sexta-feira, 3 de agosto de 2012

A Psicopatologia sob a ótica da Análise do Comportamento:

A Psicopatologia sob a ótica da Análise do Comportamento:
 aspectos teóricos e clínicos.
*Bruna de Amorim Sanches Aldinucci1 Não é incomum ouvirmos pessoas explicando seus próprios comportamentos ou comportamentos de outras pessoas através de algum diagnóstico psiquiátrico ou simplesmente recorrendo a algum sentimento ou pensamento. A Psicopatologia é um campo de estudo da Medicina, mais especificamente da Psiquiatria. No entanto, os conceitos da psicopatologia estão sendo amplamente utilizados por leigos e até mesmo por profissionais das áreas da saúde (psicólogos, enfermeiros, médicos, etc.) para explicar comportamentos desviantes. Os alunos de psicologia têm alguma informação de que os pressupostos do Behaviorismo Radical são incompatíveis com o fato de atribuir as causas do comportamento público a algum pressuposto teórico ou a algo que ocorre dentro do sujeito. Mas qual é exatamente a objeção behaviorista? Para esclarecer onde repousa a crítica recorremos a Skinner (1953). “Um costume ainda mais comum é explicar o comportamento em termos de um agente interior sem dimensões físicas, chamado “mental” ou psíquico”. (...) Um refinamento apenas um pouco mais modesto é atribuir cada aspecto do comportamento de um organismo físico a um aspecto correspondente da “mente” ou de outra “personalidade” interior. (...) Algumas vezes o homem interior é claramente personificado, como quando o comportamento delinqüente é atribuído a uma “personalidade desordenada”, ou pode ser encontrado em fragmentos, como quando o comportamento é atribuído a processos, faculdades ou traços mentais. Skinner, 1953, p. 30-31)
Portanto, a Análise do Comportamento, como prática que se fundamenta numa filosofia behaviorista, não aceita que as chamadas doenças mentais sejam tomadas como causas do comportamento dito patológico, porque esse tipo de “explicação” é circular. Circular porque explicar um comportamento por
1 Mestre em Análise do Comportamento pela Universidade Estadual de Londrina, psicóloga clínica e docente do Centro Universitário Filadélfia.
agentes interiores ao organismo que se comporta não esclarece porque a pessoa se comporta da maneira como o faz. Buscar a explicação do comportamento dentro do sujeito inviabiliza conhecer as variáveis que realmente afetaram e afetam a pessoa e que estão relacionadas ao comportamento observado. Cabe ressaltar que a Análise do Comportamento aceita e estuda os chamados eventos mentais, mas sem conferir a eles qualquer tipo de status de causalidade. Sendo assim, tais eventos também devem ser explicados pela análise comportamental. O comportamento é produto da sua história e de variáveis do contexto atual, explicar o comportamento consiste em entender o seu processo de construção. “Da mesma forma, quando se explica um exemplo de comportamento desajustado dizendo que o indivíduo “sofre de ansiedade”, teremos de dizer também qual a causa da ansiedade. Mas as condições externas que então se invocam poderiam já ter sido diretamente relacionadas ao comportamento desajustado”. (Skinner, 1953, p. 37) No caso dos transtornos psiquiátricos, o analista do comportamento não rejeita os diagnósticos, a ressalva refere-se ao fato de que os manuais diagnósticos oferecem uma descrição topográfica do comportamento, o que é insuficiente para explicar as causas de um padrão comportamental. A descrição topográfica fornecida por estes manuais resume uma série de comportamentos prováveis de ocorrer. No entanto, esses conceitos não fornecem nenhum dado específico sobre uma pessoa, não explica como o produto – psicopatologia – foi construído e se mantém, mas classificam padrões comportamentais. A ansiedade, por exemplo, é entendida como produto de contingências, nos manuais estatísticos tem-se uma descrição sobre os mais variados transtornos de ansiedade, no entanto não são relevantes para entender porque uma pessoa que se comporta de maneira ansiosa.
