sexta-feira, 10 de agosto de 2012

AS TRÊS FORMAS DE NEGAÇÃO À CASTRAÇÃO
Francisco Ramos de Farias*
RESUMO:
A cria humana, na travessia do estado de natureza ao estado de cultura, dispõe, para
responder à falta captada no corpo da mulher, de três formas de negação. São três
operações defensivas utilizadas pelo sujeito para não se totalmente reduzido à condição de
mero objeto do desejo do Outro. Em se tratando do recalque, temos a inscrição psíquica do
“não tem pênis” no corpo da mulher, substituído por um “não-sei”, o que impulsiona o
sujeito a deslizar na cultura à busca de objetos referentes a um tipo de saber, marcado pela
anterioridade paterna. No desmentido, tem-se simultaneamente a negação e afirmação da
existência de pênis na mulher, mediante a coexistência de duas correntes psíquicas que não
se contradizem, cujo paradigma é o fetiche. Por fim, na foraclusão, tem-se a não captação
da falta no corpo da mulher, colocando o sujeito na posição de ser o falo da mãe.
PALAVRAS-CHAVE: Defesa. Subjetivação. Recalque. Desmentido. Foraclusão
* Professor do Departamento de Fundamentos da Educação e Coordenador do Programa de Pós-Graduação
em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Editor de Seção do periódico
Psicanálise&Barroco em revista. Endereço Postal: Rua Voluntários da Pátria, 481 apto 803 22270000-
Humaitá – Rio de Janeiro. Telefone: 21 25375866. E-mail: frfarias@uol.com.br
As três formas de negação à castração
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Sobre o conceito de defesa
Pretendemos refletir sobre as três possibilidades defensivas que a cria
humana dispõe, ao ser lançada no campo da linguagem, para produzir respostas ante a
castração materna. Em princípio, abordaremos o recalque, mecanismo de funcionamento da
linguagem, definido no pensamento freudiano como condição da subjetivação neurótica;
em seguida, realizaremos um rastreamento, para circunscrever o desmentido como
condição estrutural da subjetivação perversa e, finalizamos a abordagem, focalizando o
mecanismo da foraclusão para caracterizar a subjetivação psicótica.
O processo de humanização é uma travessia que apresenta trilhas sinuosas e
difíceis. Por se tratar de um processo, devemos entendê-lo na acepção dinâmica, ou seja,
como aquilo que pode permanecer em estado “embrionário”; ter um começo e estacionar ou
progredir. Essas são as vicissitudes próprias à constituição da subjetividade que têm como
resultados, as condições singulares de cada sujeito. Mas, é preciso salientar que, enveredar
por quaisquer trilhas desse processo, requer, para a cria humana, confrontar-se com
obstáculos que se configuram, como circunstâncias de cunho traumático. Por esse motivo, o
sujeito tem de se valer de operações psíquicas para apresentar respostas às adversidades
próprias das duas diferenças irredutíveis e enigmáticas: a diferença de gerações e a
diferença sexual. Pelo fato de serem diferenças irredutíveis, o sujeito produz elaborações
diante dos enigmas que elas suscitam e assim recorre a uma defesa psíquica, como o
mecanismo que propicia seus arranjos subjetivos.
O conceito de defesa está intimamente relacionado ao Complexo de Édipo.
Muito já foi escrito sobre o mito de Édipo e também sobre sua função enquanto estrutura
que, longe de ser um sintoma, como acreditam aqueles teóricos que decidem se entregar à
ingenuidade, representa, sobretudo, o preço que a cria humana tem de pagar em função de
sua caminhada rumo ao simbólico, ou seja, a entrada no seio da cultura. Trata-se, pois de
uma condição de possibilidade de todo o sujeito, uma vez que estamos diante do esteio que
finca o limite decisivo entre a natureza e a cultura. Basta, para tanto, direcionar nosso olhar
para os pilares da literatura e encontrar a estrutura essencial do drama edípico, sempre
presente como estrutura nuclear de cada relato, de cada acontecimento. Por isso, não
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podemos prescindir das referências literárias se temos a intenção de nos situarmos no
âmago da clínica psicanalítica, pois as criações poéticas, mais que refletir, engendram a
criação.
No seio de uma rede inter e intra-subjetiva encontramos o Édipo, (Lacan,
1992) como possibilidade da primeira escolha de objeto, objeto do primeiríssimo amor,
cujas conseqüências pesarão sobre toda a vida do sujeito. Não temos somente a primeira
escolha, mas também a primeira renúncia que, em função da defesa, coloca, frente a frente,
o narcisismo e o desejo, cujo fiel da balança depende de como funciona, no sujeito, a
chamada ameaça de castração do que decorre a instauração do supereu, instância
estreitamente relacionada ao progresso da civilização.
O complexo de Édipo e a subjetivação
O que a psicanálise formula sobre o sujeito e sua relação com os objetos,
diferentemente do que é abordado na psicologia, na psiquiatria ou na filosofia, está
intimamente ligado ao conceito de defesa, matriz fundamental do entendimento acerca do
complexo de Édipo. Enquanto o acontecimento que marca a passagem da cria humana da
condição natureza à condição de cultura, o complexo de Édipo é o ponto por onde se
nodula toda rede conceitual do campo psicanalítico, portanto remete a uma estrutura
subjetiva.
