sexta-feira, 3 de agosto de 2012

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O desamparo aprendido

ESAMPARO APRENDIDO: UM MODELO ANIMAL DE DEPRESSÃO? * (1)
Maria Helena Leite Hunziker (2) Universidade de São Paulo

RESUMO - O desamparo aprendido vem sendo utilizado por diferentes pesquisadores como um modelo animal de depressão. Nesse texto são analisados a proposição de modelos animais de psicopatologias, os critérios para validação desses modelos e o desamparo aprendido submetido a esses critérios. Aponta-se a necessidade de um maior rigor metodológico nos trabalhos relativos ao desamparo aprendido e os perigos do uso do comportamento como um mero instrumento de teste dissociado de sua análise funcional.
Palavras-chave: desamparo aprendido, depressão, modelos animais, análise do comportamento, psicopatologia.
LEARNED HELPLESSNESS: IS IT AN ANIMAL MODEL OF DEPRESSION?
ABSTRACT - The learned helplessness effect has been proposed by different researchers as an animal model of depression. ln the present paper we analyze why there are animal models of psychopathologies, the validation criteria of these models, and the learned helplessness effect as an animal model of depression that is submitted to these criteria. We point out the necessity of a more rigorous methodological approach in learned helplessness research, and the problems due to the use of behavior as a mere test instrument without a funtional analysis of thís behavior. Key.words: learned helplessness, depression, animal models, behavior analysis, psychopathology.
A idéia de se investigarem modelos animais de psicopatologias tem sido justificada pela enorme contribuição que tais modelos trariam para a compreensão dessas disfunções humanas. Em princípio, supõe-se que o controle e a manipulação de variáveis ambientais e orgânicas, só possíveis num estudo experimental com animais, podem auxiliar na identificação das causas dessas patologias, no teste de diferentes procedimentos terapêuticos e profiláticos (Keehn, 1979; Willner, 1991). Portanto, esses modelos teriam uma contribuição tanto a nível teórico como prático. Apesar dessa enorme contribuição potencial, a simples idéia de se buscar em animais algum conhecimento sobre psicopatologias é rejeitada por boa pane dos profissionais da Psicologia e ciências afins. É necessário, portanto, destacar que a crença na contribuição desses modelos animais está baseada em um pressuposto filosófico que não tem aceitação generalizada: o de que os comportamentos humano e animal fazem pane de um mesmo contínuo e, portanto, são sujeitos a processos básicos semelhantes. Tal pressuposto, baseado no pensamento darvviniano, fica geralmente restrito ao universo biológico: animais vem sendo amplamente utilizados nas investigações da medicina, biologia e farmacologia, entre outras ciências, sem que isso cause grandes questionamentos filosóficos sobre a generalidade dos resultados obtidos ou da utilidade de tais estudos (3). Porém, quando se entra no terreno da Psicologia, o pensamento darvviniano encontra resistência. O ponto conflitante está no pressuposto predominante na Psicologia de que o ser humano é essencialmente distinto do restante dos animais em função de que apenas ele tem, além do corpo, a mente. Esse dualismo mente/corpo justifica que a maior pane das diferentes correntes teóricas dentro da Psicologia estabeleça a mente como seu objeto de estudo ou, ao menos, como a variável crítica que intermedia todos os comportamentos humanos (4). Assim, se se considera que o comportamento humano é determinado pela mente, e se a mente é própria do Homem, a proposição de modelos animais de psicopatologias se torna absurda pois seria estar buscando em animais processos que são próprios do ser humano.
Embora a maior pane dos estudiosos em Psicologia adote essa filosofia dualista, há os que analisam o comportamento, tanto humano como animal, como resultante da interação entre o organismo e o meio ambiente, sem utilizar nessa análise a intermediação do constructo "mente". Seguindo essa filosofia, o princípio darvviniano de seleção das características dos organismos pelo ambiente foi ampliado para o de seleção do comportamento pelas conseqüências, tanto na sua ontogênese como na sua filogênese (Skinner, 1974, 1984). Desse ponto de vista, o comportamento seria fruto tanto da seleção pelo ambiente no qual o indivíduo vive (história individual), como da seleção ocorrida no ambiente ao qual sua espécie foi exposta e que lhe legou uma herança genética específica. Sendo as espécies geneticamente diferentes, elas necessariamente tem comportamentos diferentes, mas muitas são sujeitas aos mesmos processos de alteração do seu comportamento pela interação com o meio ambiente. Portanto, sem deixar de levar em conta as profundas diferenças existentes entre as espécies, esse posicionamento monista - minoritário, mas também integrante do pensamento psicológico - permite que se busquem em animais alguns dos processos básicos do comportamento humano. É a partir desse referencial filosófico que se justifica a proposição de modelos animais de psicopatologias.
Depressão e modelos animais A depressão é uma psicopatologia que vem sendo bastante investigada em laboratório. Muitos modelos animais de depressão já foram propostos, mas poucos mantiveram uma credibilidade que justifica seu uso por diferentes grupos de pesquisa. Como exemplo disso, Willner (1984) analisou 18 dos modelos animais de depressão mais conhecidos e concluiu pela validade relativa de apenas poucos deles. A análise dos modelos passa por critérios objetivos de validação propostos por alguns pesquisadores como forma de selecionar os mais adequados para a investigação científica. Embora esses critérios possam sofrer variações, em geral espera-se que haja entre o modelo e a psicopatologia uma similaridade quanto à etiologia, bases bioquímicas, sintomatologia e tratamento (Willner, 1985, 1991).
Na prática, nem sempre é simples a avaliação de todos esses aspectos. Por exemplo, quanto a sua etiologia há indícios de que a depressão humana tenha tanto causas genéticas como ambientais. Da mesma maneira, os estudos sobre as bases bioquímicas da depressão fornecem dados conflitantes sobre a importância de disfunções nos sistemas de neurotransmissão noradrenérgica e serotoninérgica, além de outros. Portanto, o critério de similaridade a esses níveis fica dependente da evolução do conhecimento em diferentes áreas, inclusive a clínica.
A análise da similaridade dos sintomas é igualmente complexa: não apenas a sintomatologia da depressão é muito variada como nenhum dos sintomas descritos, inclusive o humor deprimido, é essencial para a classificação do estado depressivo (Willner, 1991). Havendo vários "tipos" de depressão com sintomatologia distinta, qual deles deveria estar sendo mimetizado pelo modelo? Além disso, se a classificação existente se mostra muitas vezes inadequada para a análise da depressão humana, qual o referencial para comparação com o modelo animal? Uma rápida análise dos sintomas de depressão apontados no DSM-III - sistema de classificação das desordens psiquiátricas desenvolvido pela American Psychiatric Association, em 1980 - revela que muitos desses sintomas são totalmente subjetivos: tristeza, pessimismo, sentimentos de impotência diante de dificuldades corriqueiras, auto-reprovação ou sentimentos exagerados de culpa, pensamentos suicidas. Uma vez que esses sintomas são impossíveis de serem avaliados em animais, restam para análise da similaridade de sintomas apenas as alterações comportamentais que podem ser objetivamente avaliadas, tais como perda da motivação ou insensibilidade aos reforçadores, baixa atividade locomotora, redução da atividade sexual, distúrbio de sono, redução da ingestão alimentar e perda de peso. De qualquer maneira, a similaridade de sintomas não é um aspecto conclusivo do modelo já que dependendo do caso de depressão humana eles podem até ser opostos ao esperado: por exemplo, pode-se observar aumento de fome e do sono na depressão sazonal (Graeff, 1989) ou hiperagitação em alguns casos de depressão endógena (Willner, 1991).
Por fim, a análise sobre a similaridade de tratamento tem sido centrada, com raras exceções, na farmacoterapia: o esperado é que um bom modelo animal de depressão responda seletivamente a drogas antidepressivas, mas não a outras drogas psicoativas, mimetizando os efeitos da farmacoterapia observados na maioria dos pacientes deprimidos. Entretanto, nem mesmo essa análise é muito simples. Como é sabido, uma parcela considerável dos pacientes deprimidos não responde a tratamentos farmacológicos. Além disso, não é raro que a depressão venha associada à ansiedade, sendo que nesses casos as drogas ansiolíticas podem ter algum efeito terapêutico. Conseqüentemente, também não se pode adotar esse critério isoladamente como definidor de um bom modelo animal de depressão.
Em suma, parece ser impossível que um único modelo animal abarque toda a complexidade de uma psicopatologia que é, em si mesma, multifacetada. Não existindo a depressão, como esperar que possa existir o modelo? A tendência atual é considerar que cada modelo pode ter utilidade para a investigação de alguns dos aspectos da depressão, o que já é uma grande contribuição para se conhecer melhor essa psicopatologia. Nesse sentido, alguns modelos podem se mostrar mais adequados para o teste de drogas antidepressivas, outros para as investigações das causas indutoras dos quadros depressivos, etc. De qualquer maneira, um modelo mostra-se tanto mais útil quanto mais aspectos da depressão abranger, ou seja, quanto mais critérios de validade atender (ver Willner, 1991, para uma discussão ampla a esse respeito).
Desamparo Aprendido
O desamparo aprendido (learned helplessness effect) foi proposto como modelo animal de depressão há quase duas décadas (Seligman, 1975) sendo desde então bastante utilizado em diferentes tipos de pesquisa (Overmier & Hellhammer, 1988). Embora o estudo do desamparo tenha se originado de investigações voltadas para a análise de interações entre contingências respondentes e operantes (Maier, 1989), a partir da sua associação com a depressão ele passou a ser amplamente utilizado como um modelo para o teste de drogas e alterações bioquímicas, ficando a análise funcional desse comportamento relegada a segundo plano. Conforme discutiremos mais adiante, esse abandono da análise funcional do desamparo reduziu o potencial de contribuição desses estudos para a compreensão do comportamento em geral, e da possível similaridade do desamparo com a depressão humana.
O estudo do desamparo se destaca pela análise da história passada como um evento crítico na determinação do comportamento presente. Na maioria dos estudos com animais, o desamparo tem sido caracterizado pela dificuldade de aprendizagem operante apresentada por sujeitos submetidos previamente a eventos incontroláveis (não-contingentes). Via de regra, esses eventos correspondem a estímulos aversivos (geralmente choques elétricos) cuja ocorrência independe do comportamento do sujeito. A dificuldade em aprender tem sido avaliada comparando-se o comportamento desses sujeitos frente a contingências operantes (principalmente de fuga ou esquiva) com o comportamento de sujeitos previamente submetidos a choques controláveis ou a nenhum choque: nessa comparação, maiores latências das respostas de fuga/esquiva, ou a não aprendizagem dessas respostas, caracteriza o desamparo.
