistência destas duas opções, em relação ao objeto fálico, impõe à economia do desejo um perfil que constitui a própria estrutura do funcionamento perverso."


Freud em seu estudo sobre a sexualidade, em 1905, introduz a noção de pulsão como "uma peça chave constitutiva da sexualidade infantil; por outro lado, porque é o vetor psíquico que vai atualizar o processo perverso"  e aponta sobre  a disposição perversa polimorfa da criança:

"É instrutivo que a criança, sob a influência da sedução, possa tornar-se perversa polimorfa e ser induzida a todas as transgressões possíveis. Isso mostra que traz em sua disposição a aptidão para elas; por isso sua execução encontra pouca resistência, já que, conforme a idade da criança, os diques anímicos contra os excessos sexuais — a vergonha, o asco e a moral — ainda não foram erigidos ou estão em processo de construção" .

Fica claro que, o sujeito, no exercício da sexualidade genital adulta, trás em si componentes da sexualidade infantil, o que não significa que isso possa ser uma psicopatologia. A psicopatologia consiste na fixação em uma fase anterior à evolução libidinal, advindo daí a perversão.

 Do ponto de vista freudiano, o funcionamento da perversão tem suas raízes na angústia de castração e com isso, mobiliza permanentes mecanismos defensivos para contorná-la: - a fixação (regressão a organização genital infantil); a recusa da realidade (desmentir a diferença dos sexos); elaboração de uma formação substitutiva (investir em outro objeto da realidade, qual seja: homossexualismo e fetiche).

O Perverso aceita a angústia de castração sob a condição de transgredi-la, e o faz através de duas possibilidades: através do homossexualismo ou através do fetichismo. Ele não renuncia ao falo, mas conjura de modo eficaz a angústia de castração.

Assim, ele se esgota em demonstrar, regularmente que a única lei que ele reconhece é a lei imperativa do seu próprio desejo e não a lei do desejo do outro. O perverso não tem outra saída senão subscrever ao desafio da lei e à sua transgressão, sendo esses os seus traços estruturais. Ele transgride a norma porque sabe que ela existe, mas não a aceita.

4.1 – Homossexualidade:

A homossexualidade é uma escolha narcísica de objeto: "Eu escolho um outro parecido comigo – numa relação especular". A homossexualidade tem a ver com o desejo libidinal pelo seu igual, mesmo que ele não adote a relação sexual homossexual.

Ser homossexual é uma estrutura psíquica perversa, e não tem a ver com relação sexual. Relações sexuais com o mesmo sexo não significam necessariamente estrutura psíquica perversa. Pode ser sintoma de outra estrutura.

4.2 – Fetichismo:

O fetichismo é o culto, reverência irracional por um objeto. O perverso fetichista é aquele que elege um objeto ou objetos específicos para a relação sexual com um parceiro e atribui ao objeto fetiche o seu único fim sexual.

O sujeito recusa-se a reconhecer a inexistência do falo na mulher, ainda que a perceba. Horroriza-se com a falta e elege um objeto substitutivo como estratégia de defesa para alívio da angústia. "Ela não tem pênis, mas tem isso!" Ocorre ai, o que Freud chamou de Clivagem do eu, que é a coexistência de duas formações psíquicas inconciliáveis entre si, ou seja: há uma recusa em reconhecer que a mulher é destituída do falo, mas ao mesmo tempo o objeto fetiche vem comprovar essa ausência pela sua substituição. A clivagem do eu é a confirmação de que no funcionamento psíquico podem existir conteúdos psíquicos contraditórios sem influenciarem-se reciprocamente.

 O objeto fetiche assim instituído contribui para não renunciar ao falo, ao mesmo tempo em que permite escolher uma mulher como objeto sexual desde que ela supostamente "tenha o falo", evitando assim a homossexualidade.