O conceito de estrutura subjetiva somente tem seu valor se for pensado a
partir da castração, operador estrutural que em termos de recalque, desmentido e foraclusão
nos coloca diante dos três destinos possíveis do sujeito. Trata-se de configurações nas quais
o que se inscreve são as três posições subjetivas do sujeito a respeito do desejo. O que
entendemos como posição é a relação do sujeito à falta de objeto que é o efeito da
incidência da linguagem no real. Não obstante, é pertinente ressaltar que a estrutura não é
algo observável pela sua natureza, visto não se tratar de uma entidade, pois somente se
revela naquilo que compreendemos como funções, no caso função do significante. É assim
que pensamos a articulação do complexo de Édipo com o complexo de castração. Na
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verdade, estamos situando as distintas posições do sujeito em relação à estrutura (neurose,
psicose e perversão), posições intimamente vinculadas ao complexo de castração, cujo
fundamento é a linguagem.
Considerando também o conceito de defesa frente à castração, estabelecemos
a distinção entre as três modalidades subjetivas e é esse o mérito da subversão freudiana
tanto na descentração operada no sujeito quanto na ruptura do contínuo normal-patológico.
Desde suas primeiras elaborações, Freud (1894/1976) já nos apontava as diferenças
modalidades de funcionamento psíquico ao estabelecer um mecanismo estrutural para
explicar a neurose e outro para a psicose. O destaque dado ao Édipo surge como um
acréscimo a partir da releitura em que Lacan (1995) faz o acento incidir sobre a matriz
edípica (ao se valer da distinção entre significante e significado), como também a distinção
entre o três registros (real, simbólico e imaginário) que muito bem podem ser considerados
como uma terceira tópica na explicação da dinâmica e do funcionamento psíquico.
Certamente, pensar estes três registros, fora da articulação do Édipo, com a castração é
reduzi-los a um nível bastante trivial e anedótico.
O momento histórico de toda infância é coberto pelo mito em que a
psicanálise vai fundar a condição de verdade, que por ser de natureza mítica não pode ser
enunciada, pois alude ao desejo do Outro. Tudo o que remete à condição imaginária
(constituição do Eu a partir do encontro com o semelhante da espécie na relação especular
tipicamente narcísica); tudo o que é referente à inserção do sujeito na cultura, quer dizer, a
captura do sujeito no simbólico (aquisição da linguagem, submissão à lei, assunção dos
ideais e as funções correlativas a cada sexo) e bem como tudo o que concerne ao real (lugar
no qual o desejo pode ser pensado enquanto causado e enquanto articulado a um objeto)
somente pode ser entendido se tomarmos a noção de defesa como ponto de partida e é
justamente como defesa que lemos o percurso referente à travessia edípica.
Ao introduzir a questão da subjetivação pela utilização do recurso a uma
operação defensiva estamos cônscios de que a defesa, como conceito psicanalítico, serviu a
Freud (1933/1976), para, em primeiro lugar, romper com a tradição do modelo médico que
estabelecia bases diferenciadas na explicação das condições saúde e doença, e, em segundo
lugar, representar a marca distintiva do humano que lhe transforma em ser diferenciado de
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algo próprio da natureza. Essa diferenciação somente pode ser formulada pelo recurso à
noção de estrutura como uma virtualidade própria da engrenagem mítica do sujeito e
também como aspecto fundamental na constituição dos arranjos subjetivos.
Eis o que depreendemos na conferência XXXI, A dissecação da
personalidade psíquica, onde há uma comparação entre o processo psíquico mórbido e a
estrutura de um cristal que ao romper-se o faz seguindo linhas de fratura que são invisíveis,
mas que preexistem e que são próprias da constituição da referida estrutura. A possibilidade
de quebra da estrutura é somente algo da ordem de uma inferência. Sendo assim, o que há
de mais original no sujeito é o fato de sua constituição fazer alusão a um momento préhistórico
no qual podemos pensar na articulação do Real com o Simbólico. Este momento
em que esses registros se cruzam é aquele no qual se estabelece um tipo de esperança,
antecipadora daquilo que está ainda por vir. Eis o sentido dado por Lacan (1998a) ao
argumentar que a cria humana realiza um percurso que vai da “insuficiência à antecipação”.
Ainda como um devir o sujeito é antecipado como perfeição. Trata-se de um ideal desfeito
pela ação do trauma: primeiro momento de ruptura. O trauma é então o momento em que se
evidência o fim da ilusão de completude, uma vez que coloca o sujeito no universo da falta,
o que se consolida pelo recalque originário. Estamos admitindo que o ser humano é
antecipado e recebe um corpo habitado por uma imagem, mas também esse corpo será o
lugar onde circula a palavra e, por isso, representa a morada de um sujeito.
O corpo, entendido como estrutura material, é a certeza da finitude daquilo
cujo destino é o estado de desintegração: finalidade do corpo cadáver. Já a substância
pensante, a alma, de natureza imaterial, tem como característica o estado de dispersão
originária: a atividade anímica desalojada do corpo somente pode ser concebida como pura
dispersão. Com isso, queremos assinalar que o corpo, em sua materialidade, desintegra-se
pela morte, mas o que há de imaterial nele assentado como o pensamento, o desejo e o
entendimento, atravessa os ritmos do tempo. Enquanto ponto de ancoragem, o corpo é o
único suporte para o vazio estrutural, expondo-se, desse modo, às ações do trauma com a
implantação irremediável da falta.
Temos nisso uma operação da qual resulta um certo aniquilamento do sujeito
em termos da quebra do ideal de perfeição, especialmente quando o corpo do infans entra
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em cena como matéria pulsante. Dito em outras palavras: o corpo sofre uma primeira
marcação pela imagem, sendo nessas condições o real do corpo atravessado pelo
imaginário; em seguida, é marcado pela palavra, momento em que é atravessado pelo
simbólico. Esses dois furos que se processam no corpo são, na verdade, consequências da
defesa. Eis o encaminhamento para pensarmos a defesa como a operação em função da qual
o sujeito constrói um suporte que é o estatuto simbólico. Graças a essa conquista, passa da
suposta condição de natureza, à condição de cultura, no momento em que o real é
informado pela imagem, e que ocorre o acesso à palavra. Essa é a consequência da defesa
psíquica.