Num experimento protótipo, três grupos de animais são colocados individualmente em caixas experimentais idênticas onde permanecem pelo tempo de uma sessão, durante a qual dois deles recebem choques provenientes de uma mesma fonte e um terceiro não recebe choques. Da dupla tratada com choques, apenas um animal pode desligá-los emitindo uma resposta previamente selecionada, controlando dessa maneira a duração dos choques para si e para o seu parceiro, para o qual os choques são incontroláveis. Portanto, essa tríade permite que se analise tanto os efeitos dos choques em si como os efeitos da possibilidade (ou não) de controle sobre os mesmos. Vinte e quatro horas após essa sessão, todos os animais são submetidos a uma contingência de fuga ou esquiva. O resultado padrão é uma maior latência de fuga/esquiva apresentada pelos animais submetidos aos choques incontroláveis, sendo que tanto os animais expostos aos choques controláveis como os não submetidos aos choques não diferem entre si. Em função desses resultados, a incontrolabilidade dos choques, e não os choques em si, vem sendo apresentada como a variável crítica para a ocorrência desse efeito comportamental uma vez que não se observa a dificuldade de aprendizagem pelos sujeitos expostos aos choques controláveis (Overmier & Seligman, 1967; Seligman & Maier, 1967).
Diferentes formulações teóricas foram apresentadas para explicar o desamparo, sendo que a maioria delas propõe que a experiência com os choques incontroláveis tem como efeito principal tornar o sujeito menos ativo. Essa inatividade pode ser aprendida através de contingências acidentais supostamente presentes na condição de incontrolabilidade (Bracewell & Black, 1974; Glazer & Weiss, 1976; Levis, 1976), ou pode ser decorrente da depleção de alguns neurotransmissores cerebrais que reduziria a atividade motora do sujeito (Anisman, lrwing & Sklar, 1979; Weiss, Glazer & Pohorecky, 1976; Weiss, Glazer, Pohorecky, Brick & Miller, 1975). Aprendida ou imposta bioquimicamente, a inatividade teria como conseqüência dificultar a inicializacão da resposta de teste, reduzindo o contato do sujeito com a contingência operante.
Em suma, essas hipóteses sugerem que a dificuldade de aprendizagem operante observada nesses estudos é meramente um subproduto da baixa atividade locomotora dos animais e não um processo de aprendizagem em si.
Entretanto, a hipótese que ganhou maior projeção na análise desse fenômeno não atribui à inatividade um papel crítico. Segundo alguns autores, os indivíduos submetidos à incontrolabilidade aprendem que os eventos do meio ocorrem independentemente do seu comportamento e essa aprendizagem interfere na aprendizagem oposta de fuga ou esquiva (Maier & Seligman, 1976; Seligman, Maier & Solomon, 1971).
Essa hipótese recebeu o mesmo nome do fenômeno que se propõe a explicar (learned helplessness hypothesis) o que gera muitas vezes confusão entre o fenômeno e a sua explicação. Apesar dessa mistura indesejável, esta é a única formulação teórica que analisa o desamparo diretamente como um processo de aprendizagem associativa e não como subproduto de outros processos, análise essa que tem se revelado mais consistente com os dados experimentais que a proposta de inatividade (Maier & Seligman, 1976; Maier, 1989). É também a hipótese do desamparo aprendido que justifica a proposição desse fenômeno comportamental como um modelo de depressão humana (Overmier & Helhammer, 1988; Seligman, 1975).
O desamparo aprendido foi inicialmente sugerido como modelo de depressão reativa ou exógena devido às semelhanças de sintomatologia, etiologia, cura e prevenção (Seligman, 1975). Embora essa proposta tenha sido feita poucos anos após o primeiro relato de desamparo com animais, pode-se dizer que os trabalhos experimentais que a seguiram trouxeram uma grande quantidade de informações que, de uma maneira geral, sustentam a sua credibilidade como um dos melhores modelos de depressão em uso, embora não exista um consenso sobre que tipo de depressão é mimetizada pelos animais desamparados. A favor do desamparo mimetizar a depressão reativa existe, além do fator desencadeante ambiental, o fato de que o comportamento pode ser revertido forçando-se o sujeito a emitir a resposta de fuga o que, segundo alguns autores, poderia ser análogo a intervenções psicossociais tipo psicoterapia (Seligman, Maier & Geer, 1968; Seligman, Rosellini & Kozak, 1975). Entretanto a sua sensibilidade diferencial a tratamento com drogas antidepressivas (Sherman, Sacquitne & Petty, 1982) aponta na direção da depressão endógena uma vez que se relata que a depressão reativa responde pouco ao tratamento farmacológico (Graeff, 1989). Da mesma maneira, outras características do animal desamparado - tais como passividade, baixa atividade locomotora, piora no desempenho mantido por contingências de reforçamento positivo, redução de comportamentos agressivos, perda de apetite e elevação dos níveis de corticosteroides - também são freqüentemente associados à sintomatologia da depressão endógena ou à fase depressiva da PMD. Portanto, a afirmação de que o desamparo mimetiza a depressão exógena, bem aceita nos trabalhos iniciais, é hoje olhada com cautela.
Essa dificuldade de se determinar o tipo de depressão que é mimetizado pelo desamparo torna-se pouco relevante frente à tendência crescente de se considerar que mesmo em humanos nem sempre é possível se fazer uma distinção exata dos diferentes subtipos de depressão. Mais relevante parece ser a análise das similaridades freqüentemente observadas entre os animais desamparados e diferentes tipos de pacientes deprimidos. Entre elas observa-se nos animais desamparados, além das características comportamentais já citadas, a depleção dos neurotransmissores noradrenalina (NA) e serotonina (5-HT) (Anisman, lrwing & Sklar, 1979; Weiss e cols., 1975; Weiss, Glazer & Pohorecky, 1976), coincidente com as principais teorias sobre a bioquímica da depressão (Graeff, 1989). Diferentes trabalhos têm demonstrado que drogas agonistas de NA e 5-HT são efetivas para impedir o desamparo em animais (Graeff, Hunziker & Graeff, 1989; Sherman, Sacquitne & Petty, 1982), enquanto antagonistas desses neurotransmissores simulam o desamparo (Anisman & Zacharko, 1982). Nesse sentido, o efeito obtido com a imipramina, que é um dos antidepressivos mais utilizados clinicamente, pode ser um argumento a favor da analogia entre desamparo e depressão (Petty & Sherman, 1979). Outro exemplo de características dos animais desamparados que coincidem com as de pacientes deprimidos é a imuno-supressão (Laudendlager, Ryan, Drugan, Hyson & Maier, 1983; Mormede, Dantzer, Michaud, Kelley & Moa’, 1988).
Se esse conjunto de resultados sugere para alguns a validação do desamparo aprendido como modelo de depressão, para outros ele é insuficiente. Segundo Willner (1986, 1991), a proposta do desamparo como modelo de depressão baseia-se em três asserções que são controvertidas: 1) os animais submetidos aos eventos aversivos incontroláveis tornam-se desamparados em função da aprendizagem de independência entre seu comportamento e os eventos do meio; 2) pessoas submetidas à incontrolabilidade desenvolvem uma aprendizagem similar, tornando-se desamparadas; 3) o desamparo (ou a crença na independência entre comportamento e eventos do meio) é o sintoma central da depressão em humanos. Para Willner, a primeira asserção só se sustenta na hipótese do desamparo aprendido, sendo contestada pelas demais hipóteses explicativas que apontam a inatividade como a variável crítica; a segunda asserção baseia-se na teoria do desamparo reformulada para humanos (Abranson, Seligman & Teasdale, 1978) onde a variável crítica passa a ser a atribuição que o indivíduo faz das suas falhas, não bastando a simples experiência com a incontrolabilidade, o que torna praticamente impossível seu teste com animais; por fim, a terceira asserção fica comprometida por resultados experimentais que sugerem que nem sempre a atribuição depressiva implica numa maior probabilidade de depressão. Apesar dessa argumentação de Willner ser bastante criteriosa, ela pode ser questionada, ao menos em pane, pelo fato dele recorrer às hipóteses da inatividade, as quais têm sido cada vez mais descartadas como explicações convincentes do desamparo. O que se pode dizer é que no atual estágio de investigação predomina na literatura a idéia de que o desamparo tem sido um modelo comportamental bastante útil no estudo experimental da depressão.
Apesar disso, a análise da maioria dos trabalhos publicados sobre desamparo aprendido revela uma surpreendente falta de rigor tanto conceitual (na classificação do efeito em si) como metodológica (nos procedimentos empregados para a sua produção). O uso do desamparo como um mero modelo, sem uma análise funcional do comportamento estudado, tem gerado um grande número de trabalhos cujos processos comportamentais chamados de "desamparo" dificilmente poderiam ser considerados equivalentes. Por exemplo, apesar do desamparo ser definido como a dificuldade ou falha de aprendizagem instrumental em função da experiência prévia com eventos aversivos incontroláveis, a maior pane dos trabalhos relatados não leva em conta esse aspecto de aprendizagem: a diferença de latência de fuga e/ou esquiva entre os grupos não encobre o fato de que os animais não submetidos aos choques incontroláveis freqüentemente não apresentam padrão de aprendizagem (Alloy & Bersh, 1979; Jackson, Maier & Rapaport, 1978, experimento lA; Maier & Jackson, 1977; Maier & Testa, 1975; Seligman, Rosellini & Kozak, 1975, experimento 2). Ou seja, se o desamparo é por definição uma interferência num processo de aprendizagem operante em função de uma história passada específica, o mínimo a se esperar é que essa aprendizagem seja claramente observada em animais que não tiveram tal história. Sem essa demonstração, os comportamentos observados não podem ser chamados de desamparo.
A falta de rigor conceitual e metodológico tem gerado resultados que levam a equívocos na análise teórica do fenômeno. Como exemplo disso, pode-se citar dois conjuntos de resultados que geraram problemas na validação e interpretação teórica do fenômeno, e posteriormente se revelaram fruto da imprecisão metodológica: 1) a dificuldade de replicação do desamparo com ratos (os trabalhos iniciais foram com cães), que sugeriu por algum tempo a sua baixa generalidade como processo básico entre espécies, e 2) o fato do desamparo não ser observado após 48 horas da experiência com a incontrolabilidade (Overmier & Seligman, 1967; Weiss e cols., 1992), o que dificultava sua análise como um fenômeno decorrente de processos associativos, ou mesmo da sua equivalência à depressão humana uma vez que o diagnóstico de depressão do DSM-III requer que a sintomatologia permaneça pelo menos durante duas semanas (Willner, 1991). Hoje sabe-se que o desamparo ocorre tanto em ratos como nas mais diferentes espécies (Overmier & Hellhammer, 1988), após diferentes intervalos da experiência com a incontrolabilidade (por exemplo, Damiani, Costa, Machado & Hunziker, 1992).