4.3 – Traços estruturais do perverso:

Desafio e Transgressão: O perverso busca sempre o olhar aprovador e cúmplice da mãe e a complacência silenciosa do pai. Ele tem certeza de que a mãe o apoia irrestritamente e que ele pode fazer qualquer coisa sob os olhos dela. É pela presença desse traço estrutural que ele estará buscando desafiar o público em suas manifestações, passeatas, desfiles e shows. O perverso tira todo benefício voluptuoso do seu gozo sexual. O seu prazer é ultrapassar a lei e não o prazer sexual. Não acata a monogamia e busca parceiros promiscuamente. Não aceita a norma que impõe a heterossexualidade, e acolhe a homossexualidade.

Nenhum perverso gosta de ser contestado – não pode ser discordado – castrado.  Ele possui uma auto-imagem distorcida, equivocada e a auto-identidade narcísica. Se acha bonito e acredita que todos o acham bonito, inteligente, etc... Se acha o melhor de todos!

Horror a castração e a relação com as mulheres: O perverso mantém-se fixado a certo número de materiais provenientes das teorias sexuais infantis, no que concerne a diferença dos sexos e à possibilidade da castração, advindo daí a construção fantasmática do horror da castração. Uma mãe sedutora que atende aos apelos eróticos do seu filho nutrindo-o e encorajando-o. Mas essa mesma mãe que o encoraja se cala e não confirma seu desejo pelo filho, diante do pai, o intruso. Segundo Dor, "o lugar do pai não pode revelar-se então de outro modo senão perturbador e enigmático". A criança tem então, um pai complacente e incompetente, apesar de muitas vezes rigorosos com as questões das regras; e uma mãe sedutora, mas ameaçadora, ambígua, falsa, mentirosa e que despreza a significação da Lei do Pai.

O homossexual não renuncia às mulheres e busca-as na figura dos seus amantes – busca a mãe fálica, totalmente idealizada. E foge da mãe de "vagina dentada" que pode condená-lo à impotência.

5 – Estrutura Neurótica:

Já foi citado anteriormente a importância da dimensão do Pai Simbólico enquanto estruturante para a criança. O Pai simbólico aparece para a criança como o suposto Ter aquilo que a mãe supostamente deseja Ter junto a ele, ou seja, pela atribuição imaginária do objeto fálico. "De um modo mais geral, o pai é pressentido como um objeto rival junto ao desejo da mãe, desde que aparece como outro (heteros) relativamente à díade fusional mãe-criança."


J. Dor (1994), aponta que a presença do Pai Simbólico é privadora, porque impede a plenitude da criança junto à mãe, é interditora, porque é o único que tem acesso à mãe, e é frustradora, porque impõe regras e inaugura a falta imaginária do objeto do desejo. Acrescenta ainda, que "o signo mais espetacular deste domínio reside, propriamente falando, no processo de acesso ao próprio simbólico, pelo qual Lacan nos mostra como a criança vai a partir daí se constituir como sujeito mediante essa operação inaugural que ele chama metáfora paterna e seu mecanismo correlativo, o recalque originário."

De fato, a saída triunfal do complexo edipiano pela interdição garantirá para a criança a sua introdução no mundo da linguagem, no mundo do simbólico que se dá pelo recalque do desejo incestuoso, o recalque do significante materno original, ou seja, a entrada de um terceiro na lógica da estrutura que confere à criança substituir o significante "desejo da mãe" pelo significante "Nome do Pai" ou "Lei".

Este processo que descrevemos é o que chamamos estrutura neurótica.

Ser neurótico é uma maneira de se defender transformando a dor da angústia num sofrimento sintomático para não sucumbir a um gozo inconsciente e perigoso que para o neurótico pode fazê-lo enlouquecer, dissolver-se, desaparecer. Ele aceita a castração se submetendo a ela, mas desenvolve uma nostalgia sintomática diante da perda sofrida.