Se analisarmos a palavra “defesa” temos que lançar algumas reflexões:
defesa por quê, de quê e em relação a quê? Em princípio, o que podemos afirmar é que a
defesa é uma espécie de proteção em relação a algo que é ameaçador para o sujeito. Esse é
o sentido atribuído por Freud (1895/1976:) ao admitir que a defesa, quando bem sucedida,
equivale à saúde, sendo também a marca distintiva do humano, pensada em termos clínicos
como a condição estrutural do funcionamento psíquico e o seu fracasso entendido como a
possibilidade de adoecimento.
O que está garantido com a defesa é a posição subjetiva em função da qual o
sujeito não seja reduzido apenas a um mero objeto do gozo do Outro. Assim sendo, tem
garantida a condição de ser desejante. Mas ao conquistar tal condição, o sujeito se encontra
diante de uma ameaça: perder o que conquistou, ou seja, a condição de diferenciado de
objeto do desejo do Outro. Sendo assim, podemos afirmar que pela defesa o sujeito tem
acesso à demanda imaginária, uma vez que fica constatada a falta no Outro. isso
corresponde a um tipo de barreira entre o desejo do Outro e um saber acerca daquilo que o
Outro espera. Através desse saber o sujeito se articula no universo da significação,
marcando também um tipo de funcionamento no campo da linguagem, mediante o recurso a
uma defesa. Por isso, as estruturas subjetivas são a consequência de operações defensivas
compreendidas em termos do funcionamento da linguagem.
Os modos possíveis de funcionamento da linguagem correspondem àquilo
que a Psicanálise formula como estruturas clínicas. Tais estruturas com as quais o
psicanalista se confronta na experiência com o inconsciente são estruturas conceituais de
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orientação. Não obstante, cabe uma observação. A vertente estrutural não firma um limite
preciso entre as variantes fenomênicas de uma mesma estrutura, como entre histeria e
obsessão na neurose. Igualmente, não se pode chegar a nenhum critério formal que permita
afirmar a sustentação de um sujeito na psicose em suas variantes: melancolia, paranóia ou
esquizofrenia. A vertente estrutural situada em um nível mais radical é encontrada na
diferenciação entre principalmente a neurose e a psicose.
O recalque como modalidade de negação da castração
Quando nos referimos às estruturas subjetivas, como orientações conceituais,
estamos aventando as possibilidades que o ser falante dispõe para ingressar no universo da
linguagem. Para tanto, faz-se necessário situar os operadores desse processo. Em primeiro
lugar, aludimos à castração materna, entendida como a posição em que se encontra o sujeito
ante a ausência de pênis captada no corpo da mulher. Assim, a castração materna é o
operador estrutural primordial na constituição dos arranjos subjetivos.
O que podemos pensar acerca da castração? Nada além de uma ocorrência
paradoxal que nunca ocorreu, não ocorre e nunca ocorrerá, mas que é decisiva para a
estruturação psíquica. No âmbito das formulações das teorias sexuais infantis, a castração é
captação de uma falta em um vazio absoluto; algo que é, para a cria humana, bastante
ameaçador. Tal ameaça somente toma sentido, para a criança, quando esta se vê diante das
questões concernentes à sua própria castração, especialmente frente ao dilema conflitual:
ter acesso ao próprio desejo, pela práticas autoeróticas, e deixar a mãe na falta ou renunciar
a condição de ser desejante para ser o objeto da completude materna. Eis o momento em
que o sujeito tropeça no enigma da falta e ao mesmo tempo na necessidade de apreender
algo que a realidade apresenta como a falta no Outro primordial que é a Mãe.
Frente a esse Outro primordial o sujeito pode seguir caminhos que decorrem
da maneira como se porta em função da falta no Outro. Em princípio, queremos assinalar
que a captação da castração materna é algo impactante para a criança, uma vez que deverá
tomar uma decisão entre duas alternativas: continuar sendo o objeto do desejo materno ou
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ter acesso ao seu próprio desejo. Isso pelo fato de que a criança foi obrigada a se confrontar
com a queda de sua crença acerca da universalidade do pênis em decorrência das evidências
da realidade. Até o momento da captação da castração materna a criança formulava suas
hipóteses acerca do seu entendimento das questões concernentes ao sexo baseada na
premissa de que todos os seres são iguais por portarem um mesmo e único atributo: o pênis.
Esta fórmula da universalidade do pênis, primeira teoria sexual da criança é desfeita no
encontro com a ausência de pênis captada no corpo da mulher. O impacto dessa percepção
traumática coloca a criança diante da falta: a mãe é castrada. Daí então o que é evidenciado
na realidade vai de encontro às formulações da criança, de modo que se inaugura um novo
registro: o da falta. A percepção da castração materna, assim entendida, somente ocorre se
for mediada pela falta.
A criança ao perceber a falta no Outro primordial reconhece que a mãe é
castrada. A captação da falta na mãe é, para a criança, uma questão enigmática, um mistério
a ser desvendado, tarefas as quais se encarrega pela vida. No prosseguir de suas pesquisas
sexuais, principalmente com o propósito de saber por que há a diferença, a criança realiza
descobertas importantes, pois constata que o objeto de sua primeira descoberta já era de
conhecimento do pai. Assim conclui que o pai já sabia daquilo que ela descobriu muito
antes dela. Por causa desse saber atribuído ao pai, fica explicada, para a criança, a causa de
seu nascimento. Em suma, pela captação da castração materna chega-se à anterioridade
paterna formulada em termos de um saber suposto acerca do objeto da demanda materna.