As primeiras replicações com ratos foram obtidas quando se utilizou como contingência de fuga o esquema de reforçamento em FR2 para a resposta de correr na shuttlebox (Maier & Testa, 1975) e em FR3 para a resposta de pressão à barra (Seligman, Rosellini & Kozak, 1975). Ambas as contingências foram propostas em substituição à contingência de FRI na shuttlebox, empregada inicialmente por ser análoga à utilizada com cães, porém sem sucesso com ratos. Embora esses pesquisadores tenham adaptado a contingência de fuga para os ratos considerando as diferenças entre as espécies, é curioso notar que a "solução" apresentada por eles não levou em conta o requisito mínimo de demonstrar que os animais ingênuos aprendem a resposta de fuga: ambas as contingências produzem, nos animais ingênuos, latências constantes ou progressivamente maiores ao longo da sessão de fuga, o que é o oposto do esperado nesse processo de aprendizagem. Nesses trabalhos, o fato dos animais submetidos aos choques incontroláveis terem apresentado latências mais altas que os sujeitos ingênuos foi considerado suficiente para caracterizar o desamparo. Essa imprecisão de medida do processo de aprendizagem operante está igualmente pressente nos trabalhos que investigaram a ocorrência do desamparo após 48 horas desde os choques incontroláveis, tornando pouco elucidativos os resultados a esse respeito (Maier & Testa, 1975; Seligman Rosellini & Kozak, 1975). Apesar disso, essas contingências de fuga e/ou esquiva continuam sendo adotadas pela maioria dos pesquisadores do desamparo (ver, por exemplo, Maier, 1989).
A análise da inadequação desses procedimentos experimentais motivou uma série de investigações estabelecendo contingências mais precisas, tendo sido obtidos resultados sistemáticos de desamparo com ratos em condições onde os animais ingênuos apresentaram um típico padrão de aprendizagem de fuga. Basicamente, foi estabelecida uma contingência de fuga onde a possibilidade de interação entre contingências operantes e respondentes, conflitantes entre si, foram minimizadas. Também foi reduzida a probabilidade inicial da resposta de fuga e aumentada a quantidade de feedback sobre essa resposta (ver análise de Hunziker, 1981). Usando-se o procedimento básico gerado por esses experimentos, foram obtidos resultados algumas vezes destoantes da literatura da área, porém mais consistentes com a análise do processo de aprendizagem em estudo: 1) o desamparo foi observado igualmente após 24 ou 168 horas (ou 7 dias) dos choques incontroláveis (Damiani e cols., 1992); 2) obteve-se igual nível de desamparo em ratos machos e fêmeas (Hunziker & Damiani, 1992), em contraposição a relatos de que fêmeas não desenvolvem o desamparo aprendido, ou o desenvolvem menos intensamente (Navarro e cols., 1984; Steenbergen, Heinsbrock, van Haaren & van de Poll, 1989); 3) o uso de sinalização pós-choques incontroláveis, semelhante à descrita por Volpicelli, Ulm, Altenor e Seligman (1984) como suficiente para impedir o aparecimento do desamparo, não produziu esse efeito (Damiani & Hunziker, 1992); 4) uma única administração de naloxona (Hunziker, 1992) ou de imipramina (Graeff, 1991; Hunziker, Buonomano & Moura, 1986) impediu o aparecimento do desamparo, contrariando outros trabalhos que descreveram a necessidade de tratamento crônico para obter esse resultado (Hemingway & Reigle, 1987; Petty & Sherman, 1979). Pelo fato de que todos esses trabalhos mostram, sem exceção, padrões de aprendizagem de fuga pelos sujeitos ingênuos e latências significantemente mais elevadas emitidas pelos sujeitos submetidos previamente aos choques incontroláveis, pode-se assegurar a análise de um processo de aprendizagem instrumental. Por outro lado, com os procedimentos normalmente adotados é mais provável que se esteja medindo a atividade motora eliciada pelos choques e não um processo associativo (Maier & Testa, 1975). Nesse caso, os dois conjuntos de trabalhos não seriam diretamente comparáveis por estarem investigando processos distintos.
Portanto, parece ser indispensável que o desafio de se estabelecerem modelos animais de psicopatologias seja acompanhado de uma constante e rigorosa análise dos processos comportamentais envolvidos. A falta dessa análise gera o uso do comportamento como um mero instrumento de teste como se ele não fosse uma complexa interação entre o organismo e o ambiente, o que é falso. Nunca é demais lembrar que um instrumento equivocado gera, necessariamente, resultados pouco confiáveis. Assim, mais importante do que a resposta à pergunta do título desse trabalho é a constatação de que ainda há muito a ser investigado sobre a complexidade das variáveis responsáveis pelo desamparo aprendido. A questão teórica subjacente a esses estudos continua sendo de grande relevância para a análise do comportamento, e o delineamento proposto oferece um instrumental adequado para estudos rigorosos sobre as variáveis das quais o comportamento é função. Se esses estudos somarem evidências para a análise das similaridades do desamparo com a depressão humana, tanto melhor para a compreensão dessa psicopatologia. Contudo, sem esse rigor metodológico corre-se o risco de análises superficiais e, conseqüentemente, equivocadas. O que é, no mínimo, um atraso para a ciência.
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* Artigo publicado originalmente na revista Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, 1993, Vol 9, n.3, pp. 487-498 (voltar...)
(1) A autora agradece a leitura crítica de Kátia Damiani, Lígia Maria C.M. Machado e Sérgio X. Hackradt; e o apoio do CNPq (proc. 501057/91.9). (voltar...)
(2) Endereço: Departamento de Psicologia Experimental, Instituto de Psicologia - USP Av. Prof. Mello Moraes 1721, 05508-900 São Paulo SP. (voltar...)
E-mail: hunziker@usp.br
(3) Aqui não se pretende analisar um tipo de questionamento, bastante em voga atualmente, que diz respeito aos "direitos animais", ou seja, à justificativa ética de se utilizarem animais em experimentos científicos. (voltar...)
(4) Importante frisar que, nesse contexto, mente não equivale a cérebro. (voltar...)
Texto extraído do site http:// www.lexxa.com.br/users/behaviorism/

A Psicopatologia sob a ótica da Análise do Comportamento:

A Psicopatologia sob a ótica da Análise do Comportamento:
 aspectos teóricos e clínicos.
*Bruna de Amorim Sanches Aldinucci1 Não é incomum ouvirmos pessoas explicando seus próprios comportamentos ou comportamentos de outras pessoas através de algum diagnóstico psiquiátrico ou simplesmente recorrendo a algum sentimento ou pensamento. A Psicopatologia é um campo de estudo da Medicina, mais especificamente da Psiquiatria. No entanto, os conceitos da psicopatologia estão sendo amplamente utilizados por leigos e até mesmo por profissionais das áreas da saúde (psicólogos, enfermeiros, médicos, etc.) para explicar comportamentos desviantes. Os alunos de psicologia têm alguma informação de que os pressupostos do Behaviorismo Radical são incompatíveis com o fato de atribuir as causas do comportamento público a algum pressuposto teórico ou a algo que ocorre dentro do sujeito. Mas qual é exatamente a objeção behaviorista? Para esclarecer onde repousa a crítica recorremos a Skinner (1953). “Um costume ainda mais comum é explicar o comportamento em termos de um agente interior sem dimensões físicas, chamado “mental” ou psíquico”. (...) Um refinamento apenas um pouco mais modesto é atribuir cada aspecto do comportamento de um organismo físico a um aspecto correspondente da “mente” ou de outra “personalidade” interior. (...) Algumas vezes o homem interior é claramente personificado, como quando o comportamento delinqüente é atribuído a uma “personalidade desordenada”, ou pode ser encontrado em fragmentos, como quando o comportamento é atribuído a processos, faculdades ou traços mentais. Skinner, 1953, p. 30-31)
Portanto, a Análise do Comportamento, como prática que se fundamenta numa filosofia behaviorista, não aceita que as chamadas doenças mentais sejam tomadas como causas do comportamento dito patológico, porque esse tipo de “explicação” é circular. Circular porque explicar um comportamento por
1 Mestre em Análise do Comportamento pela Universidade Estadual de Londrina, psicóloga clínica e docente do Centro Universitário Filadélfia.
agentes interiores ao organismo que se comporta não esclarece porque a pessoa se comporta da maneira como o faz. Buscar a explicação do comportamento dentro do sujeito inviabiliza conhecer as variáveis que realmente afetaram e afetam a pessoa e que estão relacionadas ao comportamento observado. Cabe ressaltar que a Análise do Comportamento aceita e estuda os chamados eventos mentais, mas sem conferir a eles qualquer tipo de status de causalidade. Sendo assim, tais eventos também devem ser explicados pela análise comportamental. O comportamento é produto da sua história e de variáveis do contexto atual, explicar o comportamento consiste em entender o seu processo de construção. “Da mesma forma, quando se explica um exemplo de comportamento desajustado dizendo que o indivíduo “sofre de ansiedade”, teremos de dizer também qual a causa da ansiedade. Mas as condições externas que então se invocam poderiam já ter sido diretamente relacionadas ao comportamento desajustado”. (Skinner, 1953, p. 37) No caso dos transtornos psiquiátricos, o analista do comportamento não rejeita os diagnósticos, a ressalva refere-se ao fato de que os manuais diagnósticos oferecem uma descrição topográfica do comportamento, o que é insuficiente para explicar as causas de um padrão comportamental. A descrição topográfica fornecida por estes manuais resume uma série de comportamentos prováveis de ocorrer. No entanto, esses conceitos não fornecem nenhum dado específico sobre uma pessoa, não explica como o produto – psicopatologia – foi construído e se mantém, mas classificam padrões comportamentais. A ansiedade, por exemplo, é entendida como produto de contingências, nos manuais estatísticos tem-se uma descrição sobre os mais variados transtornos de ansiedade, no entanto não são relevantes para entender porque uma pessoa que se comporta de maneira ansiosa.
“Quando falamos dos efeitos de ansiedade, estamos dizendo que o próprio estado é uma causa, mas até onde nos referimos aqui, o termo meramente classifica um comportamento. Indica um conjunto de predisposições emocionais atribuídas a um tipo especial de circunstâncias. Qualquer tentativa terapêutica de “reduzir os efeitos
da ansiedade” deve operar sobre essas circunstâncias, não sobre o estado interveniente.” (Skinner, 1953, p. 198) No Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, quarta edição (DSM IV), as características diagnósticas do Transtorno de Ansiedade Generalizada são apresentadas. “A característica essencial do Transtorno Ansiedade Generalizada é uma ansiedade ou preocupação excessiva (expectativa apreensiva), ocorrendo na maioria dos dias por um período de pelo menos 6 meses, acerca de diversos eventos ou atividades (Critério A). O indivíduo considera difícil controlar a preocupação (Critério B). A ansiedade e a preocupação são acompanhadas de pelo menos três sintomas adicionais, de uma lista que inclui inquietação, fatigabilidade, dificuldade em concentrar-se, irritabilidade, tensão muscular e perturbação do sono (apenas um sintoma adicional é exigido em crianças) (Critério C).” (DSM IV, p. 457) Ao ler um trecho das características diagnósticas do Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) fica claro que não há nada referente a uma pessoa em especial, mas são informações que se referem a uma população que se comporta de maneira semelhante. A Análise do Comportamento se preocupa nos motivos pelos quais uma pessoa especificamente sente-se ansiosa entre outros comportamentos que ela apresenta. Se estivermos diante de duas pessoas com o mesmo diagnóstico, por exemplo, Transtorno de Ansiedade Generalizada, as causas dos comportamentos chamados ansiosos possivelmente não serão as mesmas, embora tenham o mesmo diagnóstico. No caso de intervenções clínicas, o analista do comportamento concentrará seus esforços em identificar e alterar as condições que geram o estado ansioso, visto que este é entendido como produto de contingências.