Existem três maneiras de se defender contra o gozo intolerável:

"sofrer neuroticamente segundo o modo obsessivo é sofrer conscientemente no pensamento, isto é, deslocar o gozo inconsciente e intolerável para um sofrimento no pensar. Sofrer como fóbico é sofrer conscientemente com o mundo que nos cerca, isto é, projetar para fora, para o mundo externo, o gozo inconsciente e intolerável, e cristalizá-lo num elemento do ambiente externo, então transformado no objeto ameaçador da fobia. Por último, sofrer segundo o modo histérico é sofrer conscientemente no corpo, ou seja, converter o gozo inconsciente e intolerável num sofrimento corporal."

5.1 – Neurose obsessiva compulsiva:

A mãe do obsessivo, geralmente faz queixas do pai na presença do filho, advindo daí a fantasia de que ele é amado demais pela mãe, que ela o quer no lugar do pai. O obsessivo acredita que a mãe o privilegia em seu investimento fálico e que ele é o suplente do pai, pois pensa que o pai não faz falta. Na sua ausência, ele o substitui. Mas apenas na sua ausência, porque a mãe se queixa dele, mas faz sexo com ele, logo, gera na criança uma ambigüidade, uma ambivalência. O obsessivo sente-se como o refil que recarrega o original – está no lugar de. Ele deseja que a mãe encontre nele o que ela supostamente encontraria no pai. Assim, quer ser igual ao pai, ter o que o pai tem.

Advém daí a necessidade do obsessivo em satisfazer o outro naquilo que ao outro falta. O pai falhou e a criança vem suprir o que falta no pai frente ao desejo da mãe.

Por ter internalizado a Lei do Pai, e se submetido à castração, o obsessivo recalca o desejo incestuoso e aceita tudo, tudo suporta e envolve-se num trio de culpa, mortificação e constrição pelos pensamentos e desejos proibidos. Ele gostaria de ficar livre da lei do pai, mas se vê preso entre a lei e o desejo – onde se instala então, a dúvida e a insegurança – características do obsessivo.

A mãe o acariciava com seus toques de higienização sedutora, e ele sente saudade daquela época em que ele era o preferido da mãe, e sofre pela nostalgia do ser.

5.1.1 – Traços estruturais do neurótico obsessivo compulsivo:

O obsessivo confunde desejo e demanda, pois transforma tudo em necessidade. O outro tem que adivinhar seu desejo, pois não consegue ele próprio demandar. Pergunta-se sempre sobre o que quer fazer e não encontra resposta. Neste sentido, gosta de ter um Senhor para resolver as dúvidas dele.

Assim, se deixa gozar pelo outro, se saciar, ou entra num gozo de beneficiar o outro, com dedicação voluntária, como uma servidão.

É altamente moralista e coloca a moralidade a serviço dele, tipo: "Só vou ter relações sexuais com você quando eu casar na igreja".

O obsessivo é um controlador, e procura controlar inclusive o tempo. É retentivo, procura guardar tudo, reter, como se lhe fizesse falta. Tem medo que lhe tirem alguma coisa, tem medo de perder, porque está excessivamente agarrado à mãe e já a perdeu para o pai. Assim, entra na competição constante, é perseverante e obstinado, e tem dificuldades de lidar com figuras de autoridade. Não gosta de receber favores e de dever nada a ninguém.

É perfeccionista e nunca está satisfeito com sua própria produção. Dá o melhor de si mesmo, sacrifica-se, mas não aceita perder. É necessário que não lhe falta o amor dos outros, porque sua tolerância é baixa à frustração. Faz de tudo para que não falte nada ao outro, para que o outro não precise desejar, pois o outro tem que estar satisfeito. Busca controle até sobre o desejo do outro.

O obsessivo está o tempo todo tentando ser organizado e disciplinado. Procura ter um discurso correto com princípio, meio e fim e ele tem dificuldade a se adaptar ao método analítico de associação livre. Ele não sabe ser livre. Ele é disciplinado, organizado e tem dificuldade de sair dessa organização lógica.

