terça-feira, 17 de janeiro de 2012

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES TÉCNICAS SOBRE A ENTREVISTA


Harry Stack Sullivan
TIPOS DE ENTREVISTAS PSIQUIÁTRICAS
        Antes que inicie, em detalhes, os estudos das etapas da entrevista psiquiátrica, gostaria de mencionar algumas considerações que afetam o curso da entrevista em geral e do questionário detalhado em particular. Uma delas é o propósito ostensivo da entrevista. Se esta obedece ao propósito de descobrir se há uma razão adequada para despedir uma pessoa de seu emprego conforme desejo de terceiro, naturalmente o entrevistador não abranja todos os tópicos que abrangeria se estivesse tentando descobrir, por exemplo, porque o sujeito sofre de ejaculação precoce em seus relacionamentos. Assim, o entrevistador acha-se dirigido pelo propósito da entrevista; não obstante, as suposições nomeadas não serão mudadas e a intenção do entrevistador de ser útil à pessoa não pode sucumbir, pois é a razão pela qual o sujeito revela aquilo que o entrevistador deseja saber.

         Para dar uma idéia aproximada da exposição formal dos propósitos ostensivos das entrevistas psiquiátricas, permitam-me que mencione, em primeiro lugar, sobre a consulta realizada com propósitos de diagnóstico, de aconselhamento ou talvez, de facilitar um tratamento adequado em outro lugar. Ou seja: o psiquiatra determina o caráter das dificuldades pessoais na vida do entrevistado e o aconselha com quem e de que maneira poderá obter um tratamento ou benefício. Todavia, quando o entrevistador não contempla a possibilidade de um outro tipo de tratamento intensivo para o paciente, tem que realizar uma atividade terapêutica intensa, ampliando o sentido daquilo que é dito pelo paciente; o paciente pode não estar em condições nem mesmo para revelar suas dificuldades pessoais, a não ser que fique evidente que seu médico lhe será útil no que diz respeito a apoiá-lo, pelo menos no momento.

        Temos também a entrevista que é a conversa inicial sobre psicoterapia breve ou um tratamento continuado em potencial, quer dizer que o entrevistador se aproxima do diagnóstico e pelo seu conhecimento profissional realiza, ele mesmo, o tratamento.

         Estas são duas questões muito diferentes. No primeiro tipo de consulta psiquiátrica há uma conclusão predeterminada que, a não ser que o paciente seja uma pessoa encantadora, além de seus sonhos fantásticos, este médico lhe dirá simplesmente aonde ir para tratar-se. Parece-me que esta é uma tarefa definitivamente mais fácil do que a entrevista na qual o psiquiatra não apenas descobre, segundo se espera, algumas das principais queixas do paciente, mas também o comunica que pode ajudá-lo a eliminá-las. O elemento da futura relação tem um tom tão intenso em algumas entrevistas do segundo tipo que é sabido que psiquiatras encontram dificuldades com estes pacientes no processo de tratamento e na obtenção de algum tipo de resultado. Por outro lado, quando já se sabe que o entrevistador não realizará milagres, que apenas se limitará a dizer ao paciente aonde ir e porquê, facilita de forma notável a obtenção das informações necessárias.

         O próximo tipo de entrevista que desejo mencionar é realizado também com o propósito de diagnosticar uma dificuldade do viver, porém com um propósito especial em influir mais no ambiente do que no paciente. Por exemplo: há esposas que algumas vezes chegam ao psiquiatra com a finalidade de procurar tratamento para seus esposos, ou jovens para seus noivos e vice-versa, com a idéia de que isso talvez consiga eliminar algumas divergências nessas relações. Que eu saiba, algumas vezes se consegue. Ocorre também que professores procuram um consultório psiquiátrico para consultar sobre possíveis tratamentos de crianças difíceis de se conduzir, com a idéia de que isso poderia facilitar a tarefa de ensiná-los a conviver na mesma sala de aula que os demais. Conheço casos de sacerdotes que consideravam que lhes era necessário obter alguns conhecimentos técnicos com respeito a suas relações com os comungantes. Padres, carcereiros, juízes e inteligentes membros de estudos jurídicos se perguntam se algum pequeno conselho técnico relativo à saúde mental e a prováveis necessidades de seus clientes não resultaria em maior eficácia em atendê-los. Em tais casos supõe-se que o psiquiatra encontrará soluções, no que concerne à situação apresentada, influindo em outras pessoas ou instituições. Porém, isso não elimina a necessidade de ajudar também a pessoa que procura a entrevista se o entrevistador obtiver realmente os dados que necessita; isso não impede que se faça algo em favor dessa pessoa para ajudá-la a viver.