Os manuais diagnósticos têm a sua relevância, na medida em que resumem várias características em um diagnóstico, e tal conhecimento facilita a comunicação entre profissionais da área. Nesse sentido, os conceitos diagnósticos são econômicos. Além disso, são úteis porque relacionam os conceitos (ex. ansiedade) a comportamentos prováveis de ocorrer. Ter alguma previsão sobre a maneira provável que uma pessoa irá se comportar é importante, porque com tal conhecimento passa a ser possível planejar contingências adequadas para uma dada situação. Por exemplo, uma pessoa
diagnosticada com Transtorno de Humor do tipo Bipolar II, o qual é caracterizado pelo DSM IV por um ou mais Episódios Depressivos Maiores, acompanhado por pelo menos um Episódio Hipomaníaco2. Tal diagnóstico prevê que há períodos de oscilação de humor, que após um episódio de hipomania haverá a recorrência de um episódio depressivo maior. A família dessa pessoa, tendo tal previsão, pode planejar condições que evitem o suicídio, já que esta é uma possibilidade iminente quando se trata de um padrão comportamental com características de Transtorno Bipolar. Sabendo que no momento da virada bipolar (transição do episódio hipomaníaco para o depressivo) o risco de suicídio é alto, a família permanecerá com todos os cuidados para preservar a vida dessa pessoa mesmo na fase hipomaníaca. “Há circunstâncias práticas sob as quais é útil saber que uma pessoa se comportará de uma dada maneira mesmo que não precisemos saber o que ela irá fazer. Ser capaz de prever, por exemplo, que uma proposta será “recebida favoravelmente” é útil, mesmo que a forma específica de recepção permaneça desconhecida. Sob certas circunstâncias tudo o mais acerca do comportamento pode ser irrelevante, e assim uma descrição em termos de traços é altamente econômica. Mas termos desse tipo são úteis para uma análise funcional?” (Skinner, 1953, p. 212) Tendo esclarecido quais são as objeções do Behaviorismo Radical e os princípios em que elas estão fundamentas, cabe abordar o modelo de análise utilizado pela Análise do Comportamento, a qual explica as psicopatologias a partir do mesmo modelo que utiliza para explicar os comportamentos tidos como adequados.
O Behaviorismo Radical fundamenta seus princípios a partir do modelo selecionista de Darwin, estabelecendo um paralelo entre o modelo de seleção natural e o modelo de seleção pelas conseqüências. No modelo darwiniano, alguns organismos com características importantes para um ambiente relativamente estável deixam uma prole mais numerosa e em melhores
2 As características dos Episódios Depressivos Maiores são: alterações no apetite, sono e atividade psicomotora, diminuição de energia, sentimentos de desvalia ou culpa, dificuldades para pensar, concentrar-se ou tomar decisões, ou pensamentos recorrentes sobre morte ou ideação suicida, planos ou tentativas de suicídio. As características do Episódio Hipomaníaco refere-se a (necessidade de cumprir três características) auto-estima inflada ou grandiosidade (não delirante), necessidade de sono diminuída, maior pressão por falar, maior envolvimento em atividades dirigidas a objetivos ou agitação psicomotora, e envolvimento excessivo em atividades prazerosas com alto potencial para consequências dolorosas. (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais)
condições de reprodução e sobrevivência. O paralelo consiste em considerar que assim como os organismos que sobrevivem são aqueles cujas características melhor se adaptam ao meio, os comportamentos seguidos por determinados eventos passam a ter sua classe funcional fortalecida. Desse modo, o comportamento é entendido como produto de três níveis de seleção: filogênese, ontogênese e cultura. O nível filogenético refere-se às características genéticas de uma espécie e a padrões comportamentais que permitem ao organismo interagir num ambiente razoavelmente estável e fornece os limites da ontogênese. O aparato biológico, selecionado pelas contingências filogenéticas, viabiliza o desenvolvimento do operante, visto que estabelece as condições básicas para que o comportamento aconteça. O sistema biológico é condição para o comportamento, e não causa. A ontogênese consiste no segundo nível de seleção pelas conseqüências e refere-se ao fortalecimento do repertório comportamental do indivíduo pelas conseqüências reforçadoras que seguiram suas classes funcionais de comportamento no passado. Neste caso, o que sobrevive é o comportamento, e não mais a espécie (Andery, 2001). A cultura consiste no terceiro nível de seleção. Esse nível atua sobre a seleção das práticas culturais que envolvem reforço social e permitem a sobrevivência do indivíduo e do grupo ao qual ele pertence. Nesse sentido, o terceiro nível de seleção permite que os indivíduos aprendam a se comportar sem necessariamente terem entrado em contato direto com contingências de modelagem dos comportamentos. Desse modo, torna-se possível aprender com o outro (Andery, 2001). Portanto, para explicar o comportamento o behaviorista radical recorre à história da espécie, à história do comportamento do indivíduo e à história social e cultural. A partir do arranjo único de contingências complexas ao qual o sujeito foi exposto construiu-se a sua idiossincrasia e produziu-se o seu repertório comportamental.
O comportamento, seja ele visto como normal ou anormal, é entendido como produto de contingências filogenéticas, ontogenéticas e culturais. Sob
essa ótica, quando se trata de ontogênese e cultura, os comportamentos ditos patológicos, assim como os saudáveis, foram construídos pelos mesmos princípios de aprendizagem (modelagem, modelação, reforço positivo e negativo, punição positiva e negativa, extinção, discriminação, generalização e comportamento governado por regras). É o arranjo único de contingências composto por todos esses processos de aprendizagem que produzem os mais diversos comportamentos. Como entendemos que o comportamento foi selecionado pelas consequências que produziu no passado, ele não é entendido como patológico (doente) porque se ocorre é em razão de existir algum valor adaptativo para a pessoa que se comporta. Comportamentos, por mais bizarros que possam parecer, são um conjunto de respostas que viabilizam conseqüências (reforçadoras positivas e/ou negativas) importantes para o indivíduo. Essas consequências podem ser sensoriais, sociais e consequências como evitação de eventos desagradáveis. (Matos, 1999) O comportamento governado por regras merece uma atenção especial quando se trata das chamadas psicopatologias. Como especificado acima, a cultura permite que o sujeito aprenda coisas com o outro sem exposição direta à contingência e isso pode se tornar um problema, mas também pode ser bastante vantajoso. Skinner (1969) define regra como um estímulo discriminativo verbal que descreve uma contingência. Em 1897, ele nos alertou que as regras são importantes porque elas permitem que uma pessoa aproveite a experiência do outro e que descreva tal experiência de maneiras úteis. Skinner (1987) afirma ainda que as regras são necessárias quando as conseqüências naturais são falhas a longo prazo. Por exemplo, hoje existe a regra que aquecer alimentos no forno microondas, em recipientes plásticos que contenham o componente BPA (Bisfenol A), pode causar câncer. Tomemos esta regra como verdadeira: a conseqüência natural (câncer) é falha porque o intervalo entre o comportamento (aquecer alimentos de plástico no microondas) e a conseqüência (câncer) seria muito longo e assim tal conseqüência não selecionaria comportamentos mais adequados.
Portanto, as regras são importantes porque encurtam o processo de aprendizagem que poderia ser muito longo ou até mesmo ineficaz unicamente pelo processo de seleção pelas conseqüências. Isso não significa que as conseqüências naturais deixam de ser importantes quando o comportamento é governado por regras. Skinner (1987) ressalta que as pessoas continuam respondendo a regras somente se responder sob estas condições estiver produzindo conseqüências reforçadoras. Por exemplo, uma pessoa numa cidade estranha pede instruções à outra sobre como chegar ao shopping e logo no início do caminho uma determinada regra não corresponde à situação, então passa a ser alta a chance da turista parar de seguir as regras dadas pela pessoa que forneceu as instruções. Mas as regras também podem causar problemas quando as contingências mudam e as regras que pretendem descrevê-las não mudam, passando a não mais corresponder a elas.
Além disso, o sujeito pode descrever contingências para ele mesmo a partir de alguma experiência específica que viveu ou observou alguém viver em sua história de vida. A esse processo dá-se o nome de auto-regra. Chama-se de auto-regra porque o falante e o ouvinte seguidor da regra são a mesma pessoa. Por exemplo, uma moça (N) que é filha da segunda união frustrada3 de sua mãe observou as experiências dolorosas da mãe com seus relacionamentos conjugais. N teve alguns relacionamentos conjugais que no seu perceber não deram certo e ela não sabe o motivo. Então N formula a auto-regra: “Homem não presta, melhor é ficar sozinha.” Depois dessas experiências todas, quando algum rapaz se aproxima dela, logo no primeiro contato diz para ela mesma “homem não presta, melhor é ficar sozinha” e afugenta o homem que se aproximou. As pequenas frustrações amigas de N das amigas em seus relacionamentos servem para ela reforçar sua a auto-regra. No entanto, N queixa-se que suas amigas estão todas namorando e que não tem com quem sair e que sente vontade de sair para jantar em casal como suas amigas fazem. A auto-regra funciona como um estímulo discriminativo, no
3 O termo união frustrada foi utilizado para se referir aos casamentos com muitas brigas entre a mãe e os maridos traições do parte deles que culminaram em separações conturbadas.
caso para o comportamento de N escapar de relacionamentos conjugais. Mas o problema é que essa regra descreveu uma contingência muito particular que N viveu e que agora não necessariamente descreve outras contingências do contexto atual. O problema da auto-regra ocorre quando ela não corresponde às contingências em vigor e também porque ela pode não ser testada, pois como ressaltam Zettle & Hayes (1982) as pessoas são pouco propensas a duvidarem delas mesmas. Por isso, uma auto-regra pode continuar sendo ocasião para uma série de comportamentos, e conduzir a resultados problemáticos para o sujeito. (Zettle & Hayes, 1982) Diante do exposto, a tarefa do analista do comportamento não consiste em nomear um padrão comportamental estabelecido e mantido por questões idiossincráticas, mas principalmente em entender as relações de interdependência do comportamento com os contextos em que ele ocorre. Referências Andery. M. A. P. A. O modelo de seleção por conseqüências e a subjetividade. In R. A. Banaco (Org), Sobre o Comportamento e Cognição Cognição (vol.1, p.196-205). Santo André, SP: Esetec, 2001. DSM-IV-TRTM – Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Trad. Claudia Dornelles; 4ª ed rev. – Porto Alegre: Artmed, 2002. Matos, M. A. Análise funcional do comportamento. Em: Estudos de Psicologia, (vol. 16, n.3, p. 8-18). Campinas: PUC-Campinas, 1999. Skinner, B. F. Ciência e Comportamento Humano, 10ª ed. São Paulo: Martins Fontes,1998. (obra original publicada em 1953) Skinner, B. F. Upon Further Reflection. N. J: Englewood Cliffs, 1987. Skinner, B. F. Contingências de Reforço: uma análise teórica. São Paulo: Abril Cultural, 1969. Zettle, R. D. & Hayes,S. C. Rule-governed behavior: A potential theoretical framework for cognitive-behavioral therapy. Em: P. C. Kendal (Org.), Advances in cognitive-behavioral research and therapy, (p.73-118). New York: Academic Press, 1982.