Esse saber apresenta, pelo fato de suposto ao pai, como algo que antecede ao sujeito.
A subjetivação neurótica
Quando a criança admite que o pai já detinha um saber acerca da maneira de
lidar com a demanda de amor da mãe se estabelece o efeito de anterioridade o qual tem
como conseqüência uma espécie de amarração em função da suposição, pelo sujeito, de que
é o pai aquele que detém o saber sobre aquilo que a mãe deseja. Configura-se assim a
estrutura neurótica como aquela na qual um saber é suposto a pelo menos um. Quer dizer o
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neurótico é movido por um tipo de saber em razão do qual supõe que há alguém, no caso o
pai que sabe lidar com a demanda materna. Esta suposição é a saída encontrada pelo ser
falante para solucionar o impasse em relação à possibilidade de ter acesso à condição de ser
desejante. Por isso estabelece, com aquele que supostamente sabe, uma dívida para
encontrar uma saída para a dúvida relativa à angústia de castração.
O neurótico opta por uma dívida par solucionar o dilema que se encontra
frente à alternativa de continuar sendo objeto do desejo da mãe e a alternativa de, pela
prática autoerótica, ter acesso ao próprio desejo. A opção por uma dívida ao pai é aquilo
que vem selar a saída da relação dual com a mãe, uma vez que tal relação transforma-se em
triangular no momento em que nela intervém o falo como algo que nem é a criança e
tampouco que a mãe possui. Dito em outras palavras, somente no exato momento em que o
falo significa tanto o objeto de desejo da mãe quanto sua falta. Diremos, pois que a função
paterna introduz, a partir da dívida constituída pelo sujeito, uma distância entre o falo e a
falta de modo a conduzir a falta em um nível simbólico; nível da castração propriamente
dita para situarmos os três níveis de falta elaboradas por Lacan (1995): privação, frustração
e castração.
Deixando de lado o personagem real encarnado pelo pai, em cada caso, (ou
seja, as relações imaginárias que o sujeito estabelece com tal personagem), queremos
pensar a função paterna em termos simbólicos. O que é fundado por esta função e que a
sustenta é o Nome do Pai. Mas o pai não é apenas um nome. Quer dizer, como afirma
Jullien (1997), é uma ordem simbólica a quem se chama de pai. Pela existência desse nome
se funda, nas sociedades humanas, a ordem das gerações e instaura a lei, o que torna a
sociedade humana radicalmente diferente de todo arranjo natural. O nome se encontra na
origem do sistema simbólico, no qual toda a vida humana se desenvolve a partir de um
sistema independente de cada sujeito particular. O acesso a esse nome somente acontece na
via aberta pela mãe em função da castração.
A castração somente é possível e somente exerce seu efeito no momento em
que a instância paterna produza a ruptura da relação especial dual entre a mãe e a criança.
Para dizermos em outros termos, a significação do falo somente tem efeito quando o
significante Nome-do-Pai passa a ocupar o lugar que antes era ocupado pelo desejo da mãe:
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um desejo que a criança deseja e ao qual identifica seu objeto imaginário, o falo. Descobrese
desse modo, no inconsciente da relação edípica, uma autêntica substituição significante,
operação denominada metáfora paterna.
A dívida contraída pela cria humana com o pai, ou melhor, a construção
cultural denominada paternidade é a situação que não se tem acesso pela via imaginária.
Trata-se de uma função simbólica efeito do significante Nome-do-Pai. Mas, do quê se trata
tal dívida? Certamente, a dívida decorre da suposição de um saber ao pai. A partir desse
saber o sujeito se constitui e também estabelece as significações ditas fálicas em
decorrência da intervenção paterna. A atribuição de um saber ao pai é uma modalidade de
negação à possibilidade do absoluto referido ao gozo materno. Como o que está em jogo é a
castração do Outro, a captação da ausência de pênis no corpo da mãe, estamos nos
referindo a negação do Édipo que se faz pelo recalque.
A operação do recalque nega a representação, mas conserva aquilo que é
negado no inconsciente. Essa operação pressupõe a afirmação primordial, efeito da
constituição do primeiro núcleo de recalcado pelo recalque originário, o qual a matriz dos
recalques posteriores e também do retorno do recalcado, no simbólico. Quer dizer, à
suposição de há alguém que sabe sobre o gozo materno corresponde, no sujeito, a um não
querer saber nada sobre isso. Esse modo de negação que ocorre pelo recalque é próprio de
um retorno: no neurótico a negação recai sobre um tipo de representação e dessa maneira
refere-se ao simbólico. Trata-se de um processo que se põe em marcha com o retorno do
recalcado, mas que conduz à revelação do inconsciente por meio das formações
sintomáticas. Quer dizer, aquilo que é negado no âmbito do simbólico, a representação,
retorna no próprio simbólico como formação inconsciente. Em quaisquer delas a questão de
sentido se faz presente, especialmente no sintoma entendido como a presentificação da
amnésia da infância devido ao naufrágio do Complexo de Édipo. Essa nuance do recalque
permite o acesso à organização simbólica que representa o sujeito.