         Há também um crescente campo de entrevistas relacionadas com a orientação de profissionais de empresas comerciais ou industriais. Assim, é possível que se peça ao psiquiatra que entreviste um candidato à promoção ou transferência de alguma organização que possua um funcionário convencido de que algo se pode lucrar com o estudo da personalidade. Ou, se uma pessoa falta repetidamente ao trabalho devido a alguma enfermidade, pode aconselhá-la que consulte a um psiquiatra. Tais procedimentos são cada dia mais aceitos no crescente campo da medicina industrial. Coincidentemente, parece haver um número cada vez maior de generais nos exércitos da Grã-Bretanha, Estados Unidos e indubitavelmente nos países da antiga União Soviética, que já descobriram que um oficial a mando de uma companhia que chega a relacionar-se de um certo modo com seus soldados poderia dizer: "Juan: parece que não está muito bem hoje. O que acontece? Más notícias de sua casa?" e recebe uma resposta mais ou menos como esta: "Desconfio que minha noiva se interessou por outro", e logo fala cordialmente com o soldado, o comandante cuja companhia se distingue entre todas as demais pelo número reduzido de faltas sem permissão, e uma proporção surpreendentemente pequena de perturbações psiconeuróticas em combate. Dito de outra forma, começa a ficar claro que uma proporção importante de aparente dificuldade, no que refere à produtividade das pessoas, está relacionada com problemas obscuros que nada tem a ver com o trabalho da pessoa e que se origina, por exemplo, na família, na comunidade, na congregação religiosa ou em qualquer parte e que pode ser de grande utilidade ter à mão uma pessoa que não se mostre muito liberal com seus conselhos, porém que seja bastante hábil em sua missão de descobrir aquilo que preocupa o outro, de modo que lhe seja possível dizer: "Não lhe parece que isto ou aquilo o prejudique? Por que não procura deixá-lo?" Uma coisa tão simples como esta produz um efeito imensamente útil com relação a essas dificuldades de direcionamento pessoal e contribui com a melhora das relações entre o patrão e seus empregados, entre o oficial e seus soldados e outros tipos de complicada cooperação interpessoal.

         Como disse, o propósito manifesto da entrevista tem muito a ver com o procedimento exato, porém não obstante, é de fundamental importância que o entrevistador transmita ao entrevistado maior sensação de capacidade, de adaptação para seguir a vida e de fazer melhor as coisas, possivelmente como resultado da entrevista, ainda por exemplo, no caso em que o entrevistado pode ser despedido como conseqüência de se descobrir, tanto ele como o entrevistador, que tem uma grande desvantagem em seu trato com a organização em que trabalha. Não é suficiente que o entrevistador descubra algo e demonstre de maneira convincente o que descobriu. O entrevistador deve também pretender se isentar disso.

O USO DAS TRANSIÇÕES NA ENTREVISTA
         O tema das transições é de um significado tão peculiar em relação à totalidade do procedimento da entrevista, que desejo referir-me a ele antes de prosseguir. Ou seja, a construção de transições é de notável importância no questionário detalhado, é uma parte necessária da técnica das entrevistas, em todas as suas etapas. E é tão peculiarmente uma abstração de técnica, que nada tem a ver com o propósito ostensivo, porém vale a pena que o entrevistador a tenha perfeitamente organizada em sua mente, seja qual for a base sobre a qual se entrevista alguém.

