domingo, 15 de julho de 2012

A escolha do sintoma na neurose obsessiva
The choice of the symptom in the obsessive neurosis
Vanessa Leite Teixeira
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – Campus Coração Eucarístico,
Belo Horizonte – MG, Brasil
Resumo
O sintoma é um dos pontos fundamentais para a psicanálise uma vez que o
sujeito busca uma análise quando seu sintoma torna-se mais insustentável
que satisfatório. Freud (1916-1917/1996b) divide os sintomas em típicos e
em individuais: embora o sentido dos sintomas seja de ordem sexual, sua
lógica subjacente remete à particularidade da divisão subjetiva e da marca
da castração. A determinação do sintoma e de sua lógica particular é
fundamental, já que embasa o analista para a direção do tratamento. Assim,
faz-se a questão: o que determina a escolha do tipo clínico e dos seus
sintomas? Frente a vários tipos destacados pela psicanálise, este texto
volta-se à escolha do sintoma no tipo clínico da neurose obsessiva, a partir
de pesquisa bibliográfica .
Palavras-chave: Psicanálise; psicopatologia; sintoma; neurose obsessiva.
Abstract
The symptom is one of the maters of great importance in the
psychoanalysis theory once the subject demands an analysis when the
symptom becomes more unbearable than a source of pleasure. Freud
(1916-1917/1996b) classifies the symptoms into typical and individual
types: despite having sexual meaning, the logic presented by the symptom
refers to the particularities of the subject division and the castration mark.
Determining the symptom and its particular logic is basic to support the
direction of the treatment. Thus, a question is elaborated: what determines
the choice of the clinical type and its symptoms? Among all the types
described by the psychoanalysis theory, this essay discusses the selection
of the symptom in the obsessive neurosis, based on bibliographical review.
Key-words: Psychoanalysis; psychopathology; symptom; obsessive
neurosis.
A autora agradece aos professores Wagner Bernardes, Kátia Botelho e, em especial, a Lúcia Maria de Lima Mello e a Mário
Lúcio Vieira da Silva pela orientação e opiniões acerca da construção do texto.
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Vanessa Leite Teixeira
Introdução
Freud (1917/1996d) caracteriza os
sintomas psíquicos neuróticos como atos
prejudiciais ou inúteis à vida, dos quais a
pessoa por vezes se queixa, por serem
indesejados e causadores de desprazer e
sofrimento. A partir de uma discussão
teórica mais aprofundada, o autor coloca
que os sintomas neuróticos são resultado
de um conflito entre a libido e a realidade,
tendo a função de serem formas de
satisfação substitutiva do representante da
pulsão que foi recalcado.
Segundo Freud (1925/1976), o
processo de recalcamento tem início a
partir de exigência pulsional do id à qual
o ego opõe resistência. Enquanto
mediador entre o id e o mundo externo, o
ego institui o recalcamento de tal representante
pulsional e o mantém recalcado
no inconsciente. Todavia, a libido
recalcada toma um caminho alternativo à
satisfação normal, já que esta lhe foi
negada. Produz derivados psíquicos e
irrompe no ego na forma de substitutos
destorcidos e disfarçados, dentre eles, o
sintoma, que ao surgir para evitar o
desprazer, traz, paradoxalmente, grande
sofrimento. Campos (2000, p.29) conclui
que o sintoma é, portanto, “uma formação
de compromisso entre a tendência
inconsciente recalcada e o ego repressor
consciente”, sendo que “os indivíduos
adoecem quando, por obstáculos
exteriores ou ausência de adaptação
interna, lhes falta na realidade a satisfação
das necessidades sexuais. (...) se
refugiam na moléstia, para com o auxílio
dela encontrar uma satisfação
substitutiva.” (FREUD,1910/1996a,p.46)
Freud(1912/1969a;1929-1930/1974)
aponta que o projeto civilizatório impõe
limites externos e internos que frustram as
satisfações pulsionais. “A possibilidade de
cair enfermo surge apenas quando há
abstinência” (FREUD,1912/1969a,p.292).
Como efeito da frustração, há a ativação
de fatores disposicionais até então
inoperantes. Assim, é exigida do sujeito
uma adaptação: transformar o princípio do
prazer em princípio da realidade e
recalcar a pulsão não autorizada à astisfação
por via normal. Contudo, a
inflexibilidade do indivíduo em trocar um
tipo de satisfação por outro pode
deflagrar o sintoma. Tal acontecimento
também pode se dar devido a inibições
do desenvolvimento libidinal do indivíduo,
provocando uma regressão a
pontos de fixação da libido típicos da
infância. Todos estes fatores são influenciados
diretamente pela quota libidinal
disponível.