Instrumentos na pratica clinica

HABILIDADES CLINICAS

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Análise funcional do comportamento na avaliação e terapia com crianças

ISSN 1982-3541
Campinas-SP
2010, Vol. XII, nº 1/2, 1-19
Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 1-19
Análise funcional do comportamento na
avaliação e terapia com crianças
Functional analysis of behavior in the assessment and
therapy of children
Rochele Paz Fonseca1
Janaína Thaís Barbosa Pacheco2
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Resumo
Este artigo objetiva apresentar a importância da análise funcional do comportamento na avaliação
e terapia comportamentais com crianças. Tomou parte um caso com oito anos e seis meses de
idade, sexo feminino e dois anos de escolaridade. Sua mãe procurou atendimento com as
descrições comportamentais da filha: desatenta, agitada, agressiva, desobediente e com
dificuldades escolares. A avaliação funcional foi realizada em seis situações: terapeuta-cliente,
terapeuta-mãe, terapeuta-pai, terapeuta-pais, terapeuta-tia e terapeuta-professora. Os principais
procedimentos foram a observação do repertório comportamental da cliente, o relato verbal e a
aplicação de instrumentos específicos. A análise funcional do comportamento foi promovida com
base na formulação de hipóteses dos efeitos de mudanças ambientais nos comportamentos-queixa
da cliente. Procedimentos de reforço verbal e generalizado foram utilizados para aumentar a autoestima
e desenvolver um comportamento de melhor desempenho aritmético e acadêmico. Ambos
os objetivos foram alcançados. Esse estudo de caso demonstrou que a análise funcional pode
embasar processos de avaliação e psicoterapia infantil, tornando-os mais efetivos.
Palavras-chave: Análise funcional; Avaliação funcional; Terapia comportamental; Infância.
Abstract
This article aims to demonstrate the importance of functional behavior analysis in behavioral
evaluations and therapy involving children. A client took part who was eight years and six months
old, female and with two years of schooling. Her mother sought assistance with the behavioral
descriptions of her daughter: listless, agitated, aggressive, disobedient and with learning
difficulties. The evaluation was conducted in six functional situations: therapist-client, therapistmother,
therapist-father, therapist-both parents, therapist-aunt and therapist-teacher. The main
1 Programa de Pós-Graduação em Psicologia – Área de Concentração em Cognição Humana. Grupo de Neuropsicologia Clínica e Experimental
(GNCE), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Av. Ipiranga, 6.681 - Prédio 11 - 9º andar, sala 932
90619-900. Porto Alegre, RS, Brasil. Fone / Fax: 55-513320-3500 ramal 7742. E-mail: rochele.fonseca@pucrs.br
2 Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica (PUCRS). Bolsista PNPD.
Análise funcional do comportamento na avaliação e terapia com crianças
Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 1-19
2
procedures involved the observation of the behavioral repertoire of the client, verbal account and
the application of specific tools. The functional analysis of behavior was promoted based on the
formulation of hypotheses of the effects of environmental changes on the client’s complaintbehavior.
Procedures of verbal and generalized reinforcement were used to increase self-esteem
and develop a behavior that included better arithmetical and academic performance. Both goals
were achieved. This case study demonstrated that functional analysis can be based on processes of
evaluation and child psychotherapy, making them more effective.
Keywords: Functional analysis; Functional evaluation; Behavioral therapy; Childhood.
Introdução
O presente artigo tem por objetivo ilustrar a importância da análise funcional na avaliação e na terapia
comportamentais com crianças através de um estudo de caso. De acordo com Conte e Regra (2004), a psicoterapia comportamental infantil é considerada uma atividade clínica diferenciada que visa à modificação e a ampliação do repertório comportamental infantil. Esta abordagem estabeleceu-se como modelo mpsicoterápico infantil apenas a partir das décadas de 1950 e 1960.
Os pressupostos desta abordagem de psicoterapia infantil fazem parte do corpo teórico-metodológico da terapia comportamental, propriamente dita. A terapia comportamental consiste na intervenção terapêutica baseada no Behaviorismo Radical e na Análise Experimental do Comportamento; é também conhecida como Terapia Analítico-Comportamental – TAC – ou como Psicoterapia Analítica Funcional – PAF. Delitti (2001) ressalta o papel fundamental da análise funcional para o levantamento adequado dos dados
necessários para o processo terapêutico, ou seja, essencial na perspectiva de aproximação efetiva entre o clínico e o pesquisador. A dificuldade de promover uma análise funcional correta é, também, salientada pela autora. Neste contexto, estudos que ilustrem como esta análise pode ser promovida em ambiente clínico
podem contribuir para reflexões teóricometodológicas, acerca da sua aplicabilidade em consultório.
Uma intervenção psicoterápica infantil efetiva deve partir de um diagnóstico cuidadoso. Na abordagem
comportamental, a análise funcional consiste na principal ferramenta para um processo de avaliação e de terapia de modificação do repertório de comportamentos de uma criança (Delliti,

Análise funcional do comportamento
O Behaviorismo preconiza, segundo Delitti (2001), que a compreensão do homem só é alcançada a
partir de conhecimentos empíricos e da obtenção de dados em laboratório. Matos (1999b), ao abordar o Behaviorismo Radical, proposto por Skinner, ressalta que o eu é o construtor do conhecimento e que a metodologia do n=1 é aceita. Para esta autora, o Behaviorismo é radical por negar radicalmente a existência de algo que não seja identificável no espaço e no tempo e por aceitar radicalmente todos os fenômenos comportamentais.
Para Skinner (1953), o comportamento é o resultado da interação organismo-ambiente, só podendo ser entendido a partir da identificação das circunstâncias em queocorre. O comportamento é, então, uma
unidade interativa que deve ser investigada sistematicamente. Essa investigação se dá mediante a descrição e
a interpretação de relações funcionais entre comportamento e ambiente (Matos, 1999b).
Esse entendimento das relações funcionais entre comportamento e ambiente consiste na base da análise
funcional do comportamento. Esta análise pressupõe que um indivíduo emite um dado comportamento por este ter sido selecionado por suas conseqüências. Assim, todo e qualquer comportamento possui uma função dentro do repertório comportamental de um indivíduo (Skinner, 1953). A busca das variáveis externas, independentes, das quais o comportamento (variável dependente) é função, consiste na
principal finalidade de uma análise funcional. No contexto terapêutico, o foco da análise funcional é o comportamento do cliente e pode ser utilizada em diferentes momentos da terapia, tais como a avaliação, a intervenção e o processo de alta (Delliti, 2001).
A análise funcional realizada na avaliação do cliente objetiva desenvolver hipóteses sobre o efeito de variáveis ambientais na modelagem e na manutenção de comportamentos- -problema e, dessa forma, identificar a função do comportamento-problema (Field, Nash, Handwerk & Friman, 2000;
Santarém, 2000). Quanto à análise funcional na psicoterapia, é a etapa de verificação das hipóteses, através da manipulação sistemática dos eventos ambientais (Santarém, 2000). Alguns autores denominam essa etapa de análise funcional experimental, consistindo na Análise funcional do comportamento na avaliação e terapia com crianças Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 1-19
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etapa que tem por objetivo central testar experimentalmente as hipóteses da etapa anterior, usando variáveis independentes derivadas da avaliação funcional (Field et al, 2000).
No que diz respeito aos procedimentos a serem tomados em uma análise funcional durante a avaliação do cliente, Meyer (2001) retoma três aspectos indicados como essenciais por Skinner, para uma formulação adequada da interação organismo-ambiente: 1) ocasião da ocorrência da resposta; 2) resposta propriamente dita e 3) conseqüências reforçadoras. Delitti (2001) enfatiza que, para a descoberta das
contingências em que o comportamentoproblema se instalou e de como ele é mantido, estão envolvidos três momentos da vida do cliente: 1) sua história passada; 2) seu comportamento atual e 3) sua relação com o psicoterapeuta.
Os métodos utilizados neste processo são a observação e o relato verbal. Estes podem ser utilizados no
contexto clínico, ou seja, em consultório, ou no contexto natural, residência, escola, local de trabalho do cliente, por exemplo.
A história passada só pode ser acessada por intermédio do relato verbal, que pode ser uma conversação dialogada, o relato de sonhos, fantasias, filmes, que tenham a função de estímulos discriminativos para
a evocação de eventos da história de vida do indivíduo. O comportamento atual e a relação cliente-terapeuta podem ser analisados, tanto a partir da observação de comportamentos variados do indivíduo, como a partir da interpretação do seu relato verbal (Delliti, 2001).
Com base nesta breve revisão da literatura, observa-se que a análise funcional realizada na avaliação não tem o objetivo de estabelecer um diagnóstico psiquiátrico tradicional, como Torós (2001) ressalta, mas buscar entender qual é a função dos comportamentosproblema no ambiente do cliente, através
de hipóteses sobre relações entre variáveis independentes e dependentes. Del Prette, Silvares e Meyer (2005) enfatizam que a avaliação, em terapia comportamental, visa a uma análise funcional que oriente a seleção de estratégias de intervenção, fornecendo, ainda, indicadores para posteriores avaliações da sua efetividade. Esses últimos autores em sua meta-análise de estudos de caso verificaram uma predominância do uso dos seguintes procedimentos de avaliação: entrevistas iniciais com os pais e a criança e a
observação direta da criança, no contexto da terapia.
Mediante uma visão conceitual mais ampla da análise funcional do Rochele Paz Fonseca - Janaína Thaís Barbosa Pacheco Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 1-19
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comportamento, Matos (1999a) sugere cinco procedimentos básicos, cada um desses com estratégias específicas envolvidas, para a realização de uma avaliação e de uma intervenção funcionais, conforme pode ser observado na Tabela 1 abaixo.