         Quando falo sobre a forma de realizar as transições, refiro-me simplesmente a como o psiquiatra deve atuar nas entrevistas. É imperativo, se deseja saber qual é sua posição em relação à outra pessoa, que avance ao longo do caminho e que pelo menos, seja possível a outra pessoa seguí-lo, claramente, de tal maneira que não se perca por completo o respeito que se pretende conquistar. Quando se perde — e devo dizer que isso acontece amiúde — perde também o psiquiatra, sem que haja vantagem para nenhum dos lados. Então, sem que o paciente se dê conta, e muitas vezes o psiquiatra tão pouco, começa a atuar com grande vigor a lei que disse que, passado certo limite, os benefícios não são produzidos proporcionalmente ao empenho que se espera. É ideal, se possível, avançar passo a passo, sinalizando aos outros, a fim de que sempre haja certo consenso a respeito do que se está discutindo. Lamentavelmente, para muitos, isso significaria que o psiquiatra teria que viver vários meses com os pacientes; assim, quando se está conduzindo uma entrevista psiquiátrica, é possível que seja necessário desviar-se dessa idéia de proceder sempre na direção de um objetivo que não é desconhecido, porém que, não obstante, pode ser apontado a fim de que o paciente possa enxergar o objetivo do psiquiatra. Na realidade, o entrevistador deve trocar de direção com muita freqüência. Durante esse processo, abordará muitos tópicos que, ainda que interessem ao paciente, são identificados pelo psiquiatra como de improvável utilidade, ou seja, demandariam mais tempo e não teriam qualquer provável utilidade. É preciso perguntar sobre certas coisas que o paciente tem grande habilidade para evitar e, como resultado, a entrevista deverá proceder às vezes de uma situação obscura para outra, com o entrevistador nem sempre muito seguro de que o paciente saiba o lhe foi perguntando ou que entenda bem o que o paciente disse.

         Considero as transições nas entrevistas como um dos mais importantes detalhes técnicos que sempre devem suscitar considerável atenção, e que requerem uma espécie de serena e contínua vigilância em todo o trabalho do psiquiatra no trato com estranhos, de maneira séria e íntima. Observe-se que quando se fala de trocar de tema — esta é uma maneira de dizê-lo — o paciente não revela toda história. Há pessoas que, a meu ver, jamais permanecerão no mesmo tema em observações seguidas. E há entrevistadores que parecem não melhorar muito esta performance. É sumamente fácil passar do que se estava discutindo a outra coisa qualquer que surgiu de repente na mente, e se o psiquiatra faz isso sem notar o que fez, é bastante provável que obtenha as idéias mais fantásticas sobre o entrevistado. Desta maneira, convém sempre observar — com a mesma facilidade com a qual se observa um mundo de coisas que se estão pronunciando, sem perder seu lugar — quando se muda o tema da conversa. Esta troca de tema pode muito bem ser tratada de três maneiras importantes e que não resultam em abstrações artificiais.

         A primeira delas poderíamos denominá-la de transição suave. Quando o entrevistador deseja trocar o tema da conversa, pode realizar a transição por meio de uma declaração adequada e pelo menos superficialmente verdadeira, que diz precisamente: "Sim, sim: e isso nos leva a falar sobre...? Certo?" É possível que o paciente se esgote tentando adivinhar de que maneira este tópico foi introduzido, contudo, desta forma o entrevistador o vai conduzindo e introduzindo um novo tema. Se lhe ocorrer que o entrevistador empregue algum pequeno comentário como, por exemplo: "Ah, sim... Bom: algumas vezes não se deve a isto além do que se aponta.. E me pergunto: você teve, por acaso, alguma experiência como essa?" Em outras palavras, vai de uma coisa para a outra de uma maneira completamente suave, para que seu entrevistado tenha a sensação de que essa é uma indagação muito clara e verdadeiramente colaborativa. Agora bem: o entrevistador provavelmente não fará isso, se não se dá conta de que vai mudar de tema. E se não se dá conta de tal coisa, é bem possível que perca seu cliente.

         Na transição acentuada não se emprega uma dessas maneiras corteses de transferir-se o psiquiatra e seu paciente, de um tópico para outro, sem que o primeiro indique, casualmente: "Sim, o mundo está a ponto de experimentar alguma leve mudança." No que se refere a mim, geralmente começo a sinalizar como uma engrenagem na qual foram colocados alguns grãos de areia, para indicar que algo está a ponto de acontecer. Quero deixar por um lado aquilo que está passando, enfaticamente, não de tal maneira que seja esquecido para sempre, mas com destaque para perturbar o quadro, como diriam alguns velhos psiquiatras experientes. Quero que aquilo que se discutiu não exerça influência sobre o que vai ser discutido na seqüência. Suponhamos que o entrevistado tenha me mostrado que possui alma grandiosa. Então, emito algum som preliminarmente e em seguida digo algo, por exemplo: "Com que tipo de pessoa você vê a si mesmo como verdadeiramente odioso?" Na verdade, provavelmente, eu não diria uma coisa tão cruel. Porém, a questão é que enquanto o paciente estiver possuído pela idéia de convencer-me a respeito da maravilha que é a sua alma, seria na verdade tosco que eu procedesse suavemente ao descrever como de fato o entrevistado é um indivíduo enfadonho. Porém, numa mudança brusca, é possível que ele esqueça o que estava falando. As pessoas costumam mostrar-se um tanto inseguras quando se sugere que o tempo vai transformá-las e que essas predições não resultam da fé. Porém, de qualquer modo, causa uma pequena interrupção, uma espécie de pausa vazia, que certamente não é suave. E logo, sem comoção alguma — sem assustar o paciente introduzo um novo tópico. Desta maneira, os últimos dados não são "contaminados" pela investigação anterior, como poderia ocorrer numa transição suave.