Dar a prova: O neurótico obsessivo gosta do desafio, da competição na medida que gosta de dominar. Se a situação não é de adversidade, ele cria a adversidade e lança desafios para si mesmo, engajando-se assim situações imaginárias para se colocar à prova. O obsessivo não tem desejo de desafiar a lei, pois é o mais submisso e obediente à lei, às regras. Sente vontade de vencer essa obediência cega à lei, mas é preocupado com as regras e não transgride.

Processo compulsivo: Seu aspecto controlador volta-se para si mesmo, e controla-se a si e se policia, antes que outros o façam. Possui pensamentos recalcitrantes destrutivos, com rituais autopunitivos. É ambíguo e ambivalente. Sua compulsão é uma imposição, pois sente que se não fizer determinada coisa será punido.  É muito crítico e arguto observador. Trava uma luta interna consigo mesmo e tenta vencer-se sozinho. O obsessivo é um pouco mais orgulhoso que o histérico. Defende-se de demonstrar afetos e sentimentos.

Fuga a diante – não suporta a dúvida, então age. Apesar de querer esconder.

5.2 – Neurose histérica

Todo histérico é um reivindicador de amor, pois sempre achou que a mãe não o amou suficientemente. Queria um amor completo e assim, ser poderosa por ser muito amada. Tratará, então, de ser um objeto ideal do Outro, um filhinho ideal, com a determinação de receber o amor que lhe falta.

Segundo Nasio, "a histeria é, antes de tudo, o nome que damos ao laço e aos nós que o neurótico tece em sua relação com os outros a partir de suas fantasias".  O histérico tem medo de obter o gozo máximo, que o faria enlouquecer, dissolver-se, desaparecer e para diminuir a sua angústia, mantém-se incessantemente, em suas fantasias e em sua vida, o doloroso estado de insatisfação. Assim, busca obter do outro, não a resposta que plenifica, mas a não resposta que frustra.

A histérica tem um ideal de perfeição, que quer sempre mais e melhor. Isso é positivo, é o traço da insatisfação – o ideal de ser, que foi dado pelo Grande Outro Materno.


5.2.1 – Traços estruturais do neurótico histérico:

Desejo suspenso ou alienação subjetiva: o histérico não tem desejo próprio e deseja o que o outro deseja. Isso porque se o falo é aquilo que o histérico se sente injustamente privado, o histérico vai acompanhar aquele que ele julga suposto deter o falo, aquele que sabe ou tudo pode. A histérica é grande detectora do desejo do outro, é como se tivesse um 6o sentido para captar o desejo do outro.
Dado a ver: como o histérico se apresenta ao outro. Ele quer se mostrar, nem que seja o pior de si (bobo da corte). Faz encenações. Ela quer ser poderosa, mostrar que tem o "falo". Logo, mostra-se, coloca-se em cena, tem necessidade de aparecer. A intenção é fascinar o Grande Outro Materno. "As mulheres se enfeitam para as outras mulheres".  A sedução é colocada a serviço do falo, mais do que é colocada a serviço do desejo. Adora ser admirada. O que ela quer é que o outro a deseje, mais do que ela o deseja. Ela faz jogo de sedução e deixa o outro na dúvida, num arranjo de aproxima-se, afasta-se, não querendo dar um final objetivo, concreto. A atividade histérica de insinuação é um fim em si mesmo, já que não quer ter o desejo satisfeito. Frustrar-se é o objetivo final da histérica.
Semblant: simulação que o histérico é capaz de fazer, para parecer-se verdadeiro. Gosta de dar a impressão de que é verdadeiro, exibe a "honestidade", "castidade", "religiosidade", quer parecer confiante. Mas é uma imitação. A histérica copia e imita o outro que ela pensa que detém o poder/saber, mesmo que seja um modelo equivocado.
Repressão e deslocamento: recalca o que o desagrada e substitui por outra coisa.
Máscara: mímica momentânea, onde faz cara de espanto, tristeza, alegria, ciúmes,... etc. (Aquilo que convir no momento).
Realiza o desejo do outro: como a histérica capta o desejo do outro, já que possui o seu desejo suspenso, é fácil para a histérica realizar o desejo do outro. Ela quer um Senhor, para que ela possa reinar sobre ele: "Por trás de um grande homem tem uma grande histérica, mesmo que ela fique nos bastidores". É capaz de fazer brilhar o senhor, se colocando a serviço dele, sacrificando-se.  Essa realização do desejo do outro se conjuga com o dado a ver, já que fazer o outro brilhar é uma forma de mostrar-se a si mesmo.
Dar a prova: A histérica recua diante do desafio, o que é um traço diferente do perverso, que sustenta o desafio. O desafio da histérica é uma encenação. Está sempre desafiando seu parceiro, para este mostrar que tem o falo, o poder, o que é suposto ter.