Tabela 1. Cinco procedimentos básicos para uma análise funcional do comportamento.
Procedimentos Estratégias envolvidas
Definição precisa do comportamento de interesse
1) observação do comportamento de interesse
2) relato de outras pessoas sobre o comportamento
Identificação e descrição do efeito comportamental
1) especificação do efeito comportamental (freqüência de ocorrência, por exemplo)
Identificação de relações ordenadas entre variáveis ambientais e o comportamento de interesse, assim
como entre o comportamento-alvo e demais comportamentos
1) descrição da situação que antecede e da situação que sucede o comportamento de interesse
2) identificação das conseqüências dentre as situações que sucedem o comportamento de interesse
3) identificação das condições dentre as situações que antecedem o comportamento de interesse
Formulação de predições sobre os efeitos de manipulações das variáveis ambientais e de outros comportamentos sobre o comportamento de interesse
1) descrição da natureza das relações funcionais dentro de um referencial conceitual
2) identificação do envolvimento de eventos físicos e/ou comportamentos (da própria
pessoa ou de outras pessoas) nascondições antecedentes
Teste das predições 1) intervenção clínica ou institucional
2) investigação laboratorial
Para esta autora, então, uma análise funcional completa deve englobar observação, suposição e verificação,
visando à produção de uma definição funcional do comportamento. Matos (1999a) enfatiza, ainda, a impossibilidade de se observar diretamente uma relação funcional. Esta pode ser, apenas,  investigada com base na observação dos comportamentos de um indivíduo. Assimsendo, as vantagens de uma análise
funcional completa são a identificação de
variáveis que influenciam na ocorrência
do comportamento de interesse, o
planejamento de intervenções, através da
modificação destas variáveis e,
conseqüentemente, do comportamentoproblema,
e a previsão das condições que
podem proporcionar a generalização e a
manutenção das modificações
comportamentais efetuadas.
Quanto à aplicação da análise
funcional no atendimento clínico de
crianças, Conte e Regra (2004) e Silvares
(2004) mencionam a importância desta
ferramenta para que os antecedentes e os
conseqüentes ambientais, que controlam
o comportamento-queixa infantil atuais,
sejam identificados. A busca por como,
quando e onde tal comportamento ocorre,
é essencial para o planejamento da
psicoterapia comportamental infantil.
Psicoterapia comportamental com
crianças
A Psicoterapia Comportamental
pode ser entendida como aquela
intervenção para a modificação e
ampliação de comportamentos, baseada
na aprendizagem, na preocupação com o
método e na especificação das relações
funcionais (Kerbauy, 2001; Kohlenberg &
Tsai, 2001). Sua utilidade é associada ao
Análise funcional do comportamento na avaliação e terapia com crianças
Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 1-19
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tratamento de indivíduos de diferentes
faixas etárias. Entretanto, na literatura
que aborda a aplicação da terapia
comportamental no processo de avaliação
e intervenção com crianças, algumas
especificidades são apontadas.
Silvares (2004), ao mencionar a
análise funcional no contexto da
psicoterapia infantil, enfatiza que a forma
de conduzir esta análise muda de acordo
com a idade do cliente, mas os objetivos
de buscar as relações funcionais não
sofrem modificações. Regra (2000) e
Conte e Regra (2004) esclarecem que,
tanto na avaliação quanto na intervenção
psicoterápica, o envolvimento de outras
pessoas, em casa e na escola, além da
própria criança, é fundamental para o
sucesso de uma análise funcional do
comportamento infantil.
O manejo de contingências, a
partir da interação de, no mínimo, três
pessoas, pode ser chamado de modelo
triádico (Silvares, 1995). Assim, além do
envolvimento do terapeuta e do cliente,
conforme o modelo diático, geralmente
aplicado na terapia comportamental com
adultos, na terapia comportamental com
crianças, um mediador também é
envolvido. Este pode ser representado
pelos pais, pela professora, entre outros.
A efetividade da intervenção será maior,
quanto maior for a modificação das
variáveis independentes mantenedoras
do comportamento de interesse da
criança em análise. O comportamento da
criança continua sendo o alvo primário,
mas para as modificações
comportamentais serem generalizadas e
duradouras, o treino de pais e/ou
professores torna-se essencial.
Desta forma, a análise funcional do
comportamento infantil requer o
entendimento das relações funcionais
entre o comportamento-queixa e as
conseqüências comportamentais dos pais,
dos professores e do terapeuta
comportamental. O método mais
utilizado para esta análise é o relato
verbal das pessoas envolvidas (Deaver,
Miltenberger & Stricker, 2001). Frente à
revisão apresentada, conclui-se que a
análise funcional do comportamento é
uma ferramenta importante na terapia
comportamental. No entanto, a sua
implementação na prática clínica, ainda
se constitui em um desafio. A fim de
contribuir com a literatura sobre o tema,
este estudo de caso visa a apresentar
procedimentos de avaliação e de
intervenção sustentados pela análise
funcional do comportamento, em um
contexto de psicoterapia infantil.
Método
Rochele Paz Fonseca - Janaína Thaís Barbosa Pacheco
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O método utilizado para a
realização deste estudo de caso foi a
análise funcional do comportamento que
guiou as duas etapas de intervenção
promovidas: 1) avaliação e 2) terapia.
Ressalta-se que, como primeiro
procedimento deste estudo de caso,
conduziu-se a aplicação de um Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, que foi
assinado pelo pai e pela mãe da cliente.
Primeiramente, uma descrição geral da
participante e da queixa será promovida.
Participante e relato da queixa
A participante, por critérios éticos,
será chamada de A. Esta tem oito anos e seis
meses de idade e é do sexo feminino.
Encontra-se cursando a terceira série do
Ensino Fundamental. Mora com seus pais e
com sua irmã gêmea, B (nome fictício,
ressaltando-se a semelhança entre os nomes
reais), permanecendo no turno da manhã, sob
os cuidados de uma tia materna.
A mãe de A procurou atendimento em
uma clínica psicoterápica da região
metropolitana de Porto Alegre, RS, com as
seguintes queixas comportamentais
relacionadas à sua filha: desatenta, agitada,
agressiva (com familiares e amigos),
desobediente e apresentando dificuldades
escolares.
Método
A fim de tornar claros os
procedimentos desenvolvidos com a
cliente, o método será dividido em:
método do procedimento de avaliação e
método da intervenção terapêutica. É
importante salientar que ambos foram
desenvolvidos utilizando a análise
funcional.
Método do Procedimento de
Avaliação
Instrumentos e Procedimentos
A avaliação foi efetuada mediante
contato em seis situações: terapeutacliente,
terapeuta-mãe, terapeuta-pai,
terapeuta-pais, terapeuta-tia e terapeutaprofessora.
Diferentes instrumentos e
quantidade de sessões foram utilizados
em cada situação, conforme pode ser
visualizado na Tabela 2.
Tabela 2. Número de sessões e instrumentos para cada
situação da avaliação funcional.
Situações
sessões
(n)
Instrumentos
Terapeuta-cliente 4 Atividade lúdica livre
Ditado de palavras e frases
Exame do caderno
Teste das Matrizes
Progressivas de Raven
Seqüências lógicas
Tarefa de habilidades
aritméticas
Terapeuta-mãe 2 Entrevista ficha de
anamnese
Questionário parental de
sintomas
Terapeuta-pai 1 Entrevista - Ficha de
anamnese
Terapeuta-pais 1 Entrevista
Terapeuta-tia materna 1 Entrevista
Terapeuta-professora 1 Entrevista
Total 10 17
Nota: As entrevistas estão apresentadas na ordem em que
foram realizadas, sendo a segunda entrevista com mãe
efetuada após aquela com os pais.
Análise funcional do comportamento na avaliação e terapia com crianças
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Quanto aos procedimentos
utilizados na avaliação, a observação do
repertório comportamental da cliente foi
efetuada desde a sala de espera até cada
sessão individual de avaliação e aplicação
dos instrumentos. Além disso, as
relações funcionais também foram
inferidas a partir do relato verbal das
pessoas que convivem com a cliente:
mãe, pai, tia e professora. Foram
definidos os comportamentos de
interesse, com a posterior
identificação dos efeitos
comportamentais.
Método da Intervenção Terapêutica
Instrumentos e Procedimentos
A análise funcional do
comportamento foi realizada em
ambiente clínico, a partir de três
interações: 1) terapeuta-cliente (29
sessões); 2) terapeuta-familiares (3
sessões) e 3) terapeuta-professora (2
sessões). A partir dos resultados da
avaliação, foram formuladas predições
sobre as conseqüências, no
comportamento de interesse da
cliente, de modif icações nas
variáveis ambientais. Assim, foram
efetuadas intervenções específicas
em cada interação, cujos objetivos,
procedimentos e estratégias
encontram-se explicitados na
Tabela 3.
Tabela 3. Intervenções clínicas, através das interações
terapeuta-cliente-familiar-professora.
Terapeuta-cliente
Interações
Terapeuta-familiares
e
Terapeuta-professora
Aumentar auto-estima
Objetivos
Desenvolver comportamento de melhor desempenho
aritmético e acadêmico
Reforço verbal
Reforço generalizado
Procedimentos
Orientações para diminuição na freqüência de
comparações entre irmãs
Elogiar sua aparência e produção escrita
Técnica de economia de fichas
Relato verbal do efeito do comportamento
comparativo dos pais sobre a cliente
Estratégias
Relato verbal do efeito da demonstração verbal e nãoverbal
de afeto após melhoras de desempenho da
cliente
Resultados
Assim como na seção Método, os
resultados serão apresentados em dois
momentos: 1) Resultados da avaliação e
2) Resultados da intervenção terapêutica.
Resultados da avaliação
História pregressa e atual
A e sua irmã-gêmea, B, dormem no
mesmo quarto há sete meses. Antes,
dormiam no quarto dos pais. Quanto à
escolarização, A finalizou a segunda série
do Ensino Fundamental em dezembro de
Rochele Paz Fonseca - Janaína Thaís Barbosa Pacheco
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2004. Não freqüentou pré-escola, sendo
sua primeira série realizada com
dificuldades atribuídas a questões
institucionais, tais como greve, falta de
professor e violência no bairro, em que a
escola se localiza. Nos dois anos escolares,
teve sua irmã como colega, na maior
parte do tempo. A professora e seus
familiares referiram que ela
freqüentemente demorava a terminar as
atividades propostas em aula, tendo que
levar tarefas para casa ou pedir auxílio à
irmã, para que esta terminasse as suas
tarefas. Sua professora salientou, ainda,
que A apresentava dificuldades no
reconhecimento de números, na
realização de tarefas que demandavam
habilidades aritméticas, assim como
habilidades mais complexas de linguagem
escrita (narrativa escrita, por exemplo).