         Temos também, a transição abrupta, na qual, lamento muito dizê-lo, muitos entrevistadores parecem ser verdadeiros maestros. Não quisera, de modo algum, incentivá-los a melhorar, todavia, mais essa capacidade. Mas, a mesma tem suas utilidades. Devo dizer que não estou me referindo a uma transição tão abrupta que o paciente se assuste e não lhe seja possível esclarecer o que foi dito ao entrevistador. Quero dizer que se introduz um novo tópico na conversa que é pertinente porém que foi introduzido no que poderia chamar-se um ponto socialmente inoportuno, e sem o menor aviso. Isso pode ser feito, por exemplo, para evitar ou para provocar ansiedade. Aqui poderia dizer que muitas entrevistas passam do informativo ao nebuloso, simplesmente porque o paciente tornou-se agudamente ansioso; porém por outro lado, algumas entrevistas jamais chegariam a ser entrevistas psiquiátricas, se não se fizesse com que o paciente fosse dominado pela ansiedade. A questão se relaciona com a maneira de fazer com que o paciente se torne ansioso. Isso é feito de forma apropriada quando o paciente é levado através de um período perturbador até produzir material definitivamente reconfortante, ou desde algo que estava sucedendo, com risco acentuado para a situação, até algo cujo resultado seja tranqüilizador.

         Para resumir, a transição suave é utilizada para passar pouco a pouco a outro tópico; a transição acentuada economiza tempo e aclara a situação; e a transição abrupta é utilizada, comumente, seja para evitar uma ansiedade perigosa, ou para provocar ansiedade quando se observa que de outra maneira não é possível chegar ao que se busca.
AS ANOTAÇÕES DURANTE A ENTREVISTA

        Geralmente, se alguém pede que expresse minha opinião a respeito da conveniência de anotar o transcurso de uma entrevista, considerando tal ação do ponto de vista de seu efeito sobre o psiquiatra e sobre o paciente. Há uma grande variação entre as pessoas, referente ao grau no qual um certo comportamento ou conduta é automático. Dessa maneira, pode haver pessoas tão competentes em taquigrafia que podem anotar, quase automaticamente, uma grande parte do que estão escutando, porém sem que isso atrapalhe a atenção de sua mente consciente na tarefa de participar do trabalho da entrevista. Pode até haver pessoas capazes de fazer anotações que serão úteis posteriormente, sem por isso desviar em absoluto sua atenção durante a entrevista. As únicas vezes que fiz anotações durante uma entrevista, com a sensação de que não comprometeria o trabalho a realizar, foi com pacientes cujo ritmo de produção era muito lento: certos esquizofrênicos perturbados e um paciente que sofria de grande desordem na região entre a esquizofrenia e o mal obsessivo. Os pacientes esquizofrênicos experimentam uma grande dificuldade no que se refere a completar as frases que iniciam. Muitas vezes se perdem antes de terminar a frase, falam relativamente com pouca freqüência, perdendo muito tempo em iniciar e finalizar. Por estar profundamente interessado, de forma teórica, em saber como era aquela desordem de pensar e falar, registrei as horas transcorridas com alguns esquizofrênicos perturbados. Tive um paciente que falava tão lentamente e possuía um estado teoricamente tão importante, que escrevi ao pé da letra tudo que disse. Lamentavelmente, temo que essa transcrição não estará à disposição para a posteridade, porque não é possível "traduzir" aquilo que escrevo sem perder duas ou três vezes mais tempo do que apliquei em conduzir a entrevista. E isso, a seu modo, relata uma história: o fato de que eu não estava prestando atenção suficiente para escrever legivelmente sugere que estava muito ocupado em outra coisa. E o inverso disso é, mais ou menos, minha opinião no que se refere a tomar notas: se se presta a estas anotações atenção suficiente até o ponto de que sejam legíveis, isso pode muito bem interferir em coisas muito mais importantes para o paciente, já não para o psiquiatra.