O recalque, como forma de negação, corresponde a um processo pelo qual
ocorre o deslocamento da criança da posição de saber absoluto para se submeter a algo que
lhe antecede: o saber do pai sobre o gozo materno. Qual então é esse processo? Em
princípio, o neurótico inscreve a ausência de pênis no corpo da mãe e também o
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reconhecimento dessa ausência da seguinte maneira: a) Diante da percepção da falta de
pênis da mãe, o neurótico efetua a substituição do “não-tem” por um “não-sei”. O “não-sei”
é o efeito imediato do recalque. b) Decorrente disso, tem acesso à cultura, pois o “não-tem”
relativo à falta de pênis na mãe se inscreve como “não-sei” no inconsciente. Esse “nãoquerer-
saber-nada” sobre isso é o motivo pelo qual, como “saber-não” sabido, aparece no
discurso. O recalque possibilita então o aparecimento desse não saber no inconsciente pelo
fato de haver um universo simbólico que nos informa ser o sujeito sabedor de que algo se
encontra no regime do recalcado, c) Na cultura o sujeito vai eleger objetos para tentar
solucionar esse “não-sei”, como o discurso intelectual, a criação, a sublimação. d) A busca
de saber nos indica que o saber do neurótico é parcial, visto que se refere somente ao sexual
suposto a pelo menos um. Sendo assim, não se trata de uma totalidade: o lugar de
parcialidade é o ponto onde se situa a defesa neurótica.
O desmentido da castração e a subjetivação perversa
A posição do sujeito frente à castração, no âmbito da subjetivação perversa,
materna é bastante singular. Em primeiro lugar, da mesma forma que o ser falante, teve
acesso à ausência de pênis no corpo da mulher, mas diferentemente não se dispõe a fazer o
reconhecimento da realidade captada uma vez que se prontifica a desmentir a realidade de
sua percepção. Em segundo lugar, diante da dúvida decorrente da angústia de castração
adota uma outra saída que não a dívida, de modo a coexistirem nele, perverso, duas
correntes (sem o menor conflito), na vida psíquica: uma que aceita a ausência de pênis no
corpo da mulher e outra que nega. (Freud, 1927/1976).
O perverso é, pois aquele que se subjetiva escolhendo uma posição em que
desmente a castração materna e usurpa o lugar referido a anterioridade paterna. Quer dizer,
quando não se dispõe a reconhecer a falta no corpo da mulher, fica sem o efeito da
anterioridade paterna. Mas, por qual modalidade de negação não reconhece essa falta?
Em certo sentido, ou seja, na subjetivação perversa, o ser falante adota a
atitude de preencher essa falta no corpo da mulher utilizando-se do fetiche, sendo este
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fenômeno o modo utilizado, pelo sujeito, para não reconhecer que captou uma falta no
corpo da mãe. Em outras palavras: o fetiche é usado para tamponar a falta captada. Desse
modo, fica desmentida a castração materna. O acesso à representação da ausência de pênis
na mulher é solucionado, pelo perverso, mediante o desmentido do conteúdo dessa
representação, de modo não a alijá-la da consciência, mas a fazê-la conviver, lado a lado,
com uma outra representação contraditória sem que haja contradição. Essa solução (duas
representações contraditórias coexistindo sem conflito) é a saída encontrada pelo perverso
frente ao impacto da falta captada na mãe, mas é também a perda de um fragmento da
realidade; não da realidade externa, pois o que está em questão é o desmentir de uma
realidade psíquica: no caso a castração.
Enquanto conceito, o desmentido é referido inicialmente a problemática do
complexo de castração e não à perversão, especialmente no contexto das formulações que
aparecem em A organização genital infantil, onde fica marcada a primazia do falo. (Freud,
1923/1976). É, sem sombra de dúvida, em torno do conceito de Édipo que começa a se
perfilar o conceito de desmentido como o mecanismo pelo qual o sujeito recusa aceitar a
evidência de um fato registrado no âmbito de sua percepção. Essa definição somente se
aprimora no estudo freudiano sobre o fetichismo, onde encontramos a construção teórica de
que a criança recusa reconhecer a percepção da ausência de pênis na mulher, pois
reconhecer tal ausência a colocaria diante da possibilidade de ter que aceitar a sua própria
castração. É conveniente ressaltar que o processo defensivo não implica, nessas
circunstâncias, em uma anulação da percepção (processo que parece ocorrer na
subjetivação psicótica), mas em uma ação bastante enérgica para manter desmentida uma
percepção que se mostra sempre presente.
O fetiche seria o substituto do falo materno, em cuja existência a criança não
pode deixar de crer, permitindo a criação de um compromisso através do qual a crença de
que a mulher, caso possua um pênis, é abandonada e ao mesmo tempo conservada. Eis o
paradoxo configurado pela coexistência da antiga crença própria da teoria da universalidade
do pênis com o saber de algo que veio desmenti-la.
Desse modo, o perverso estabelece desse modo um compromisso entre o
reconhecimento do perigo da castração afirmado pela realidade e o desmentido da castração
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para assim satisfazer seu desejo. Esta possibilidade de tomar, simultaneamente, duas vias
opostas de resolução para um conflito exige a introdução de uma nova teoria sobre a
divisão do Eu, sendo o processo que se apresenta como o corolário lógico do mecanismo do
desmentido. Não obstante, seria um erro acreditar que se trata de categorias que somente se
aplicam ao domínio da perversão, visto que esse conceito também é utilizado para explicar
o processo de constituição do psiquismo na criança.
O desmentido e a realidade psíquica
É prudente salientar que saibamos que em se tratando do desmentido (apesar de
estarmos nos referindo a um aspecto da realidade externa), há uma perda da realidade,
porém a realidade interna é mantida intocada. Aliás, a percepção encontra-se submetida às
teorias sexuais infantis a ponto de a criança desprezar o que é evidenciado na realidade
(Valas, 1990). Estamos diante de uma defesa que somente tem sucesso em médio prazo,
pois aquilo que é desmentido não desaparece totalmente da vida psíquica, pois o ser na
subjetivação perversa, apesar de não reconhecer ter percebido a ausência de pênis na
mulher, afirma tê-lo visto à medida que cria para o pênis um substituto, visando livrar-se da
angústia de castração quando soluciona essa falta, pela imposição do fetiche.
