sexta-feira, 5 de outubro de 2012

A INTERPRETAÇÃO PSICANALÍTICA

A INTERPRETAÇÃO PSICANALÍTICA

 Diogo Assunção Valim*
Minha intenção ao escrever este artigo é de promover uma breve reflexão a respeito da técnica primordial da psicanálise: a interpretação. Assim como promover um terreno fértil para que novos psicólogos que tenham optado pela psicanálise possam encontrar aqui um pequeno apoio a sua iniciação da prática clínica. Tendo em vista que este jornal foca a psicologia como um todo, pretendo elaborar este artigo de uma forma que possa ser inteligível também para os profissionais e estudantes que fizeram a opção por outra linha de abordagem ou ainda não tiveram contato com a psicanálise. Para que isso seja possível teremos que resgatar alguns conceitos básicos da psicanálise antes de avançar para as contribuições dos autores contemporâneos.
Antes de entrarmos no assunto interpretação, devemos nos perguntar: porque o psicólogo tem que interpretar o que o paciente diz? Não seria o paciente capaz de dizer o que ocorre consigo?
Para responder esta pergunta teremos que recorrer uma das primeiras descobertas de Freud: o inconsciente. Caso o leitor já tenha passado pela situação de esquecer um nome ou palavra, algo familiar o qual se tem a certeza de se saber, mas simplesmente não conseguir trazer a consciência, então já experimentou o poder do inconsciente. Uma parte de nossa mente impossível de ser penetrada pela nossa própria vontade, onde mantemos as mais primordiais experiências vividas. A fim de poupar a consciência do sofrimento, também utilizamos o inconsciente para livrar-nos de lembranças dolorosas e indesejadas.
O problema de utilizarmos o inconsciente como cofre de experiências e idéias as quais desejamos esquecer é que este cofre não pode prendê-las por completo. Tudo o que é reprimido sem o devido tratamento, exige ser lembrado. A situação se intensifica quando isto que foi reprimido volta a consciência em forma de sintoma ou de atuações. É o caso de pessoas que sentem dores em determinadas partes do corpo e sempre que procuram o médico não encontram doença alguma. Como um exemplo de atuação podemos citar pessoas que constantemente lançam-se em relações amorosas desastrosas.
Sendo a natureza do problema inconsciente, o paciente não pode por si só ter acesso as lembranças ou idéias que o libertariam de seu sintoma ou atuações repetitivas. 
Para Freud o objetivo da terapêutica psicanalítica residiria:
“[...] na possibilidade de livrar-se desta repressão, de modo a permitir que parte do material psíquico inconsciente se torne consciente e privá-la assim de seu poder patogênico.” (FREUD, 1913, pág. 188)
E para que seja alcançado tal objetivo a ferramenta a ser utilizada é a interpretação psicanalítica. A primeira menção de Freud sobre a interpretação foi em 1900 na “Interpretação dos Sonhos”:    
“[...] “interpretar” um sonho implica em atribuir a ele um “sentido” – isto é, substituí-lo por algo que se ajuste a cadeia de nossos atos mentais como um elo dotado de validade e importância iguais ao restante“ (FREUD, 1900, pág. 131)
Com o desenvolvimento da técnica Freud estendeu esta prática para a fala e o comportamento do paciente. Assim como nos sonhos, quando o paciente utiliza a fala para expressar suas idéias e pensamentos o inconsciente age de forma a delatar a verdadeira intenção por trás das simples palavras concretas. São muitas as formas como isso ocorre, vão desde comportamentos a falas ou gestos, mas podemos citar como exemplo os famosos “atos falhos”, quando o paciente é traído pelas próprias palavras. A função da interpretação é justamente dar sentido a estes fragmentos liberados pelo inconsciente. Sendo assim, o principal atributo e também o mais conhecido é o de “traduzir” a fala do paciente, ligando idéia e afeto.
Mas qualquer leitor a esta altura poderia se perguntar: “mas traduzir baseado em que? Teria o psicanalista algum manual? Ou teria ele um poder sobre-humano de conhecer a verdade que o paciente não vê? Para isto a psicanálise não se utiliza somente da teoria, mas também de uma propriedade simples e inerente a todo ser humano: a lógica. Vamos colocar em um exemplo hipotético: temos uma paciente que constantemente vem a sessão e gasta todo o tempo desta queixando-se e insultando sua mãe, segundo ela sua progenitora seria a causa de todos seus problemas.