         O psiquiatra realiza, segundo se supõe, três coisas: estuda o que o paciente pode querer dizer com aquilo que expressa; estuda a melhor maneira em que ele mesmo pode expor o que deseja comunicar ao paciente; e, ao mesmo tempo, observa o tempo geral dos assuntos que se comunicam ou que estão discutindo. Além disso, tomar notas que tenham um valor mais que evocativo, ou que cheguem proximamente a constituir uma constância verbatim (literalmente) do quanto foi dito na entrevista, na minha opinião, é algo que está acima da capacidade da maior parte dos seres humanos.

         Ainda quando o entrevistador é capaz de fazer tudo o que acabo de descrever, quando trata com pacientes que são desconfiados, até paranóides em suas atitudes, o fato de tomar notas garantirá provavelmente que o entrevistador ouça um grupo de especialistas em comunicações, nas quais todas as sutilezas que de outro modo poderia captar estão ausentes. Certamente, há ocasiões — por exemplo quando obtenho dados sociais gerais de uma pessoa — em que me parece que deveria tomar algumas notas. Em tais ocasiões digo ao paciente que possuo realmente um dom especial para esquecer tudo que é útil para mim e que, portanto, se ele não se importa farei anotações sobre o número de irmãos que tem e algumas outras coisas sem importância. Não obstante, em outros momentos, quando me parece possível obter algo importante de uma entrevista, preocupo-me muito de que estas anotações passem completamente despercebidas para o paciente.

         Nos questionários ante as entrevistas da junta médica, o paciente não só se encontra na presença de um taquígrafo, como também de um grande número de psiquiatras. Muitos psiquiatras consideram isto como uma prática relativamente cruel, porém visto que descobri que se realizava em vários lugares onde trabalhei, procuro aproveitá-las cada vez que posso. Digo que o fato de estar tomando uma versão taquigráfica da seção é inicialmente perturbador para muitos pacientes, porém há tantas outras coisas que perturbam e desagradam sobre o questionário que a maior parte dos pacientes, acredito, esquecem que suas palavras estão sendo anotadas, antes que a seção termine.

         Contudo, devo dizer terminantemente que, acredito, o fato de tomar notas certamente não facilita a comunicação.

         Resumindo, acredito que os psiquiatras, quando estão realmente empenhados em conduzir e compreender uma entrevista psiquiátrica, têm muita preocupação em que lhes sobre tempo para tomar notas, ainda quando tais notas não exerceram influência perturbadora sobre o paciente. Creio também que os pacientes, como qualquer um de nós, podem falar em geral com relativa liberdade, se somente suas memórias e a do entrevistador serão consultadas posteriormente sobre o que foi dito. Todos nos tornamos consideravelmente mais cautelosos se sabemos que haverá um registro taquigráfico ou escrito da sessão. Pessoalmente, e devido a uma extensa experiência, é possível falar na presença de um taquígrafo ou de um gravador; preocupa-me mais se o paciente conseguiu ou não expor devidamente o que estava querendo dizer do que o efeito inibidor de um gravador. Contudo, se imaginasse que um estranho levasse a gravação antes que eu pudesse revisá-la, é possível que não pensasse o mesmo sobre esta questão, apesar do que tenho uma fé considerável e digo o que quero dizer, afora, certamente, desses acidentes sem importância que se produzem quando alguém fala e do cansaço que algumas vezes me impede de encontrar as palavras que estou buscando. Estas são vantagens que raramente as pessoas que se dedicam à entrevista psiquiátrica possuem. Ainda quando em seus melhores momentos se sintam perfeitamente capazes de falar o idioma, a entrevista psiquiátrica é uma situação de considerável esforço, durante a qual os entrevistadores podem sentir-se em desvantagem. E a idéia de que se está gravando só faz aumentar ainda mais esta desvantagem.

         Uma versão literal de uma entrevista, a não ser que tenha sido adequadamente registrada, é quase invariavelmente enganosa em alto grau.