A solução pela criação de um substituto é uma modalidade de negação da
castração o que nos faz pensar que a situação do perverso, igualmente a do neurótico,
concerne também ao Édipo. O elemento negado, a representação da ausência de pênis na
mulher, é conservado no fetiche. Este tipo de negação ocorre no simbólico, razão pela qual
aquilo que é desmentido é afirmado também, constantemente, no simbólico sob a forma de
algo tomado como substituto de um pênis imaginário na mulher: o fetiche.
Sendo assim, podemos pensar que a determinação da estrutura perversa deve-se
ao desmentido da castração do que decorre a não aceitação, pelo perverso, do efeito da
anterioridade paterna. Isso tem conseqüências: em primeiro lugar, o perverso não atribui
saber ao Outro, uma vez que, usurpando o lugar do pai, fica sem o efeito da anterioridade
paterna e, ocupa a posição de saber absoluto. Em certo sentido, o perverso centraliza nele
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mesmo o saber e é por isso que, na posição perversa, encontra-se a dimensão do saber
absoluto. O saber do perverso, apesar de absoluto, é também parcial visto referir-se à
questão sexual: o perverso é cônscio desse de que sabe fazer o Outro gozar, sendo seu
saber, apesar de não suposto a ninguém, assumido como algo do próprio sujeito.
Certamente, nesse processo, o desmentido, como mecanismo estrutural, tem
uma lógica. O perverso desmente o “não-tem” pênis da mãe afirmando constantemente que
ela tem através do fetiche, pois esta é a fórmula da qual se utiliza para ingressar na cultura.
Eis uma semelhança do perverso com o neurótico. Mas, diferentemente do neurótico, o
perverso questiona a cultura confrontando o simbólico uma vez que em relação ao gozo
elege o fetiche como objeto de exclusividade. Esta exclusividade é a maneira de o perverso
questionar o simbólico, mas a partir tanto da inscrição da ausência de pênis na mulher o que
lhe permite a acesso à diferenciação sexual, quanto do desmentido dessa inscrição. Assim
podemos dizer que a perversão é “um saber suposto sabido sobre o gozo. Não se interroga,
sabe-se” (Lullien, 1997:99).
A foraclusão e a subjetivação psicótica
Uma importante elaboração, no pensamento freudiano com relação à psicose,
é a formulação de um mecanismo para diferenciá-la, como entidade clínica, da neurose. Em
princípio, cabe destacar que o objetivo de Freud (1894/1976) era encontrar um mecanismo
para a psicose análogo ao recalque. Uma vez tendo elevado esse conceito à condição de
pedra angular da teoria psicanalítica, uma questão se impunha ao seu pensamento:
encontrar um conceito que pudesse ocupar um lugar análogo no campo da psicose. Nessa
empreitada surgiram os conceitos de projeção, de abolição e de recusa. Este último
mecanismo ganhou conotação especial, fazendo parte apenas em relação à castração. No
entanto, esses três mecanismos não ainda o correspondente àquilo que é formulado como
foraclusão, defesa típica da psicose diferenciada do recalque na delimitação das
psiconeuroses de defesa em 1894. Mas, ainda nesse contexto, a recusa é a modalidade de
defesa empregada, tanto para definir a confusão alucinatória quanto a paranóia
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Psicanálise & Barroco em revista v.8, n.2: 74-94, dez.2010 88
O primeiro sentido da palavra foraclusão é o de uma defesa enérgica que, em
termos de sua operatividade, afasta da consciência tanto a representação quanto o afeto a
ela relacionado (Freud, 1894/1976). Sem dúvida, o encaminhamento freudiano acerca desse
termo faz alusão ao pensamento de Brentano (1973) que relacionou esse mecanismo a três
condições: a aplicação de um juízo, ao reconhecimento e à rejeição. Fundamentando-se
nessas premissas, a conclusão freudiana é a de que a psicose tem de ser pensada a partir de
uma operação defensiva, sendo que em função da ação de tal operação, aquilo que é
recusado ou abolido tem um destino especial, diferente do recalcado. Isso confere ao
retorno uma conotação particular, mas como delírio ou confusão alucinatória.
O vazio, nos textos freudianos, sobre o mecanismo da psicose pode ser
pensado em termos de ordens distintas de fatores. Em princípio, o conceito de foraclusão é
inclusive anterior ao conceito de recalque originário. Em As neuropsicoses de defesa, Freud
(1894/1976) afirma que, na psicose, algo é recusado e que esse algo é um fato da realidade
ou um estado de coisas da realidade. Essa definição apresenta-se como uma negação. A
questão que nos inquieta é explicar como uma negação radical e eficaz pode desencadear
uma psicose?
Poderíamos pensar no tema da divisão do Eu e também na prevalência de
uma corrente na vida psíquica que pela influência da pulsão alija-se da realidade externa. É,
pois com referência a não captação da castração materna que a psicose será então pensada,
cujo efeito imediato é a ausência da anterioridade paterna, o que é definido por Lacan
(1998b) em termos da exclusão de um significante primordial. No entanto sabemos que a
introdução do termo foraclusão, no ensino lacaniano, ocorreu de um modo progressivo, em
que é possível distinguir dois momentos. Uma vez analisados cuidadosamente concluímos
que o termo foraclusão não é simplesmente uma tradução de Verwerfung e sim a criação de
um conceito novo, mesmo que herdeiro da tradição freudiana.