Fica claro, portanto, que o conflito
surge pela frustração, em conseqüência
da qual a libido, impedida de encontrar
satisfação, é forçada a procurar outros
objetos e outros caminhos para tal
objetivo. Quando esses são desaprovados,
ou por fatores da realidade ou por
instâncias reguladoras internas – ego e
superego –, ocorre o recalcamento da
libido e a conseqüente formação dos
sintomas torna-se uma possibilidade de
satisfação indireta. A escolha do sintoma é
uma tentativa de acordo entre a libido,
ávida por satisfação, e o ego, assolado
pela realidade repressora e submisso ao
superego. Mas qual a influência desses
fatores na escolha da neurose obsessiva?
Determinantes da neurose
Freud (1913/1969c) coloca que há
dois determinantes patogênicos emvolvidos
na neurose: aqueles que a vida
traz, constitucional e acidentalmente, e
aqueles que a pessoa já traz para sua vida.
Estes são independentes de experiências
e têm caráter de disposições. A fonte
destas disposições está, especialmente, na
função sexual, a qual deve passar por um
longo desenvolvimento. Mas este desenvolvimento
não ocorre sem problemas:
alguma quota libidinal tende a ficar retida
em estádios anteriores, denominados
pontos de fixação. A partir da frustração
de satisfação, o sujeito poderá regredir
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a certos pontos de fixação, onde é
garantida a satisfação, uma vez que esta já
foi experimentada na infância. Todavia,
Freud (1917/1996d) pontua que a própria
regressão pode causar conflitos com o
ego, o que dirige o sujeito para a neurose:
sem este conflito, não há neurose. Quanto
mais intensas as fixações durante o
processo de desenvolvimento, mais
propícias serão a fuga da realidade pela
regressão e a conseqüente formação
sintomática, conforme completa o autor
em 1916c/1996d.
O desenvolvimento da função
libidinal inicia-se no auto-erotismo, no
qual as pulsões parciais satisfazem-se no
próprio corpo de maneira independente
umas das outras. Segundo Nasio (1995),
este tipo de satisfação caracteriza o
narcisismo primário, uma vez que o eu
como tal ainda não se constituiu. O
narcisismo primário é localizado por
Freud, no contexto da elaboração da
segunda tópica, como “o primeiro estado
da vida – anterior, portanto, à constituição
do eu – característico de um período em
que o eu e o isso são indiferenciados”.
(Roudinesco & Plon, 1998, p.531). O autoerotismo
constitui o primeiro momento do
narcisismo primário e é confundido por
muitos autores como sinônimo deste.
Os objetos investidos neste
momento correspondem às próprias
partes do corpo. O desenvolvimento da
libido passa pelo primado de certas zonas
corporais de atividades somáticas de
apoio à pulsão, que adquirem, assim,
estatuto de zonas erógenas. Segundo
Roudinesco e Plon (1998, p.629), “essa
pulsão parcial, cujo caráter sexual é assim
ligado ao processo de erotização da zona
corporal considerada, separa-se de seu
objeto de apoio para se tornar autônoma.
Funciona então de maneira auto-erótica.”
O primado de cada zona erógena
descreve um período do desenvolvimento
da libido, a saber: período de organização
pré-genital oral, período de organização
pré-genital sádico-anal, período de
latência – no qual surgem forças, descritas
por Freud, em 1905, como asco, vergonha,
ideais estéticos e morais, que, mais tarde,
aparecerão como entraves no caminho da
pulsão sexual –, culminando na primazia
da zona genital. A seguir, uma
combinação destas pulsões dirige-se para
a escolha do objeto e o retorno do
investimento dos objetos sobre o eu,
constituído enquanto imagem, instaura o
narcisismo secundário. Segundo Nasio
(1995), a libido só toma o eu enquanto
objeto a partir do momento em que a
criança se vê confrontada com um ideal
do eu imposto externa e socialmente.
É no desenvolvimento libidinal que
se encontra a hipótese freudiana da
escolha da neurose obsessiva: ocorre uma
regressão até o ponto de fixação da libido
na organização pré-genital sádico-anal.
Freud (1913/1969c) afirma que os
impulsos de ódio e o erotismo anal na sintomatologia
da neurose obsessiva possuem
papel extraordinário. Em 1905,
Freud já comentava que a concepção
sádica que a criança faz sobre a relação
sexual adulta contribui para a predisposição
a um deslocamento sádico
posterior.
O estereótipo do neurótico
obsessivo é o de alguém muito distinto,
com senso de moral, respeito e escrúpulos,
sem o desejo de prejudicar o
outro. Será possível supor, então, que tal
estereótipo tenha sido moldado devido a
forte influência de um ideal do eu igualmente
distinto e escrupuloso, quando do
momento de instauração do narcisismo
secundário? Alguns impulsos do neurótico
obsessivo também podem conter imperativos
assustadores, como atos criminosos
e furiosos, dos quais o sujeito
“foge com horror e se resguarda de
executá-los recorrendo a proibições, renúncias
e restrições em sua liberdade”.