Através da análise das fichas de
anamnese, preenchidas individualmente
pelos pais de A, observou-se que não
houve intercorrências, durante a
gestação. Seu parto foi realizado com o
procedimento de cesariana. Nasceu após
sua irmã, com hipóxia. Seu
desenvolvimento psicomotor e lingüístico
é sugestivo de normalidade neurológica.
Foi amamentada naturalmente, até os
seis meses de idade e artificialmente, até
cinco anos e um mês. Apresentava sono
agitado.
A ficava sob os cuidados diários de
sua tia materna, juntamente com sua
irmã e um primo. Estudava no turno
vespertino. Costumava brincar na escola
apenas com crianças de seu sexo,
preferindo a companhia de uma amiga
(amiga em comum com sua irmã) e de
sua irmã. Gostava de assistir televisão,
sem permanecer muito tempo nesta
atividade. Optava freqüentemente por
brincadeiras de rua, tais como pular
corda, subir em árvores, correr, entre
outras. Relacionava-se melhor com o pai
(sic. pai e mãe). Ocorriam, com
freqüência, episódios de discussão verbal
entre as irmãs, iniciados sempre por A
(sic. pais e tia).
No Questionário Parental de
Sintomas, respondido pela mãe, esta
referiu problemas de alimentação, sono,
ocorrência de medos e preocupações
excessivos, assim como de hábitos de
onicofagia e mordedura de objetos.
Quanto aos aspectos afetivos
propriamente ditos, a mãe mencionou
sintomas de dependência na realização de
atividades e tarefas diárias, problemas
com sentimentos, problemas em fazer e
manter amigos, problemas com a irmã,
agitação, intolerância à frustração e
desatenção, temperamento explosivo
associado a mau-humor, problemas na
escola, ocorrência de mentiras,
provocação de danos à propriedade. Por
Análise funcional do comportamento na avaliação e terapia com crianças
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fim, classificou o problema de sua filha
como menor, apesar de graduar a
freqüência de observação desses
comportamentos como “muito”, numa
escala Likert de quatro graus (nunca, um
pouco, bastante, muito) (para uma
revisão, consultar Pasquali, 2003).
Sentia-se culpada por ter demonstrado
preferência por B, referindo que na época
da avaliação, amava de modo igualitário
suas filhas.
No processo de avaliação, o
repertório de comportamentos e condutas
da cliente foi observado em diferentes
situações. Na sala de espera, pode-se
constatar que as irmãs vestiam-se com
roupas, calçados e acessórios de modelos
idênticos, apenas com cores
diversificadas. A procurava ficar longe da
irmã, demonstrando satisfação ao afirmar
que, apenas ela, entrava na sala de
atendimento. Mostrava-se agitada,
alternando sistematicamente os lugares
em que permanecia sentada ou em pé,
enquanto aguardava ser chamada.
Ressalta-se que a mãe da cliente
demonstrava carinho direcionado à B,
com maior expressão. Costumava fazer
comentários sobre as dificuldades
apresentadas por A, na própria sala de
espera. Além disso, nas tarefas
domiciliares e escolares, mesmo que
apenas uma das irmãs pudesse executálas,
ambas eram estimuladas pela família
a executarem-nas conjuntamente.
Enfatiza-se, ainda, que a mãe comparava
com freqüência as filhas gêmeas,
destacando as qualidades de B, em
contraponto às dificuldades de A. Esta
última, percebia o comportamento
materno.
Na execução das tarefas em geral,
A apresentou comportamentos de
impulsividade e pouca tolerância a um
preparo e a uma espera para uma
execução mais cuidadosa das atividades
propostas. Mostrou comportamentos
ligados à desejabilidade social,
procurando agradar a terapeuta
constantemente, apesar de demonstrar
irritabilidade aumentada, frente à maior
complexidade das tarefas.
No que concerne às habilidades
lingüísticas e comunicativas, A
apresentou discursos oral e escrito
restritos, para sua idade. Teve
dificuldades em organizar logicamente as
seqüências de quatro e seis peças,
apresentando sentenças de extensão curta
e narrativa das respectivas histórias com
conteúdo e forma lingüísticos pouco
explorados. No exame do caderno,
observaram-se equívocos ortográficos e
gramaticais, de um modo geral, bastante
freqüentes, com a maioria das tarefas
inacabadas. No ditado de palavras e
sentenças, demonstrou encontrar-se na
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fase alfabética do desenvolvimento da
linguagem escrita (Ferreito & Teberosky,
1985), com aumento de dificuldade frente
à maior complexidade dos estímulos
lingüísticos. Tais características de escrita
alfabética são esperadas para sua série
escolar. Entretanto, sua exploração
restrita da linguagem escrita não é típica
de sua faixa etária.
Quanto à inteligência, no teste
Matrizes Progressivas de RAVEN
(Angelini, Alves, Custódio et al, 1999), a
cliente obteve desempenho classificado
como grau III, ou seja, intelectualmente
médio. Observaram-se, qualitativamente,
respostas com características de
impulsividade, desatenção, com pouco
tempo de manutenção de observação dos
estímulos visuais. Além disso, apresentou
desempenho regular na tarefa de
habilidades aritméticas, realizando
adequadamente as operações de soma
com unidades, com respostas
inadequadas para as demais operações.
Tais dados confirmaram as observações
efetuadas pela professora da cliente.
Resultados dos procedimentos da
avaliação
Primeiramente, os comportamentos de
interesse foram definidos o mais
precisamente possível, mediante
solicitação de exemplos que ilustrassem
os comportamentos-queixa apresentados
pelos entrevistados. Na Tabela 4,
encontram-se as definições dos
comportamentos-queixa de interesse.
Tabela 4. Definições dos comportamentos de interesse ou
comportamentos-queixa.
Comportamento-queixa Definição
“agitada” Comportamento de movimentação
excessiva, com pouco tempo de
manutenção em uma atividade
“desobediente” Comportamento de discordância
com figuras de autoridade frente à
solicitação de execução de tarefas
domésticas e escolares
“desatenta” Comportamento de atribuição de
atenção a quaisquer tarefas exceto
àquelas solicitadas por professora e
familiares
“agressiva com
familiares e amigos”
Comportamento de discussão e de
enfrentamento com familiares e
amigos
“tem dificuldades
escolares”
Comportamento de não execução
das atividades escolares ou de
execução incompleta, com mais
erros do que acertos
Posteriormente, foram
identificadas e descritas as relações
ordenadas entre as variáveis ambientais
(antecedentes e conseqüentes) e os
comportamentos de interesse. Na Tabela
5, os resultados destes procedimentos
podem ser visualizados para cada
comportamento-queixa.
Assim sendo, a partir dos
resultados das observações efetuadas no
processo de avaliação de A, evidenciaramse
dificuldades relacionais
predominantemente nas díades clienteirmã
e cliente-mãe. A demonstrava
dependência com relação à sua irmã e
busca por desejabilidade social e materna.
Apresentava dificuldades aritméticas e
Análise funcional do comportamento na avaliação e terapia com crianças
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lingüísticas, provavelmente oriundas da
falta de estimulação e da demanda
reduzida do ambiente. Este último fator
está ligado às dificuldades afetivas da
cliente, ou seja, ela era reforçada ao não
realizar as tarefas solicitadas.
Tabela 5. Antecedentes e conseqüentes dos comportamentos-queixa
da cliente.
Antecedentes Comportamentosqueixa
Conseqüentes
Solicitação
repetida de
execução das
tarefas escolares
pela tia ou pela
mãe
“agitada” – exemplo:
A não pára quieta
enquanto faz os
temas
Não completa as
atividades e a tia
permite que ela vá
brincar
Solicitação
repetida de
arrumação e
organização de
roupas e objetos,
acompanhada de
comparação com
a excelente
organização da
irmã-gêmea
“desobediente” –
exemplo: A nega a
solicitação da mãe de
arrumar a bagunça de
seu quarto
Mãe arruma seu
quarto, enquanto
briga com ela
Aumento da
demanda de
execução da
tarefa com
delimitação de
tempo
“desatenta” –
exemplo: A olha pela
janela enquanto faz
as tarefas escolares
em casa ou na escola
Não termina as
tarefas e sua mãe ou
professora briga com
ela; sua irmã
completa as tarefas
da A para que as duas
possam brincar ou ir
para casa
Prima, amiga da
escola ou familiar
optam por dar
atenção (brincar,
conversar) à irmã
“agressiva com
familiares e amigos”
– exemplo: chama a
prima, a amiga da
escola ou o pai com
algum apelido ou
palavrão
A recebe atenção da
prima, da amiga ou
do familiar, uma vez
que estes passam a
discutir com ela
Aumento da
demanda de
realização de
uma tarefa
escolar com
exigência de bom
desempenho e
delimitação de
tempo
“tem dificuldades
escolares” –
exemplo: erra
operações
matemáticas
Professora e
familiares conversam
com ela, em tom de
xingamento por não
ter se desempenhado
conforme o esperado
Indicou-se atendimento psicoterápico
individual com freqüência de
duas vezes semanais para A e separação
das irmãs em duas turmas de terceira
série. Os objetivos predominantes da
intervenção psicoterápica foram auxiliar a
cliente no seu processo de independência,
melhorar sua auto-estima e autoconfiança
e contribuir para o
aprimoramento do seu desempenho
acadêmico, estimulando suas habilidades
linguísticas e aritméticas.
Resultados da intervenção à luz
da análise funcional do comportamento
Em um primeiro instante,
predições foram formuladas acerca dos
efeitos de manipulação das variáveis
ambientais sobre os comportamentosqueixa
da cliente. No contexto terapeutacliente,
os reforços verbais de elogio à
aparência e vestimenta da cliente,
assim como à legibilidade de sua letra,
foram promovidos com a finalidade de
contribuir para o aumento da autoestima
da cliente. Mostraram um efeito
de modificação do comportamento,
conforme pode ser observado na Tabela
6, em que pode ser observada uma
comparação entre os comportamentos
verificados antes e depois do esquema
de reforçamento de razão variável: a
quantidade de reações
comportamentais aos elogios
aumentaram, após esse esquema de
reforçamento. O aumento do repertório
de habilidades sociais da cliente,
representado pelo aceite aos elogios e
às mudanças na interação com os
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demais membros da clínica, denota
uma melhora de sua auto-estima.
Tabela 6. Comparação antes e depois do esquema de
reforçamento de razão variável.