No primeiro desses momentos, em Da psicose paranóica e suas relações com a
personalidade, anterior ao aparecimento do termo foraclusão, Lacan (1987) confere um
sentido mais preciso ao encontrado para o termo Verwerfung, na formulação freudiana de
1894, enquanto a abolição, o que será então o conceito chave para a interpretação do Caso
Schreber. Mas com a ajuda de Jean Hypolite sobre a Verneinung, Lacan (1998c) apresenta
As três formas de negação à castração
Psicanálise & Barroco em revista v.8, n.2: 74-94, dez.2010 89
sua primeira definição da Verwerfung como abolição simbólica, situando-a nas origens da
vida psíquica. Em De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose, Lacan
(1998c) formula um primeiro tempo lógico do processo de estruturação do sujeito pensado
em termos do mecanismo da foraclusão e identificado ao momento de exclusão que
constitui o real enquanto território estrangeiro a simbolização.
Aquilo que o exame do mecanismo da Verwerfung põe em evidência é que o
recalcado já faz parte do universo simbólico do sujeito. Assim podemos depreender que a
foraclusão tem o caráter que vai além de um simples mecanismo defensivo, uma vez que
está referido à afirmação primordial, aquela que inaugura o advento ao mundo para o ser
humano à medida que a esta abolição simbólica é atribuída uma função constitutiva.
Não obstante, sabemos que o recalque originário pressupõe também a
afirmação primordial, uma vez que temos de pensar na constituição de um núcleo originário
do recalcado. Mas em se tratando da Verwerfung nos encontramos diante de algo que pode
ser equiparado à expulsão, o que marca a diferença radical entre a defesa da psicose e o
recalque (Souza, 1999). Se na neurose temos um processo que ocorre a partir do retorno do
recalcado e que conduz à revelação do inconsciente como formação simbólica, na psicose o
abolido reaparece no real. A oposição entre o real e o simbólico (que em certo sentido
substitui a oposição dentro-fora, embora não sejam equivalentes), permite uma nova
tradução do enunciado através do qual Freud (1911/1976) havia descrito o mecanismo da
paranóia pela formulação de que aquilo que foi abolido dentro retorna desde fora. Podemos
assim explicar essa colocação freudiana: o que fica preso à foraclusão, o que fica fora da
simbolização geral que estrutura o sujeito, retorna desde fora no seio do real como
alucinação. Esse é o encaminhamento que encontramos em Lacan (1998c).
Convém assinalar que não foi, no caso Schreber, que Lacan (1998c) encontrou
os elementos para ilustrar sua concepção de Verwerfung e sim, no historial clínico do
Homem dos Lobos, principalmente na passagem em que diante da castração o Homem dos
Lobos não quis saber nada, quer dizer recusou-se a captá-la. O sujeito colocado frente ao
descobrimento da diferença sexual ignorou a existência da significação genital, preferindo
conservar a antiga teoria sexual da universalidade do pênis. Nesse sentido, o mecanismo da
psicose é, pois anterior a todo juízo, consistindo numa exclusão do recusado do campo de
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existência. É este o pórtico do qual se vale Lacan (1998d) para afirmar que, pela
foraclusão, o sujeito recusa o acesso ao mundo simbólico de algo que, sem dúvida, já
experimentou como ameaça da castração: a ausência, no registro simbólico, de uma não
admissão, uma falta da afirmação primordial que se confirmará pela alucinação. Nessas
circunstâncias, a castração não existe então para o sujeito uma vez que não foi captada a
diferença genital mediante o encontro com o corpo da mulher.
Em certo sentido aquilo que não é captado irrompe na consciência sob a forma
de algo visível. Uma significação até então desconhecida impõe-se ao sujeito, no seio do
real, como absoluta exterioridade, visto que no lugar em que ocorre a foraclusão o sujeito
nele não se encontra. Além do mais, aquilo que é objeto de tal processo fica fora do campo
da palavra. Daí então temos duas consequências no campo clínico da psicose. Em primeiro
lugar, o retorno com exterioridade indica que, na psicose, não há centralização do saber, no
sujeito, no pai e nem no mundo. Em segundo lugar, em decorrência da não centralização do
saber, o psicótico operar com certeza absoluta é dada pela alucinação. (Quinet, 2009).
A certeza delirante é uma modalidade de saber não é suposto, pois é produzido
pelo próprio sujeito enquanto certeza e não comporta dúvida e nem tampouco dívida. Disso
podemos aventar a concluir que a subjetivação psicótica pode ser pensada no seguinte
contínuo: parte da não dúvida e funciona pela não dívida.
A inexistência da dúvida e da dívida, é a condição que impossibilita localizar o
saber do psicótico, o que marca a problemática com relação à filiação. Daí, afirmar-se que o
psicótico fica à deriva, sem qualquer amarração simbólica (Czermak, 1991). Pelo fato de
operar com certeza, o psicótico encontra-se na dimensão de totalidade, pois não se
estruturou pela mediação da falta, permanecendo na condição de objeto materno alucinando
ser o falo. O falo enquanto alucinado é então aquilo que completa a falta na mãe (Calligaris,
2005). A conseqüência desse fato é não estabelecimento de um espaço entre o sujeito e a
falta na mãe. Sendo assim, o psicótico encontra-se no registro de uma eterna presença, sem
anterioridade paterna privado do acesso ao Édipo, devido à abolição simbólica.