         Tenho feito algumas gravações de entrevistas que considero como material bastante didático, porém quando foram ouvidas por outros colegas, descobri defeitos que não havia percebido antes e que agora estavam visíveis. Em outras palavras o significado completo de uma conversação não se encontra no contexto verbal ao pé da letra da comunicação, senão que reflita em toda classe de sutilezas. Por exemplo, algumas trocas rápidas de tons que sugerem a mais velada insinuação de irritação por parte do psiquiatra, desviam momentaneamente o paciente na tentativa de encobrir com razoável conformidade aquilo que ele crê que é inócuo dizer e aquilo que de fato possa ser. Tais coisas não aparecem na gravação verbatim (literal) mais perfeita. Desta maneira, para dar a uma terceira pessoa uma noção de tudo que ocorreu em uma entrevista, alguém se verá obrigado a comentar o informe escrito, agregando as impressões que acompanharam a distintas declarações e explicando por que as coisas foram expostas dessa forma, além de muitos outros detalhes. Somente desta maneira a riqueza do intercâmbio em uma situação com duas figuras centrais poderia começar a ser visível.
A INTEGRAÇÃO INTERPESSOAL DO ENTREVISTADOR E DO ENTREVISTADO
        Gostaria de revisar agora algumas coisas que disse, porém de um ponto de vista diferente sob certo aspecto. O que já disse sobre o curso da entrevista e através de suas diferentes etapas e a transição de tópico para tópico, pode se pensar que significam o começo, meio e fim de uma situação interpessoal. A psiquiatria estuda as relações interpessoais que ocorrem unicamente em situações interpessoais; tais situações envolvem mais que a simples presença de duas pessoas em algum lugar, referem-se a duas pessoas que estão relacionadas uma com a outra, e a isso chamamos integração. Porém há mais ainda: uma situação interpessoal, da qual a entrevista (situação-entrevista) é um exemplo particular, está integrada e elaborada e o curso de seus feitos determinado, até certo ponto, por algo das duas pessoas envolvidas, que é recíproco, e cujas manifestações coincidem aproximadamente no tempo. Assim, alguém pode dizer que a situação-entrevista, ou série de situações, está integrada por motivos coincidentes e recíprocos do entrevistado e do entrevistador.

         Pode aprender-se muito sobre a entrevista psiquiátrica, se a consideramos sob o ponto de vista das razões que a tenham motivado, ou seja, se examinamos os motivos recíprocos que coincidem em uma entrevista específica. Do que sabemos sobre a integração das situações interpessoais, concluo que: uma entrevista tem que prometer utilidade e benefício para o entrevistado; ele se sente com direito a um certo benefício derivado dela, e deve obter esse benefício. Se esta esperança não se materializa de alguma maneira, o psiquiatra poderá não ter idéia alguma sobre o que está ocorrendo. Deste modo, por mais que pareça inferior, desafortunado, necessitando de outra pessoa, o entrevistador tem que se dar conta de que seu benefício na entrevista precisa ser algo mais que imaginário. Deve ter um motivo suficiente para prosseguir a mesma; do contrário, ainda que pareça que está respondendo realmente as perguntas formuladas pelo entrevistador, na realidade estará fazendo algo totalmente distinto.

         Como especialista na observação participante das situações interpessoais, o entrevistador tem a tarefa de influir de tal maneira na entrevista que o curso, estreitamente observado, de sua participação revele obstáculos principais e as maiores vantagens no viver que constituam características relativamente duradouras do entrevistado. Ou seja: isso é um grande requisito, e minha experiência sugere que muitos de nós, depois de descobrir algumas dificuldades e obstáculos do paciente, podemos empregar uma vivíssima imaginação que nos proporcione algo assim como um quadro geral compreensivo do entrevistado como pessoa. A necessidade de fazer isso é compreensível, porém a verdade é que a prática rende idéias muito distorcidas. A intervenção nada evidente do entrevistador (psiquiatra) não servirá para revelar todas as dificuldades e vantagens razoavelmente prováveis do entrevistado em toda sua plenitude, e tampouco dará como resultado que as mesmas sejam documentadas ou provadas; algumas delas somente serão indicadas. Porém, assim mesmo não deverão ser desconsideradas ou deixadas a cargo da imaginação do entrevistador em retrospectiva, quando está escrevendo seus informes sobre a entrevista.