“Quando falamos dos efeitos de ansiedade, estamos dizendo que o próprio estado é uma causa, mas até onde nos referimos aqui, o termo meramente classifica um comportamento. Indica um conjunto de predisposições emocionais atribuídas a um tipo especial de circunstâncias. Qualquer tentativa terapêutica de “reduzir os efeitos
da ansiedade” deve operar sobre essas circunstâncias, não sobre o estado interveniente.” (Skinner, 1953, p. 198) No Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, quarta edição (DSM IV), as características diagnósticas do Transtorno de Ansiedade Generalizada são apresentadas. “A característica essencial do Transtorno Ansiedade Generalizada é uma ansiedade ou preocupação excessiva (expectativa apreensiva), ocorrendo na maioria dos dias por um período de pelo menos 6 meses, acerca de diversos eventos ou atividades (Critério A). O indivíduo considera difícil controlar a preocupação (Critério B). A ansiedade e a preocupação são acompanhadas de pelo menos três sintomas adicionais, de uma lista que inclui inquietação, fatigabilidade, dificuldade em concentrar-se, irritabilidade, tensão muscular e perturbação do sono (apenas um sintoma adicional é exigido em crianças) (Critério C).” (DSM IV, p. 457) Ao ler um trecho das características diagnósticas do Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) fica claro que não há nada referente a uma pessoa em especial, mas são informações que se referem a uma população que se comporta de maneira semelhante. A Análise do Comportamento se preocupa nos motivos pelos quais uma pessoa especificamente sente-se ansiosa entre outros comportamentos que ela apresenta. Se estivermos diante de duas pessoas com o mesmo diagnóstico, por exemplo, Transtorno de Ansiedade Generalizada, as causas dos comportamentos chamados ansiosos possivelmente não serão as mesmas, embora tenham o mesmo diagnóstico. No caso de intervenções clínicas, o analista do comportamento concentrará seus esforços em identificar e alterar as condições que geram o estado ansioso, visto que este é entendido como produto de contingências.
Os manuais diagnósticos têm a sua relevância, na medida em que resumem várias características em um diagnóstico, e tal conhecimento facilita a comunicação entre profissionais da área. Nesse sentido, os conceitos diagnósticos são econômicos. Além disso, são úteis porque relacionam os conceitos (ex. ansiedade) a comportamentos prováveis de ocorrer. Ter alguma previsão sobre a maneira provável que uma pessoa irá se comportar é importante, porque com tal conhecimento passa a ser possível planejar contingências adequadas para uma dada situação. Por exemplo, uma pessoa
diagnosticada com Transtorno de Humor do tipo Bipolar II, o qual é caracterizado pelo DSM IV por um ou mais Episódios Depressivos Maiores, acompanhado por pelo menos um Episódio Hipomaníaco2. Tal diagnóstico prevê que há períodos de oscilação de humor, que após um episódio de hipomania haverá a recorrência de um episódio depressivo maior. A família dessa pessoa, tendo tal previsão, pode planejar condições que evitem o suicídio, já que esta é uma possibilidade iminente quando se trata de um padrão comportamental com características de Transtorno Bipolar. Sabendo que no momento da virada bipolar (transição do episódio hipomaníaco para o depressivo) o risco de suicídio é alto, a família permanecerá com todos os cuidados para preservar a vida dessa pessoa mesmo na fase hipomaníaca. “Há circunstâncias práticas sob as quais é útil saber que uma pessoa se comportará de uma dada maneira mesmo que não precisemos saber o que ela irá fazer. Ser capaz de prever, por exemplo, que uma proposta será “recebida favoravelmente” é útil, mesmo que a forma específica de recepção permaneça desconhecida. Sob certas circunstâncias tudo o mais acerca do comportamento pode ser irrelevante, e assim uma descrição em termos de traços é altamente econômica. Mas termos desse tipo são úteis para uma análise funcional?” (Skinner, 1953, p. 212) Tendo esclarecido quais são as objeções do Behaviorismo Radical e os princípios em que elas estão fundamentas, cabe abordar o modelo de análise utilizado pela Análise do Comportamento, a qual explica as psicopatologias a partir do mesmo modelo que utiliza para explicar os comportamentos tidos como adequados.