Agora vamos colocar as lentes da lógica e pensar sobre isso: porque será que esta paciente procurou um psicólogo em primeiro lugar? Se ela própria acreditasse que seu problema estava na figura da mãe não pagaria um psicólogo sabendo que este não ira interferir no problema diretamente, mas agiria diretamente sobre o que a incomoda. Espero que o leitor esteja seguindo meu raciocínio: temos aqui uma mulher que diz ser sua mãe a problemática, mas é ela própria quem procura tratamento. Com isto em mente, temos que repensar o que a fala desta paciente esta escondendo e interpretar isto a fim de que ela liberte-se de seu discurso superficial.
Outras premissas que todo psicanalista se baseia para elaborar suas interpretações é o fato de que quando um paciente fala, sempre fala de si. Mesmo quando relata fatos que ocorreram em sua vida, ele as relata como as percebeu e o que pode retirar de cada fato, desta forma, na clínica nunca lidamos com a realidade propriamente dita, interagimos antes, com a realidade do paciente.
Segundo Otto Fenichel (2005) a interpretação age como modo a ajudar o paciente a eliminar suas resistências tanto quanto possível, chamando a atenção do paciente para os efeitos de sua própria resistência. O principal motivo pelo qual o paciente não pode livrar-se de seus sintomas é, alem da ambigüidade de sentimentos envolvendo o autoconhecimento, que sua atenção está dispersa e desfocada de si próprio ou das questões chaves do conflito. Desta forma, a interpretação também serve como um “holofote” que foca a atenção do paciente onde ela é mais proveitosa.
Vamos recorrer ao exemplo já dado. A interpretação do psicólogo na ocasião em questão retiraria a atenção da paciente sobre sua mãe para focar nela própria, desta forma ela pode perceber-se na relação com sua mãe e descobrir suas vontades inconscientes que a levaram a procurar um atendimento psicológico.
Como a verdadeira motivação do paciente é inconsciente, logicamente sua consciência será repleta de “lacunas” e para cobrir estes furos ele utiliza-se da fantasia. Como bem coloca Aulagnier (1995), outro papel importante da interpretação é iluminar estes furos e mostrar a incoerência das fantasias criadas para tapá-lo, através da atenção do paciente focada sobre este ponto e somado ao papel de “tradutor” assumido pelo terapeuta, é possível reaver o que fora subtraído pelo inconsciente. A mesma autora ressalta um efeito importante da interpretação na mente do paciente: a mudança econômica. Em termos simples, o paciente muda sua economia de energia ao desprender-se de fantasias, atuações e ideações patológicas, desta forma esta energia fica livre para ser investida em outros campos da vida do paciente.
Zimerman (2004) destaca que no termo interpretação deve se levar em conta o prefixo inter pois designa uma relação de vincularidade entre o analisando e o analista, neste espaço vincular se daria a interpretação, como uma construção da dupla e não apenas uma atividade do analista. Pensando nisto, vamos mudar o lado da moeda agora e entender a interpretação do ponto de vista do psicólogo. Segundo Zimerman, a interpretação teria 3 fases na mente do analista: acolhimento dos conteúdos do paciente, quando o psicólogo escuta o paciente nas amplas formas de comunicação. Em seguida a transformação, tendo os conteúdos do paciente em sua mente o psicólogo os transforma em algo que possa ser compreendido pelo paciente. E o ultimo passo é a devolução em forma verbal.
Certamente este é um assunto muito mais amplo e profundo e aqui temos a possibilidade apenas e arranhar a ponta do iceberg, mas se este artigo foi capaz de instigar a mente do leitor e promover um interesse maior por esta fascinante técnica então considero sua missão cumprida.

*Diogo Assunção Valim é psicologo e ex-aluno do Cesumar.

Para saber mais:
AULAGNIER, Piera. O trabalho da Interpretação in Como a Interpretação vem ao Psicanalista – São Paulo: Editora Escuta, 1995.
FREUD, Sigmund. Técnica da psicanálise in: Obras completas de Sigmund Freud: Edição Standard Brasileira (volume XXIII) – Rio de Janeiro: Imago, 1996.
FREUD, Sigmund. O Método de interpretação dos Sonhos; análise de um sonho modelo in: Obras completas de Sigmund Freud: Edição Standard Brasileira (volume IV) – Rio de Janeiro: Imago, 1996.

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