         São os fatos interpessoais e a norma de seu curso que geram as informações ou dados da entrevista; é dizer que o entrevistador experimenta a maneira em que os fatos interpessoais se seguem um ao outro, que relação ou relações aparentes têm um com outro, que fraquezas se produzem, e assim sucessivamente. Deste modo, os dados da entrevistas podem proceder, tanto das respostas e perguntas, senão da oportunidade e esforço do que foi dito, dos pequenos mal-entendidos que surgem aqui e ali, das ocasiões em que o entrevistado se desviou do tema, talvez oferecendo voluntariamente fatos muito importantes que não haviam sido solicitados, etc. Assim, conforme o entrevistador vai se tornando mais hábil, se dá conta, com clareza, que o que deve fazer é observar o curso dos fatos e a forma dos mesmos, como modelo de progresso, dando origem a um campo amplo de dados sobre a outra pessoa com a qual está trabalhando. O emprego desses dados e sua capacidade para trazer deduções aumentarão com a experiência. Contudo, até que não possua a informação que pode ser obtida desta base de observação participante, não terá absolutamente nada com que iniciar; e não é possível obtê-lo pelo procedimento encantadoramente simples de sentar-se ante a uma escrivaninha e, com uma sensação de isolamento total da pessoa que está a sua frente, dissipar pergunta após pergunta e deixar a exatidão das respostas em uma planilha.

         A quase inevitável obscuridade extrema dos fatos, em princípios da entrevista e a contínua complexidade de um número tão grande desses feitos que integram seu curso, fazem com que seja útil ser modestamente metódico e, ao mesmo tempo, estar constantemente alerta. Dito de outra maneira, o entrevistador se dá conta do tipo de dados significativos que pode esperar, ainda que minimamente, em distintas fases da entrevista; toma medidas para assegurar-se desses dados; legitima a medida para uma validação subseqüente de tudo aquilo que lhe pareça indefinido ou improvável; e anota com o maior cuidado toda ocasião na qual o material que se poderia esperar, ainda que minimamente, não apareceu. Tudo isso já foi destacado: a conveniência de incluir em cada entrevista, metodicamente porém sem ser inoportuno, as quatro fases que foram mencionadas e de dar, na iniciação formal da entrevista, certos passos bastante definidos. Devido a, algumas vezes, impossível complexidade das relações com outra pessoa que nos é relativamente desconhecida, é prudente que o entrevistador persista em resumir as maneiras como esses passos podem ser dados, desfazendo tipos de ação que operem tão efetiva e inadvertidamente que não tenha que investir tempo em estudar o que será o passo seguinte.

         Porém, visto que nenhum resumo antecipará as variações que ocorrem na relação pessoal com um estranho, não é suficiente que o entrevistador seja exatamente o que se espera; tem que estar também alerta a qualquer sugestão de que algo sucedeu inesperadamente, porque as novidades que se apresentam, em uma investigação metódica não visível, são precisamente o que diferenciam seus resultados. Por exemplo: entre as características mais significativas do curso dos fatos que integram uma entrevista, temos as ausências desses fatos que, toda ou grande parte, da experiência do entrevistador o leva a esperar. Uma pessoa pode elaborar todo um curso de dados históricos que, pela experiência do entrevistador, significa sempre que por trás podem vir certos fatos. Quando não se produz esta seqüência, no relato de um paciente determinado, o entrevistador não tem porque se alterar, porém ao mesmo tempo não deve ignorar essa omissão. O fato de que os dados esperados de um certo movimento numa entrevista não têm aparecido, pode ser revelador e, de qualquer modo, é demasiado promissor para que seja sobreposto ou esquecido.

         De maneira bastante similar, o psiquiatra observa todos os pontos em que o paciente parece não compreender as coisas que o psiquiatra considera necessárias ou importantes na vida ou no trabalho do paciente. Em tais pontos, em lugar de concluir que está tratando com uma pessoa estúpida, o psiquiatra expõe algumas insinuações sobre o que pode ser a informação, para determinar se, de fato, falta essa compreensão. Se esse é o caso, pode formular algum comentário que deve ser o mais simples, claro e discreto quanto possível, para ver o que acontece, porque há um bom número de pessoas que necessitam apenas de uma insinuação para compreender e deduzir certos fatos e é bastante útil descobrir isso.