O Behaviorismo Radical fundamenta seus princípios a partir do modelo selecionista de Darwin, estabelecendo um paralelo entre o modelo de seleção natural e o modelo de seleção pelas conseqüências. No modelo darwiniano, alguns organismos com características importantes para um ambiente relativamente estável deixam uma prole mais numerosa e em melhores
2 As características dos Episódios Depressivos Maiores são: alterações no apetite, sono e atividade psicomotora, diminuição de energia, sentimentos de desvalia ou culpa, dificuldades para pensar, concentrar-se ou tomar decisões, ou pensamentos recorrentes sobre morte ou ideação suicida, planos ou tentativas de suicídio. As características do Episódio Hipomaníaco refere-se a (necessidade de cumprir três características) auto-estima inflada ou grandiosidade (não delirante), necessidade de sono diminuída, maior pressão por falar, maior envolvimento em atividades dirigidas a objetivos ou agitação psicomotora, e envolvimento excessivo em atividades prazerosas com alto potencial para consequências dolorosas. (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais)
condições de reprodução e sobrevivência. O paralelo consiste em considerar que assim como os organismos que sobrevivem são aqueles cujas características melhor se adaptam ao meio, os comportamentos seguidos por determinados eventos passam a ter sua classe funcional fortalecida. Desse modo, o comportamento é entendido como produto de três níveis de seleção: filogênese, ontogênese e cultura. O nível filogenético refere-se às características genéticas de uma espécie e a padrões comportamentais que permitem ao organismo interagir num ambiente razoavelmente estável e fornece os limites da ontogênese. O aparato biológico, selecionado pelas contingências filogenéticas, viabiliza o desenvolvimento do operante, visto que estabelece as condições básicas para que o comportamento aconteça. O sistema biológico é condição para o comportamento, e não causa. A ontogênese consiste no segundo nível de seleção pelas conseqüências e refere-se ao fortalecimento do repertório comportamental do indivíduo pelas conseqüências reforçadoras que seguiram suas classes funcionais de comportamento no passado. Neste caso, o que sobrevive é o comportamento, e não mais a espécie (Andery, 2001). A cultura consiste no terceiro nível de seleção. Esse nível atua sobre a seleção das práticas culturais que envolvem reforço social e permitem a sobrevivência do indivíduo e do grupo ao qual ele pertence. Nesse sentido, o terceiro nível de seleção permite que os indivíduos aprendam a se comportar sem necessariamente terem entrado em contato direto com contingências de modelagem dos comportamentos. Desse modo, torna-se possível aprender com o outro (Andery, 2001). Portanto, para explicar o comportamento o behaviorista radical recorre à história da espécie, à história do comportamento do indivíduo e à história social e cultural. A partir do arranjo único de contingências complexas ao qual o sujeito foi exposto construiu-se a sua idiossincrasia e produziu-se o seu repertório comportamental.
O comportamento, seja ele visto como normal ou anormal, é entendido como produto de contingências filogenéticas, ontogenéticas e culturais. Sob
essa ótica, quando se trata de ontogênese e cultura, os comportamentos ditos patológicos, assim como os saudáveis, foram construídos pelos mesmos princípios de aprendizagem (modelagem, modelação, reforço positivo e negativo, punição positiva e negativa, extinção, discriminação, generalização e comportamento governado por regras). É o arranjo único de contingências composto por todos esses processos de aprendizagem que produzem os mais diversos comportamentos. Como entendemos que o comportamento foi selecionado pelas consequências que produziu no passado, ele não é entendido como patológico (doente) porque se ocorre é em razão de existir algum valor adaptativo para a pessoa que se comporta. Comportamentos, por mais bizarros que possam parecer, são um conjunto de respostas que viabilizam conseqüências (reforçadoras positivas e/ou negativas) importantes para o indivíduo. Essas consequências podem ser sensoriais, sociais e consequências como evitação de eventos desagradáveis. (Matos, 1999) O comportamento governado por regras merece uma atenção especial quando se trata das chamadas psicopatologias. Como especificado acima, a cultura permite que o sujeito aprenda coisas com o outro sem exposição direta à contingência e isso pode se tornar um problema, mas também pode ser bastante vantajoso. Skinner (1969) define regra como um estímulo discriminativo verbal que descreve uma contingência. Em 1897, ele nos alertou que as regras são importantes porque elas permitem que uma pessoa aproveite a experiência do outro e que descreva tal experiência de maneiras úteis. Skinner (1987) afirma ainda que as regras são necessárias quando as conseqüências naturais são falhas a longo prazo. Por exemplo, hoje existe a regra que aquecer alimentos no forno microondas, em recipientes plásticos que contenham o componente BPA (Bisfenol A), pode causar câncer. Tomemos esta regra como verdadeira: a conseqüência natural (câncer) é falha porque o intervalo entre o comportamento (aquecer alimentos de plástico no microondas) e a conseqüência (câncer) seria muito longo e assim tal conseqüência não selecionaria comportamentos mais adequados.