Temos assim um processo primordial de exclusão de um dentro primitivo que
não é o dentro do corpo, que é um primeiro corpo de significante, uma primeira colocação
de um sistema significante como aquele que se supõe primordial e indispensável (Lacan,
As três formas de negação à castração
Psicanálise & Barroco em revista v.8, n.2: 74-94, dez.2010 91
1998d). Quer dizer, algo é excluído no momento da organização primordial da ordem
simbólica como uma falta relativa ao primeiro nó significante em função do qual a psicose
é pensada como um buraco, uma falta em termos do significante enquanto tal.
O significante que faz a amarração simbólica é, paradoxalmente, aquele que
nada significa, porém funciona de modo a atrair para si todas as significações. Quer dizer,
cria um campo de significações e constitui também a base sem a qual a ordem das
significações humanas não pode se estabelecer. Enfim tal significante é o que sustenta o ser
humano no mundo, ou melhor, naquilo que Lacan (1985) definiu como as amarras do ser ao
se referir à relação do homem com o significante. Aludir a esse significante é situar um
limite, embora saibamos que não é o único, visto que a linguagem é também um limite que
submete o sujeito às leis da palavra através da função paterna.
O recurso ao significante que faz a amarração da cadeia simbólica marca o
momento de produção da segunda acepção do termo foraclusão em relação ao Édipo. Se a
foraclusão é a não captação da falta de pênis no corpo da mulher, estamos frente a um tipo
de negação relativa ao Édipo, mas uma negação que não admite o Édipo; que nada
conserva, visto haver a recusa do significante paterno. Enquanto negação, a foraclusão não
deixa nenhum vestígio o que impossibilita a admissão do Édipo no simbólico. Estamos,
com isso, no âmbito do conceito lacaniano de foraclusão do Nome-do-Pai. Sendo assim o
que é negado no simbólico, (não captação da castração materna), retorna no real sob a
forma de automatismo psíquico cuja expressão mais evidente é a alucinação. Como o
retorno é no real, o que retorna surge como se fosse algo que se inclui fora do simbólico.
Desse modo, aquilo que retorna aponta para uma exterioridade do sujeito em relação ao
simbólico como muito bem ilustram as vozes alucinadas e os pensamentos sonorizados.
Esses fenômenos são o paradigma da exterioridade do sujeito em relação ao
simbólico. O que retorna, na psicose, adquire uma autonomia a ponto de constituir-se em
uma espécie de automatismo que corresponde a idéias que não são postas em dúvidas, nem
questionadas. Em razão disso, o psicótico não habita a partilha do sexo, já que é pela
dúvida e pela dívida que o sujeito ascende à questão da diferenciação sexual. Certamente se
não há dúvida (como ocorre na neurose em função da divisão) há a certeza, mas certeza
delirante.
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O mecanismo da foraclusão não somente propiciou uma nova definição da
psicose como também redefiniu as noções de exterioridade e inconsciente: o recalque
situa-se no âmbito interno daquilo que o sujeito pode sentir em termos da linguagem,
porém sem saber sabê-lo (um inconsciente que de certo modo lhe pertence, que foi
admitido no sentido da afirmação primordial). A foraclusão também tem a ver com um
significante inconsciente, mas se trata de um inconsciente externo ao sujeito, ou seja, uma
forma de exterioridade a qual o sujeito permanece para sempre ligado. Assim podemos
dizer que o psicótico fica numa espécie de exterioridade em relação à sexuação.
Referências
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VALAS, P. Freud e a perversão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990.
THE THREE MEANS TO NEGATE CASTRATION
ABSTRACT:
When crossing from the natural state to the cultural state, the human breed, in response to
the absence captured in the body of the woman, disposes of three means to negate
castration. They are three defensive means used by the subject to avoid being totally
reduced to the condition of a simple object of desire of the Other. In dealing with
repression, we have the psychic inscription “there is no penis” in the body of the woman
substituted by “I do not know”, which drives the subject to glide through culture in search
of objects directed to a type of knowledge imprinted by paternal anteriority. Concerning
disavowal, we simultaneously have the negation and the affirmation of the existence of a
penis in the body of a woman by means of the two coexisting psychical chains that do not
contradict each other and hold the fetish as the paradigm. Finally, in foreclosure, the
absence in the body of a woman is not captured, placing the subject in the position of being
the phallus of the mother.
KEYWORDS: Defense. Subjectivity. Repression. Disavowal. Foreclosure.
Francisco Ramos de Farias
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LES TROIS MANIÈRES DE NEGATION À LA CASTRATION
REUMÉ:
L’enfant, lorqu’il essaie passer du état de nature envers à la culture, dispose de trois
manières de négation pour répondre à la manque captée dans le corps de la femme. Ce sont
trois opérations defensives, lesquelles l’homme utilize a fin de ne pás être réduit à la
condition d’objet du désir de l’Autre. On s’agitant du réfoulement, il y a l’inscription, dans
le psychisme de l’absence de penis dans le corpos de la femme. Mais cette absence est
remplacée par un type de savoir. A cause de ça le sujet cherche, dans la culture, des objets
relatifs a un type espécifique de savoir sur l’antériorité du père. Dans le cas du démnti on a,
simultanément, la négation et l’affirmation de l’éxistence du pênis dans la femme, en raison
de deux différentes versantes psychiques, sans avoir quelque contradiction, comme arrive
dans le fétiche. Enfin, dans la forclusion on a la possibilite de non captation de la manque
dnas le corps de la femme et alors, le sujet ocuppe la place de fallus de la mère.
MOTS-CLÉS: Defense. Subjectivité. Refoulement. Dementi. Forclusion.
Recebido em 09/08/10
Aprovado em 10/09/10

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