         Ou — como outro exemplo — o psiquiatra pode se confundir em função de algo que o paciente disse. Isto nem sempre justifica que o entrevistador se incorpore de repente da situação e formule perguntas, há momentos em que é bastante prudente esperar, para resolver qualquer dúvida que se possa ter. Contudo, se os fatos não foram clareados num ponto em particular, o entrevistador deve saber identificar isso, de maneira que quando uma oportunidade apareça, numa transição adequada, ou quando parece que nada acontece em especial e o paciente está esperando suas perguntas, lhe seja possível suscitar novamente esse ponto, e indicar que está em dúvida sobre o seu verdadeiro significado. A pessoa chega a compreender rapidamente que o que foi dito pode não ser entendido perfeitamente pelo interlocutor, e mostra razoável respeito ao ilustrar as diversas conclusões expostas. Então, a observação de todas essas coisas é uma função que compete ao entrevistador, melhor dizendo, a qual ele está atento. Por mais sereno que seja o curso da entrevista, o entrevistador tem que estar sempre atento a algo novo ou inesperado. Essa é uma função que, de certa forma, está intimamente relacionada com esse tipo de atividade que a pessoa denomina "pensamento", porém na realidade é bem mais amplo do que definimos como "pensamento". Para propósitos mais precisos, podemos aplicar a esta atividade o termo "processo secreto" — algo que não pode ser observado, senão unicamente deduzido — que contrasta com os outros tipos de operações referentes, ou seja as abertas e evidentes, que podem ser observadas, ainda que algumas vezes somente pelos iniciados. Alguns poderão dizer que os processos secretos podem ser observados por meio da introspecção. É indubitável que alguns poderiam ser observados por esse meio, se não fosse o fato de que o processo da introspecção tem a probabilidade de destruir a claridade dos processos secretos. De qualquer maneira, o campo de processos secretos da conduta humana é muitíssimo mais amplo que qualquer coisa que o homem tenha descoberto por meio da introspecção.

         Toda vez que a observação de alguém é um exercício de processos secretos, é útil, no treinamento para a tarefa de entrevistar, ter em conta o gênero de dados que podem ser esperados de cada fase da entrevista. Isso pode ser ilustrado, se vocês o desejam, como "saber o que alguém está buscando"; não obstante, hesito em ilustrá-lo dessa forma, posto que qualquer um que pense em tais termos corre o sério risco de crer que observa, de um ponto isolado, as performances com as quais está relacionado somente como observador, coisa que não pode fazer o entrevistador. Não há dados psiquiátricos que possam ser observados de uma posição isolada por uma pessoa que não esteja comprometida na operação. Todos os dados psiquiátricos têm sua origem na participação e na situação que se está observando, ou em outras palavras, por meio da observação participante. Assim, em lugar de "saber o que alguém está buscando", alguém deve estar atento às possibilidades do futuro imediato da relação na qual alguém está incluso. É por isso que não é possível dizer: "Eis aqui dezessete listas de fatos que podem caracterizar as entrevistas. Memorizem todas elas e sempre poderão saber exatamente o que esperar". Tal coisa é absolutamente impossível.

         O estado de atenção não pode criar-se jamais de maneira útil, somente em resposta a coisas que podem ser comunicadas com precisão em palavras, a não ser que a comunicação seja de um caráter particularmente extraordinário. Claro está que, se olho inesperadamente e com os olhos desorbitados, me dirijo até à porta e grito: "Fogo!", emprego uma palavra, e o estado de atenção de quem escuta estará bastante influenciado por tal comunicação. Porém, isso é uma circunstância excepcional, e ainda assim, apenas pode ser qualificado de comunicação verbal. É uma classe rara de advertência de um grande perigo, pouco distinta do som de um grande gongo. Assim, não é possível ensinar nada daquilo que se deve esperar, nem do que se deve estar atento para não perder nem um só fato importante. No lugar disso, estou tratando de fomentar a organização do pensamento, de tal maneira que inclua, nesse mesmo sentido, as funções dos processos secretos, um grande número dos quais não podem ser formulados com exatidão.

         Porém quando digo que o psiquiatra deve estar bastante atento, não quero sugerir que empregue essa vigência para observar o paciente, a conduta do paciente, o que disse o paciente etc. Pelo contrário, deve ter consciência em todo momento do fato de que essa é uma performance de duas pessoas, na qual o comportamento do paciente e o que ele diz se ajustam, pelo que o paciente sabe e é capaz, ao que ele adivinha sobre o psiquiatra. De modo correspondente, os comentários, perguntas, observações etc., do entrevistador são efetivos até o ponto em que ele está consciente da atitude do paciente para com ele, e até onde é consciente de tudo quanto até então é sabido sobre os antecedentes do paciente, sua experiência e a que classe de pessoa pertence. Assim, o psiquiatra, até onde é possível, concentra sua atenção nos processos que se produzem entre ele e a outra pessoa, ou que compreendem a ambos, e não em algo tão remoto como: "Que faz e diz este meu paciente?" Contudo, incorpora "comigo e a mim", então começa a ter sentido.
SULLIVAN, Harry Stack. Estudios Clínicos de Psiquiatría, Buenos Aires
Capítulo III