Comportamentos
/Intervenção
Antes Depois
Comportament
os verbais
Silêncio
Intensidade
vocal quase
inaudível ao
cumprimentar
equipe
Agradecimentos e
concordância com
os elogios da
terapeuta
Cumprimentos
audíveis com
equipe
Comportament
os não-verbais
Flexão da cabeça
e expressão
facial de
descontentament
o
Evitação do
olhar aos
membros da
equipe
Sorriso e abraço na
terapeuta
Direcionamento do
olhar, sorrisos e
abraços nos
membros da equipe
Ainda no contexto terapeutacliente,
foi utilizada a técnica
comportamental de economia de fichas,
sendo as fichas corações desenhados
com régua específica de desenho
infantil em papel cartolina e
recortados pela cliente. O objetivo
dessa técnica foi instalar o
comportamento de desempenho
aritmético e acadêmico satisfatório,
assim como, indiretamente,
generalizar o reforço atribuído às
fichas para a atenção e valorização das
pessoas ao seu redor. Na Figura 1, na
qual é exposto o percentual de acertos
em operações matemáticas da linha de
base, até o 13º dia de intervenção,
pode-se constatar um aumento
gradativo do desempenho em tarefas
aritméticas. A partir da linha de base
simples, a cliente foi apresentando
ganhos em desempenho, até alcançar
100%.
Figura 1. Percentual de acertos em operações matemáticas da
linha de base até o décimo terceiro dia de
intervenção.
Nota: D = dia. De tal modo, D1 = dia 1, D2 = dia 2 e assim
sucessivamente.
Após atingir 100% de desempenho
positivo por dois atendimentos
consecutivos, A mostrou o pote de fichas
conquistadas para seus pais, que a
elogiaram e demonstraram carinho
através de trocas de abraços e beijos, com
a cliente. No contexto terapeutafamiliares
e terapeuta-professora, o
resultado das orientações para
diminuição da freqüência de comparações
entre irmãs pelos pais e pela professora
pode ser evidenciado na Figura 2. Nesta,
pode-se notar uma diminuição da
quantidade de emissões de comparação
A-B pelos familiares (principalmente
mãe, pois pai e tia tinham poucas
emissões, desde a primeira entrevista) e
pela professora. Na Figura 2 são
apresentados, então, o número de
emissões, em cada entrevista.
0%
20%
40%
60%
80%
100%
120%
linha de base
D1
D2
D3
D4
D5
D6
D7
D8
D9
D10
D11
D12
D13
fase de intervenção
percentual de acertos
percentual de acertos
Análise funcional do comportamento na avaliação e terapia com crianças
Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 1-19
14
Além desta orientação, também foi
efetuada uma combinação de pais e
professora elogiando A, após cada
pequena conquista (acerto em uma
operação matemática, por exemplo). Na
última entrevista com cada um deles, a
partir de seu relato verbal, os efeitos
dessa mudança comportamental puderam
ser identificados no repertório
comportamental de A: aumento da
atenção nas atividades escolares e
execução independente das tarefas de
aula e de casa.
Figura 2. Quantidade de emissões de comparação entre
irmãs nas entrevistas realizadas com pais,
professora e tia.
Nota: Emãe1 = Primeira entrevista com a mãe; Emãe2 =
Segunda entrevista com a mãe; Epai = Entrevista com o pai;
Eprof1 = Primeira entrevista com a professora; Etia =
Entrevista com a tia; Epais1 = Primeira entrevista com os pais;
Epais2 = Segunda entrevista com os pais; Eprof2 = Segunda
entrevista com a professora; Epais3 = Terceira entrevista com
os pais.
Atualmente, A encontra-se em fase
final de generalização dos resultados
obtidos em consultório, para os
ambientes casa e escola. Os pais e a
professora demonstraram preocupação,
inicialmente, com as modificações dos
comportamentos da cliente: A mantém-se
em silêncio, enquanto a professora
explica o conteúdo, termina as atividades,
embora demore, ainda, mais que alguns
colegas. Veste-se diferentemente da irmã,
está fazendo novas amizades e impõe sua
vontade à da irmã (de modo, ainda,
agressivo). A terapeuta, então, explicitou
que estas mudanças representam melhora
e não piora, no comportamento de A.
Discussão
Os comportamentos-queixa
trazidos pelos familiares e pela professora
da cliente consistem em características de
comportamento bastante freqüentes, no
início da fase escolar. A contingência de
evitar tarefas escolares é considerada
comum por Northup, Kodak, Lee e Coyne
(2004). Apesar de queixas, tais como as
de desobediência, agitação e desatenção
serem frequentemente originadas pelos
pais (Shapiro & Bradley, 1999), na
literatura, a utilização da análise
funcional, tanto na avaliação, como na
terapia comportamentais, é mais
incidente em casos de queixas mais
bizarras do desenvolvimento infantil, tais
como distúrbios alimentares (Piazza,
Fisher, Brown, Shore, Patel et al., 2003),
transtornos do desenvolvimento (Bosch,
2002) e auto-agressão (Deaver et al.,
2001), entre outros.
0
2
4
6
8
10
12
Emãe1
Emãe2
Epai
Eprof1
Etia
Epais1
Epais2
Eprof2
Epais3
Momento
Número de emissões
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15
Os comportamentos-queixa,
embora considerados inadequados pelas
pessoas com quem a cliente convivia,
mostraram-se funcionais, ou seja,
apresentavam uma função no seu
repertório de comportamentos, com um
antecedente que contribuía para sua
ocorrência e um consequente que
contribuía para a sua manutenção e
posterior repetição. Para a identificação
dos antecedentes e consequentes de cada
comportamento de interesse, assim como
da relação funcional entre
comportamentos da cliente e variáveis
ambientais, os procedimentos sugeridos
por Delitti (2001) e Matos (1999a) foram
fundamentais. A observação das relações
funcionais na história de vida permitiu a
inferência de que a cliente estabeleceu
uma auto-regra de que já era a pior e que
nada que fizesse mudaria este status na
sua família. Esta auto-regra, segundo a
conceituação e classificação de Jonas
(1999), pode ser considerada encoberta.
Graças a esta regra, A passou a tomar
decisões de não completar as tarefas
domésticas e escolares, além do que sua
mãe e sua irmã, as faziam, reforçando o
comportamento de A. Além da história de
vida, comportamentos apresentados na
relação terapeuta-cliente (busca por
agradar constantemente a terapeuta –
desejabilidade social) e relatados por seus
pais, contribuíram para o entendimento
da sua função do repertório da cliente.
Pela observação dos antecedentes e
dos conseqüentes de cada
comportamento-queixa (Tabela 5), podese,
também, inferir que, em geral, o
aumento da demanda por desempenho do
ambiente e as freqüentes comparações
com sua irmã gêmea foram variáveis
independentes significativas no
estabelecimento e manutenção dos seus
padrões comportamentais de não
execução das tarefas. Ressalta-se que a
regra familiar que categorizou B como a
irmã-modelo e A como a irmã malsucedida,
associada à constante punição
materna, contribuiu muito para a
ocorrência dos comportamentos
indicativos de baixa auto-estima e de
busca constante por aceitação materna.
Além disso, associação entre baixa autoestima
e dificuldades escolares é
amplamente destacada na literatura (por
exemplo, Shirk & Harter, 1999).
A partir da identificação destas
variáveis, a análise funcional do
comportamento de A pôde ser planejada.
Conforme o modelo triádico preconiza, a
participação de, no mínimo, três pessoas
é fundamental para o sucesso da
intervenção psicoterápica infantil. Elliott
e Fuqua (2000) ilustram casos bemsucedidos
de tratamento de auto-agressão
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infantil, a partir do envolvimento de
modificações comportamentais dos pais,
do terapeuta e da professora. Para tanto,
a conscientização dos pais sobre as
contingências que circundam o
comportamento da criança, mostram-se
essenciais (Bosch, 2002; Rocha &
Brandão, 2001). No caso em estudo, o
relato verbal da terapeuta, sobre os
antecedentes e conseqüentes dos
comportamentos de A, auxiliaram neste
processo de conscientização dos seus pais
e da professora, sendo fundamental para
o aceite das orientações de modificação
dos seus comportamentos nos ambientes
casa e escola. McNeill, Watson,
Henington e Meeks (2002) salientam,
inclusive, que em seu estudo o
treinamento de pais na realização de
análises funcionais foi bem-sucedido,
conseguindo estes identificar as relações
funcionais entre os comportamentos.
No contexto terapeuta-cliente, o
reforço verbal (ver em Simonassi, Borges
& Loja, 2000 e Tomanari, 2000) e a
técnica de economia de fichas (ver em
Tomanari, 2000), o elogio e as fichas
foram muito importantes para o
estabelecimento de padrões comportamentais
de maior auto-estima e de
melhor desempenho escolar. As fichas
atuaram como reforçadores condicionados
generalizados, cujos comportamentos
a elas relacionados foram
ampliados para o ambiente casa, a partir
da transferência do controle por elas
exercido para a aprovação de seus pais
(reforçador natural).
Apesar de se ter conquistado bons
resultados até o momento, a fase atual de
generalização é crucial para a conclusão
efetiva da terapia comportamental.
Simonassi et al. (2000) abordam a
importância desta ampliação do efeito
alcançado de alguns estímulos
discriminativos para outros importantes,
tendo-se em vista uma maior adaptação
da cliente ao seu ambiente. O processo de
generalização em contexto clínico é
complexo e envolve variáveis extrínsecas
ao setting terapêutico, podendo ser
dificultado pela inconsistência ou não
sistematicidade dos esquemas de
reforçamento (Gadelha & Vasconcelos,
2005). Dessa forma, a manutenção das
orientações ensinadas à família de A,
principalmente no sentido de reforçar
positivamente as condutas esperadas,
será fundamental para que o processo de
generalização das aprendizagens ocorra
satisfatoriamente, ampliando o repertório
comportamental da cliente.
Conclusão
Apesar de o ambiente de
consultório não permitir um controle
rigoroso como o laboratório o faria e de a
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modificação do comportamento em
ambiente natural não ter sido efetuada, o
presente estudo de caso demonstrou que
os pressupostos da avaliação e da análise
funcional do comportamento podem
embasar os processos de avaliação e de
psicoterapia de uma criança, tornando-os
mais efetivos. A ferramenta análise
funcional foi essencial para que as
funções das variáveis, que controlavam os
comportamentos-queixa da cliente,
fossem identificadas e, a partir da
previsão do efeito da manipulação de
variáveis independentes (comportamentos
do pai, da mãe, da terapeuta e da
professora), novos padrões comportamentais
fossem planejados e instalados.
Assim sendo, a avaliação funcional
foi promovida, graças à observação do
comportamento da cliente em diversos
contextos de interação comportamental,
relato verbal e aplicação de
alguns instrumentos, que objetivaram a
avaliação clínica. Com base nestes
procedimentos avaliativos, conduziu-se a
uma análise funcional do
comportamento, que fundamentou a
intervenção de mudanças ambientais,
refletindo diretamente nos comportamentos
disfuncionais da cliente.
Procedimentos de reforço verbal e
generalizado foram utilizados para
aumentar a auto-estima e desenvolver
comportamento de melhor desempenho
aritmético e acadêmico, com objetivos de
intervenção atingidos. Esse estudo de
caso reforça a importância da aplicação
da análise experimental do comportamento,
na clínica psicoterápica infantil.
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Recebido em: 03/04/2007
Aceito para publicação em: 04/03/2009