Portanto, as regras são importantes porque encurtam o processo de aprendizagem que poderia ser muito longo ou até mesmo ineficaz unicamente pelo processo de seleção pelas conseqüências. Isso não significa que as conseqüências naturais deixam de ser importantes quando o comportamento é governado por regras. Skinner (1987) ressalta que as pessoas continuam respondendo a regras somente se responder sob estas condições estiver produzindo conseqüências reforçadoras. Por exemplo, uma pessoa numa cidade estranha pede instruções à outra sobre como chegar ao shopping e logo no início do caminho uma determinada regra não corresponde à situação, então passa a ser alta a chance da turista parar de seguir as regras dadas pela pessoa que forneceu as instruções. Mas as regras também podem causar problemas quando as contingências mudam e as regras que pretendem descrevê-las não mudam, passando a não mais corresponder a elas.
Além disso, o sujeito pode descrever contingências para ele mesmo a partir de alguma experiência específica que viveu ou observou alguém viver em sua história de vida. A esse processo dá-se o nome de auto-regra. Chama-se de auto-regra porque o falante e o ouvinte seguidor da regra são a mesma pessoa. Por exemplo, uma moça (N) que é filha da segunda união frustrada3 de sua mãe observou as experiências dolorosas da mãe com seus relacionamentos conjugais. N teve alguns relacionamentos conjugais que no seu perceber não deram certo e ela não sabe o motivo. Então N formula a auto-regra: “Homem não presta, melhor é ficar sozinha.” Depois dessas experiências todas, quando algum rapaz se aproxima dela, logo no primeiro contato diz para ela mesma “homem não presta, melhor é ficar sozinha” e afugenta o homem que se aproximou. As pequenas frustrações amigas de N das amigas em seus relacionamentos servem para ela reforçar sua a auto-regra. No entanto, N queixa-se que suas amigas estão todas namorando e que não tem com quem sair e que sente vontade de sair para jantar em casal como suas amigas fazem. A auto-regra funciona como um estímulo discriminativo, no
3 O termo união frustrada foi utilizado para se referir aos casamentos com muitas brigas entre a mãe e os maridos traições do parte deles que culminaram em separações conturbadas.
caso para o comportamento de N escapar de relacionamentos conjugais. Mas o problema é que essa regra descreveu uma contingência muito particular que N viveu e que agora não necessariamente descreve outras contingências do contexto atual. O problema da auto-regra ocorre quando ela não corresponde às contingências em vigor e também porque ela pode não ser testada, pois como ressaltam Zettle & Hayes (1982) as pessoas são pouco propensas a duvidarem delas mesmas. Por isso, uma auto-regra pode continuar sendo ocasião para uma série de comportamentos, e conduzir a resultados problemáticos para o sujeito. (Zettle & Hayes, 1982) Diante do exposto, a tarefa do analista do comportamento não consiste em nomear um padrão comportamental estabelecido e mantido por questões idiossincráticas, mas principalmente em entender as relações de interdependência do comportamento com os contextos em que ele ocorre. Referências Andery. M. A. P. A. O modelo de seleção por conseqüências e a subjetividade. In R. A. Banaco (Org), Sobre o Comportamento e Cognição Cognição (vol.1, p.196-205). Santo André, SP: Esetec, 2001. DSM-IV-TRTM – Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Trad. Claudia Dornelles; 4ª ed rev. – Porto Alegre: Artmed, 2002. Matos, M. A. Análise funcional do comportamento. Em: Estudos de Psicologia, (vol. 16, n.3, p. 8-18). Campinas: PUC-Campinas, 1999. Skinner, B. F. Ciência e Comportamento Humano, 10ª ed. São Paulo: Martins Fontes,1998. (obra original publicada em 1953) Skinner, B. F. Upon Further Reflection. N. J: Englewood Cliffs, 1987. Skinner, B. F. Contingências de Reforço: uma análise teórica. São Paulo: Abril Cultural, 1969. Zettle, R. D. & Hayes,S. C. Rule-governed behavior: A potential theoretical framework for cognitive-behavioral therapy. Em: P. C. Kendal (Org.), Advances in cognitive-behavioral research and therapy, (p.73-118). New York: Academic Press, 1982.

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