(Freud,1916-1917/1996b,p.307)
É importante ressaltar que Freud,
em 1929-1930, acrescenta que, para além
das pulsões sexuais – e, ao mesmo tempo,
enlaçada a estas –, os homens carregam
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uma considerável quota de agressividade.
O próximo não terá apenas a função de
ser um objeto sexual, mas também deverá
satisfazer as pulsões agressivas de seu
semelhante. Mas a vida em cultura exige
tanto a restrição à vida sexual, bem como
a restrição à satisfação da pulsão
agressiva, a qual tende a conduzir a
substância viva ao seu estado primevo e
inorgânico, sendo, portanto, uma pulsão
de morte1.
Qualquer restrição desta
agressividade destinada para fora tem
como resultado a volta da mesma para
dentro do próprio eu, instituindo a
autodestruição como forma de masoquismo
primário. Esta parte introjetada da
agressividade é assumida pelo superego,
que se coloca contra o ego sob a forma de
‘consciência’ moral, tendo sua origem no
recalcamento do impulso agressivo. A
diferença entre pensar e agir de maneira
má perde importância, já que nem a
intenção de cometer atos inapropriados
escapa ao superego. A tensão entre o ego
e o superego expressa-se como necessidade
de punição devido ao sentimento
de culpa. Assim, o homem mais virtuoso e
mais severo será aquele cujas intenções
foram mais intensamente agressivas e
mais fortemente censuradas. Na neurose
obsessiva, o sentimento de culpa é
ruidosamente ouvido na consciência,
dominando o quadro clínico e a vida do
neurótico obsessivo: este “tem que
desenvolver uma supermoralidade a fim
de proteger seu amor objetal da
hostilidade que espreita por trás dele”.
(Freud,1913/1969c,p.408)
1 A pulsão de morte, segundo Laplanche e Pontalis (1999,
p.407), “no quadro da última teoria freudiana das pulsões,
designa uma categoria fundamental de pulsões que se
contrapõem às pulsões de vida e que tendem para a
redução completa das tensões, isto é, tendem a
reconduzir o ser vivo ao estado anorgânico. Voltadas
inicialmente para o interior e tendendo à autodestruição,
as pulsões de morte seriam secundariamente dirigidas
para o exterior, manifestando-se então sob a forma da
pulsão de agressão ou de destruição”.
Conclusão
Campos (2000) sustenta que a
dificuldade de deixar o sintoma obsessivo
– o ponto de gozo – reside no fato de que,
no fator moral, no sentimento de culpa e
no sofrimento pela ruminação do pensamento,
encontra-se a satisfação pela
punição da grande cota de agressividade
que seria originalmente dirigida ao
exterior, mas que, devido ao ideal do eu
de escrupulosidade, teve que ser
assumida pelo superego.
Os impulsos de imperativos
assustadores, como citava Freud (1916-
1917/1996b), são característicos da neurose
obsessiva, manifestados, principalmente,
através das compulsões e dos atos.
Seriam a expressão da pulsão de morte?
Por serem atos plenamente pulsionais,
sentidos como mais fortes que a razão,
poderiam estar relacionados com a culpa
sentida pelo obsessivo? Ou esta culpa
refere-se à quota de agressividade? E
esta, por sua vez, foi primeiramente
proibida de direcionar-se contra o quê ou
quem? Qual a influência do complexo de
Édipo no que se refere à escolha do ideal
do eu? Supondo que a agressividade seja
primeiramente dirigida ao pai castrador
do complexo de Édipo, tendo como
conseqüência o sentimento de culpa,
como se dá o vínculo transferencial na
clínica, já que, segundo Freud (1912
/1969b), na análise, as imagos infantis são
reatualizadas na transferência?
Freud (1929-1930/1974) indica que
os sintomas neuróticos são formações de
compromisso que garantem satisfações
substitutivas para desejos sexuais não
realizados, acompanhados de pulsões
agressivas recalcadas que atuam como
sentimento de culpa, fazendo dos
sintomas uma forma de satisfação através
da punição. Este tipo de formação de
compromisso proposto pelo sintoma é a
escolha do neurótico obsessivo. Cabe,
então, questionar como esse acordo se
apresenta na escolha dos outros tipos
clínicos. ■
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Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1997)
Recebido em:09/08/2007
Revisado em: 20/10/2007
Aceito em: 31/10/2007
Sobre a autora:
Vanessa Leite Teixeira é aluna do curso de graduação em psicologia da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais - Campus Coração Eucarístico. E-mail: nessinhaleite@gmail.com

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