Nasio, (1991), em seu livro A Histeria, Teoria e Clínica Psicanalítica, acentua três outros traços estruturais da histeria:
"Um eu insatisfeito: O histérico, como qualquer sujeito neurótico, é aquele que, sem ter conhecimento disso, impõe na relação afetiva com o outro a lógica doentia da sua fantasia inconsciente. Uma fantasia em que ele desempenha o papel de uma vítima infeliz e constantemente insatisfeita”   É o medo e a recusa obstinada a gozar que ocupam o centro da vida psíquica do neurótico histérico.
Um eu histericizante: Histericizar é fazer nascer no corpo do outro uma fornalha ardente de libido. Histericizar é erotizar uma expressão humana, seja ela qual for, embora, por si só, intimamente, ela não seja de natureza sexual. O histérico sexualiza o que não é sexual, ou seja, coloca em cena fantasias sensuais, cujo menor elemento anódino pode servir de desencadeador de um orgasmo auto-erótico.
Um eu tristeza: O histérico é aquele que ocupa o 3o personagem na triangulação edipica. É o terceiro excluído. Entra na relação conflituosa para aplacar ou desencadea-la, mas ocupa invariavelmente o papel do rejeitado, excluído e é por isso que se entristece. "A tristeza do eu histérico corresponde ao vazio e à incerteza de sua identidade sexuada.” 

6 – Considerações gerais:

Desenvolvendo esse trabalho, algumas questões foram levantadas e procurei respostas para as mesmas. Uma que se destaca, é a que aqui apresento: Se a estrutura é o que determina o modo de funcionamento psíquico do sujeito, e, se levarmos em consideração que seus sintomas seriam, de certa forma, alicerçados com base na estrutura, como se dá a tão citada direção da cura proposta por Lacan para o sujeito? Haveria cura para o sujeito?
A resposta que encontrei foi: a cura para o neurótico seria o sujeito assumir o seu próprio desejo que aparece sob forma de neurose fóbica, histérica, obsessiva e no perverso sob forma de transgressão.

A neurose é o negativo da perversão, no sentido de que o perverso tem o desejo de fazer e faz e o neurótico tem o desejo de fazer e recalca.

(*) Trabalho apresentado por Eliana Olimpio, para a disciplina: Seminário Real, Simbólico e Imaginário - Professor: Djalma Teixeira, no Grep – Grupo de Estudos Psicanalíticos, dezembro/ 2002


7 – Referências Bibliográficas:

Dor, Joël, Estruturas e clínica psicanalítica, Rio de janeiro: Taurus Ed.,
        1991.
_____, Estrutura e perversões, Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.
_____,O pai e sua função em psicanálise, Rio de Janeiro: Jorge
         Zahar Ed, 1991
Freud, Sigmund, Três Ensaios sobre a Sexualidade, E.S.B, Vol. VII
         2a ed. revista
Nasio, Juan-David, A histeria: teoria e clínica psicanalítica, Rio de
         Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1991

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