sábado, 24 de março de 2012

O NEURÓTICO

O NEURÓTICO
 Helci Rodrigues Pereira
      Vivemos num mundo neurótico e neurotizante.

O comportamento neurótico, que está vinculado à intimidade da estrutura da personalidade humana, pode ser desencadeado por fatores experienciais variados, sempre relacionados com a formação e o tipo de caráter da pessoa.

Sem dúvida as neuroses, formas menos graves de perturbação da conduta do que as psicoses, mas suficientemente perturbativas para exigir cuidados especiais, às vezes até internamento, provêm de situações traumatizantes experimentadas na infância, em geral por via da repressão imposta pela sociedade - coerção externa - e, também, pela coerção interna do superego, advindo daí os sintomas neuróticos ou psiconeuróticos.

É de ver-se que as chamadas perturbações neuróticas são formas extremadas de mecanismos normais de defesa do eu que todos nós utilizamos na busca de solução para nossos conflitos. O ser humano tem necessidades. Busca satisfazê-las. Encontra bloqueios. A necessidade fica cada vez mais forte. Sua tensão aumenta, à medida que não encontra a satisfação tão querida e perseguida. 

Muitas vezes, a pessoa tem necessidades contraditórias que o conduzem à hesitação, ao conflito interior.

Os conflitos não resolvidos provocam sentimentos de ansiedade, de angústia, de tensão, de desamparo. Não consegue, o indivíduo, uma solução realista para o seu problema e, então, adentra num estado de angústia grave, que é um dos principais sintomas do comportamento neurótico.

A angústia, que aprisiona a criatura, pode ser explícita, evidente, no caso em que uma tensão crescente provoca insônia, falta de apetite, náuseas, indigestão, diarréia, etc; ou implícita, não diretamente manifesta, mas tacitamente revelada num comportamento desajustado através do qual tenta utilizar de formas exageradas de mecanismos de defesa no objetivo de livrar-se da situação angustiante.

Ocorre que, raramente, a tal defesa é satisfatória no indivíduo neurótico. A uma, porque geralmente ele consegue alívio apenas para uma parcela de sua angústia total. A duas, porque a defesa utilizada intervém em sua atividade e seus relacionamentos diários, advindo daí maiores dificuldades, sobretudo na área das relações interpessoais.    

O neurótico é, por vezes, um maníaco obsessivo. Alguém que, por exemplo, desenvolveu um superego - consciência moral - exageradamente exigente em função de uma educação rígida, criando para si uma situação de ansiedade seguida de angústia, que o leva a elaborar, inconscientemente, um mecanismo de defesa configurado na mania obsessiva, que se revela das formas as mais diversas e até estapafúrdias.

Inúmeros e encontradiços são os casos de pessoas com manifestações neuróticas obsessivas.

Uma senhora, 37 anos, casada com homem de recursos consideráveis, não podia se conter diante de um objeto que pudesse furtar. Desde seus 19 anos vinha furtando milhares de artigos, especialmente alimentos e vestuários. Ela não tinha necessidade real de furtar, mas, segundo suas palavras, “pegar uma coisa pela qual não tinha pago dava-lhe uma sensação de satisfação”. É uma neurose de caráter.

Lemos sobre um sociopata, homem de 22 anos, cujas interações com seu meio social eram nada normais. “À perspectiva de herdar uma fortuna, e ao recebimento de uma mesada considerável, ele gastava dinheiro como se fosse água, geralmente de maneira a impressionar os demais”.

Bebia além da conta, porque isto o fazia sentir-se “super-homem”; sonhava acordado, vivendo no mundo da lua, e fazia outras coisas impressionantes, reveladoras do seu caráter neurótico, por exemplo: Entrou, um dia, num motel, registrou-se, apontou um revólver para o gerente e gritou: “É um assalto!”. O gerente facilmente o dominou, chamou a polícia, descobrindo-se, então, que não se tratava de assaltante nenhum. Apenas uma criatura de contagem neurótica obsessiva razoável.

Assim, o neurótico, além de esquisito, excêntrico, difícil, toldado por temores, ansiedades, é um ser insatisfeito, angustiado, temeroso, emocionalmente tumultuado que vive em constante conflito íntimo, escravo de um superego esmagador que o impede de bem viver e de se realizar através de uma vida normal. Seria, em alguns casos, a situação de uma pessoa submetida a excessivas regras de comportamento moral, pelas quais sempre foi informada de que tudo o que diz respeito a sexo é imundo e nocivo. Certamente esta pessoa desenvolve um comportamento neurótico maníaco obsessivo em relação às atividades sexuais, tornando-se um insatisfeito, frio, e angustiado. Uma criatura fadada ao fracasso nessa área tão importante do seu viver.

Em conseqüência, encontramos aqui, ali, além, alhures um sem número de neuróticos, dos quais poderiamos lembrar alguns.

O claustrófobo sofre de neurose caracterizada pelo aparecimento de angústia, de verdadeiro terror,  quando se acha em recintos fechados, em clausuras, quartos, túneis, etc. É muito comum nas neuroses consecutivas às emoções da guerra experimentadas por prisioneiros, vítimas de bombardeios que viveram em abrigos e adegas subterrâneas.

O agoráfobo padece de temor obsedante dos espaços amplos e vazios. Não pode atravessar, sozinho, uma rua ou uma praça sem se sentir angustiado, chegando até, em alguns casos extremos, a não mais sair de casa.

O zoófobo tem medo mórbido de qualquer animal, mesmo o aparentemente inofensivo. O tanatófobo é marcado pelo medo patológico da morte. O histérico de fixação, com sintomatologia nos já conhecidos “ataques histéricos”, motivados por reminiscências de situações de vida desagradáveis produtoras de fortes impressões, sobretudo durante a vida infantil, é um cujos “ataques histéricos” nada mais são do que a descarga de todo um complexo emocional reprimido.

O histérico de conversão é aquele cujos acessos de descarga do potencial da reação reprimida acontecem na forma neurótica da conversão dos desejos potenciais reprimidos em sintomas permanentes visíveis, tais como paralisia, gagueira, mutismo, etc.

Tendo em vista as experiências frustrantes de pessoas que se sentiram constantemente enganadas em suas expectativas, que tiveram a satisfação aos seus maiores desejos negada pela realidade existencial  e  baldados os seus esforços na consecução de objetivos considerados significativos, deparamo-nos, aqui e ali, com vários tipos neuróticos: O neurótico extrapunitivo, que reage sempre no sentido de manifestar raiva e incriminação dos outros; o intrapunitivo, “caracterizado pela humilhação, culpa e recriminação de si mesmo” e o impunitivo, que se revela embaraçado, envergonhado e tendente à auto-justificação.

Imaginemos como é difícil a convivência humana diuturna, quando vivemos num mundo neurotizante, e, quando todos nós temos, ainda que em níveis suportáveis, as nossas próprias neuroses!